DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A…, S.A., pessoa coletiva nº …, matriculada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial de…, com sede na Rua…, n.º…, …, e…, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) de 2014, no valor global de €11.825,90, relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo… (com origem no …) da freguesia de … .
A Requerente peticiona no sentido da anulação dos atos tributários, aduzindo argumentação que sumariamente infra se sintetiza:
a) Omissão de audição prévia;
b) Erro sobre os pressupostos de direito;
c) Erro sobre os pressupostos de facto;
d) Omissão de audição prévia;
A Autoridade Tributária, por seu turno, defendeu, em síntese, não se mostrar violado qualquer norma jurídica, na medida em que as áreas de utilização independente referentes a um mesmo artigo não constituem prédio urbano na acepção do n.º 4 do artigo 2º do CIMI, logo não podendo deixar de se somar os VPT’s de todas essas áreas ou andares de utilização independente, concluindo pela improcedência do pedido de anulação formulado pela Requerente.
O árbitro único foi designado em 15.09.2015.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 30.09.2015.
Face ao posicionamento da Requerente e Requerida, o Tribunal prescindiu da realização da primeira reunião arbitral, bem como da formulação de alegações.
2. Saneamento
O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O pedido de constituição e de pronúncia por tribunal arbitral é tempestivo e não foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa.
A cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em que estão em causa atos de liquidação de um mesmo imposto (do Selo), assentes na mesma base factual e aplicando as mesmas regras de direito, encontra-se plenamente justificada face ao princípio da economia processual consagrado no artigo 3º do RJAT, nada obstando assim ao conhecimento dos vícios que aos atos tributários vêm assacados pela Requerente.
Inexistem exceções que obstem ao conhecimento do mérito do pedido formulado, atinente à ilegalidade em concreto que é imputada ao ato tributário objecto destes autos, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação de decisão arbitral nesta matéria.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. A Requerente é proprietária do artigo predial urbano inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de…, sob o artigo…;
2. A Requerente foi notificada para pagar a 1ª, 2ª e 3ª prestações relativas ao Imposto do Selo de 2014, verba 28.1. da TGIS, através dos documentos de cobrança n.º 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 201…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…;
3. O identificado prédio urbano encontrava-se, em final de 2014, em regime de propriedade total/vertical, sendo composto por 8 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;
4. Dos 8 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, 7 têm afectação habitacional e com os seguintes VPT’s:
- R/C D - € 147.260,00;
- R/C E - € 111.850,00;
- 1º E - € 147.820,00;
- 1ºDT - € 152.500,00;
- 1ºE - € 147.820,00;
- 2º DT – € 152.500,00;
- 2º E - € 147.820,00;
- 3º DT - € 322.840,00;
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Nenhum andar ou divisão susceptível de utilização independente com afectação habitacional do artigo urbano … tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 de euros;
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Em 15.07.2015 a Requerente apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral tendo nessa data procedido ao pagamento da taxa de justiça inicial devida,
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Em 17.07.2015 foi aceite o pedido de constituição e de pronúncia por tribunal arbitral;
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
3.2. Fundamentação da matéria de facto dada por provada e não provada:
A convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.
4. Matéria de direito:
4.1. Objeto e âmbito do presente processo
As questões que se colocam ao Tribunal são essencialmente atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.
O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, externados em documentos de cobrança (1ª, 2ª e 3ª prestações), no valor total de € 11.825,90.
O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, no valor de € 11.825,90, sendo que a Requerente aponta aos atos tributários em causa vícios formais e substantivos, no sentido em que estes últimos pretendem colocar em crise a essência do fundamento que está na base da tributação levada a efeito pelo ato tributário sub judice, in casu, a aplicabilidade ou não da norma legal já referida face à realidade fática existente e ainda e por último, vícios de natureza formal ou procedimental como seja a omissão de notificação para audição prévia.
Tendo em atenção o disposto no artigo 124º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do DL 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), tem-se por firme que os vícios supra apelidados de “substantivos” são aqueles que, em caso de procedência, determinam uma tutela mais estável e eficaz dos interesses ofendidos, pelo que não poderá deixar de se iniciar a apreciação do vício apontado pela Requerente relativo ao erro sobre os pressupostos em que alegadamente assentarão as liquidações de Imposto do Selo.
4.2. Da alegada ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, Verba 28.1. da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito:
Em síntese, está em causa perscrutar se a interpretação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de utilizar, enquanto critério legal para efeitos de sujeição à Verba 28.1. da TGIS, a soma dos VPT’s de todos os andares ou divisões de utilização independente com afectação habitacional relativa a um mesmo artigo matricial é ou não consentâneo com o quadro legal aplicável.
A este respeito importa levar em consideração a sucessão legislativa atinente à Verba 28.1. da TGIS.
A Verba 28.1. da TGIS foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo através da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Posteriormente, o legislador veio a alterar a redação normativa inicial dada pela lei supra, por via do artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) o qual é aqui aplicável aos atos tributários, uma vez que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014, ano a que respeitam os tributos ora arbitralmente sindicados.
Vejamos assim e antes de mais, o enquadramento legal das liquidações de Imposto do Selo em apreço:
Dispõe a Verba 28.1. da TGIS na redação conferida pelo último diploma legislativo vindo de versar, o seguinte:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %”
Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
O normativo de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito-base de prédio radica do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT ao teor do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.
Sendo que, nos termos daquele versado preceito legal:
“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.” (grifados nossos)
Esclarecendo, por sua vez, o artigo 6º do CIMI, que:
“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”( grifados nossos )
O conceito do legislador relativamente a prédios e à subsequente divisão em urbanos é, para efeitos fiscais, indubitavelmente um critério assente no valor económico e autonomia funcional em razão da finalidade.
Ou seja, está-se perante um conceito de raiz material ou substantivo e não perante um conceito de recorte jurídico-formalístico, como parece pretender a Requerida AT.
Ora, no caso dos autos a Requerida AT não coloca sequer em crise que os andares ou divisões com utilização independente e com afectação habitacional referente ao artigo matricial não revistam essas mesmas características (autonomia funcional e valor económico) relevadas pelo legislador, nem o poderia fazer porquanto é a própria AT que deu por correctas e fez inscrever essa mesma informação nas respetiva caderneta predial do artigo matricial a que os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente respeitam.
Acrescendo que, justamente por tais andares ou divisões revestirem tais características de autonomia, quer em termos funcionais, quer em termos de valor económico, se compreende que o legislador tenha previsto a atribuição de valores patrimoniais tributários por cada um desses andares, áreas ou divisões susceptíveis de utilização independente.
O que contraria a tese da AT segundo a qual não constando expressamente do n.º 4 do artigo 2º do CIMI os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o legislador havia pretendido afastar tal figura do conceito de prédio.
Destarte, não colocando a Requerida sequer em crise que se esteja perante prédio habitacional e não se questionando igualmente a autonomia funcional e valor económico dessas mesmas áreas ou divisões independentes, de resto fiscalmente traduzido nos respetivos VPT’s e cujas características essas se encontram transpostas para as respectivas cadernetas prediais do artigo matricial sob a designação de andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não podemos deixar de concluir que no plano material e substantivo esses mesmos andares ou divisões se encontram abrangidos pela noção de prédio constante do n.º 1 artigo 2º do CIMI e de prédio urbano constante da a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6º, ambos do CIMI.
A introdução na ordem jurídica tributária da presente Verba 28.1 da TGIS teve por factor relevante e determinante a incidência sobre prédios urbanos habitacionais, de elevado valor, também usualmente designados por habitações de luxo, mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir Imposto do Selo.
Pretendeu assim o legislador introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre todo e qualquer prédio urbano habitacional, tendo o critério legislativo feito aplicar tal imposto de selo sobre os prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.
Tal conclusão pode retirar-se da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Desta forma, parece claro que o legislador entendeu que casas revestindo determinadas características aferidas quantitativamente através do VPT devem determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.
Mas não menos evidente, traduz uma linha de opção legislativa que pretendeu onerar concretamente os prédios urbanos habitacionais de segmento elevado, prémio ou também vulgarmente ditos de luxo.
Note-se que, independentemente das concepções mais ou menos subjectivas sobre o conceito de habitações de luxo, de segmento elevado ou expressões de significado equivalente, é certo que o valor patrimonial tributário é, desde a reforma da tributação sobre o património de 2003, mensurada com base em elementos objectivos, como sejam a área, a localização, o nível de conforto, entre outros.
O que significa afirmar que, e independentemente das considerações ideológicas que sobre tal opção política se possam efectuar, o legislador teve um objectivo concreto e definido: sujeitar a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor, o que na prática se traduziu na fixação de um patamar mensurável através do VPT: valor igual ou superior a € 1.000.000,00.
Acrescendo que assegurou o legislador através de vários coeficientes (minorativos e majorativos) a objectividade no apuro desse mesmo VPT.
Ora, nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente aqui em apreço e sobre o qual recaíram as liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, atingem, individualmente, o valor de € 1.000.000,00, sendo que cada um desses andares ou divisões independentes representa no ordenamento fiscal um prédio urbano de per se, razão pela qual incorreu a AT em erro sobre os pressupostos ao fazer sujeitar à verba 28.1. da TGIS ao desconsiderar que cada uma dessas mesmas áreas ou divisões representa nos termos do Código do IMI e consequentemente em sede de Imposto do Selo, um prédio urbano.
Razão pela qual não poderiam essas áreas ou divisões relativa a um mesmo artigo matricial ser objeto de soma para cálculo do VPT desse artigo matricial.
O que o mesmo significa afirmar que tendo em consideração a ratio legis vinda de enunciar, os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente não cumprem o pressuposto atinente à tributação no domínio da norma de incidência prevista na verba 28.1. da TGIS, razão pela qual, também em face do vindo de expor, não pode deixar de se concluir pela desconformidade legal da interpretação da AT em sujeitar à Verba 28.1. da TGIS os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, porquanto os mesmos não atingem individualmente o critério quantitativo mínimo para tal sujeição.
4.3. Demais vícios invocados pela Requerente:
Tendo o tribunal arbitral singular acolhido o entendimento da inaplicabilidade da Verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, fica prejudicada por processualmente inútil a apreciação dos restantes vícios aduzidos e de que possa enfermar o acto tributário posto em crise.
Fica assim prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas em ordem à anulação do ato tributário arbitralmente sindicado.
5. DECISÃO:
Nestes termos e com a fundamentação que se deixa supra exposta, decide este tribunal arbitral:
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Julgar procedente, por provado, o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo de 2014, referente ao prédio identificado pelo artigo matricial urbano constante em 1. e melhor identificados em 3., por vício de violação de lei quanto à norma constante na Verba 28.1. da TGIS, assente na existência de erro sobre os pressupostos de direito e, em consequência, anular-se estes mesmos atos tributários;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedido - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT - € 11.825,90.
Valor da causa: €11.825,90– arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa, 21 de Março de 2016.
O árbitro singular
Luís Ricardo Farinha Sequeira
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.