DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 8 de julho de 2016, a sociedade comercial A…, S. A., NIPC …, com sede na Rua …, n.º…, …, … (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de Imposto do Selo [verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS)] respeitantes ao ano de 2015 e referentes ao prédio urbano, em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da União das Freguesias de … e …, concelho de Cascais, distrito de Lisboa, de que é proprietária, no montante total de € 11.331,90.
A Requerente juntou 35 (trinta e cinco) documentos e arrolou 2 (duas) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:
- É proprietária de um prédio urbano, em propriedade vertical, composto por 8 unidades suscetíveis de utilização independente, sendo uma delas destinada a comercio (restauração), quatro destinadas a alojamento local e as restantes têm um fim habitacional;
- A soma do valor patrimonial tributário das frações destinadas a habitação é de € 555.300,00, sendo que nenhuma das unidades individualmente consideradas tem um valor superior a 1 milhão de euros;
- A AT, nos termos da verba 28.1 da TGIS, liquidou Imposto do Selo sobre o valor patrimonial tributário de cada uma das unidades independentes do prédio, com exceção do restaurante;
- A Requerente não teve oportunidade de se pronunciar antes da liquidação, sendo que tal omissão da audição prévia implica a preterição de uma formalidade essencial no âmbito do procedimento tributário em apreço, o que origina a anulação das liquidações sub judice, por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT;
- Os atos tributários subjacentes ao presente pedido de pronúncia arbitral tiveram como pressuposto erróneo o valor patrimonial tributário de € 1.133.190,00, resultante do somatório dos valores patrimoniais tributários de todas as fracções “potencialmente” habitacionais do referido prédio urbano;
- Contudo, a norma de incidência da verba 28 da TGIS, para operar, depende do valor atribuído a cada uma das frações separadamente consideradas, cujo valor patrimonial tributário terá que ser superior a 1 milhão de euros, uma vez que cada uma das unidades independentes é subsumível ao conceito de “prédio urbano” para efeitos de aplicação daquela verba da TGIS;
- O prédio em causa foi objecto de avaliação geral, nos termos do artigo 38.º do CIMI e do artigo 15.º-D do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12/11, em 03.10.2013, sendo que o valor patrimonial tributário de cada uma das frações foi avaliado e atribuído separadamente a cada uma delas;
- Para efeitos de IMI, entendeu a AT considerar os imóveis separadamente, liquidando a respetiva coleta de forma individual, porém, para efeitos de incidência da verba 28 da TGIS, a AT somou o valor patrimonial tributário das 7 frações independentes consideradas;
- Na medida em que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do Código do IMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI liquidado individualmente em relação a cada uma das partes, então não há dúvidas de que os pressupostos de incidência da verba 28 da TGIS têm de ser os mesmos;
- Sendo essa a intenção do legislador, ao definir no artigo 67.º, n.º 2, do CIS que às matérias não reguladas no que concerne (expressamente) à verba 28 da TGIS aplica-se o Código do IMI, pelo que o valor de incidência do imposto terá que ser o correspondente ao valor patrimonial tributário de cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e individualmente considerados sobre a parte do prédio correspondente a esse andar, não podendo a Administração recortar os pressupostos de incidência do imposto socorrendo-se parcialmente de um diploma para o qual o legislador remete em bloco;
- Assim, só haverá lugar a incidência da verba 28.1 da TGIS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente e com um fim efetivamente habitacional, apresentar um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, o que não sucede no caso concreto;
- Não faz sentido diferenciar-se para efeitos tributários e no que concerne à aplicação da verba 28 da TGIS, o regime entre propriedade horizontal e vertical, pois, partindo do pressuposto de que podem existir prédios em propriedade horizontal com um só proprietário, estará a Administração Tributária a discriminar e a onerar aqueles que em termos formais estejam em propriedade vertical e cuja realidade patrimonial é semelhante aqueles que estão em propriedade horizontal e cuja incidência não se verificou;
- Desta forma, nenhuma das unidades suscetíveis de utilização independente objeto das liquidações controvertidas está sujeita a Imposto do Selo, o que determina a anulação daquelas liquidações por vício de violação de lei;
- Mesmo na errónea interpretação de que o pressuposto de Direito estaria preenchido para a efetivação das liquidações sub judice, também não se verificam os pressupostos de facto para a liquidação do tributo, na medida em que quatro das unidades independentes destinam-se e destinavam-se a 31/12/2015 a alojamento local, não tendo, por isso, um efetivo fim habitacional mas sim de serviços (prestação de serviços de alojamento local);
- No caso concreto, aquelas quatro frações são comercializadas para fins turísticos, sendo essa a sua afetação a 31.12.2015 e estando legalmente autorizada, pelo que a afetação real e legalmente permitida daquelas frações não se enquadra no conceito de fim habitacional para efeitos da verba 28 da TGIS;
- Não obstante a fração ser apta para habitação, o fim pode ser outro, como a possibilidade de servir de alojamento local, não sendo um empreendimento turístico ou uma unidade hoteleira, mas tendo um fim de serviços turísticos;
- O conceito genérico de fim habitacional a que o legislador faz referência terá invariavelmente que ceder perante as realidades concretas e de facto, fração a fração, sobre o efetivo destino de cada uma das unidades;
- Ao tributar estas unidades que se destinam a alojamento local, estará a AT a discriminar as sociedades comerciais que se dedicam à prestação de serviços de alojamento turístico em claro favor das unidades hoteleiras e/ou empreendimentos turísticos, que também prestam serviços hoteleiros, violando-se o principio da igualdade, não só porque prestam os mesmos serviços, mas também pela limitação da igualdade de oportunidades, que deve nortear os fins da tributação, conforme dispõe o artigo 5.º, n.º 1, da LGT;
- Não pode a AT, através da verba 28 da TGIS, onerar a atividade de sociedades comerciais que se dedicam à prestação de serviços “em tudo similares aos prestados em estabelecimentos do tipo hoteleiro” e cujas unidades se destinam (no caso concreto daquelas frações), a alojamento local, criando evidentes desequilíbrios e inadmissíveis discriminações económicas;
- Deste modo, é manifestamente ilegal a AT liquidar um imposto sobre frações/unidades independentes que não se destinam a um fim habitacional;
- Somando os valores patrimoniais tributários das frações com um fim habitacional, a 31.12.2015, o valor globalmente considerado será de € 555.300,00, ou seja, inferior a 1 milhão de euros, pelo que, também por aqui, não se verifica o pressuposto de facto que permitiria a incidência do imposto sub judice, impondo a anulação das referidas liquidações por enfermarem de vício de violação de lei.
A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:
«NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, atendendo à preterição de uma formalidade essencial no âmbito do procedimento tributário, bem como aos erros nos pressupostos de facto e de direito na aplicação da verba 28 e 28.1 da TGIS, devem as liquidações de imposto sub judice ser anuladas por ilegais e injustas, com as demais consequências legais.»
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 2 de agosto de 2016.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 15 de setembro de 2016, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 30 de setembro de 2016.
6. No dia 19 de outubro de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua absolvição do pedido.
A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.
Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).
6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:
- As liquidações em crise mais não fizeram do que aplicar uma taxa ao valor patrimonial tributário fixado em função da declaração apresentada pelo sujeito passivo, que caso não concordasse com o valo patrimonial tributário fixado poderia intervir através dos mecanismos legalmente fixados para o efeito, pedindo uma segunda avaliação ou impugnando o ato de fixação do valo patrimonial tributário;
- Não o tendo feito, aceitou o valor patrimonial tributário fixado para o prédio, pelo que as liquidações de Imposto do Selo caem no âmbito da dispensa de audição prévia, prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT;
- O valor patrimonial relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que suscetíveis de utilização independente;
- A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente;
- Tal prédio não deixa, por isso, de ser apenas um, não sendo, pois, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às frações autónomas em regime de propriedade horizontal;
- No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência da verba 28.1 da TGIS tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada um dos seus andares ou partes independentes;
- O facto de o IMI ser apurado em função do valor patrimonial tributário de cada andar ou parte dos prédios com utilização económica independente não afeta a aplicação da verba 28.1 da TGIS;
- Embora a liquidação do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do Código do IMI, o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, porquanto, apesar de o IMI ser liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente, para efeitos de Imposto do Selo, releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal;
- A previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio d igualdade nem ao princípio da legalidade, inexistindo, por isso, qualquer discriminação arbitrária na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;
- A verba 28.1 da TGIS é uma norma geral e abstrata, aplicável de uma forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respetivos pressupostos de facto e de direito;
- A diferente valoração e tributação e um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras;
- Um tipo de incidência de acordo com a qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afetação habitacional não tem qualquer expressão na lei;
- Não são assacáveis às liquidações contestadas quaisquer vícios, pelo que devem manter-se na ordem jurídica, por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos.
A Requerida remata assim o seu articulado:
«Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.»
7. No dia 2 de novembro de 2016, a Requerente, devidamente notificada para o efeito, veio prescindir da inquirição das testemunhas que arrolou, da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e da apresentação de alegações.
7.1. No âmbito do mesmo requerimento, a Requerente veio ainda requerer a junção aos autos de 7 (sete) documentos de cobrança referentes às terceiras prestações das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, o que foi admitido.
8. Em 3 de novembro de 2016, atentas as posições convergentes assumidas pelas Partes, nesse sentido, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de quaisquer alegações e a fixar o dia 21 de dezembro de 2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
***
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
O processo não enferma de nulidades.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de Imposto do Selo, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto – radicadas na propriedade da Requerente sobre um prédio urbano em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente – e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito – in casu, da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
*
Não há quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) No ano de 2015, a Requerente era proprietária do prédio urbano, em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Avenida …, n.º…, com entrada também pela Rua …, n.º…, União das Freguesias de … e …, concelho de Cascais, distrito de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo…, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … da freguesia de … e com o Alvará de Licença de Utilização n.º…, emitido em … de agosto de 1982 pela Câmara Municipal de … . [cf. Docs. n.ºs 15 a 17 anexos à P. I.]
b) Naquele mesmo ano, o referido prédio urbano estava assim descrito na respetiva matriz predial [cf. Doc. n.º 15 anexo à P. I.]:
«Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total com Andares ou Div. Susc. de Utiliz. Independente.
Nº de pisos do artigo: 6
Nº de andares ou divisões com utliz. independente: 8
Valor patrimonial total: € 2.180.580,00»
c) Os andares ou divisões suscetíveis de utilização independente integrantes daquele mesmo prédio urbano têm um valor patrimonial tributário próprio, apurado nos termos do Código do IMI, sendo que aos andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação, foram determinados, em 2015, os seguintes valores patrimoniais tributários unitários [cf. Docs. n.ºs 15 e 27 a 34 anexos à P. I.]:
Andar ou divisão com utilização independente
|
Valor patrimonial tributário (€)
|
R/C D
|
142.660,00
|
R/C E
|
108.360,00
|
1.ºDT
|
145.830,00
|
1.ºE
|
142.770,00
|
2.ºDT
|
149.770,00
|
2.ºE
|
146.330,00
|
3.ºDT
|
297.170,00
|
d) Para além dos elencados no facto provado anterior, o referido prédio urbano é ainda composto pelo seguinte andar ou divisão com utilização independente, afeto a comércio (restauração), cujo valor patrimonial tributário foi igualmente determinado no ano de 2015 [cf. Docs. n.ºs 15 a 18 anexos à P. I.]:
Andar ou divisão com utilização independente
|
Valor patrimonial tributário (€)
|
REST
|
1.047.390,00
|
e) Em 5 de abril de 2016, a AT liquidou Imposto do Selo, reportado ao ano de 2015 e referente aos andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação, elencados no facto provado c), tendo a coleta total ascendido ao montante de € 11.331,90. [cf. Docs. n.ºs 1 a 14 anexos à P. I. e os 7 (sete) documentos anexos ao requerimento, de 2 de novembro de 2016, da Requerente]
f) As liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado anterior resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação, elencados no facto provado c). [cf. Docs. n.ºs 1 a 14 anexos à P. I. e os 7 (sete) documentos anexos ao requerimento, de 2 de novembro de 2016, da Requerente]
g) Na sequência das liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado e), a Requerente foi notificada dos documentos únicos de cobrança que seguidamente se discriminam, no montante total de € 11.331,90 [cf. Docs. n.ºs 1 a 14 anexos à P. I. e os 7 (sete) documentos anexos ao requerimento, de 2 de novembro de 2016, da Requerente]:
Andar ou divisão com utilização independente
|
Identificação do documento
|
Data limite de pagamento
|
Prestação
|
Valor a pagar (€)
|
R/C D
|
2016…
|
abril/2016
|
1.ª
|
475,54
|
R/C D
|
2016…
|
julho/2016
|
2.ª
|
475,53
|
R/C D
|
2016 …
|
novembro/2016
|
3.ª
|
475,53
|
R/C E
|
2016 …
|
abril/2016
|
1.ª
|
361,20
|
R/C E
|
2016 …
|
julho/2016
|
2.ª
|
361,20
|
R/C E
|
2016 …
|
novembro/2016
|
3.ª
|
361,20
|
1.ºDT
|
2016 …
|
abril/2016
|
1.ª
|
486,10
|
1.ºDT
|
2016 …
|
julho/2016
|
2.ª
|
486,10
|
1.ºDT
|
2016 …
|
novembro/2016
|
3.ª
|
486,10
|
1.ºE
|
2016 …
|
abril/2016
|
1.ª
|
475,90
|
1.ºE
|
2016 …
|
julho/2016
|
2.ª
|
475,90
|
1.ºE
|
2016 …
|
novembro/2016
|
3.ª
|
475,90
|
2.ºDT
|
2016 …
|
abril/2016
|
1.ª
|
499,24
|
2.ºDT
|
2016 …
|
julho/2016
|
2.ª
|
499,23
|
2.ºDT
|
2016 …
|
novembro/2016
|
3.ª
|
499,23
|
2.ºE
|
2016 …
|
abril/2016
|
1.ª
|
488,78
|
2.ºE
|
2016 …
|
julho/2016
|
2.ª
|
488,76
|
2.ºE
|
2016 …
|
novembro/2016
|
3.ª
|
488,76
|
3.ºDT
|
2016 …
|
abril/2016
|
1.ª
|
990,58
|
3.ºDT
|
2016 …
|
julho/2016
|
2.ª
|
990,56
|
3.ºDT
|
2016 …
|
novembro/2016
|
3.ª
|
990,56
|
h) Em 2015, estavam afetos à atividade de alojamento local e, para tal, registados no Registo Nacional de Turismo – RNAL, sob os n.ºs …/AL, 6921/AL, …/AL e …/AL, os seguintes andares ou divisões com utilização independente, integrados no prédio urbano supra identificado no facto provado a): R/C D, 1.ºDT, 1.ºE e 2.ºE. [cf. Docs. n.ºs 19 a 22 anexos à P. I.]
i) Em 8 de julho de 2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]
*
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
*
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, e nos documentos juntos aos autos.
*
III.2. DE DIREITO
A Requerente aponta os seguintes vícios invalidantes às liquidações de Imposto do Selo controvertidas:
- falta de audição prévia antes da liquidação;
- violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciada na errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS.
Importa, pois, começar por estabelecer a ordem de conhecimento dos aludidos vícios, para o que temos de chamar à colação o artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que estatui o seguinte:
“Artigo 124.º
Ordem do conhecimento dos vícios da sentença
1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2. Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
Este preceito legal estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Revertendo para o caso dos autos, afigura-se inequívoco que nenhum dos vícios invocados pela Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade dos atos tributários impugnados, à luz dos critérios legais que os caracterizam.
Por outro lado, constatamos que a Requerente não estabeleceu uma relação de subsidiariedade entre os vícios que invocou contra as liquidações de Imposto do Selo controvertidas.
Nesta parametria, a máxima eficácia na tutela dos interesses da Requerente impõe o conhecimento prioritário do vício de violação de lei em relação ao vício de falta de audição prévia, sendo que só nos pronunciaremos sobre este último se viermos a concluir que as liquidações de Imposto do Selo impugnadas não padecem do vício de violação de lei pois, caso contrário, tal não fará sentido, atento o preceituado no artigo 124.º do CPPT (efetivamente, se conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado e que impeça definitivamente a renovação do mesmo, o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento).
*
§1. DA INTERPRETAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA OBJETIVA DA VERBA 28.1 DA TGIS
No epicentro do dissenso que opõe as Partes neste processo, está a norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que se impõe, naturalmente, começar por proceder à interpretação desta norma, tendo em vista aferir o seu escopo e, dessa forma, delimitar aquele que é o seu campo de aplicação.
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28 (cf. artigo 4.º), com a seguinte redacção:
“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional— 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”
Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), alterou a redação da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 194.º), tendo esta passado a ter o seguinte teor [aplicável ratione temporis à situação sub iudice]:
“28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1 %”
A interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efetuada com base nas diretrizes hermenêuticas que dimanam do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil, normas que estatuem o seguinte:
“Artigo 11.º [LGT]
Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”
“Artigo 9.º [CC]
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
A propósito desta tarefa interpretativa, data venia, apropriamo-nos aqui dos seguintes considerandos vertidos na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD:
«A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.
A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.
Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.
Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»
Dito isto. Analisada a redação – quer a primitiva, quer a atual – da verba 28.1 da TGIS, verificamos que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do Código do IMI.
Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no Código do IMI.
Aliás, esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do artigo 67.º do CIS, que determina que às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.
Nesta parametria, cumpre então coligir as normas do Código do IMI que se afiguram pertinentes para a compreensão e, logo, para a aplicação da verba 28.1 da TGIS.
No Código do IMI, o conceito de “prédio” surge assim definido no seu artigo 2.º:
“1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3. Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4. Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Seguidamente, nos artigos 3.º a 5.º do CIMI, são enumeradas as espécies de prédios existentes, a saber:
Prédios rústicos (artigo 3.º):
“São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.”
Prédios urbanos (artigo 4.º):
“Prédios urbanos são todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
Prédios mistos (artigo 5.º):
“1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.”
Posteriormente, no artigo 6.º do CIMI, são indicadas as espécies de prédios urbanos:
“1. Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2. Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4. Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”
Sobre o valor patrimonial tributário, o artigo 7.º do CIMI estatui o seguinte:
“1. O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.
2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:
a) Caso uma das partes seja principal e a outra ou outras meramente acessórias, por aplicação das regras de avaliação da parte principal, tendo em atenção a valorização resultante da existência das partes acessórias;
b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.
3. O valor patrimonial tributário dos prédios mistos corresponde à soma dos valores das suas partes rústica e urbana determinados por aplicação das correspondentes regras do presente Código.”
Sob a epígrafe “Conceito de matrizes prediais”, o artigo 12.º do CIMI estatui o seguinte:
“1. As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.
2. Existem duas matrizes, uma para a propriedade rústica e outra para a propriedade urbana.
3. Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.
4. As matrizes são actualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro.
4. As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.”
Ainda a propósito das matrizes prediais, importa atender ao n.º 1 do artigo 13.º do CIMI, do qual decorre que “[a] inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo”.
No respeitante à determinação do valor patrimonial tributário, importa aqui convocar o artigo 38.º do CIMI, epigrafado “Determinação do valor patrimonial tributário”:
“1. A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = Coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização;
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.”
Como normas densificadoras dos valores e coeficientes referidos neste preceito legal, temos os artigos 39.º (“Valor base dos prédios edificados”), 40.º (“Tipos de áreas dos prédios edificados”), 40.º-A (“Coeficiente de ajustamento de áreas”), 41.º (“Coeficiente de afectação”), 42.º (“Coeficiente de localização”), 43.º (“Coeficiente de qualidade e conforto”) e 44.º (“Coeficiente de vetustez”) do CIMI.
À face do teor literal da verba 28.1 da TGIS (redação aplicável ratione temporis à situação sub iudice), estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos habitacionais de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.
Atentas as normas do CIMI acima citadas, temos que são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim ou, na falta de licenciamento, que tenham como destino normal essa utilização (artigo 6.º, n.º 2, do CIMI); assim, são prédios habitacionais os referidos edifícios ou construções, sendo, pois, estes que estão sujeitos à verba 28.1 da TGIS.
A correção desta interpretação, quanto ao âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS é confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios habitacionais – restrição que se manteve quanto à afetação (habitação) na alteração legislativa que veio alargar o âmbito de incidência aos terrenos para construção –, no contexto das “circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também consagra como elementos interpretativos.
Efetivamente, a limitação da aplicação do imposto aos prédios habitacionais e, posteriormente, aos terrenos para construção em que esteja prevista ou autorizada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o setor produtivo e as empresas em geral e, nesse sentido, não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto nem os prédios afetos a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, nem os terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação para esses outros fins. Tal resulta compreensível num contexto em que a economia se encontrava em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis históricos, com avalanche de encerramento de empresas devido a insustentabilidade económica. Sobre a ratio legis da introdução da verba 28 da TGIS, vejam-se, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 518/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T do CAAD.
Tendo presente essa situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que, pese embora a necessidade premente de aumentar as receitas fiscais, não se tomassem medidas legislativas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.
Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as “circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e, posteriormente, também os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação.
A encerrar esta exegese da verba 28.1 da TGIS, importa, ainda, salientar que os citados artigos 38.º a 46.º do CIMI não têm qualquer relação com a classificação dos prédios urbanos, pois naquelas normas apenas são indicados os fatores a ponderar na respetiva avaliação (neste sentido, ver a decisão proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD).
Posto isto. Resulta da análise conjugada dos citados preceitos do CIMI que neste compêndio legal não é feita qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total. Com efeito, pese embora o n.º 4 do artigo 2.º refira expressamente que as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.
E, onde a lei não distinguiu, não pode o intérprete fazê-lo.
Analisada, pois, a definição de prédio ínsita no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fração de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou coletiva e que tem valor económico.
Assinale-se que a cada uma dessas divisões ou frações é atribuído um valor patrimonial tributário.
Assente que está a classificação das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total como “prédios”, nos termos e para os efeitos do CIMI, parece-nos evidente constituírem cada uma destas divisões, quando esse seja o fim a que se destinam, prédios habitacionais.
No caso dos autos, todas as divisões ou andares do prédio urbano em apreço são suscetíveis de utilização independente, sendo que algumas delas estão afetas à habitação.
Aliás, não fossem as divisões ou andares em causa nos presentes autos individualmente classificadas como “prédios” e não teria qualquer sentido ou lógica a elaboração, no caso, de uma liquidação do Imposto do Selo por cada uma dessas unidades.
É certo que a aplicação subsidiária do CIMI poderia inculcar a ideia de que só as frações autónomas, no regime de propriedade horizontal, é que são havidas como prédios à luz do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do CIMI.
Todavia, se se atentar na redação dessa norma legal, logo se verificará que o pressuposto da constituição do regime de propriedade horizontal apenas é necessário para efeitos de tributação em IMI.
Assinale-se, por outro lado, que, à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, “cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.
Acresce ainda que, como acima já se disse, a introdução da verba 28 na TGIS teve como objetivo a tributação dos prédios urbanos de elevado valor com afetação habitacional, tributando a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície, de prédios urbanos de luxo, ou suas frações ou divisões autónomas, com afetação habitacional.
Ora, se o objetivo da lei foi adequar a tributação em sede de Imposto do Selo à capacidade contributiva dos contribuintes, parece não revestir qualquer relevância a distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou vertical.
Manifestamente, não é por aí que se revela a maior ou menor capacidade contributiva, tanto mais que, como é sabido, a propriedade horizontal é um instituto jurídico relativamente recente, sendo certo que uma grande parte dos prédios antigos não se encontram sequer constituídos neste regime, apesar de, na prática, funcionarem como tal.
Ora, o princípio da prevalência da substância sobre a forma impõe que a AT deva valorizar a verdade material. E, no caso dos autos, a verdade material consiste na inexistência de qualquer diferença substantiva entre as divisões propriedade da Requerente e as frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.
Ou, dito doutro modo, sendo a constituição da propriedade horizontal operação meramente jurídica e não factual, não se descortinam razões para diferenças de tributação nesta sede, porquanto o que relevará é sempre o valor individual de cada uma das frações, esteja ou não o prédio constituído no regime de propriedade horizontal.
Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, das quais algumas com afetação habitacional, é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.
Assim, em conclusão, relativamente aos prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, deve atender-se exclusivamente ao valor patrimonial tributário próprio de cada andar ou divisão com afetação habitacional, constante da matriz, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.
Esta interpretação mostra-se “particularmente peremptória num caso como o presente em que o prédio em causa possui partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e partes suscetíveis de utilização independente com afectação a serviços e a comércio (…).
É que, em tal circunstancialismo, não consta da matriz nem é utilizado para efeitos de IMI um “valor patrimonial tributário” que corresponda ao somatório dos valores patrimoniais tributários das divisões de utilização independente com afectação habitacional (…). Com efeito, o que estabelece o CIMI, segundo o citado art. 7.º, n.º 2, al. b), e consta da matriz (…) é que o “valor do prédio” é “a soma dos valores das suas partes”, portanto, de todas as suas partes, seja qual for a respectiva afectação.
Em consequência, o “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto” (…) em que assentam as liquidações impugnadas não possui correspondência com a categoria legal consagrada na verba 28 da TGIS do “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.
Insista-se, com efeito, que o CIMI apenas se reporta, conforme resulta do art. 7.º, n.º 2, al. b) acima citado, ao “valor do prédio” como soma de todas as suas partes objecto de avaliação autónoma, não legitimando, pois, configurar valores do prédio parcelares por atenderem apenas a certas partes economicamente independentes do prédio (aquelas que possuem afectação habitacional), desconsiderando as partes com outras afectações (para comércio, indústria ou para serviços). Em tal contexto, não se consubstancia o valor do prédio como previsto no art. 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI, mas sim o valor do conjunto de certas partes do prédio, valor este que não é objecto de qualquer previsão nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (nem é valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI).
Adiante-se, por isso, que se considera que nas liquidações controvertidas se verifica a adopção, para efeitos da fixação da incidência da verba 28.1 da TGIS, de um valor patrimonial que não encontra acolhimento na lei.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 518/2014-T).
*
§2. DO CASO SUB JUDICE
Como resultou provado, nenhum dos andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação, do prédio urbano em apreço, possui um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (cf. facto provado c)).
Acresce que, como também resultou provado, no ano de 2015, os andares ou divisões com utilização independente, integrados no prédio urbano em apreço, identificados por R/C D, 1.ºDT, 1.ºE e 2.ºE, estavam afetos à atividade de alojamento local e, para tal, registados no Registo Nacional de Turismo - RNAL, sob os n.ºs …/AL, …/AL, …/AL e …/AL (cf. facto provado h)).
Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março – aprova o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos –, o alojamento local era assim definido: “Consideram-se estabelecimentos de alojamento local as moradias, apartamentos e estabelecimentos de hospedagem que, dispondo de autorização de utilização, prestem serviços de alojamento temporário, mediante remuneração, mas não reúnam os requisitos para serem considerados empreendimentos turísticos.”
Esta norma foi revogada pelo n.º 1 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto – aprova o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local –, sendo que do n.º 1 do artigo 2.º desse diploma legal decorre a seguinte noção de estabelecimento de alojamento local: “Consideram-se «estabelecimentos de alojamento local» aqueles que prestem serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, e que reúnam os requisitos previstos no presente decreto-lei.” Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma legal, uma das modalidades em que os estabelecimentos de alojamento local devem integrar-se é o “apartamento”, considerando-se como tal “o estabelecimento de alojamento local cuja unidade de alojamento é constituída por uma fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente.”
Nesta parametria, impõe-se concluir que, no ano de 2015, os referenciados andares ou divisões com utilização independente não estavam, efetivamente, afetos à habitação, mas sim à atividade de prestação de serviços de alojamento local.
Nessa medida e atento o acima exposto, uma vez que o valor patrimonial tributário de cada um dos andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação, é inferior ao valor a que se reporta a verba 28.1 da TGIS e que alguns desses andares ou divisões estavam em 2015, efetivamente, afetos a serviços (estabelecimentos de alojamento local), segue-se que tais andares ou divisões não se subsumem na norma de incidência tributária constante dessa verba 28.1, pelo que as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e sequente anulação, com todas as inerentes consequências legais (cf. artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT).
*
Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões e vícios invocados pela Requerente.
***
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, declarar ilegais e anular as liquidações de Imposto do Selo impugnadas nos presentes autos, respeitantes ao ano de 2015 e referentes ao prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da União das Freguesias de … e…, concelho de Cascais, distrito de Lisboa, com as legais consequências;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.
*
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 11.331,90 (onze mil trezentos e trinta e um euros e noventa cêntimos).
*
CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
*
Lisboa, 9 de novembro de 2016.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)