Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 352/2016-T
Data da decisão: 2016-11-22  IRC  
Valor do pedido: € 3.586,07
Tema: IRC – Despesas sujeitas a Tributação Autónoma
Versão em PDF


 

Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

 

1 – A…, SROC, NIPC[1]…, com sede na Rua …– … – …, …-… –…, apresentou em 30/06/2016 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação do IRC[4], referentes aos anos de 2011 e 2012, conforme notas de liquidação 2015 … e 2015 …, com os valores, respetivamente de € 3 342,01 e € 244,06. 

2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] na mesma data e notificado à AT em 18/07/2016.

 

 

 

3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

4 - O tribunal foi constituído em 15/09/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro

5 – Com o seu pedido visa, a requerente, a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IRC dos anos de 2011 e 2012 nos montantes de€ 3 342,01 e € 244,06, conforme notas 2015 … e 2015 …, respetivamente e o consequente pagamento de juros indemnizatórios.

6- Invoca para o efeito, em síntese, o seguinte:

 6.1- Discorda e não aceita as correções relacionadas com os gastos da assinatura da internet no domicílio fiscal do sócio B…, por considerar que tais custos se relacionam com a segurança informática de informação da empresa, sendo tal procedimento preventivo quanto a danos que eventualmente possam ocorrer na sede e que o facto de no mesmo pacote estarem associados outros serviços (telefone, televisão) alheios à empresa, mas de pequena monta (€ 274,68) que o procedimento inspetivo considerou pela totalidade. 

6.2 Quanto a gastos relacionados com “C…”, descritos como gastos de utilização de instalações desportivas, esclarece que a impugnante utiliza a garagem que é muito mais vantajoso que o pagamento de avenças no estacionamento público da zona, ao mesmo tempo que os custos relacionados com as toalhas é insignificante (€ 27,30 em 2011 e € 32,76 em 2012) valores que a requerente não contesta.

6.3 – Os gastos relacionados com o material de escritório, no qual estão incluídos livros escolares, poderia o procedimento inspetivo ter expurgado o seu valor e não optar pela correção da totalidade, uma vez que o restante material (lápis, borrachas, afiadeiras, esferográficas e outros) é gasto da empresa.

6.4 – A aquisição de uma “Dock Station” para Ipod, no montante de 426,83 que a inspeção não aceitou por considerar que não é adequado à atividade da empresa, na realidade tal material é usado, não como dispositivo Ipod, mas com telemóveis Iphone da mesma marca Apple através de uma ligação sem fios bluetooh em reuniões telefónicas com clientes em alta voz

6.5 – As despesas de condomínio são despesas assumidas pela requerente relativamente às frações que ocupa com os seus escritórios e que hoje é usual acontecer no mercado de arrendamento e que a liberdade contratual permite.

6.6 – Quanto aos gastos com artigos de oferta os mesmos são justificados pela tradição de ofertar, pela altura do Natal, pequenas lembranças aos seus colaboradores, incluindo um jantar de Natal.

6.7 – As despesas com seguro de saúde proporcionado aos funcionários a correção feita pela inspeção com a argumentação que o mesmo não é extensível a todos os funcionários, não se aceita dado que a lei fala em generalidade o que não significa totalidade e a sua atribuição é feita segundo critérios definidos pela empresa.

6.8 – Relativamente às correções efetuadas por despesas tituladas em nome de outros sujeitos passivos, as mesmas respeitam a encargos com a segurança social dos sócios e sendo a requerente uma sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal, pelo que os rendimentos dos sócios resultam da imputação dos rendimentos da matéria coletável da sociedade, tais encargos mostram-se necessários para a formação dos rendimentos. Neste ponto aceita apenas uma pequena correção de € 65,50 referente a uma despesa emitida em nome de outra entidade.

6.9 – Gastos com deslocações e estadas, considera inaceitáveis as correções efetuadas, não só pelo seu montante, mas porque sofrem tributação autónoma e são despesas efetivamente suportadas pela requerente, nas deslocações que são feitas às instalações dos seus clientes, na atividade da empresa.

 

7 – Por sua vez a AT, em síntese, entende:

7.1 – Que os atos tributários de liquidação postos em crise deverão ser mantidos na ordem jurídica por obedecerem às normas legais em vigor devendo o pedido de pronúncia arbitral ser declarado improcedente.

7.2 – De harmonia com o quadro fiscal estabelecido para as entidades tributadas pelo regime de transparência fiscal a tributação incide sobre o lucro real calculado de acordo com O CIRC[6], ficando as despesas ou encargos específicos previstos no artigo 88º do CIRC, sujeitas a tributação autónoma.

7.3 – Daí que despesas não documentadas, encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custo, valores pagos a não residentes, lucros atribuídos a entidades sujeitas a IRC, mas dele isentas, encargos referentes a indemnizações ou compensações não relacionadas com a relação contratual e também os gastos ou encargos de bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes, ficam na alçada do já referido artigo 88º do CIRC.

7.4 – No que às despesas de representação diz respeito, o SIT[7] constatou que a requerente, embora contabilizando tais despesas, não operou ao cálculo das tributações autónomas a que estava obrigada, pelo que os serviços inspetivos procederam ao seu cálculo, considerando o saldo das contas respetivas, facto que não mereceu reparo da requerente na sua petição.

7.5 – Em relação às ajudas de custo e compensação pelo uso de viatura própria, as mesmas só serão dedutíveis na totalidade e não serão passíveis de tributação autónoma, nas circunstâncias da sua faturação aos clientes, procedimento não seguido pela requerente justificando ser relativamente corrente o preço já incluir todas as despesas e encargos, pelo que o SIT procedeu ao cálculo do imposto sobre os encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria não evidenciado nas faturas emitidas aos clientes o que também não mereceu reparo na petição.

7.6 – As despesas com combustíveis, depreciações, rendas, seguros, manutenção e impostos incidentes pela posse ou utilização de viaturas, o sujeito passivo tem que fazer prova documental que os gastos incorridos estavam diretamente relacionados com a atividade da empresa e o que se verificou foi um registo contabilístico de diversas faturas/vendas a dinheiro, apresentadas pelo sócio, sem qualquer prova ou suporte documental que estabelecesse relacionamento com a atividade da requerente, o que motivou a tributação autónoma sobre estes encargos e também aqui a requerente nada disse na sua petição.

7.7 – Conclui que estando a requerente impedida de impugnar a matéria coletável por preencher os requisitos da alínea a) do nº 4 do artigo 6º do CIRC e consequente enquadramento no regime de transparência fiscal, não estava impedida de impugnar as tributações autónomas, o que fez, socorrendo-se de um articulado dirigido às correções à matéria coletável e não às tributações autónomas e ao seguir este caminho acabou por não exercer o contraditório quanto às liquidações controvertidas nos autos.

 

II – SANEAMENTO

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Na petição a requerente arrolou uma testemunha e requereu declarações de parte, marcada a reunião do artigo 18º do RJAT, que teve lugar no dia 28 de Outubro de 2016, sem a presença da requerente que no próprio dia informou que terá confundido as datas. Nela se entendeu ser desnecessária a prova testemunhal, o depoimento de parte bem como a produção de alegações e decidiu-se notificar a requerente para em 5 dias se pronunciar quanto a este entendimento. 

Em de 03 de Novembro veio a requerente dizer que considera dispensável a produção da prova testemunhal, pelo que não se opõe a que o tribunal profira desde já a decisão arbitral com base nos elementos disponíveis nos autos.

Não padecendo o processo de nulidades, consideramos reunidas as condições para ser proferida a decisão.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – Questão a dirimir nos presentes autos

a)      Saber se as liquidações de IRC nºs 2015 … de 2011 no montante de € 3 342,00 e 2015 … de 2012 no montante de € 244,06 são ilegais nos termos aduzidos pela requerente ou não o sendo deverão ser mantidas na ordem jurídica como pretende a requerida.

b)      Caso venham a ser consideradas ilegais com a consequente anulação do imposto, declarar se há ou não lugar aos juros indemnizatórios requeridos.

 

2 – Matéria de facto

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)      A requerente é uma sociedade de profissionais, enquadrada no regime de transparência fiscal previsto no artigo 6º do CIRC e em IVA[8] no regime normal de periocidade mensal.

b)      Os atos de liquidação impugnados nos montantes já referidos de € 3 342,00 e € 244,06, foram apurados com base em relatório dos SIT da DF[9] de … e respeitam a correções de tributações autónomas.

c)      O montante de € 3 342,00 respeitante ao exercício de 2011 é o somatório de IRC apurado sobre despesas de representação € 60,76, € 2 846,31 apurado sobre ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria, € 76,58 apurado sobre aquisição de gasóleo e € 358,36 de juros compensatórios.

d)      O montante de € 244,06 respeitante ao exercício de 2012 é o somatório de IRC apurado sobre ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria € 219,20 e € 24,86 sobre a aquisição de gasóleo.

e)      Contra as referidas liquidações apresentou a requerente, oportunamente, reclamação graciosa que teve indeferimento expresso, conforme despacho de 29 de Março de 2016 e notificação de 31 do citado mês.

f)       Os referidos montantes foram pagos em 27 de Agosto de 2015. 

g)      Os sócios da requerente foram inspecionados individualmente, na sequência das quais foi promovida a inspeção da requerente.

h)      Através do processo 530/2016, a correr termos no CAAD, os sócios da requerente, apresentaram um pedido de pronúncia arbitral, relativamente aos atos de liquidação de IRS que sobre eles recaíram, resultante da imputação aos mesmos da matéria coletável da requerente, conforme artigo 6º do CIRC.

 

3 – Do Direito

a)      Da matéria de facto provada constata-se que as liquidações postas em crise resultam de correções de tributações autónomas, levadas a efeito ao abrigo do artigo 88º do CIRC.

b)       A requerente, como já se viu, não concorda com as correções levadas a efeito pela AT, por entender que as mesmas violam o artigo 23º do CIRC e não estão devidamente fundamentadas o que contraria o artigo 77º da LGT[10].

c)      A correção respeitante a despesas de representação do exercício de 2011 foi determinada ao abrigo do nº 7 do artigo 88º do CIRC, pelo facto da tributação autónoma calculada pela requerente ter sido inferior à efetivamente devida.

d)      Em relação às correções respeitantes a ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria, no exercício de 2011, verifica-se que as mesmas foram calculadas ao abrigo do nº 9 do artigo 88º do CIRC, uma vez que essas despesas não foram faturadas aos clientes.

e)      Ainda no exercício de 2011 relativamente à aquisição de combustíveis a correção foi apurada nos termos do nº 5 do artigo 88º do CIRC.

f)       Relativamente ao exercício de 2012 as correções levadas cabo respeitam a ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria e aquisição de combustíveis e foram determinadas nos precisos termos já referidos para o exercício de 2011.

g)      No caso das despesas de representação independentemente de serem ou não indispensáveis o que está em causa é o seu montante e não a sua indispensabilidade, sendo sobre esses encargos que há tributação autónoma à taxa de 10%. conforme nº 7 do artigo 88º do CIRC.

h)      No que respeita aos encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria, tais encargos dedutíveis, sofrem tributação autónoma à taxa de 5%, quando os seus montantes não sejam faturados aos clientes, conforme nº 9 do citado artigo 88º do CIRC, o que, no caso concreto, não se verificou.

i)       Quanto à aquisição de combustíveis, caiem na previsão da norma do nº 5 do artigo 88º do CIRC e a sua tributação à taxa de 10 % prevista na alínea a) do nº 3 do referido artigo, uma vez que serviu de suporte ao seu registo contabilístico, faturas, vendas a dinheiro de aquisição de gasóleo em nome do sócio e não da requerente.

j)       Verifica-se que a requerente não concretizou qualquer reparo relativamente às correções operadas no âmbito da tributação autónoma, tendo focado a sua discordância relativamente às correções à matéria coletável, por considerar que as despesas não aceites pela AT, contrariamente à posição desta, eram indispensáveis ao exercício da sua atividade de harmonia com o artigo 23º do CIRC.

k)      Porém as correções à matéria coletável, como já se viu, não influenciaram o cálculo da tributação autónoma operada sobre as despesas a que alude o artigo 88º do CIRC.

l)       Nesta perspetiva o tribunal entende que os atos tributários aqui impugnados deverão ser mantidos na ordem jurídica, dado respeitarem os normativos legais aplicáveis às situações em análise, ficando prejudicada a apreciação relativamente aos juros indemnizatórios.

 

IV DISPOSITIVO

 

Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:

 

a)      Declarar improcedente o pedido de pronúncia arbitral mantendo na ordem jurídica os atos tributários aqui postos em crise.

b)      Fixar o valor do processo em € 3 586,07, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº1 do CPC[11],97-A do CPPT[12] e artigo 3º nº 2 do RCPAT[13].

c)      Custas a cargo da requerente, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixando o seu montante em € 612,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.

 

 

Notifique.

 

 

 

 Lisboa, 22 de Novembro de 2016

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

 

O árbitro singular,

 

 

 

Arlindo José Francisco

 

 

 



[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas coletivas.

[7] Acrónimo de Serviço de Inspeção Tributária

[8] Acrónimo de Imposto sobre o Valor Acrescentado

[9] Acrónimo de Direção de Finanças

[10] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[11] Acrónimo de Código de Processo Civil

[12] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária