Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 264/2016-T
Data da decisão: 2016-11-20  IRC  
Valor do pedido: € 1.257.733,15
Tema: IRC – Prestações suplementares; Dedutibilidade de encargos financeiros
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Acórdão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa e Dr. Pedro Galego (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-07-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, SGPS, S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente” ou por “A…”), pessoa colectiva número …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede na Avenida …, n.º…, em Lisboa, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, e 17.º-A do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento da reclamação graciosa e do acto de correcção da matéria tributável da Requerente relativo ao exercício de 2012 e da subsequente liquidação de IRC n.º 2015… .

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-05-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-06-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-07-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente e que deve ser corrigido o valor da causa de € 1.277.752,65 para € 791.449,96.

Por despacho de 30-09-2016, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais;

b)    A Requerente é a sociedade dominante do grupo B…, sujeito a tributação nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades;

c)    No ano de 2012, o grupo B… integrava as seguintes sociedades:

A… SGPS (sociedade dominante) - NIF …

C…SGPS - NIF …

D…- NIF …

E… SGPS - NIF …

F… - NIF …

G… SA - NIF …

H… - NIF …

I… - NIF …

J… SA - NIF …

K… SA - NIF …

L… SGPS - NIF …

M… SA - NIF …

d)    Foi realizada uma inspecção à Requerente, como sociedade dominante do grupo, relativa ao exercício de 2012, em sede de IRC, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º Ol2014… (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)    Nessa inspecção foram efectuadas correcções que se basearam em correcções ao seu lucro tributável individual, efectuadas no âmbito da inspecção realizada em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2014…, de 12-03-2014, conforma consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. 1.1. De correções efetuadas ao lucro tributável Individual da sociedade "A…, SGPS, SA"

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012014… de 2014-03-12, realizou-se o procedimento de inspeção externo relativo ao período de 2012, à sociedade A…SGPS. SA – NIF… .

As conclusões da ação inspetiva foram comunicadas à sociedade conforme fundamentações nos termos do nº 1 do art.º 77º da Lei Geral Tributária e constam do relatório de inspeção tributária elaborado pela UGC em 2015-03-18, do qual se junta cópia e que constitui o anexo A, com 50 folhas, o qual foi comunicado ao sujeito passivo conforme n/ ofício nº 1014 de 2013-03-23.

Na sequência da referida ação inspetiva, foram identificadas correções ao resultado fiscal declarado, efetuadas em termos individuais à sociedade acima mencionada que se fixaram no montante total de € 6.181.604,54 (seis milhões cento e oitenta e um mil seiscentos e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), e respeitam a:

a) Encargos financeiros não dedutíveis face ao disposto nos artigos 32º do EBF e 23º do CIRC:

O sujeito passivo não acresceu na totalidade o montante relativo aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, que quer nos termos do n.º 2 do artigo 32º do EBF quer do artigo 23º do CIRC não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que foi corrigido o montante de € 6.084.536,41.

Assim, corrigiu-se o lucro tributável individual com os fundamentos constantes dos pontos 111.1.1. e IX.2 do Relatório de Inspeção que se anexa e é parte integrante do presente Relatório da Inspeção Tributária (folhas 6 a 21 e 44 a 48 do relatório individual - Anexo A).

b) Dedução indevida da tributação autónoma face ao disposto no n.º 1 do artigo 45º do CIRC:

(...)

III.2. Correções ao cálculo do imposto do Grupo Hl.2.1. Benefícios fiscais

O Grupo B… para efeitos da aplicação do RETGS declarou com referência ao período de tributação de 2012 um prejuízo fiscal no valor de € 94.425.762,98 pelo que não apurou colecta de IRC nos termos do n.º 1 do artigo 90º do CIRC, Note-se que em resultado da correção proposta no ponto lII.1.1 do presente relatório, o grupo continua em situação de prejuízo fiscal.

(...)

f)    Nesta inspecção realizada em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2014…foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do anexo ao documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMETICAS À MATERIA TRIBUTÁVEL

(...)

III.1. Correções à matéria coletável do Grupo

III.1.1. Encargos financeiros não dedutíveis: € 6.084.536,41

(A) Da descrição dos factos

Da análise efetuada, foi verificado que o sujeito passivo reconheceu como gasto do período, fazendo refletir na sua contabilidade, através da conta «69 - Gastos e perdas de financiamento» o total de juros que suportou no montante de €44.413.268,79.

Para efeitos do correto apuramento dos encargos financeiros a excluir, conforme infra exposto, devem ser consideradas como partes de capital as prestações suplementares e as prestações acessórias com idêntico regime.

O sujeito passivo refletiu na rubrica «47 - Investimentos financeiros», quer o custo inicial das ações detidas nas suas participadas, quer o custo correspondente aos valores entregues como prestações suplementares (nas diferentes formas que assumem nas legislações dos estados em que são sedeadas as suas participadas), valorizando-os pelo método de equivalência patrimonial (MEP).

Quando se observa que a empresa valoriza os ativos refletidos na sua conta de investimentos financeiros em participadas pelo MEP, e que tal pratica é validada como estando em conformidade com o SNC nomeadamente pela Certificação Legal de Contas sem reservas ou ênfases, importa compreender o que tal opção traduz.

Nos termos previstos na «NCRF 13 - Interesses em empreendimentos conjuntos e investimentos em associadas» descreve-se no parágrafo 4 o Método da Equivalência Patrimonial como sendo "um método de contabilização pelo qual o investimento ou interesse é inicialmente reconhecido pelo custo e posteriormente ajustado em função das alterações verificadas, após a aquisição, na quota-parte do investidor ou do empreendedor nos ativos líquidos da investida ou da entidade conjuntamente controlada. Os resultados do investidor ou empreendedor incluem a parte que lhe corresponda nos resultados da investida ou da entidade conjuntamente controlada", ou seja, ao valorizar pelo MEP a parte dos investimentos financeiros que correspondem a prestações suplementares a empresa está a assumir na sua contabilidade que os mesmos têm características de «partes de capital» nas suas associadas.

Desta forma, não existindo qualquer alteração no entendimento vigente, e mantendo-se idêntica situação, na presente análise relativa aos encargos incorridos para contribuições de capital não iremos distinguir as prestações suplementares.

Nesse sentido importa desde já sublinhar que o Código do IRC não preconiza qualquer método de valorização das partes de capital pelo que assume relevância fiscal o tratamento contabilístico dado, se em conformidade com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

Na determinação do lucro tributável do período, o sujeito passivo acresceu ao resultado contabilístico, nos termos do artigo 17º do CIRC, o valor de €17.934708,94 relativo a encargos financeiros associados à aquisição de partes de capital não dedutíveis como gastos por aplicação do disposto no artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) - o sujeito passivo remeteu os mapas de cálculo, que se juntam - vide Anexo n º 1, fls 2 de 2 deste relatório

Da conjugação do referido anteriormente resulta que a empresa considerou como gasto fiscalmente elegíveis encargos financeiros suportados no montante de € 26.478.559,85 com empréstimos obtidos que, em face do disposto no n.º 1 do artigo 23º do Código do IRC e por também lhe ser aplicável o artigo 32º do EBF em resultado da A… ser uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), importa aqui analisar.

 

(B)  Da interpretação da norma do artigo 32.º do EBF

O regime jurídico das SGPS, previsto no DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, define que o objeto de tais sociedades é "a gestão de participações sociais como forma indireta do exercício da atividade económica" (v. n.º 1 do artigo 1.º daquele normativo).

Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo, com a redação dada pelo artigo 1.º do DL n.º 318/94, de 24 de dezembro, que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha caráter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participante, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Assim a legislação procurou limitar a atividade das SGPS à gestão de participações sociais estáveis, evitando que estas servissem como meio de especulação mobiliária ou de evasão à tributação sobre as mais-valias.

A Lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003) veio no seu artigo 38.º introduzir mudança significativa ao regime fiscal aplicável à atividade que constitui o objeto típico das SGPS's por via da alteração que inseriu no artigo 31.º (atual artigo 32.º) do EBF.

Esta alteração consubstancia-se no facto de, quer os rendimentos associados à detenção das partes de capital, como são os dividendos e as mais-valias, quer os gastos, como os encargos financeiros suportados com os financiamentos obtidos tendo em vista a detenção das partes de capital, não concorrerem para o apuramento do lucro tributável. Em síntese, a atividade tipificada no artigo 1.º do regime das SGPS está, em regra, excluída de tributação.

Tal encontra-se concretizado no n.º 2 do artigo 32.º do EBF que estabelece que "As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, (...) de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades."

Este regime consubstancia-se na atribuição de um benefício que, contudo, foi compensado pela não concorrência, para efeitos de apuramento do lucro tributável, dos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os ganhos com determinados ativos financeiros e os gastos associados ao passivo necessário à aquisição e manutenção desses ativos. Ativos esses que no futuro geram, no seu todo, ganhos excluídos de tributação.

Estabelece, assim, o artigo 32.º a existência de uma ligação entre a aquisição e detenção de partes de capital ao longo de dado período mínimo e a relevância fiscal dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição e manutenção.

A desconsideração como gastos dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável, consagrada no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos gastos segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto e do qual resulta que "se determinados gastos estão relacionados com rendimentos não sujeitos a imposto não são fiscalmente dedutíveis", princípio estabelecido no disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Da análise aos elementos apresentados pela empresa para demonstrar os cálculos dos encargos financeiros não aceites com gastos pelo artigo 32.º EBF conclui-se que a A… utilizou uma fórmula para determinar a parte dos encargos financeiros suportados que se relacionam com a aquisição de investimentos financeiros em participadas contudo, considerando apenas como relevante para estes cálculos o custo das participações sociais detidas o valor de aquisição das ações das sociedades em que participa.

Ou seja, a empresa não considerou na sua fórmula de cálculo o valor registado na contabilidade como investimentos financeiros que se reporta a prestações suplementares e prestações acessórias.

Nesta conformidade e tendo por referência a ratio legis do artigo 32.º do EBF, importa demonstrar que o conceito de partes de capital para efeitos desta norma abrange as partes de capital social e as prestações suplementares, bem como as prestações acessórias sob o mesmo regime.

Note-se, contudo, que esta equiparação a "partes de capital" apenas abrange as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares que comprovadamente se encontrem sujeitas a um regime idêntico ao consagrado no artigo 210.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, do qual nos parece ser de destacar os seguintes aspetos essenciais:

1.      não serem remuneradas;

2. a respectiva restituição não poder ocorrer se mesma resultar que a situação líquida da sociedade fique inferior à soma do capital e reserva legal;

3. a respectiva restituição depende de deliberação dos sócios;

4. que as mesmas não podem ser restituídas depois de declarada a falência da sociedade.

(C) Das partes de capital e das prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares

Atendendo aos interesses próprios da fiscalidade, torna-se evidente que, o sentido e alcance conceptual da expressão partes de capital será mais amplo do que o de mera participação no capital social.

i. À luz do papel desempenhado na sociedade beneficiária:

De facto, as prestações suplementares desempenham ao longo da sua vida útil uma função de apoio aos capitais permanentes, à semelhança do capital social, e, consequentemente, detêm, em regra, uma elevada permanência na empresa, pelo que, substantivamente, são abrangidas pelo conceito de partes de capital e sujeitas ao regime das mais e menos valias fiscais.

As prestações suplementares, exemplo paradigmático de financiamento por capitais próprios, consistem em entregas efetuadas pelos sócios, para reforço aqueles, em determinado momento da vida de uma empresa, assumindo a forma de capital adicional. Assim, e ainda que as prestações suplementares apresentem distinções face ao capital social, não deixam de ter com este, no que a esta matéria diz respeito, uma natureza análoga.

A este respeito, defende João Antunes in "As prestações suplementares, prestações acessórias e os suprimentos", Vida Económica. "As prestações suplementares de capital têm uma função dupla: a capitalização da sociedade, ou seja, adequar o capital próprio às necessidades sociais ou então também pode funcionar como uma garantia dos credores, porque não podem ser restituídas se o Capital Próprio ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, ou seja, é uma garantia para os credores e é essa uma das funções do Capital Próprio de uma sociedade."

Este é também o entendimento sustentado por Sofia Gouveia Pereira in "As prestações suplementares no Direito Societário Português", página 245, Editora Principia, edição de janeiro de 2004, onde refere que "...quanto à natureza jurídica optámos por considerar as prestações suplementares um ágio (posterior), ou "sobre preço da quota" aproximando-as de capital social e afastando-as do empréstimo dos sócios, quanto à sua função, essa poderá ser, como vimos, quer de reforço do capita/ social, atuando como um capital social "inominal" ou de "segunda linha" (...).

No mesmo sentido, Gonçalves da Silva e Estevas Pereira consideram que as prestações suplementares se justificam por duas razões concorrentes:

- Por nem sempre haver possibilidade de prever qual o capital necessário para o desenvolvimento dos negócios sociais, pelo menos em determinadas épocas;

- Porque, "embora não constituam um aumento de capital, serem a ele equivalentes, dispensando o cumprimento das respectivas formalidades legais e o dispêndio das despesas inerentes (...) acrescentando, ainda, que "Na realidade, as prestações suplementares constituem um capital adicional, distinto do capital nominal, ocupando um lugar intermédio entre este e as reservas propriamente ditas, pelo que devem ser levadas a uma conta específica da situação líquida adicional, precisamente com os seguintes código e título: «53 - Prestações Suplementares» " (nosso negrito).

É a própria jurisprudência que acompanha tal orientação na interpretação das normas fiscais, acolhendo o princípio da substância sobre a forma. Veja-se, neste âmbito, entre outros, o Acórdão n.º 523/05 de 3 de maio de 2005 do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), referindo que, "ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, «a realidade económica, a realidade de facto», «a relação económica»".

Assim, atendendo a que as prestações suplementares ao longo da sua permanência na empresa cumprem uma função de fortalecimento dos capitais permanentes, e o seu reembolso obedece a determinadas condições. Neste sentido, veja-se a Informação n.º 2026/10 da DSIRC7 (pontos 13, 14, 31 e 32), que chega à mesma conclusão.

(...)

ii. À luz da classificação contabilística:

De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 11.º da LGT "Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer diretamente da lei."

Conforme considera Casalta Nabais, in "Direito Fiscal", 5.ª Edição, Edições Almedina, pág. 165, "atentas as importantes e estreitas relações que mantém com os diversos domínios do direito comercial, compreende-se que um tal segmento do direito fiscal deveria ter particulares preocupações de harmonização O que significa, nomeadamente, que o CIRS e o CIRC devem ter na devida conta a disciplina constante dos CSC, POC, CVM, etc., assim como estes não devem fazer tábua rasa da disciplina contida naqueles códigos".

Nesse sentido sublinhe-se a expressa intenção do legislador quando no preâmbulo do DL n.º 159/2009 refere que «a manutenção do modelo de dependência parcial determina, desde logo, que, sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico, bem como a terminologia que dele decorre».

Acresce que o apuramento do lucro tributável, e consequentemente do IRC a liquidar, tem por base o resultado contabilístico, logo é natural que historicamente os conceitos preconizados ao nível da contabilidade sejam considerados no enquadramento do termo para efeitos fiscais.

Assim, importa avaliar se à luz dos normativos contabilísticos as prestações suplementares são consideradas partes de capital.

De acordo com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) as prestações suplementares devem ser registadas, pela beneficiária, na conta «53 - Outros instrumentos de capital próprio”. A nota explicativa refere que "Esta conta será utilizada para reconhecer as prestações suplementares ou quaisquer outros instrumentos financeiros (ou as suas componentes) que não se enquadram na definição de passivo financeiro. Nas situações em que os instrumentos financeiros (ou as suas componentes) se identifiquem com passivos financeiros, deve utilizar-se rubrica apropriada das contas «25 - Financiamentos obtidos» ou «26 - Acionistas/Sócios»".

Na ótica da entidade cedente, verificava-se que já no anterior referencial contabilístico, o Ofício da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) n.º 8/97, de 29 de janeiro de 1997, refere que as prestações suplementares devem ser classificadas "em subdivisão específica da subconta apropriada da conta «411 - Partes de Capital» ", sendo tal entendimento igualmente aplicável às prestações acessórias que se encontrem sujeitas ao mesmo regime jurídico.

Com a entrada em vigor do SNC, as prestações suplementares concedidas continuam a estar incluídas na conta «41 – Investimentos Financeiros», à semelhança do que se verificava na vigência do POC, tendo em consideração a sua substância económica.

iii. À luz da coerência do sistema fiscal:

As questões relativas ao regime fiscal aplicável às prestações suplementares foram já objeto de análise por parte da AT (então DGCI) nos Pareceres n.º 53/09, de 30 de julho, n.º 14/2010, de 24 de fevereiro, e n.º 19/2010, de 15 de março, e n.º 33/2010, de 21 de maio, todos do Centra de Estudos Fiscais, "nos quais se concluí, nomeadamente, que: i) as prestações suplementares (...) que por, deliberação dos acionistas, se convencione aplicar regime idêntico ao estabelecido no artigo 213.º do Código das Sociedades Comerciais devem ser qualificadas como prestações com a natureza de capitais próprios, e, fundamentalmente (...) que ii) estas prestações acessórias devem, igualmente, ser consideradas para todos os efeitos (...) como integrando o conceito de «partes de capital»."

(...)

De facto, ao não serem tributados nem os dividendos nem as mais-valias provenientes da alienação de partes de capital, tais proveitos integrarão a massa patrimonial das SGPS, incrementando a sua capacidade contributiva Se paralelamente, se permitisse às SGPS proceder à dedução dos gastos -quer dos gastos financeiros suportados com a aquisição das partes de capital, quer dos suportados com a cedência das prestações suplementares, que visam obter a expansão da atividade da participada -associados a este rendimento, violar-se-ia o disposto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, pois não se atenderia, de facto, ao rendimento disponível, e relevante para efeitos de determinação da capacidade contributiva subjacente à sua tributação.

Resulta então, que os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes sociais ou concessão de prestações suplementares - que possam potencialmente vir a beneficiar do regime de exclusão de tributação - não podem influenciar a determinação do lucro tributável, ou seja, se os ganhos não são tributados, os correspondentes gastos que estão ligados a tais rendimentos não podem igualmente ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Face ao exposto, são excluídos para efeitos de apuramento do lucro tributável, atento o estatuído no artigo 32º do EBP, os encargos financeiros suportados quer com a aquisição de partes sociais, quer com a concessão de prestações suplementares.

(D) Da determinação dos encargos financeiros

Para efeitos da determinação dos encargos financeiros, a Administração Tributária, interpretando e aplicando a lei, fez divulgar a Circular n.º 7/2004, de 30 de março da DSIRC onde se sanciona o seguinte entendimento:

• Âmbito de aplicação temporal: "é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data", conforme decorre aliás do n.º 5 do artigo 38º da Lei 32-B/2002, de 30 de dezembro, o qual estabelece que o (novo) regime previsto no artigo 31º do EBF (atual artigo 32.º) é aplicável "às mais-valias e menos-valias realizadas nos períodos que se iniciem após 1 de janeiro de 2003".

De facto, o referido articulado não estabelece qualquer regime transitório aplicável aos gastos financeiros incorridos após 1 de janeiro de 2003, relativos a financiamentos obtidos até 31 de dezembro de 2002 Razão pela qual se devem considerar alcançados pelo artigo 32.º do EBF todos os gastos financeiros suportados e reconhecidos nas demonstrações financeiras referentes aos exercícios de 2003 e seguintes, independentemente da data em que os empréstimos que os originaram foram contratados.

• Exercício em que deverão ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros: "Relativamente ao exercido em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 32º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores".

Ora, atendendo a que uma Sociedade Gestora de Participações Sociais têm por objeto contratual a gestão de participações noutras entidades como forma indireta do exercício de atividade económica, quando a participação for detida por período superior a uma ano e corresponda a, pelo menos, 10% do capital com direito de voto, e ainda ao facto de às SGPS's ser regra geral, vedado alienar ou onerar participações sociais detidas antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, parece adequado concluir que todas as participações detidas pelas SGPS's deverão, no momento da respetiva alienação, verificar os requisitos necessários à aplicabilidade do regime especial em causa assim sendo, deve proceder-se ao ajustamento do lucro tributável relativo aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º do EBF.

«Método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros: "(...) dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou especifica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição".

A esta opção de cálculo, está, pois, associada a fungibilidade que assiste aos meios financeiros e, concomitantemente, a dificuldade em estabelecer uma relação direta entre os empréstimos obtidos e os ativos financiados, sendo que o método preconizado na circular não colide com o teor do normativo em debate.

Por fim, importa sublinhar que a referida Circular se limita a estabelecer a metodologia a observar no cálculo dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital para, por essa via, operacionalizar a aplicação do estatuído no n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Nada na letra do n.º 2 do art.º 32º do EBF impede a aplicação do método indireto na referida afetação dos encargos financeiros, atenta a característica da fungibilidade da moeda, com a consequente impossibilidade de se determinar a aplicação específica dos capitais obtidos.

Deste modo, tendo em vista concretizar o previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF e de acordo com a metodologia consagrada pela Circular n.º 7/2004, são excluídos, para efeitos de apuramento do lucro tributável, os encargos financeiros suportados com passivos destinados a financiar partes de capital social, prestações suplementares e prestações acessórias com o regime de prestações suplementares, uma vez que a expressão partes de capital abarca, nos termos demonstrados, estas realidades

Importa salientar que o sujeito passivo utilizou na determinação dos encargos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais a metodologia preconizada pela Circular n.º 7/2004 tendo adotado pelo apuramento dos encargos financeiros não dedutíveis numa base mensal - v. Anexo n º 1 -metodologia também seguida pela Administração Tributária nos seus cálculos por se considerar ser a que melhor traduz a realidade que a norma visa tributar face â informação financeira produzida pela empresa.

Ou seja, a divergência existente entre os cálculos considerados pela A…e os propostos pela Autoridade Tributária e Aduaneira resulta da não consideração pela empresa da parte dos investimentos financeiros correspondentes a prestações suplementares como integrando o conceito de «partes de capital» sujeita às limitações do artigo 32.º do EBF, o que como já se demonstrou não respeita a ratio legis daquela norma.

Assim, a solução mais adequada consiste em imputar os passivos remunerados das SGPS, em primeiro lugar aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente partes de capital, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.

Do cálculo efetuado para determinar os encargos financeiros a excluir, para efeitos de apuramento do lucro tributável, considerando que as prestações suplementares e similares, estão abrangidas" pelo conceito de partes de capital, foi apurado um total de encargos financeiros não dedutíveis no valor de €24.019.245,35-v. Anexo n.º 1, fls. 1 de 2.

Demonstrada que está a desconformidade da atuação do sujeito passivo com o quadro legal aplicável, propõe-se, face ao valor dos encargos financeiros com financiamentos dirigidos à aquisição de partes de capital, incluindo a dotação de prestações suplementares, apurado pela inspeção tributária e o valor já acrescido pelo sujeito passivo ao lucro tributável, a correção pela diferença que se consubstancia no montante de € 6.084.536,41.

(E) Da norma do artigo 23.º do CIRC

Ainda que, por hipótese de trabalho, as prestações suplementares não seja aplicável o regime especial previsto no artigo 32.º do EBF, então sempre terá de se aferir da dedutibilidade destes encargos à luz do artigo 23.º do Código do IRC.

Os encargos financeiros suportados, por uma entidade - seja ou não uma SGPS - com a obtenção de fundos os quais se destinam a ser concedidos a título não remunerado por essa mesma entidade, a uma participada, não são considerados gastos fiscais face à norma do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

Este artigo estabelece o princípio geral relativo à dedutibilidade fiscal dos gastos suportados pelas entidades sujeitas a este imposto. Estabelece este no seu n.º 1, alínea c) (epígrafe "gastos"), que "Consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", elencando, posteriormente, uma lista de gastos que inclui "Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso".

Considera-se, assim, que a dedução dos juros e outros encargos deverá obedecer às mesmas regras que são genericamente aplicáveis aos outros gastos suportados pelas empresas, estando, portanto, a sua dedutibilidade condicionada à observância do princípio básico segundo o qual apenas serão fiscalmente dedutíveis quando sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora do respetivo sujeito passivo

De facto, os capitais obtidos, geradores dos encargos financeiros, ao financiarem prestações suplementares não remuneradas, e por isso não conexionadas com os rendimentos tributáveis da empresa, são afastados da exploração desta, visto que, ao invés, são utilizados na atividade da beneficiária.

(...)

(F) Da Conclusão

Face a tudo aquilo que foi exposto a montante não pode, pois, deixar de concluir-se que a aplicação da disciplina do n.º 2 do artigo 32.º do EBF à factualidade em análise - a qual é subsumível naquela norma por, conforme supra demonstrado, ali se enquadrarem as prestações suplementares - conduz â exclusão dos encargos financeiros suportados com a concessão das referidas prestações suplementares para efeitos de apuramento do lucro tributável. Por outro lado, o teor do artigo 23.º do CIRC obsta à dedutibilidade fiscal daqueles encargos financeiros na medida em que os mesmos não se encontram conexos com a atividade própria da empresa nem associados a ativos remunerados

Neste contexto, procede-se à correção do valor total de € 6.084.536,41 correspondente à diferença entre o valor dos encargos financeiros não dedutíveis (€24.019.245,35) e o montante acrescido pelo contribuinte.(€ 17.934.708,94).

(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO

No cumprimento do disposto nos artigos 60º, da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro e do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), aprovado peio Decreto-Lei n.º 413/98. de 31 de dezembro, foi o sujeito passivo notificado, em 2015-01-02, por carta registada, do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, relativo ao período de 2012, através do n/ Oficio n.º … de 2014-12-31, para o exercício do direito de audição prévia num prazo legal de quinze dias.

O sujeito passivo efetuou o respetivo exercício do direito de audição, por escrito, conforme documento recebido nestes serviços na data de 2015-01-16, ao qual coube a entrada n.º… .

Neste, vem a A…contestar as correções evidenciadas no projeto de relatório nos termos e argumentos que de seguida se resumem e apreciam, seguindo a ordenação indicada. Assim:

(...)

IX.2 - Correções à matéria coletável - IRC - Encargos financeiros não dedutíveis

Vem o sujeito passivo discordar da correção proposta em sede de IRC de € 6.989.205,47 relativo a encargos financeiros alegando que tal entendimento contraria "várias decisões arbitrariais e judiciais" onde se extrai.

Í. que "as prestações suplementares não se confundem com partes de capital (cf. processos n º 9/2012-T, 69/2012-T. 12/2013-T, 39/2013-T, 69/2073-7, 80/2013-T e 113/2013-T do CAAD. sentença do processo n.º 623/04.9BELSB do Tribunal Tributário de Lisboa, e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de março de 2006 proferido no processo n.º 0719/05) ";

ii. que "os encargos financeiros das SGPS relacionados com prestações suplementares são fiscalmente dedutíveis (cf. processos nº 69/2012-T, 72/2073-7, 39/2013-T, 80/2013-T e 113/2013-Tdo CAAD)";

iii. que a fórmula (constante da Circular n.º 7/2004) escolhida pela AT e aplicada pela AT na correção (...) é "inconstitucional" (cf. processo n.º 24/2012-T do CAAD).

Adicionalmente invoca uma 'contradição entre a AT concluir que, por um lado, se está perante um instrumento que não gera proveitos/rendimentos, e por outro, concluir aplicar-se às prestações suplementares o disposto no artigo 32º do EBP.

Considera ainda ter direito à reversão do acréscimo ao lucro tributável dos encargos financeiros relacionados com as prestações suplementares nos últimos três exercícios, uma vez que relativamente a essas prestações suplementares "não é equacionável a aplicabilidade de qualquer isenção enquanto alegadas partes de capital.

Por fim, defende o sujeito passivo, nos pontos 19º a 27º da exposição, que o artigo 23º do CIRC prevê a "dedutibilidade fiscal de todos os gastos relacionados com a realização de rendimentos", porquanto os investimentos nas sociedades participadas são "produtores de lucros".

Sobre a exposição apresentada, cumpre-me informar o seguinte:

a) Permite-se a ratificação que o valor da correção referente a encargos financeiros não é de € 6.989.205,47 conforme referido pelo sujeito passivo na exposição, mas sim o apresentado em projeto de relatório no montante de € 6.084.536,41.

b) Sobre o exposto, começa-se por referir que o exercício do direito de audição com a indicação da existência de decisões em sentido diverso do proposto na inspeção em curso não constitui só por si argumentação contrária à posição fundamentada no projeto de relatório de inspeção.

c) Mas neste contexto, esclarece-se que a Administração Tributária não desvaloriza de forma alguma a importância de ter em consideração as deliberações jurisprudenciais emanadas pelos órgãos competentes no âmbito de formação da sua decisão sobre determinada matéria Ao invés, e à semelhança do sujeito passivo, a Autoridade Tributária enfatiza as conclusões que suportam o entendimento por si deferido.

d) Mais se acrescente, que as decisões proferidas pelo CAAD incidem sobre processos concretos, tendo por base a prova que se considera demonstrada em sede própria.

e) Nesse sentido não pode deixar de se sublinhar que o CAAD naquelas decisões não se prenuncia quanto à coerência do propugnado pela AT no tratamento fiscal das prestações suplementares em participadas â luz dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real (CRP, art.104.D) e bem como o princípio da igualdade (CRP, art. 13 º)

f) Mas importa referir aqui o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sobre a matéria discutida tem corna suporte a Informação n.º 2026/10, emitida pela DSIRC, sancionada por Despacho do subdiretor geral dos Impostos de 7 de outubro de 2010 (em substituição legal do Diretor-Geral), que, no seu ponto 31 refere: "Nos termos do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, não concorrem para a formação do lucro tributável, as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital, nas quais se incluem as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares, assim como, os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas partes de capital"

g) No âmbito concreto da matéria do artigo 32.º do EBF, a referida informação teve por base elementos que permitiram retirar conclusões com elevado grau de certeza, não deixando margem para dúvidas, como, designadamente, se pode aferir pelo teor do seu ponto 32, ao concluir, de forma perentória, que "as prestações suplementares (...) para efeitos de aplicação do método constante na Circular 7/2004 devem ter o tratamento aí previsto para as "partes de capitar (...)".

h) Não se reconhece aqui qualquer "inconstitucionalidade" nos procedimentos adotados, uma vez se dá integral cumprimento ao princípio da legalidade consignado nos art.ºs 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55.º da LGT aquando da aplicação do disposto no artigo 32.º do EBF.

Í) Inexiste qualquer vício de violação de lei porquanto estando em causa poderes vinculados o princípio da legalidade sobrepõe-se a quaisquer outros princípios; para além de que ao se exigir da AT, enquanto órgão e aplicação da lei, uma atuação vinculada na fixação do conteúdo do conceito normativo, fazenda apelo a parâmetros e normas de caráter técnico-económico, a doutrina administrativa sancionada pelo identificado Despacho do SEAF contribui para uma unidade de solução justa na aplicação do disposto no artº 32.º do EBF aos casos em concreto.

j) Assim, estando a AT vinculada a critérios exclusivamente de natureza fiscal e não de natureza financeira, e em respeito pelos princípios fundamentais previstos no n.º 2 do art º 266.º da CRP e por força do princípio da legalidade consignado no art.º 55.º da LGT, cujos preceitos legais impõe aos órgãos e agentes administrativos urna atuação subordinada à Constituição e à lei, aquela não poderá deixar de aplicar o entendimento sancionado pelo citado Despacho do SEAF n.º 536/2004-XVI que, reafirma-se, se encontra em vigor no exercício de 2009, bem como no exercício em análise.

k) Não obstante, e centrando-se a discussão sobre o enquadramento das prestações suplementares no disposto do artigo 32º do EBF, importa aqui realçar que o conceito de partes de capital ínsito no citado artigo, abrange não só as partes do capital social, mas também outras componentes do capital próprio, como sejam as prestações suplementares e as prestações acessórias com o regime de prestações suplementares.

l) Atendendo aos interesses próprios da fiscalidade, o certo é que, para o legislador fiscal, o sentido e alcance conceptual da expressão partes de capital é mais amplo do que o de mera participação no capital social, conforme se demonstra de seguida.

m) De facto, é porque as prestações suplementares desempenham ao longo da sua vida útil uma função de apoio aos capitais permanentes, â semelhança do capital social, e consequentemente detém uma elevada permanência na empresa, que substantivamente são abrangidas pelo conceito de partes de capital e sujeitas legalmente ao regime das mais e menos valias fiscais.

n) As prestações suplementares, exemplo paradigmático de financiamento por capitais próprios, consistem em entregas efetuadas pelos sócios, para reforço daqueles, em determinado momento da vida de uma empresa, assumindo a forma de capital adicional. Assim, e ainda que as prestações suplementares apresentem distinções face ao capital social, não deixam de ter com este, para o que nos interessa, uma natureza análoga.

o) Na mesma linha de raciocínio veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n." 467/07.68EBRG, com data de Acórdão de 17 de novembro de 2011, já referido no projeto de relatório, onde se conclui que "as prestações suplementares de capital visam objetivos idênticos aos do aumento de capital, sem envolver o formalismo e a responsabilidade deste e daí que, tal como o aumento de capital (...) foi considerado (...) na determinação do valor de aquisição, também o devem ser as referidas prestações suplementares".

p) Considera o sujeito passivo que a jurisprudência citada no projeto de relatório (PRIT) aponta para a não dedutibilidade dos encargos financeiros referentes a prestações suplementares, quando as mesmas decorrem de liberalidades de um sócio/acionista e não seguidas pelos restantes detentores do capital social, e que por não ser o caso da A…SGPS não se lhe pode estender esse entendimento.

q) Esta conclusão decorre da interpretação do sujeito passivo e não resulta do teor daquelas decisões em que na sua fundamentação não faz qualquer referência à verificação do pressuposto de liberalidade nas prestações suplementares.

r) Não pode assim conceder-se com a posição da A… em relação â jurisprudência citada no PRIT.

s) Noutras situações, o próprio legislador vem, de forma expressa, determinar essa identidade de tratamento. Veja-se, a título de exemplo, o disposto no n.º 1 do art.º 21.º do CIRC, onde, no que às variações patrimoniais positivas concerne, se pode ler que "concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:

a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de apões, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser' reconhecidos como instrumentos de capital próprio;"

t) A mesma identidade de tratamento está também patente na alínea c) do n,º 1 do art.º 24,º do CIRC. Ora, não será com certeza por estarmos perante a problemática da qualificação e subsunção dos factos a uma norma prevista no EBF que as razões de identidade entre as duas figuras (e que levaram o legislador a consagrar as referidas soluções normativas) desaparecem, pelo que não se vislumbra a razoabilidade em atribuir-lhes agora tratamento diferente.

u) Parafraseando Pitta e Cunha, "(...) ao conceito de "entradas de capital", tal como acolhido na alínea a) do art.º 21º do CIRC, não é conferido o recorte rigoroso que na legislação comercial se dá ã obrigação de entrada, aqui configurada corno prestação principal dos sócios por contraposição às prestações acessórias. Pois o legislador fiscal entendeu por entradas de capital não só os valores correspondentes à contribuição predial formal dos sócios para o capital da sociedade em sentido próprio, como também outros apports dos sócios, de que não se vê porque haveriam de se excluir os realizados sob a forma de prestações acessórias" Assim, "(...) a lei fiscal está manifestamente a acolher um conceito elástico de "entradas de capital", no qual não se poderão deixar de compreender outras realidades."

v) É a "(...) relevância fiscal destes investimentos financeiros, como sejam as prestações suplementares ou as prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares" que "implica a sua integração e/ou equiparação às partes de capital nos termos do artº 42º, nº 2 do CIRC"

w) Face ao exposto podemos concluir com firmeza que as prestações suplementares seguem na alienação o regime das mais e menos valias, sendo concomitantemente abrangidas pelo regime ínsito no artigo 32º do EBF, sendo que os encargos financeiros suportados com o seu financiamento não concorrem para o apuramento do lucro tributável.

x) Na sua linha de pensamento, vem o sujeito passivo sugerir a reversão de acréscimo dos encargos financeiros relacionados com as prestações suplementares determinadas pela AT nos últimos três exercícios, na quota-parte do montante reembolsado das prestações suplementares.

y) Considerando que as referidas prestações foram aplicadas no financiamento gratuito de uma sociedade associada do sujeito passivo, o seu reembolso é na prática uma restituição do capital, não gerando qualquer rendimento de mais-valias que pudesse vir a integrar a formação do lucro tributável em função de por essa via deste reembolso não ocorrer qualquer alteração na participação detida ou nos direitos que lhe são inerentes.

z) Em consequência não há lugar aqui a qualquer reversão dos encargos financeiras considerados não dedutíveis em períodos anteriores em que foram suportados.

aa) A pretensão agora apresentada pela empresa (pontos 15 a 18) equivale a conferir ã revogação do regime fiscal das SGPS ocorrido em 2014 a sua aplicação no período de 2012 e isso, como é óbvio, não tem qualquer enquadramento legal.

bb) Conforme avaliação do regime fiscal das SGPS proferida por Acórdão n.º 42/2014, de 11 de fevereiro, do Tribunal Constitucional, «(...) A Constituição não toma imperioso que a tributação do rendimento das empresas acompanhe, sempre, no momento e de acordo com a contabilização dos fluxos financeiros positivos e negativos, os ganhos, custos e perdas realizados ou incorridos em cada período de tributação. Sendo o rendimento real conceito normativamente modelado, não viola o princípio constante do n.º 2 do artigo 104º da Constituição o regime fiscal que, em prol da neutralidade fiscal - não sendo tributado o ganho, o custo que lhe esteja associado também não o deve ser -, estabeleça a indedutibilidade de um custo em função da susceptibilidade da realização de mais-valias isentas de tributação, cuja realização futura se considere provável e expectável.»

cc) A incerteza quanto à realização de mais-valias isentas de tributação pelo regime fiscal das SGPS não apresenta sequer justificação e por isso a empresa considerou (e bem) que as participações adquiridas no período de 2012 se apresentam sujeitas ao regime do artigo 32º do EBF, aplicável às partes de capital detidas em 2012 por SGPS, independente do prazo de detenção mínimo para usufruir do benefício fiscal da não tributação das mais-valias na alienação não estar ainda verificado.

dd) Considera o referido Acórdão n.º 41/2014 que não se mostra excessivo o regime que faça actuar a não dedução dos encargos financeiros em cada período de tributação em que são incorridos, tendo em atenção a preservação da possibilidade de efectiva e futura realização de mais-valias, tanto mais que a legislação em vigor aplicável não exclui a eventualidade de correcção dos custos não deduzidos em períodos de tributação anteriores, caso a alienação de participação de capital não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias.

ee) Sublinha-se que a correção considerada no PRIT em nada altera os cálculos apresentados pelo sujeito passivo no procedimento inspectivo, que evidenciam as partes de capital registadas na contabilidade, incluindo naturalmente as adquiridas ao longo de 2012, nas sociedades F…, N…, L… e M… .

ff) Acrescente-se que à data de 31 de dezembro de 2012, a aquisição de partes de capital nestas sociedades era de continuidade, conforme se confirma pela sua contabilização como investimento financeiro, o que indica a sua detenção por um período superior a um ano.

gg) Neste contexto, verificavam-se os requisitos para a aplicabilidade do artigo 32º do EBF.

hh) Considera-se assim, não assistir razão ao sujeito passivo para correção do acréscimo de encargos financeiros efetuados pela A… da quota-parte relacionada com a partes de capital adquiridas no período

ii) Pelo exposto, mantêm-se a correção nos termos propostos no ponto III.1.1 deste relatório.

 

g)   Na sequência da inspecção relativa ao grupo B…, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2015…, de 15-07-2015, cujo teor se dá como reproduzido, relativa a exercício de 2012, em que aplicou a correcção referida no Relatório da Inspecção Tributária;

h)   A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação, que foi indeferida por despacho do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes de 10-02-2016, em que manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte

§ II.l. Encargos financeiros não dedutíveis

§ ll.l.l. Dos argumentos da Reclamante

6. A Reclamante, em suma, não alega nada de verdadeiramente novo, mas tão-só limita-se a reforçar aquilo que já salientado na petição inicial, através da enumeração de decisões judiciais e arbitrais favoráveis â posição da Reclamante nesta matéria, quer no que respeita à não classificação das prestações suplementares como partes de capital, quanto à dedutibilidade fiscal dos encargos suportados com a sua aquisição nas SGPS, e por último, quanto à aceitação de um método de afetação direta no cálculo dos encargos financeiros suportados.

§ ll.l.ll. Da apreciação

7. Como referido a Reclamante não traz nada de novo ao procedimento uma vez que já havia feito menção de várias decisões das instâncias judiciais e arbitrais favoráveis à sua posição sobre a questão, apenas que desta parece ter feito um exercício exaustivo sobre todas as decisões dessas mesmas instâncias favoráveis à sua pretensão.

8. Ora, refira-se desde já que a UGC-AT já possuía conhecimento sobre a posição tomada por alguns tribunais e pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sobre várias questões relacionadas com o n.º 2 do art. 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e a Circular n.º 7/2004.

9. Essas decisões, apesar de irem contra aquilo que é a posição da AT, produzem os seus efeitos apenas no caso julgado e vinculam a administração nos termos do art. 100.º da Lei Geral Tributária nesse caso apenas.

10. Independentemente do número de decisões favoráveis ou desfavoráveis a determinada posição jurídica, referida no jargão como "corrente jurisprudencial", mesmo que unívoca, que, saliente-se já, não é o caso, essas não fazem lei, tendo sempre os seus efeitos circunscritos ao caso julgado, salvo o caso excecional da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral por parte do Tribunal Constitucional, mas essa apenas porque a prevê a própria Constituição da Republica Portuguesa", tal é arquitectura jurídica nacional.

11. No projeto de decisão que antecede, foi oportunamente indicado uma série de acórdãos favoráveis à posição da AT que a Reclamante, tanto quanto nos é percetível, tende a ignorar, tanto no que respeita à indedutibilidade dos encargos financeiros, quer nos termos do art. 32.º, n.º 2, do EBF, quer nos termos do art. 23.º do Código do IRC.

12. Reconhecendo-se que a questão não é fácil, não obstante tudo o já exposto na petição inicial e no requerimento que consubstancia o direito de audição, mantemos a posição assumida, na medida em que esta é a que melhor se coaduna com o regime estabelecido pelo legislador no tratamento a dar a este tipo de gastos, sem deixar de aludir, novamente, que a UGC como unidade orgânica da AT, encontra-se nos termos do art. 68.º-A vinculada às orientações genéricas administrativas como é o caso da Circular n.º7/2004.

§ III. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de decisão" e as peças processuais carreadas pela Reclamante, nomeadamente a petição inicial e o seu requerimento de direito de audição, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.º 100.º da Lei Geral Tributária.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Reclamante, através de oficio a remeter sob registo, nos termos do previsto nos art.ºs 35.º a 41.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com todas as consequências legais.

 

i)      Em 10-05-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia sobre eles.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

 

Na sequência de uma inspecção tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correções à matéria tributável do exercício de 2012 do grupo B…, de que a Requerente é sociedade dominante.

Entre as correcções efectuadas inclui-se uma no montante de € 6.084.536.41, relativa a «encargos financeiros não dedutíveis face ao disposto nos artigos 32º do EBF e 23º do CIRC: O sujeito passivo não acresceu na totalidade o montante relativo aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, que quer nos termos do n º 2 do artigo 32º do EBF quer do artigo 23º do CIRC não concorrem para a formação do lucro tributável».

Esta correcção foi feita em relação ao lucro tributável individual da Requerente, sendo efectuado o correspondente ajustamento ao lucro tributável do grupo, em conformidade com o disposto no artigo 70.º, n.º 1, do CIRC.

A correcção referida reporta-se a encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações suplementares (e prestações acessórias com o mesmo regime) efectuadas a participadas suas, que foram considerados na determinação do lucro tributável.

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, sendo o objecto de apreciação do Tribunal Arbitral o acto praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada à face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária em que analisou o lucro tributável individual da Requerente, entendeu, em suma, o seguinte:

– a Requerente não considerou na sua fórmula de cálculo o valor registado na contabilidade como investimentos financeiros que se reporta a prestações suplementares e prestações acessórias;

– as prestações suplementares devem ser consideradas como «partes de capital» estando sujeitas ao regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, vigente no ano de 2012;

– a desconsideração como gastos dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável, consagrada no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos gastos segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto;

para efeitos da determinação dos encargos financeiros a afectar às partes de capital, deve aplicar-se o critério indicado pela Administração Tributária na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março da DSIRC, que foi efectivamente aplicado pela Requerente;

– «a divergência existente entre os cálculos considerados pela A… e os propostos pela Autoridade Tributária e Aduaneira resulta da não consideração pela empresa da parte dos investimentos financeiros correspondentes a prestações suplementares como integrando o conceito de «partes de capital» sujeita às limitações do artigo 32.º do EBF»;

– «ainda que, por hipótese de trabalho, as prestações suplementares não seja aplicável o regime especial previsto no artigo 32.º do EBF, então sempre terá de se aferir da dedutibilidade destes encargos à luz do artigo 23.º do Código do IRC».

– «os encargos financeiros suportados, por uma entidade - seja ou não uma SGPS - com a obtenção de fundos os quais se destinam a ser concedidos a título não remunerado por essa mesma entidade, a uma participada, não são considerados gastos fiscais face à norma do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC».

 

É a apreciação da legalidade destas correcções, com esta fundamentação que constitui objecto do presente processo.

Sendo autónomos os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para considerar que os encargos financeiros suportados com prestações suplementares não relevam para determinação do lucro tributável, tendo cada um deles com potencialidade para sustentar as correções efetuadas, serão apreciados separadamente, sem prejuízo de que, se se concluir que um deles fornece suporte legal para a decisão tomada, ficará prejudicado, por inútil, o conhecimento do outro.

Na verdade, como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, quando um acto administrativo tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". ( [2] )

 

3.1. Questão da qualificação das prestações suplementares como «partes de capital» para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2012

 

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelecia, na redacção vigente em 2012, introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, estabelece o seguinte:

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

            Da parte final desta norma resulta que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

            No caso em apreço, os encargos financeiros em causa foram suportados pela Requerente para efectuar prestações suplementares (ou prestações acessórias com o mesmo regime), às suas participadas, pelo que a aplicabilidade desta norma à situação depende da qualificação destas prestações como «partes de capital».

«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que às mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

No n.º 2 do mesmo artigo 11.º estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer directamente da lei».

Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais deverem ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma excepção, que é decorrer directamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.

Aliás, esta excepção está em sintonia com outra regra interpretativa geral, que é a de que a lei especial prefere à lei geral no seu específico domínio de aplicação. Isto é, se decorre directamente de uma norma fiscal, especial para a situação que regula, o sentido de um determinado termo, nem interessará saber se esse sentido corresponde ou não ao que é utilizado na lei geral, pois esse sentido directamente decorrente da lei para uma específica situação terá de ser forçosamente o que se tem de adoptar, com preterição do sentido com que o conceito é utilizado em qualquer norma que não tenha natureza de lei especial para a referida situação.

De qualquer forma, do n.º 2 do artigo 11.º do EBF resulta que, em boa hermenêutica, a primeira tarefa do intérprete da lei fiscal para apurar o alcance de um termo nela utilizado é apurar se da lei fiscal decorre directamente o sentido desse termo.

Só se não se estiver perante uma situação deste tipo, se poderá fazer apelo ao sentido dos termos utilizados noutros ramos de direito.

Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre directamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente no ano de 2011.

Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:

 

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».

As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará, além das «partes de capital» também «as outras componentes».

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

Na verdade, se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia «(...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Aquela referência às prestações suplementares não existia na redacção do artigo 42.º do CIRC ( [3] ) da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro ( [4] ), só sendo feita na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo que a alteração legislativa foi efectuada com o intuito de precisar o alcance fiscal dos conceitos utilizados, designadamente o conceito de «partes de capital», mostrando que este, na perspectiva do legislador do CIRC, não abrangia as prestações suplementares.

Tratando-se de uma alteração com alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares, para efeitos de IRC, se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital».

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, nestes termos:

 

“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um ativo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais-valias.

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos-valias.”

 

Assim, conclui-se que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2012, ao estabelecer, reportando-se às «partes de capital», que «não concorrem para a formação do lucro tributável» das SGPS os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», não afasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares, pois estas não se enquadram no conceito de «partes de capital», pelo menos para este efeito fiscal.

Por isso, as correções efetuadas não têm suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

 

3.3. Questão da indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações suplementares a participadas para a formação do lucro tributável da Requerente

 

A não consideração pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para a formação do lucro tributável da Requerente, dos referidos encargos financeiros com as prestações suplementares a participadas baseou-se também no entendimento de que essas despesas não podem considerar-se indispensáveis para essa formação.

Esta questão foi já apreciada, com os mesmos pressupostos de facto e de direito, nos processos do CAAD n.ºs 39/2013-T, 734/2014-T e 570/2015-T, com cuja decisão se concorda, pelo que se seguirá a sua fundamentação.

 

3.3.1. A interpretação do conceito de indispensabilidade dos custos ou perdas

 

A interpretação do conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC tem, na doutrina jurídico-fiscal portuguesa, em TOMÁS TAVARES e ANTÓNIO PORTUGAL, autores de obras nucleares quanto à dilucidação de tal conceito.

Para o primeiro destes autores: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.”

E continua: “ (…) A indispensabilidade subsume-se a todo e qualquer ato realizado no interesse da empresa… A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os atos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”.

O segundo autor, relativamente à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, exprime a seguinte posição:

 

“A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objecto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei”.

 

Estas obras sustentam, pois, que qualquer decaimento económico (gasto) que tenha uma relação com o objecto societário, seja incorrido no âmbito da actividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade.

No plano da jurisprudência, e em especial no que respeita à dedutibilidade de gastos relativos a juros suportados por sociedades que aplicam os capitais tomados de empréstimo no financiamento de participadas, merece destaque o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-02-2007, proferido no processo n.º 1046/05, no qual se afirma:

 

“Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.

A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.”

 

Também aqui a noção de actividade ou de interesse social se revela o traço marcante na admissibilidade fiscal dos gastos, quando aferida pelo artigo 23.º do CIRC. E na jurisprudência citada pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira predomina, como era de esperar, a questão de ligação da admissibilidade fiscal dos gastos financeiros em função de se considerar que a entidade financiadora realiza ou não, nessas operações, actividade própria.

Ora, em face do que se referiu, é claro que, tanto no plano doutrinal como na esfera jurisprudencial, a ligação à actividade será o elemento nuclear da chave interpretativa do conceito de indispensabilidade. Assim, e para o caso em apreço, a análise do que se entende por “actividade” das sociedades, em particular de uma SGPS, revela-se essencial.

Vejamos então, num plano geral, o que entendemos por actividade dos entes societários; e depois, no caso em apreço, o que se deve entender por actividade própria de uma SGPS.

 

3.3.2. A actividade das sociedades

 

A actividade de um ente societário consiste nas operações decorrentes do uso e gestão dos seus recursos. Tais recursos são, em primeira linha, os activos que constam do respectivo património.

A partir da noção de “activo” que o normativo contabilístico estabelece, pode concluir-se que tanto será actividade a gestão de um activo fixo tangível, como a de um intangível, como a de um activo financeiro, ou uma qualquer prestação de serviço.

Assim, suponha-se que a sociedade ALFA participa na sociedade BETA na proporção de 100%. A primeira é pois titular de um activo financeiro. Que “actividade” resulta na esfera de ALFA da participação que esta detém em BETA?

A primeira pode intervir na segunda, controlando as suas políticas financeiras e operacionais de modo a obter benefícios da mesma, determinando a produção de novos bens ou serviços, a minimização de gastos, ou outras medidas que aumentem os seus benefícios económicos futuros.

Mas é também claro que ALFA poderá intervir em BETA no plano das operações financeiras. Quer aumentando o capital de BETA a fim de incrementar a respectiva capacidade de investimento, ou dotá-la de meios financeiros que reforcem a tesouraria de BETA a fim de incrementar a respectiva capacidade de investimento, ou dotá-la de meios financeiros que reforcem a sua tesouraria.

A entidade ALFA, no exercício da sua actividade própria, administra e toma decisões referentes a um activo financeiro, que decorre da dita participação. Tal constitui actividade de ALFA e não de BETA. Esta beneficia dessa actividade, sofre os efeitos das decisões de ALFA, mas não desenvolve a actividade de gestão da participação.

Caso os gestores de ALFA executem operações que afectem o financiamento de BETA não estão a desenvolver actividade de terceiros. Estão a desenvolver actividade própria de ALFA, derivada directamente da gestão do activo financeiro traduzido na participação em BETA. A empresa BETA tem a natureza de entidade participada, o que confere às decisões da participante o qualificativo de uma actividade própria, inerente ao seu escopo: a gestão de tal participação. E essa gestão pode envolver operações de financiamento que fazem parte da actividade da participante.

A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos e, posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento.

 

3.3.3. A actividade das SGPS e a dedutibilidade dos encargos financeiros em causa

 

 De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ([5]) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante. ([6])

A participação numa sociedade considera-se forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Em face do exposto, revela-se claro que a actividade das SGPS – conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23.º do CIRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual.

Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do activo financeiro adquirido, ao financiamento de tal activo e à eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na actividade de uma SGPS.

Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.

Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada, que regula a sua actividade. ([7])

Conclui-se, assim, que, estando esses encargos relacionados com a actividade própria da SGPS, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação do conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, designadamente na parte do n.º 1 deste artigo, em que se dá relevância aos gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, em que se incluem os encargos de natureza financeira, expressamente referidos na alínea c) do mesmo número.

Na verdade, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 23.º, para ser satisfeito o requisito da indispensabilidade dos gastos, não é necessário que eles sejam necessários para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, bastando que eles sejam necessários para a «manutenção da fonte produtora», conceito em que, relativamente às SGPS, cabem as suas participadas, de cuja actividade advêm proventos para a SGPS.

Pelo exposto, falece também o segundo fundamento da correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao lucro tributável da Requerente, relativo aos encargos financeiros com as referidas prestações suplementares.

Assim, conclui-se que as correções efetuadas não têm fundamento legal, pelo que enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a anulação do acto de liquidação de IRC, bem como a decisão da reclamação graciosa que a manteve com os mesmos fundamentos (artigos 135.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015).

 

3.3.4. Questões de conhecimento prejudicado colocadas pela Requerente

 

Devendo proceder o pedido de pronúncia arbitral quanto aos dois fundamentos utilizados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária subjacente à liquidação impugnada, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente, designadamente a da ilegalidade ou inconstitucionalidade dos pontos 7. e 8. da Circular n.º 7/2004, da DSIRC.

 

3.3.5. Questões de inconstitucionalidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira coloca nos artigos 200.º e seguintes da Resposta uma questão de inconstitucionalidade por a interpretação da Requerente ser incompatível com o princípio da igualdade, mas não é perfeitamente perceptível a que interpretação se refere, pois há várias nos artigos antecedentes da Resposta.

Se a Autoridade Tributária e Aduaneira se reporta à interpretação que a Requerente faz quanto à utilização do método indirecto previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, o conhecimento da questão está prejudicado, pois, pelo que se disse, conclui-se pela ilegalidade da liquidação, a face dos dois fundamentos em que se baseou a correcção, independentemente do método de determinação dos encargos financeiros a afectar à aquisição de partes de capital: na verdade, se apenas foi feita uma correcção em relação às prestações suplementares e estas não se enquadram no conceito de «partes de capital», pelo que se disse, é irrelevante saber qual seria o método de afectação a utilizar se fossem abrangidas por esse conceito.

No que concerne a hipotética violação do princípio da igualdade por não enquadramento das prestações suplementares no regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, é manifesto que as prestações suplementares são diferentes das partes de capital aí referidas, designadamente acções e quotas de sociedades.

Na verdade, se, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, o fundamento para as SGPS serem penalizadas com a indedutibilidade dos encargos financeiros previstos na parte final daquela norma com aquela norma fosse a neutralização do benefício previsto na parte inicial da irrelevância das mais-valias para a determinação do lucro tributável, então tem de se concluir que essa hipotética atenuação do benefício ou reequilíbrio não se justificam em relação às prestações suplementares, pois, à face do seu regime legal, elas não são restituídas por valor superior àquele por que foram prestadas, não sendo, consequentemente fonte de mais-valias.

Por outro lado, no que concerne ao princípio da capacidade contributiva, se as prestações suplementares são restituídas pelo seu valor e nem sequer vencem juros (artigo 210.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais) não se vislumbra como quem as presta possa ter, por esse facto, capacidade contributiva igual à de quem utiliza financiamentos para adquirir acções ou quotas e as transmitir com mais-valias para efectuar mútuos remunerados.

Isto é, em vez de o não enquadramento das prestações suplementares no regime da parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF violar o princípio constitucional da tributação em função da capacidade contributiva e o princípio da igualdade, essas violações poderiam ocorrer se as prestações suplementares fossem equiparadas às partes de capital (acções e quotas de sociedades), para efeito de proibição de dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com financiamentos com aquelas conexionados.

Por isso, a consideração destes princípios constitucionais, em vez de impedir a interpretação aqui adoptada, antes a corrobora.

 

           

4. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– declarar a ilegalidade da correcção da matéria tributável da Requerente no montante de € 6.084.536,41, aplicada pela liquidação de IRC n.º 2015 … e da decisão da reclamação graciosa que a manteve;

– anular a referida correcção, bem como a liquidação e decisão da reclamação graciosa na parte em que a mantêm.

 

 

5. Valor do processo

 

   A Requerente indica como valor da causa o de € 1.277.752,65.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que deve ser o valor a reembolsar indicado na liquidação que é de € 791.449,96.

Nos processos de arbitragem tributária não há alçada, pelo que a fixação do valor da causa apenas releva para efeitos de custas e para determinar se o processo é julgado por tribunal arbitral singular ou colectivo.

No caso em apreço, não está em causa da formação do tribunal arbitral, pelo que está em causa apenas a fixação para efeitos de custas, pelo que se deve atender prioritariamente ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

O artigo 3.º, n.ºs 2 e 3, do RCPAT estabelecem as seguintes regras sobre a determinação do valor da causa:

 

2. O valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

3. O valor da causa nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem o é o da liquidação a que o sujeito passivo, no todo ou em parte, pretenda obstar.

 

A alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT foi revogada e a alínea b) do mesmo número refere-se à «declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».

No caso em apreço, na sequência da fixação global da matéria tributável da Requerente, efectuada no âmbito da inspecção tributária, foi efectuada uma liquidação, pelo que não se está perante uma situação enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Assim, das normas previstas no RCPAT sobre a determinação do valor da causa, apenas é potencialmente aplicável o n.º 2 do artigo 3.º que remete para o artigo 97.º-A do CPPT.

No caso dos autos, é impugnado um acto de liquidação e, para as situações deste tipo, o artigo 97.º-A, n.º 1, do CPPT, apenas estabelece, a sua alínea a), que o valor da causa é, «quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende».

Porém, no caso em apreço, a liquidação prevê apenas uma quantia a reembolsar e a Requerente não pretende a anulação desse reembolso nem de qualquer quantia liquidada, pelo que não se está perante uma situação enquadrável naquela alínea a).

Assim, não havendo normas especiais que permitam determinar o valor da causa em situações deste tipo, há que fazer apelo à legislação subsidiária, que é o CPC, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

As regras básicas sobre a determinação do valor da causa constam dos artigos 296.º e 297.º do CPC, em que se estabelece, além do mais, que:

– «a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido»;

– «se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício».

 

No caso em apreço, a Requerente não quer ver anulada a liquidação na parte em que determina o valor a reembolsar, pois nessa medida a liquidação é-lhe favorável, pelo que nem teria legitimidade para a impugnar. O que a Requerente pretende é que sejam eliminados os efeitos que advêm da correcção do montante de € 6.084.536,41, que lhe diminuiu os prejuízos fiscais, como se refere na página 8 do Relatório da Inspecção Tributária da inspecção relativa ao grupo.

A esse montante de 6.084.536,41 corresponde o montante de IRC de 1.277.752,65, à taxa de 21%, vigente a partir de 2015, que consta do artigo 87.º, n.º 1, do CIRC, na redacção da Lei n.º 84-B/2014, de 31 de Dezembro.

Assim, conclui-se que a Requerente não pretende obter com este processo, como utilidade económica imediata, uma quantia em dinheiro, mas sim um benefício económico, que é o aumento dos prejuízos fiscais em relação aos que resultaram da correcção impugnada, prejuízo esse que tem eventual relevância em ulteriores exercícios, nos termos do artigo 52.º do CIRC.

O valor determinável desse benefício é € 1.277.752,65, como indicou a Requerente, pois é este o valor de IRC que deixará de ser liquidado se os prejuízos em causa forem relevantes. De facto, os prejuízos fiscais não relevaram para efeitos de liquidação de IRC antes da vigência desta taxa, quando forem relevantes, ao abrigo do disposto no artigo 52.º do CIRC, sê-lo-ão à taxa aplicável no exercício em que essa relevância for efectivada.

   Assim, deve ser considerado valor da acção o que a Requerente indica, pelo que, nos termos do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, se fixa ao processo o valor de € 1.257.733,15.

 

            6. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 17.136,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20-11-2016

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

         (Paulo Jorge Nogueira da Costa)

 

 

 

(Pedro Galego)

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

- de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.

- de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

- de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

- de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

 

Em sentido idêntico, podem ver-se:

-     MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".

 -    MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

( [2])                Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.

                Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável».

                .

 

( [3] )         O artigo 42.º do CIRC, na renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, corresponde ao artigo 45.º, na renumeração do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

( [4] )         A redacção anterior da norma correspondente, introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, era a seguinte:

 3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

([5])           Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

([6])           No entanto, apesar de o único objecto contratual das SGPS ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

([7]) Como já se referiu, adoptou-se nos pontos 3.3.1., 3.3.2. e 3.3.3. a fundamentação do acórdão proferido no processo do CAAD n.º 39/2013-T.