Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 380/2016-T
Data da decisão: 2016-11-10  Selo  
Valor do pedido: € 13.492,90
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

            I – Relatório

 

 

            1.1. A…, S.A. (doravante aqui designada por «requerente»), com o NIF … e sede na Rua…, …-… Funchal, não concordando com o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra as liquidações de IS emitidas pela AT ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, com referência ao ano de 2013 e referentes ao prédio urbano com o artigo matricial…, da União das Freguesias de…, …, …, …, … e …, concelho e distrito do Porto, apresentou a 11/7/2016 um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “ilegalidade [dos actos acima referidos] junto deste Tribunal e requerer a [...] anulação [dos mesmos].”

 

            1.2. A 11/10/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

1.3. A 12/10/2016, a AT foi citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 2/11/2016, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da ora Requerente.

           

1.4. Por despacho de 3/11/2016, o Tribunal considerou, ao abrigo do art. 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, e que processo estava pronto para decisão. Assim, o Tribunal fixou a prolação da decisão arbitral para 10/11/2016.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “tendo em atenção que as liquidações de Imposto do Selo sub judice respeitam ao ano de 2013, atenderemos à redacção original da verba 28.1 da TGIS. Ora, conforme anteriormente referido, o legislador, no artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, determinou a aplicação subsidiária das regras do Código do IMI à tributação especial prevista na verba 28 da TGIS”; b) “o conceito de «prédios com afectação habitacional» previsto na referida verba 28.1 da TGIS não se encontra definido – ou sequer previsto – naquele diploma”; c) “pelo que, na concretização do mesmo importará atender às regras gerais de interpretação de normas, considerando especialmente o texto da lei e, bem assim, os princípios que estiveram na sua origem”; d) “ora, a expressão «afectação habitacional» tem necessariamente implícita uma «utilizaão» habitacional, referindo-se a prédios urbanos que tenham (ou possam ter) uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal”; e) “assim, atento o teor literal da verba 28.1 da TGIS, o respectivo âmbito de incidência não poderá incluir prédios que tenham outra utilização – que não habitacional – ou prédios que não tenham qualquer tipo de utilização definida, dado os mesmos não estarem efectivamente afectos a fins habitacionais”; f) “de acordo com a intenção do legislador, a tributação especial prevista na verba 28.1 deverá incidir apenas sobre propriedades destinadas à habitação, especificamente «casas», cujo valor patrimonial tributário exceda o limite previsto naquela verba”; g) “resulta evidente que o âmbito de aplicação da verba 28.1 da TGIS, na sua versão original, não incluía prédios que não tenham uma utilização definida ou que estejam afectos a outros fins que não habitacionais. [...]. Neste sentido, os prédios inscritos na matriz enquanto «terrenos para construção» não poderão ser objecto da tributação especial consagrada na referida verba 28.1 da TGIS”; h) “um prédio classificado como «terreno para construção», nos termos previstos na lei, não tem uma efectiva e real afectação habitacional”; i) “o âmbito de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 não poderá incluir os prédios inscritos como «terrenos para construção», dado que os mesmos não têm definido qualquer tipo de utilização, não estando aplicados (ou destinados) a fins habitacionais conforme é exigido pela referida verba. [...]. Atento o que ficou exposto, as liquidações de Imposto do Selo em apreço são ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo as mesmas ser prontamente anuladas”; j) “a título subsidiário, e sem prejuízo do quanto foi expendido supra, entende o Requerente que a tributação consagrada na verba 28 da TGIS é contrária ao princípio basilar da igualdade [...] e, em paralelo, contrária ao princípio da ilgualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3, [da C.R.P.]”; l) “o Requerente, apesar de não poder concordar com as liquidações de Imposto do Selo sub judice, efectuou o respectivo pagamento, no valor total de €13.492,90 [...] pelo que, sendo as liquidações em análise manifestamente ilegais nos termos acima expendidos, deve o Requerente ser ressarcido do valor do Imposto do Selo liquidado com base nas mesmas, porque não devido”; m) “requer o Requerente que seja a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto aqui em apreço até ao seu integral reembolso.”  

 

            2.2. Conclui a Requerente que deve “ser julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido e dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice e, consequentemente: a) sejam anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de Imposto do Selo acima identificadas, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito; b) seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada a reembolsar o Requerente do valor do Imposto do Selo pago relativamente às liquidações sub judice; c) seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento, ao aqui Requerente, de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “no que tange à verba 28.1 da TGIS, realidade de que nos interessa ocupar, é um facto incontornável que, previsivelmente por razões de certeza e segurança jurídicas, não foi atribuída à Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro (LOE 2014) natureza interpretativa, o que obsta à sua aplicação aos factos tributários ocorridos em data anterior à sua entrada em vigor, como sucede no caso vertente”; b) “não se [...] afigura despicienda a conclusão de que o legislador, ao reconhecer a necessidade de se expressar com uma maior precisão, acabou justamente por demonstrar ter sido sempre seu intento tributar em sede de imposto de selo-verba 28.1 os terrenos para construção, enquanto prédios urbanos afectos à habitação com um VPT igual ou superior a €1.000.000,00”; c) “a AT sempre esteve certa em apelar para uma interpretação que atendesse ao espírito da norma, procurando sistematizá-la no contexto mais vasto da codificação dos impostos sobre o património, designadamente no código do Imposto Municipal sobre os Imóveis”; d) “a AT sempre preconizou o entendimento de que, embora não expressamente previstos na lei, os terrenos para construção, de harmonia com n.º 1 do artigo 2.º do CIMI e com o n.º 1 do artigo 6.º, do mesmo diploma legal, para os quais remete o n.º 2 do artigo 67.º do CIS, estão igualmente sujeitos a tributação em sede de imposto de selo – verba 28.1 da TG, enquanto prédios urbanos, «terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida a comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção»”; e) “quanto ao momento que deve determinar [a afectação habitacional do prédio], a AT sempre defendeu que esse momento deveria corresponder à atribuição do alvará de loteamento pois nesta fase, apesar de ainda não se verificar uma efectiva edificação do prédio, é possível determinar com precisão a afectação do terreno para construção, dadas as exigências específicas impostas pelo artigo 77.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e também dos Planos Directores Municipais”; f) “a AT procurou sistematizar a tributação da verba 28.1 no código do IMI e nas regras de avaliação dos prédios urbanos, promovendo uma interpretação da expressão «afectação habitacional» à luz dos critérios interpretativos ínsitos no artigo 9.º do Código Civil, dada a evidente desconformidade entre a letra e o pensamento da lei”; g) “à luz dos argumentos deduzidos, a AT não considera que as liquidações ora sindicadas enfermam do vício de violação de lei mas para melhor concluir falta-nos aqui fixar o elemento teleológico da norma visada”; h) “resulta claríssimo no preâmbulo do projecto de lei onde o legislador deu a conhecer os seus motivos, o que a Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, visou tributar sujeitando a Imposto do Selo (IS) a propriedade e outros direitos reais sobre prédios urbanos de valor patrimonial tributário (VPT) igual ou superior a €1.000.000,00, foi a riqueza sinalizada por essa propriedade”; i) “intento [de tributação] que pensamos não ter sido objecto da devida ponderação e a esta conclusão chegou também o legislador que decidiu através do artigo 192.º da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2014, alterar o texto da norma da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aí ficando expressamente determinado que o imposto de selo de 1% sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, com o valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros, passaria igualmente a incidir sobre «terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação», alargando, deste modo, o seu campo de incidência”; j) “não se verifica in casu a violação do princípio da igualdade”; l) “face ao que se vem defendendo não assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios.”

 

            2.4. Conclui a AT, pelo exposto, que “deve o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

i) A ora Requerente, no âmbito da sua actividade, é proprietária de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção.

 

ii) A Requerente coloca em causa a decisão de indeferimento expresso sancionada, em 6/4/2016, por despacho da Sra. Chefe de Divisão da “Unidade dos Grandes Contribuintes” – no processo de revisão oficiosa n.º …2015… –, de que foi notificada em 12/4/2016, e que teve por objecto o pedido de anulação do acto de liquidação do Imposto de Selo (verba 28.1 da TGIS) do ano de 2013, no valor impugnado (e pago: vd. Doc. 6) de €13.492,90.

 

iii) O acto de liquidação acima referido resultou da aplicação da taxa de 1%, prevista na Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) – Verba 28.1, ao VPT de €1.349.290,00 do prédio inscrito na matriz como “terreno para construção” (vd. Doc. 5) sob o artigo…, da União de Freguesias de…, …, …, …, … e …, Concelho e Distrito do Porto, da propriedade da ora Requerente.

 

iv) Não concordando com a liquidação de IS supra referida, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa. Por despacho datado de 6/4/2016 (já acima referido), tal pedido foi indeferido. Inconformada com esta decisão, a ora Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 11/7/2016.

 

3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.

           

            IV – Do Direito

 

Decorre do acima exposto a invocação feita: 1) da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, na sua redacção original e, nomeadamente, da violação do princípio constitucional da igualdade; 2) da ilegalidade da liquidação em causa por esta incidir sobre um “terreno para construção” (como tal inscrito na matriz); e 3) de juros indemnizatórios a pagar à Requerente.

 

Vejamos, então.

 

1 e 2) Sendo certo que o Tribunal Arbitral não tem competência para aferir ou declarar a inconstitucionalidade de normas, também não é menos certo que a ora Requerente suscita, nos presentes autos, a “ilegalidade” da liquidação de IS em causa. Nessa medida, impõe-se, averiguar, antes de mais, se a referida liquidação está em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a AT: no caso destes autos, a verba 28.1 da TGIS, segundo a redacção original (conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro).   

 

Assim, e em face do exposto, far-se-á eco, sem mais desenvolvimentos (mas com as necessárias adaptações), da análise de direito constante da DA n.º 467/2015-T, de 4/2/2016, na feitura da qual se participou como membro do respectivo júri colectivo (e ainda por se considerar que inexistem razões para, no caso dos presentes autos, alterar o sentido daquela análise):

 

“A Administração encontra-se subordinada à Constituição, como qualquer poder ou órgão do Estado, mas o que a caracteriza é a subordinação imediata à lei, não podendo haver Administração sem mediação legal. O princípio da legalidade entendido num sentido amplo (da juridicidade da administração) constitui pressuposto e fundamento de toda a actividade administrativa, sendo que só excepcionalmente pode haver actividade administrativa directamente vinculada à Constituição[1].

 

Nesta conformidade, impõe-se, antes de mais, averiguar se os actos tributários de liquidação objecto do presente Pedido arbitral estão ou não em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a Administração Tributária, no caso dos autos: a verba 28.1 da TGIS, segundo a redacção dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

Como vimos, alega a ora Requerente, em síntese, que as liquidações de Imposto do Selo ora em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito [...].

 

Cumpre apreciar.

 

Para a resolução das questões acima elencadas, importa ter presente, antes do mais, a evolução e enquadramento da mencionada verba 28 da TGIS, quer antes, quer depois da alteração determinada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12 [...].

 

Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14); Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14); Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28 ora em análise:

 

«O conceito de prédio (urbano) com afectação habitacional’ não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)». [...].

 

Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, é que se mostrava necessário averiguar, fazendo uso de diversos elementos interpretativos, se, na ausência de referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objectiva da referida verba 28. E, por essa razão, o referido aresto prosseguiu, dizendo:

 

«[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu ‘espírito’, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza ‘mais poupadas’ no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de ‘prédios (urbanos) com afectação habitacional’, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: ‘O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros’ (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, ‘os prédios (urbanos) habitacionais’, em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades. [...].

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos ‘habitacionais’ e ‘terrenos para construção’, não podem estes ser considerados como ‘prédios com afectação habitacional’ para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.»” [Fim de citação.]

 

O excerto do aresto acima citado é suficientemente esclarecedor (e categórico) quanto à exclusão do âmbito de incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS, na redacção original, dos “terrenos para construção”. Estes não podem, à luz da mencionada redacção, ser considerados “prédios com afectação habitacional” para os efeitos do disposto na referida norma.

 

Assim, e atendendo ao exposto, conclui-se que a liquidação de IS ora em causa viola o disposto na verba 28.1 da TGIS, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

3) São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). É, por isso, condição necessária para a atribuição dos mencionados juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12).

 

Verificando-se – como decorre da análise feita ao ponto 2) – ter havido erro imputável aos serviços, tal determina a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de Imposto do Selo aqui em causa, determinando-se a devolução dos montantes indevidamente cobrados.

            - Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

                       

 

Fixa-se o valor do processo em €13.492,90 (treze mil quatrocentos e noventa e dois euros e noventa cêntimos), nos termos do artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €918,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 10 de Novembro de 2016.

 

 

O Árbitro,

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Para maiores desenvolvimentos sobre a vinculação da Administração à lei e à Constituição, cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa, Anotada. Coimbra, Coimbra Editora, 4.ª ed., 2014, pp. 798 ss..