DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 29.07.2015, A…, viúva, contribuinte fiscal n.º…, residente na rua …, nº…, …, …, Oeiras, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito de C…, (doravante designada por “primeira Requerente”) e B…, casada, contribuinte fiscal nº…, residente na rua…, nº…., em Oeiras, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de D… (doravante designada por “segunda Requerente”), requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das liquidações de Imposto do Selo (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo) relativas ao ano de 2014, conforme documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral sob os números 1 a 28 e referentes ao prédio urbano sito na rua …, nº … (anterior…), …, em Cascais, não constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº…, inscrito na respetiva matriz predial urbana da União das Freguesias de … e …, concelho de Cascais, sob o artigo … .
As Requerentes pedem, ainda, a condenação da Requerida a pagar-lhes os impostos pagos respeitantes às liquidações em causa, que consideram indevidos, bem como os respetivos juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 28.10.2015.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
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O imóvel a que se referem todas as liquidações de Imposto de Selo é um prédio que contém sete andares ou divisões com utilização independente, todos afetos a habitação, não constituído em regime de propriedade horizontal.
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Uma vez que nenhum dos andares ou divisões tem um VPT superior a € 1.000.000 €, não se verifica o pressuposto legal de incidência previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo uma vez que a sujeição é determinada, não pelo valor patrimonial tributário total do prédio, mas pelo valor tributário atribuído a cada um dos seus andares ou divisões.
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O critério utilizado pela Requerida de considerar o valor resultante dos somatórios dos valores patrimoniais tributários atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento de que o prédio não se encontra submetido ao regime da propriedade horizontal não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.
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A adoção do critério defendido pela Requerida viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.
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Deverão os atos tributários ser anulados e condenada a Requerida a pagar às Requerentes os impostos indevidamente pagos bem como juros indemnizatórios calculados sobre o valor do imposto que se encontrar pago, nos termos do disposto no nº 1, do art. 43º, da LGT.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
Por exceção,
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Os Requerentes não impugnam o ato tributário de liquidação, mas sim o pagamento de duas prestações do ato de liquidação constantes de notas de cobrança, matéria que não consta do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art. 2º do RJAT pelo que Tribunal é incompetente para a apreciação do pedido formulado.
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A incompetência do tribunal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso nos termos do artigo 576º e al. a) do artº 577º aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, al.a) e e) do RJAT, pelo que deve ser declarada.
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O pagamento de cada liquidação é concretizado em prestações, o que não permite a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança nesse valor parcelar, verificando-se, também, a exceção de inimpugnabilidade dos atos objeto do pedido de pronúncia arbitral, devendo esta exceção ser também julgada procedente.
Por impugnação,
d. A situação do prédio dos requerentes subsume-se, linearmente, o que quer dizer, literalmente, na previsão da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de selo.
e. Os ora requerentes são comproprietários de um prédio em regime de propriedade total ou vertical sendo que, da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI.
f. Assim, os ora requerentes, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redação da referida verba, não são proprietários de frações autónomas, mas sim de um único prédio.
g. Tendo por adquirido este facto, o que os requerentes pretendem é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal.
h. Pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é abusivo e ilegal.
i. O intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.º, n.º 2 da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal:” Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.”
j. Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes suscetíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.
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A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente e não afeta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral.
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Outra interpretação violaria a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
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Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.
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O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.
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Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.
p. Os atos tributários impugnados não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica.
q. Também não assiste razão às Requerentes no pedido de pagamento de juros indemnizatórios pois, como se demonstrou não se verifica a situação que a lei configura como sendo de “erro imputável aos serviços”.
r. Ademais, a lei não previu uma responsabilidade objetiva, mas antes uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços, que tem que ser alegada e provada e não resulta imediatamente da anulação das liquidações impugnadas, pelo que improcede, por infundado, o pedido de juros indemnizatórios.
5. As Requerentes responderam por escrito à exceção suscitada pela Requerida, em síntese, nos termos seguintes:
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O que resulta do pedido de pronúncia arbitral é que os requerentes requereram a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação do imposto de selo, referente ao ano de 2014, relativo ao identificado prédio urbano, no montante global de € 9.215,83 (€ 5.864,62 + € 3.351,21) e a sua consequente anulação.
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A liquidação é só uma e só ela constitui um ato lesivo, suscetível de impugnação, como sucedeu no caso em apreço.
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Apenas e tão só para efeitos de restituição e reembolso do imposto por si indevidamente pago, cujo pagamento é necessário demonstrar no presente processo arbitral, se indicaram as notas de cobrança emitidas para o pagamento das prestações tributárias.
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Consequentemente, as exceções invocadas pela Requerida deverão ser julgadas inteiramente improcedentes.
6. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis e ainda nos princípios da celeridade, da simplificação e informalidade processuais.
Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.
7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
8. Cumpre solucionar as seguintes questões:
a) Se ocorrem as exceções de incompetência do tribunal arbitral e de inimpugnabilidade dos atos objeto do presente processo.
b) Se são ilegais e em consequência devem ser anuladas as liquidações objeto do presente processo.
II. Saneamento
9. Exceções de incompetência do tribunal arbitral e de inimpugnabilidade dos atos objeto do pedido de pronúncia arbitral.
Tendo em conta a manifesta conexão entre as duas exceções suscitadas serão as mesmas apreciadas conjuntamente.
Vejamos.
Na petição inicial as Requerentes, expressa e reiteradamente, indicam como objeto do pedido de pronúncia arbitral as liquidações de imposto de selo que identificam expressamente por menção do respetivo número e data. Acresce que indicam a soma do valor das liquidações impugnadas, respeitantes a cada uma das Requerentes, (€ 5.864,62 e 3.351,21 €, respetivamente), que se constata corresponderem efetivamente ao valor das liquidações efetuadas pela Requerida. Por outro lado, a soma daqueles valores corresponde ao valor do processo indicado pelas Requerentes.
Assim sendo, dúvidas inexistem de que os atos objeto do presente processo (as liquidações de imposto de selo) são impugnáveis e incluem-se na competência do Tribunal arbitral, nos termos do art. 2º, nº 1, al. a) do RJAT.
Em consequência, julgam-se improcedentes as exceções suscitadas pela Requerida.
II – A matéria de facto relevante
10.Consideram-se provados os seguintes factos:
a)A Requerida efetuou e notificou a primeira Requerente das liquidações de Imposto do Selo (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), relativas ao ano de 2014, datadas de 20.03.2015, no valor total de € 5.864,62 (cinco mil oitocentos e sessenta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos), na qualidade de comproprietária do prédio urbano sito na rua…, nº … (anterior…), …, em Cascais, não constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº…, inscrito na respetiva matriz predial urbana da União das Freguesias de … e …, concelho de Cascais, sob o artigo … e ainda na qualidade de cabeça-de-casal da herança liquida e indivisa aberta por óbito de C…, conforme documentos números 1 a 14, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que se dão por integralmente reproduzidos, devendo, nos termos das notificações em causa, a 1ª prestação ser paga no mês de Abril de 2015.
b) A Requerida efetuou e notificou a segunda Requerente das liquidações de Imposto do Selo (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), relativas ao ano de 2014, datadas de 20.03.2015, referentes ao mesmo prédio no valor total de € 3.351,21 (três mil trezentos e cinquenta e um euros e vinte e um cêntimos), na qualidade de comproprietária do prédio identificado na alínea anterior e, ainda, na qualidade de cabeça-de-casal da herança liquida e indivisa aberta por óbito de D…, conforme documentos números 15 a 28, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que se dão por integralmente reproduzidos, devendo, nos termos das notificações em causa, a 1ª prestação ser paga no mês de Abril de 2015.
c) O prédio supra identificado é composto por sete andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sendo duas no rés-do-chão e as restantes nos primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares, constando da matriz como titulares do imóvel em compropriedade a primeira Requerente na proporção de catorze quarenta e oito avos, a herança indivisa aberta por óbito de C… na proporção de catorze quarenta e oito avos, a segunda Requerente na proporção de dois vinte e quatro avos, a herança indivisa aberta por óbito de D… na proporção de seis vinte e quaro avos e a proporção remanescente a favor de terceiro.
d) O Prédio não está constituído em propriedade horizontal.
e) As liquidações objeto do pedido de pronúncia arbitral respeitam a cada uma das partes suscetíveis de utilização independente do prédio em causa.
f) Cada uma das mencionadas divisões com utilização independente foi objeto de avaliação autónoma por parte da Administração Fiscal, que fixou os respetivos valores patrimoniais tributários, conforme consta da caderneta predial, entre € 34.980,00 (trinta e quatro mil, novecentos e oitenta euros) e € 178.360,00 € (cento e setenta e oito mil trezentos e sessenta euros).
g) A primeira Requerente pagou a primeira prestação respeitante às liquidações de imposto, no valor de 2.343,84 €, em 9.04.2015, a segunda prestação, no valor de € 1.381,16, em 10.07.2015 e a terceira prestação, no valor de € 2.139,62, em 9.11.2015.
h) A segunda Requerente pagou a primeira prestação respeitante às liquidações de imposto, no valor de 2.138,24 €, em 24.04.2015, data em que pagou o valor de € 837,80 e em 27.04.2015, data em que pagou o valor de € 1300,44 e a segunda prestação no valor de € 1212,97, em 12.01.2016.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados
11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
-III- O Direito aplicável
12.Estabelece a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo que fica sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:
“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI: 1%.
28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%”.
13. O artigo 67º, nº 2 do CIS estabelece que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.
Dispõe o artigo 2º, nº 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI) que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
Estabelece, ainda, o artigo 92º do mesmo código:
“1-A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz.
2-Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal.
3-Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética.”
Por sua vez, estabelece o artigo 12º, nº 3 deste Código que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.[1]
Escrevendo sobre esta norma, dizem-nos J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas: “Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade (…).
Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial tributário a cada uma delas”.[2]
Afigura-se, assim, que o artigo 12º, nº 3, do CIMI, é aplicável às situações de prédios em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, previstos no artigo 1415º do Código Civil, mas em que não verifica a existência de título constitutivo.
14. Relativamente a prédios urbanos em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, em substância, a realidade económica objeto de tributação não deixa de ser a mesma pelo facto de ter ocorrido, ou não, a prática do ato constitutivo da propriedade horizontal. Na perspetiva da tributação destas realidades, não se encontra no CIMI qualquer diferença substantiva de tratamento dum imóvel em função da constituição da propriedade horizontal.
Efetivamente, no regime dos arts. 38º e seguintes do CIMI que regulam a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis não se deteta diferenciação substantiva entre imóveis constituídos em propriedade horizontal e imóveis com condições objetivas para tal, mas em que a submissão a tal regime não ocorreu[3], designadamente, tais circunstâncias não constam dos elementos majorativos ou minorativos previstos nas tabelas dos artigos 43º, nº2 do código.
15. A questão essencial a solucionar o presente processo prende-se com a questão de saber se nos prédios com partes suscetíveis de utilização independente, mas não submetidas ao regime da propriedade horizontal, o imóvel será considerado como uma unidade para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS ou se serão consideradas individualmente as suas partes independentes.
No primeiro caso, o valor relevante para efeitos da subsunção à verba 28 será o resultante da consideração da totalidade das suas partes e, em coerência, deverá efetuar-se uma única liquidação, apenas relativamente ao imóvel, e não tantas liquidações quantas as partes ou andares suscetíveis de utilização independente.
No segundo caso, o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, devendo efetuar-se tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente mas, apenas e tão só, relativamente a partes suscetíveis de utilização independente cujo valor seja igual ou superior a 1000.000 €.
A AT efetuou tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, procedimento que no nosso entender não se harmoniza com a sua própria tese de que, nestes casos, a realidade visada pela Verba 28 da TGIS é o imóvel na sua globalidade e não cada uma das suas partes autónomas.
16. A questão já foi apreciada em diversas decisões arbitrais[4], que foram no sentido de considerar que o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, solução que temos por correta.
Num primeiro momento interpretativo da verba 28 da TGIS, a expressão “prédios urbanos”, em conjugação com o artigo 2º, nº 4 do CIMI, que atribui a qualidade de prédio urbano a frações autónomas no regime de propriedade horizontal e, aparentemente, parece não a atribuir a parte suscetíveis de utilização independente, poderia apontar para a consideração do prédio como um todo.
Mas, ainda no âmbito do elemento literal, a verba aponta em sentido diverso ao referir “prédio habitacional”, na medida em que, nos casos de prédios suscetíveis de utilização independente, a afetação só pode ser determinada fração a fração [5] e não globalmente, na medida em que pode acontecer, e acontece com frequência neste tipo de imóveis, haver partes afetas a habitação e outras afetas a outros fins.
Assim, o legislador ao referir “prédio habitacional”, no que respeita a prédios com andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, só poderá ter tido em mente cada uma destas frações e não o prédio na sua globalidade.
17.Esta leitura do elemento literal está em completa harmonia com as normas do CIMI supra mencionadas, bem como dos demais elementos interpretativos, conforme demonstrado nas várias decisões do CAAD nesta matéria e a cuja jurisprudência se adere sem reservas.
Como se escreveu na decisão proferida no processo 50/2013-T:
“a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.
Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.
A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”
18. A requerida sustenta, ainda, que viola o princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou andar ou divisão a divisão e não globalmente.
Afigura-se-nos que não lhe assiste razão, pelo acima exposto e, ainda, porque não se vislumbra em que medida o princípio da legalidade possa interferir com a aplicação dos critérios interpretativos previstos no artigo 9º do Código Civil.
Por outro lado, entende-se que a interpretação que aqui se sustenta, na linha da jurisprudência arbitral pacífica supra mencionada é a que se harmoniza com os princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva na medida em que não seria aceitável, face a estes princípios, a tributação inequivocamente desigual de realidades substancialmente idênticas apenas pela razão formal de nuns casos ter ocorrido a constituição de propriedade horizontal e noutros não.
Na mesma linha vai a consideração do princípio da coerência sistemática, que também seria afetada com a consideração destas realidades em sede de IMI de modo substancialmente idêntico à das frações de prédios formalmente constituídos em propriedade horizontal, ao invés do que sucederia em sede de imposto de selo, de acordo com a solução sustentada pela Requerida.
19. Pelo exposto, considera-se que no caso de prédios urbanos com partes ou andares suscetíveis de utilização independente o valor a considerar para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes independentes, só estando sujeitas a este imposto as partes suscetíveis de utilização independente cujo valor patrimonial tributário próprio seja superior a € 1.000.000.
20. No caso em apreço, sendo o valor patrimonial tributário de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente inferior àquele valor as mesmas não se subsumem na norma de incidência tributária pelo que as liquidações sub judice padecem do vício de violação de lei, não podendo, em consequência, deixar de ser anuladas.
21. Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes à liquidação objeto do presente processo, bem como os respetivos juros indemnizatórios.
Vejamos.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[6]
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).
No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem às liquidações objeto do presente processo imputável às Requerentes, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.
Pelo que, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pelas Requerentes relativamente às liquidações anuladas, com juros indemnizatórios, à taxa legal.
Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral:
a) Decretar a anulação das liquidações objeto do presente processo.
b) Condenar a Requerida a restituir às Requerentes os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento até à do processamento das notas de créditos.
Valor da ação: € 9.215,83 (nove mil duzentos e quinze mil euros e oitenta e três cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 29.02.2016
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro
[1] Também no sentido da consideração individualizada destas partes suscetíveis de utilização independente determina o artigo 119º, nº 1 do CIMI que o documento de cobrança do imposto conterá a “discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário".
Apontando também no mesmo sentido, o artigo 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 20 de Novembro, aditado pela Lei 60-A/2011 de 30/11, referindo-se à coleta de IMI para efeitos do regime de salvaguarda, menciona “prédio ou parte de prédio urbano objeto da avaliação geral”.
[2] OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, O IMPOSTO DE SELO, Anotados e Comentados, Engifisco, 1ª Edição, 2005, págs. 159-160.
[3] Já assim era face ao Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola e ao Código da Contribuição Autárquica.
Os ofícios circulados nºs 40012, de 23.12.1999 e 40.025, de 11.08.2000 (que se podem consultar em CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS, Comentado e anotado, de Martins Alfaro, Áreas Editora, 2004, 589-592 e na obra citado de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, pags 294-295 e 259-261, podendo ainda hoje o segundo ser consultado no sítio da internet http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/oficios_circulados_contribuicao_autarquica.htm) explicitaram mesmo o entendimento de que a não ser em casos de reconstrução, modificação ou melhoramento do prédio que implique alguma variação do valor tributável a passagem ao regime da propriedade horizontal não dá origem a nova avaliação.
[4] Entre outras, as proferidas nos processos 50/2013-T, 132-2013-T, 18 1/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/13, 177/2014-T, 396/2024-T, 461/2015-T e 474/2015-T, que podem ser consultadas em https://caad.org.pt/.
[5] Usamos aqui a expressão no sentido de parte ou andar suscetível de utilização independente.
[6] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).