Decisão Arbitral
I - Relatório
No dia 29-06-2016, a sociedade “A…, SROC”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios n.ºs … a nº…, relativas aos períodos de Janeiro a Setembro de 2011 e n.º 2015…, relativa ao período de Dezembro de 2011.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.
3. O Tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1 Os actos de liquidação ora impugnados foram precedidos de uma acção de inspecção externa, realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de …, que deu origem a diversas correcções da matéria tributável da Impugnante, para efeitos de IRC e também de IVA.
4.2 A Impugnante exerceu o respectivo direito à audição, o que levou a AT a alterar o projecto de relatório, tendo aceitado alguns dos argumentos apresentados pelo sujeito passivo, e corrigido diversos aspectos, apontados por este.
4.3 No entanto, uma parte das correcções questionadas pelo sujeito passivo foi mantida pela Administração Tributária, tendo levado, nomeadamente, à liquidação de IVA no valor global de € 14.106,34, tendo a Impugnante reagido através de uma reclamação graciosa apresentada em 28.10.2015, que viria a ser totalmente indeferida, por despacho datado de 29.03.2016, notificado à Impugnante em 31.03.2016.
4.4 No que concerne à dedução do imposto em documentos, que segundo os serviços de inspecção tributária (SIT), não foram emitidos sob a forma legal, estes referem que “Entre as várias facturas emitidas pela B…, encontram-se cinco facturas que apenas contêm a seguinte descrição “Prestação de Serviços”.
4.5 Em sede de direito de audição, a Impugnante apresentou o contrato de prestação de serviços celebrado em 2005, o qual que suporta a referida facturação, e onde se incluía, de entre outros, o fornecimento de mão-de-obra técnica para trabalhos de auditoria efetuados pela Impugnante, serviços de contabilidade da própria Impugnante, bem como a utilização de sala de formação, cobrando um valor único mensal.
4.6 No ano de 2011 a Impugnante teve nos seus quadros quatro colaboradores, o que é manifestamente insuficiente para um nível de prestação de serviços de cerca de 1,5 milhões de euros, mesmo considerando prestadores de serviços e os sócios.
4.7 Por esse motivo, a Impugnante recorria à subcontratação dos serviços da B…, bem como a outras empresas, nomeadamente a C… e ainda uma outra sociedade denominada D…, como forma de possuir recursos humanos qualificados para a execução dos seus serviços.
4.8 Tal situação viria a ser alterada em 2012, com a admissão por parte da A… dos colaboradores das referidas sociedades B… e D…, cessando desta forma a prestação de serviços entre as empresas.
4.9 Para além disso, a B…, no ano de 2011, vendeu duas viaturas à A…, tendo posteriormente debitado despesas relacionadas com essas viaturas, bem como imputado parte da compra de um sistema de antivírus e computadores portáteis adquiridos em conjunto no sentido de aproveitar descontos de quantidade.
4.10 Não sendo estes movimentos confundíveis com os referidos anteriormente, nem tão pouco incluídos no texto do contrato.
4.11 Face ao exposto, não se poderá dissociar o contrato de prestação de serviços das facturas emitidas, já que o seu âmbito e características aí se encontram definidos.
4.12 Aliás, é isso é facilmente comprovável, já que em 30/06/2011 foi emitida a factura …/A, com o descritivo “Custos adicionais incorridos no 1.º semestre de acordo com contrato de prestação de serviços”.
4.13 Assim, até por este motivo, os SIT não podem afirmar que desconheciam a existência à referência do contrato.
4.14 Os serviços que a B… presta, no âmbito do seu objecto social, são tributados sempre à taxa normal de IVA, não importando aqui a questão de saber qual a taxa correta a ser aplicada.
4.15 Por outro lado, a Impugnante estranha ainda a dualidade de critérios que os SIT utilizaram nesta matéria, pois nos dois exercícios incluídos no procedimento inspectivo a B… emitiu ao abrigo do referido contrato de prestação de serviços 13 facturas no ano 2011, que totalizaram € 158.000, ao que acresceu o respectivo IVA, sendo que 12 delas continham todas o mesmo descritivo.
4.16 A D… emitiu duas facturas no valor de € 55.000 acrescidos de IVA, cada uma em cada um dos exercícios com o descritivo de “honorários diversos”.
4.17 A C… emitiu 13 facturas em 2011 num total de € 7.786,34 acrescidos de IVA e 11 facturas em 2012 num total de € 5.253,31 acrescidos de IVA, 12 delas com o descritivo de “Prestações de serviços”, tendo sido corrigido o IVA deduzido das facturas emitidas pela B… no período de Janeiro a Maio de 2011 e a factura emitida pela C… no mês de Fevereiro de 2011.
4.18 Por esses motivos, importa concluir que à AT não assistia o direito de recusar a dedução do IVA em apreço, tendo procedido erradamente ao negar esse direito e ao liquidar adicionalmente o correspondente imposto.
4.19 Pelo que a AT, ao efectuar essas correcções e, posteriormente, elaborar as liquidações impugnadas, violou o disposto nos arts. 36º e 19º/2/a) do CIVA ― o que constitui fundamento de impugnação judicial dos actos de liquidação acima identificados, por errada qualificação e quantificação de factos tributários [art. 99º/a) do CPPT].
4.21 A fim de suspender a execução da dívida de imposto, a Impugnante prestou uma garantia bancária, em 19.10.2015, pelo montante de € 17.567,95.
4.22 Além disso, a liquidação referente ao período 2011.12 foi paga em 2015.08.27, dentro do prazo de pagamento voluntário.
4.23 Sendo assim, julgado procedente o presente pedido de declaração de ilegalidade, assistirá à Impugnante o direito à restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal (arts. 43º/4 e 35º/10 da LGT), contados desde a data de pagamento dessa quantia pela Impugnante até à data de emissão da respectiva nota de crédito (art. 61º/5 do CPPT).
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:
5.1 A Requerente tem a sua sede social na Rua …, n.º…, …, … e tem por objecto social a prática de Actividades Contabilidade e Auditoria, Consultoria Fiscal, que iniciou em 07.01.1991, estando enquadrada, enquanto sociedade de profissionais e à luz do artigo 6º do CIRC, no Regime de Transparência Fiscal, e, em sede de IVA, no Regime Normal de Periodicidade Mensal.
5.2 Ao abrigo da Ordem de Serviço OI2014… e tendo em conta as acções inspectivas já promovidas contra os respectivos sócios-gerentes, a Requerente sofreu, em 10.11.2014, uma acção inspectiva externa tendente a avaliar do cumprimento das suas obrigações fiscais.
5.3 Sendo responsável pela contabilidade o Sr. Dr. E…, constatou-se que a mesma se encontrava dividida em quatro centros de custo, associados a cada um dos sócios – Centro de Custos Dr. F…, Centro de Custos Dr. G…, Centro de Custos Dr. E… e Centro de Custos Sede Dr. H… .
5.4 De harmonia com o observado pelos SIT, a Requerente registou na contabilidade IVA deduzido indevidamente em gastos com despesas do sócio, em outros gastos com material de escritório, em bens e serviços não afectos à actividade do sujeito passivo e deduzido em documentos não emitidos sob a forma legal.
5.5 A Requerente exerceu o direito de audição e os SIT relevaram algumas das justificações por si apresentadas.
5.6 Porém, em relação ao IVA indevidamente deduzido em documentos não emitidos sob a forma legal, não foi efectuada qualquer alteração, pelo que se manteve a correcção no valor de € 11.638,00.
5.7 Contra as liquidações controvertidas, decorrentes das correcções identificadas no ponto anterior, a Requerente deduziu o procedimento de reclamação graciosa, cuja decisão de indeferimento expresso sancionada, por despacho de 29.03.2016, da qual foi notificada em 31.03.2016, está na origem da impugnação formulada nos presentes autos.
5.8 A não-aceitação das referidas facturas radica no facto de as mesmas não cumprirem com a totalidade dos requisitos mencionados no actual artigo 36º, nº 5, alíneas a) e b) do Código do IVA, uma vez que não especificam nem quantificam os serviços que lhe foram prestados.
5.9. Efectivamente, o art. 19º, nº2, a) e nº6, do CIVA só permitem a dedução de imposto nas facturas passadas na forma legal, ou seja, com os requisitos dos arts. 36º a 40º do mesmo Código, pelo que, nos termos do art. 20º, nº1, a) do CIVA não poderia ter sido deduzido o imposto.
5.10 Na verdade, para que se concretize o direito à dedução do IVA contido no valor das operações realizadas a montante há que verificar se os requisitos dos documentos que titulam essas mesmas operações são válidos e suficientes.
5.11 No caso em análise temos um conjunto de facturas emitidas pelas empresas B…, Lda, e pela C…, Lda.
5.12 Assim, se tivermos em conta que todas as facturas mencionadas emitidas por aquelas empresas, verifica-se que as mesmas não contém a descrição expressa dos serviços efectivamente prestados.
5.13 Na verdade, a designação das facturas “Prestação de Serviços” traduz uma descrição genérica que não possibilita a identificação de que tipo de serviço está ali a ser prestado.
5.14 Por assim ser, o descritivo da referida factura não permite aferir o tipo de serviço que está a ser prestado, devido à grande amplitude deste conceito.
5.15 Como tal, não permitem a individualização precisa que possibilite a correcta dedução do imposto que lhe está associado.
5.16 Em sede do direito de audição, a Requerente vem pôr em causa a correcção efectuada às facturas emitidas pela sociedade B…, Lda, referindo que os serviços de inspecção não procuraram saber se existia algum contrato que suportasse as prestações de serviços a que se referem as mesmas facturas.
5.17 Tal, no entanto, foi rebatido pelos Serviços Inspectivos, que quando confrontaram a Requerente, na pessoa do seu representante na acção inspectiva (o sócio – Dr. I…) sobre a questão de as facturas emitidas por aquela empresa apenas referirem “Prestação de Serviços”, não especificando os serviços prestados, e, por isso contrariando o artigo 19º/2 e 36º/5 do CIVA, não lhes foi referida a existência de qualquer contrato de Prestação de Serviços com aquela empresa.
5.18 Como referem os Serviços de Inspecção, se existia aquele contrato, deveria o mesmo ter sido mencionado, a fim das dúvidas suscitadas sobre as facturas em causa ficassem esclarecidas se, depois de analisado, se comprovasse que estaria demonstrado a conexão entre facturas e o correspondente contrato.
5.19 Porém, tal conexão tem de ser inequívoca e traduzir, sem dúvida, que aquelas facturas estão abrangidas por aquele contrato em concreto, pois uma empresa pode celebrar vários contratos, com fins idênticos e/ou semelhantes, e daqui gerar alguma dúvida (legítima) sobre as prestações de serviços facturadas e os contratos em que se suportam.
5.20 E, tendo a Requerente junto este contrato em sede de direito de audição, foi o mesmo analisado, de acordo com o artigo 60º do RCPIT.
5.21 Permaneceram, porém, algumas dúvidas: quais as prestações de serviços que estão vinculadas pelo contrato, por que razão algumas facturas contêm como anexo folhas com a discriminação dos serviços imputados (por exemplo: comunicações móveis com respectivas datas, afectação de pessoal, …), enquanto outras designam apenas prestação de serviços. Qual a razão de apenas uma factura fazer menção a contrato de prestação de serviços?
5.22 Ora, como se constata, as facturas não estão redigidas na forma legal e o documento para que remetem, além de não traduzir um documento equivalente à factura como exigia o artigo 36º do Código do IVA, quando apresentado no âmbito do procedimento inspectivo, apresentou dúvidas sobre as mesmas estavam abrangidas por aquele contrato.
5.23 Além do mais, tal contrato deveria constar dos registos da empresa, até porque, se assim sucedesse, como efectivamente a contabilidade o exige, a Inspecção saberia da sua existência e teria solicitado o mesmo à Requerente.
5.24 Assim, tendo em conta que a Requerente efectuou a dedução do IVA associado às referidas facturas, para que o exercício desse direito seja legítimo e legal, todas elas devem ser emitidas preenchendo todos os requisitos constantes do elenco do nº 5 do artigo 36º do Código do IVA, o que não aconteceu.
5.25 A exigência de tais documentos e formalidades tem a finalidade de permitir à administração o controlo da situação tributária e não apenas a de obter prova segura dos factos a controlar, daí aquelas formalidades serem substanciais.
5.26 Não preenchem, pois, os requisitos legais para que duma factura ou documento equivalente se tratem quando os requisitos de quantificação e especificação dos serviços prestados não se verificam.
5.27 Não é o facto de a Requerente posteriormente, em sede de direito de audição no decurso do procedimento inspectivo, ter vindo apresentar documentos no intuito de complementar o teor daquelas facturas, que permite considerar preenchidos os requisitos em falta.
5.28 Na verdade, como se salientou no Relatório Final de Inspecção, e na decisão da reclamação graciosa, os requisitos essenciais à dedução do imposto suportado devem estar ínsitos nas próprias facturas, uma vez que são estas que constituem o documento legal que titula o crédito de imposto materializado no direito à dedução e não em quaisquer anexos.
5.29 Vem a Requerente referir nos articulados 23º a 25º da petição que os Serviços inspectivos tinham conhecimento do contrato, através da factura nº …/A emitida em 30/06/2011.
5.30 Os Serviços inspectivos fazem alusão a esta factura (que não foi alvo de correcção), no sentido de que aquelas facturas que não continham descrições genéricas – como o caso da factura nº …/A – e faziam alusão a um contrato, não foram alvo de correcções. Porém, os Serviços de Inspecção não sabiam que era aquele contrato em concreto.
5.31 O facto de as formalidades serem ad substantiam e não ad probationem, não permite que possam ser substituídas por qualquer outro meio de prova, como decorre do disposto no artigo 364º do Código Civil.
5.32 Referências vagas e genéricas, como "trabalhos realizados" ou "serviços prestados", são insuficientes na medida em que não há qualquer especificação de quais os trabalhos ou serviços efectivamente prestados.
5.33 Neste conspecto, a jurisprudência tem sido pacífica ao concluir que não poderá haver dedução do IVA suportado se não estiverem preenchidos todos os requisitos constantes do artigo 36.º, n.º 5, do CIVA, ou seja, se as facturas não forem passadas segundo a «forma legal», conforme exige o artigo 19.º, n.º 2, do CIVA.
5.34 Diga-se, aliás, que mesmo em situações de isenção, a discriminação dos serviços é essencial ao cumprimento do formalismo exigido pelo actual artigo 36º do Código do IVA.
5.35 No caso em análise não se verifica a situação que a lei configura como sendo de “erro imputável aos serviços”, pelo que não estão preenchidos os pressupostos para aplicação do art. 43º da LGT.
5.36 Com efeito, a lei não previu uma responsabilidade objectiva, mas antes uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços.
5.37 Esta culpa (a “imputabilidade dos serviços”) – a título de dolo ou negligência – tem que ser alegada e provada, e não resulta automaticamente de qualquer ilegalidade.
5.38 Ou seja, o dever de indemnização não resulta imediata e automaticamente da anulação do acto, sendo apenas devida quando se determine que houve erro imputável aos serviços.
5.39 No caso em apreço, não se verifica a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão da liquidação impugnada, pelo que improcede, por infundado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
6. No dia 16/10/2016, foi proferido despacho arbitral, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º do RJAT, dispensando a reunião prevista no art. 18º mesmo diploma, tendo em conta que o objecto do litígio respeita fulcralmente a matéria de direito, não foram deduzidas excepções, e constam dos autos os documentos pertinentes, não se tendo igualmente considerada necessária a apresentação de alegações de direito, admitindo-se, porém, que as partes pudessem requerer a realização dessa reunião.
7. As partes não requereram que se promovesse a reunião prevista no art. 18º do RJAT.
II - Factos Provados
8. Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
8.1. Os actos de liquidação ora impugnados foram precedidos de uma acção de inspecção externa, realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de …, que deu origem a diversas correcções da matéria tributável da Impugnante, para efeitos de IRC e de IVA.
8.2. A Impugnante exerceu o respectivo direito à audição, o que levou a AT a alterar o projecto de relatório, tendo aceitado alguns dos argumentos apresentados pela Requerente, e corrigido diversos aspectos, apontados por esta.
8.3. Uma parte das correcções questionadas pela Requerente foi mantida pela Administração Tributária, tendo levado, nomeadamente, à liquidação de IVA no valor global de € 14.106,34.
8.4. A Impugnante reagiu através de uma reclamação graciosa apresentada em 28.10.2015, que foi totalmente indeferida, por despacho datado de 29.03.2016, notificado à Impugnante em 31.03.2016.
8.5. As correcções à matéria colectável, constantes de fls. 4 do Relatório da Acção Inspectiva são as seguintes:
Exercício de 2011
Resumo da infracção
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Períodos
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Montante
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IVA deduzido indevidamente em gastos com despesas do sócio
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2011.01 a 2011.12
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116,75 €
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IVA deduzido indevidamente em outros gastos com material de escritório
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2011.04 a 2011.07
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169,24 €
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IVA indevidamente deduzido em bens e serviços não afectos à actividade do sujeito passivo
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2011.09
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74,75 €
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IVA indevidamente deduzido em documentos não emitidos sob a forma legal
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2011.01 a 2011.12
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11.638,00 €
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Exercício de 2012
Resumo da infracção
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Períodos
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Montante
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IVA deduzido indevidamente em gastos com despesas do sócio
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2012.01 a 2012.12
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63,53 €
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8.6. Em sede de direito de audição, a Impugnante apresentou o contrato de prestação de serviços celebrado em 2005, que foi junto à reclamação graciosa como anexo 1, o qual suporta a referida facturação, e onde se incluía, de entre outros, o fornecimento de mão-de-obra técnica para trabalhos de auditoria efetuados pela Impugnante, serviços de contabilidade da própria Impugnante, bem como a utilização de sala de formação, cobrando um valor único mensal.
8.7. A B… assegurava uma parte significativa dos recursos humanos utilizados pela Impugnante nos serviços prestados aos seus clientes.
8.8. No ano de 2011, a Impugnante teve nos seus quadros quatro colaboradores, o que não lhe permitia assegurar só por si um nível de prestação de serviços de cerca de 1,5 milhões de euros.
8.9. Por esse motivo, a Impugnante recorria à subcontratação dos serviços da B…, bem como a outras empresas, nomeadamente a C… e ainda uma outra sociedade denominada D…, como forma de possuir recursos humanos qualificados para a execução dos seus serviços.
8.10. Tal situação viria a ser alterada em 2012, com a admissão por parte da A… dos colaboradores das referidas sociedades B… e D…, cessando desta forma a prestação de serviços entre as empresas, passando desta forma o número de colaboradores de 4, em 2011, para 19 no exercício de 2012, enquanto a B… reduziu o quadro de pessoal de 16 para 7 e a D… de 8 para 5.
8.11. A B…, no ano de 2011, vendeu duas viaturas à A…, tendo posteriormente debitado despesas relacionadas com essas viaturas, bem como imputado parte da compra de um sistema de antivírus e computadores portáteis adquiridos em conjunto no sentido de aproveitar descontos de quantidade.
8.12. Em 30/06/2011 foi emitida a factura …/A, com o descritivo “Custos adicionais incorridos no 1.º semestre de acordo com contrato de prestação de serviços”.
8.13. Nos dois exercícios incluídos no procedimento inspectivo a B… emitiu ao abrigo do referido contrato de prestação de serviços 13 facturas no ano 2011, que totalizaram € 158.000, ao que acresceu o respectivo IVA, sendo que 12 delas continham todas o mesmo descritivo.
8.14. A D… emitiu duas facturas no valor de € 55.000 acrescidos de IVA, cada uma em cada um dos exercícios com o descritivo de “honorários diversos”.
8.15. A C… emitiu 13 facturas em 2011 num total de € 7.786,34 acrescidos de IVA e 11 facturas em 2012 num total de € 5.253,31 acrescidos de IVA, 12 delas com o descritivo de “Prestações de serviços”.
8.16. Foi corrigido o IVA deduzido das facturas emitidas pela B… no período de Janeiro a Maio de 2011 e a factura emitida pela C… no mês de Fevereiro de 2011.
8.17. A Impugnante tem a sua sede social na Rua …, n.º…, …, … e tem por objecto social a prática de ACTIVIDADES CONTABILIDADE E AUDITORIA, CONSULTORIA FISCAL, que iniciou em 07.01.1991, estando enquadrada, enquanto sociedade de profissionais e à luz do artigo 6º do CIRC, no Regime de Transparência Fiscal, e, em sede de IVA, no Regime Normal de Periodicidade Mensal.
8.18. Ao abrigo da Ordem de Serviço OI2014… e tendo em conta as acções inspectivas já promovidas contra os respectivos sócios-gerentes, a Impugnante sofreu, em 10.11.2014, uma acção inspectiva externa tendente a avaliar do cumprimento das suas obrigações fiscais.
8.19. Tendo por base a Certidão da Conservatória do Registo Comercial e outros elementos obtidos no decurso do procedimento inspectivo, concluiu-se que eram responsáveis, de facto, da sociedade, nos exercícios em análise, o Sr. Dr. H… NIF …; o Sr. Dr. F… NIF …; o Sr. Dr. G… NIF … e o Sr. Dr. I… NIF… .
8.20. Sendo responsável pela contabilidade o Sr. Dr. E…, constatou-se que a mesma se encontrava dividida em quatro centros de custo, associados a cada um dos sócios – Centro de Custos Dr. F…, Centro de Custos Dr. G…, Centro de Custos Dr. E… e Centro de Custos Sede Dr. H… .
8.21. A Autoridade Tributária não foi informada do contrato de prestação de serviços, em sede de acção inspectiva, quando confrontou a Impugnante na pessoa do seu representante (o sócio – Dr. I…) sobre a questão das facturas emitidas por aquela empresa apenas referir “Prestação de Serviços”, não especificando os serviços prestados.
III. Factos não provados
9. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
IV - Do Direito
10. São as seguintes as questões a apreciar:
— Da ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios
— Dos juros indemnizatórios
Examinaremos assim estas duas questões
— DA ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IVA E JUROS COMPENSATÓRIOS
11. Refere o nº 5 do artigo 36º do Código do IVA:
“5. As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;
f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.
No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável"
Por sua vez, o nº 2, alínea a), do artigo 19º, CIVA prescreve o seguinte:
"Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:
a) Em facturas passadas na forma legal"
Finalmente o nº6 do mesmo art. 19º CIVA dispõe que
"Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as facturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos".
O que aqui ocorre é que, devido à existência de um contrato de prestação de serviços, em determinadas facturas não é mencionado o tipo de serviço que foi efectivamente prestado.
Ora, para além de a Recorrente prestar variados tipos de serviços, em algumas das facturas que emitiu (e que não estão em causa nos autos), está expressamente referido o serviço ou é feita menção à existência do contrato, como é o caso da factura …/A, com o descritivo “Custos adicionais incorridos no 1.º semestre de acordo com contrato de prestação de serviços”, em relação à qual não foi feita qualquer correcção.
Foram emitidas, no entanto, diversas facturas que contêm apenas a referência “prestação de serviços”, não sendo possível aferir, sem ter acesso a outra documentação, quais os serviços em causa.
Como refere José Guilherme Xavier de Basto: “Em regime de IVA, como se sabe, cada factura mencionando imposto constitui um cheque sobre o Tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido” (in A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 164, p. 140).
Refere a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28 de Maio de 2013 (Pedro Marchão Marques), Proc. nº 5786/12: “Atento o mecanismo específico de apuramento do imposto pelo sujeito passivo, constante dos arts. 19.º e segs do CIVA, por expressa disposição do seu n.º 2, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal..., o que constitui, para esse sujeito passivo, um verdadeiro requisito substancial em ordem a poder exercer o direito à dedução nos seus inputs produtivos, como constitui jurisprudência corrente1. Entre esses requisitos legais para as facturas, figuram os constantes no n.º 5 do art.º 35.º do mesmo CIVA, entre eles avultando a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados – sua alínea b) -, o que a matéria contida nos pontos 3. e 8. do probatório da sentença recorrida, manifestamente, que tais facturas não contém, como delas se pode colher de fls 123 a 125 do apenso, genericamente aludindo a trabalhos efectuados mão de obra, o que não permitiria, minimamente, controlar a sua realização e desta forma prevenir a fraude e a evasão fiscais”.
Refere ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Abril de 2009 (Pimenta do Vale), Proc. nº 0951/08: “o que o legislador pretendeu foi evitar a fuga e a fraude fiscal, exigindo várias formalidades aos documentos que atestam a existência de factos tributários: nas transmissões de bens e prestações de serviços, as facturas têm que obedecer a todos os requisitos do dito artº 35º. No caso dos autos, o facto tributário é a prestação de serviços, pelo que os documentos relevantes para efeito de liquidação de IVA são as ditas facturas. Todavia, estes documentos, que permitiram estabelecer uma relação com a sociedade adquirente, não possuem os elementos essenciais legalmente previstos que permitam obstaculizar a liquidação do IVA. Na verdade, e repetindo o que acima referimos, é reconhecido o carácter formalista do IVA, em ordem nomeadamente, a evitar, o mais possível, a evasão fiscal, pelo que as respectivas formalidades o são «ad substantiam», que não meramente «ad probationem».”
Objectivamente, não será possível aferir do tipo de serviços prestados, se existe apenas uma referência genérica a “prestação de serviços”, sendo que, se estamos perante serviços decorrentes de contrato, não há motivo para não existir uma referência expressa ao contrato em causa, como é o caso da factura …/A referida pelas partes.
Por outro lado, a existência de diversos serviços referidos no mesmo contrato leva a que não seja possível à Administração Tributária, ainda que sabendo da existência de um contrato, aferir do tipo de serviço efectivamente prestado.
A ratio da norma, como já foi referido, é impedir a evasão fiscal, sendo que aceitar a referência genérica de “prestação de serviços”, caso se apresentasse documentos posteriormente a especificar qual é o serviço em causa, obrigaria a uma multiplicação das acções inspectivas e a um possível paralisamento dos serviços, possibilitando a fuga ao fisco.
Refere ainda a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Outubro de 2002 (José Gomes Correia), Proc. Nº 06153/01: “O diploma diz-nos, adiante, nas várias alíneas do n° 5 do artigo 35°, que as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; conter o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; e conter as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido. Daqui resulta, pois, que, para o CIVA, uma factura passada em forma legal é a que respeite o estatuído no seu artigo 35°, ou seja, que para tal efeito, a factura que não respeite todas estas exigências não é uma factura passada em forma legal. Neste conspecto, nem pode dizer-se que este art. 35º permite distinguir entre falta de forma legal e falta de elementos meramente acessórios, não essenciais, que só podem levar ao suprimento da falta. É que, a forma legal, já se viu, é a do artigo 35° n° 5(…). Assim sendo, a factura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 35° n° 5 do CIVA não está passada "em forma legal" e, consequentemente, não permite deduzir o respectivo imposto. No caso que nos ocupa, nas facturas em causa não se mostram cumpridas as exigências formais contidas nas als. b) e c) do citado nº 5 do art. 35º do CIVA, pois não estão discriminados nem os serviços (nem a sua natureza) que em concreto foram prestados e a que se referem aquelas facturas, nem as quantidades unitárias ou totais dos mesmos. Refira-se, ainda, que nem sequer estamos perante caso a que seja aplicável o regime do art. 38º do CIVA, nem perante caso em que o contribuinte possa processar facturas globais, comunicando previamente o facto à DGCI. Acresce que, não obstante o recorrente pudesse querer produzir prova testemunhal sobre os discriminados trabalhos, tal prova não era idónea como não seria a feita por documentos internos que não podem substituir as indicações que a lei impõe sejam discriminadas na própria factura: para efeitos de IVA só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal e, como assim, por mais apropriados que sejam outros método, dado que o legislador só conferiu o direito à dedução do imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes, estes têm que ser necessariamente os processados pelos vendedores”.
Como é bem referido pela Requerida, a jurisprudência é pacífica no entendimento de que as facturas têm, obrigatoriamente, de cumprir os requisitos previstos no artigo 35º do CIVA, tratando-se de uma formalidade ad substantiam e não de uma formalidade ad probationem. Neste sentido veja-se ainda mais recentemente os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Julho de 2014 (Pedro Marchão Marques) processo 07282/14 e 16 de Dezembro de 2015 (Catarina Almeida e Sousa), processo 07027/13.
Pelo que as liquidações de IVA e juros compensatórios, realizadas pela Autoridade Tributária, ao não aceitar a dedução de IVA realizada em facturas que não cumprem os requisitos legais são lícitas, improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade das mesmas.
- DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
12. Estabelece o artigo 43º/1 da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No entanto, no caso em concreto, não existe qualquer erro por parte dos serviços, imputável ou não aos mesmos.
Pois o Tribunal entende que a posição da Administração Tributária está correcta e não padece de qualquer vício ou ilegalidade.
Pelo que não existe qualquer direito a juros indemnizatórios.
V – Decisão
Com base nos fundamentos invocados, o Tribunal decide julgar improcedente o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios n.º … a nº…, relativas aos períodos de Janeiro a Setembro de 2011 e n.º 2015…, relativa ao período de Dezembro de 2011.
Julga-se igualmente improcedente o pedido de condenação em juros indemnizatórios.
Fixa-se ao processo o valor de: € 13.907,87 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
As custas ficam a cargo da entidade requerente.
Lisboa, 23 de Dezembro de 2016
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)