Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 232/2016-T
Data da decisão: 2016-12-23  IMT Selo  
Valor do pedido: € 2.319,73
Tema: IMT e IS – FIIAH; artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro; retroatividade da lei fiscal.
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Decisão Arbitral

 

I - RELATÓRIO                                      

 

1.        Em 19 de Abril de 2016, A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, …-… Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação de B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, com o NIPC …, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.        A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. C… e a Requerida é representada pelo Dr. D… e a pela Dr.ª E… .

3.        O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 28 de Abril de 2016.

4.        Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende submeter à apreciação do Tribunal a legalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º…, no montante de € 1.392,93 (mil, trezentos e noventa e dois euros e noventa e três cêntimos) e do acto de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) n.º…, no montante de € 926,80 (novecentos e vinte e seis euros e oitenta cêntimos).

5.        Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.

6.        O signatário aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 29 de Junho de 2016, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do Tribunal Arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.        A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 22 de Setembro de 2016.

8.        Não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal, na sequência da intenção manifestada pela Requerida, sugeriu, através do despacho proferido a 30 de Setembro de 2016, a eventual dispensa da realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e da apresentação das alegações.

9.        Nesse mesmo despacho, o Tribunal, em cumprimento com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou o dia 26 de Dezembro de 2016 como data para a prolação da decisão arbitral, tendo, ainda, advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

10.    No dia 13 de Outubro de 2016, a Requerente, através de requerimento, declarou prescindir da realização da reunião do artigo 18.º do RJAT, manifestando, contudo, a sua pretensão na apresentação de alegações escritas.

11.    Assim, face à posição expressa manifestada pelas partes, o Tribunal entendeu, através do despacho que proferiu a 14 de Outubro de 2016, conceder o prazo sucessivo de 15 dias para a Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito, iniciando-se o prazo da Requerida da notificação das alegações da Requerente ou do termo do prazo para esse efeito.

12.    No dia 24 de Outubro de 2016, a Requerente apresentou alegações escritas, tendo a Requerida apresentado as suas, no dia 08 de Novembro de 2016.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

13.    A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IMT e IS n.º (“IMT”) n.º…, no montante de € 1.392,93 (mil, trezentos e noventa e dois euros e noventa e três cêntimos) e n.º…, no montante de € 926,80 (novecentos e vinte e seis euros e oitenta cêntimos), respectivamente, perfazendo a quantia global de € 2.319,73 (dois mil, trezentos e dezanove euros e setenta e três cêntimos), nos seguintes fundamentos:

a)    Após a referência e transcrição das normas do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedade de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) relevantes para o caso em apreço, inicia, a Requerente, a sua exposição mencionando que: «O número 14 do artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH (…) concretizou de forma inequívoca, e pela primeira vez, o significado da expressão «prédios urbanos [são] destinados ao arrendamento para habitação permanente».

b)    Com efeito, considera a Requerente que: «Na referida disposição legal, consagrou-se que, para efeitos do Regime Tributário dos FIIAH, que «prédios urbanos [---] destinados ao arrendamento para habitação permanente» são os prédios urbanos [e fracções autónomas] «que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo»,» pelo que « A introdução desta definição de «prédios urbanos [---] destinados ao arrendamento para habitação permanente» foi acompanhada da concretização das circunstâncias em que os prédios que integrem o activo dos FIIAH deixam de beneficiar do regime de isenções previsto nos números 6 a 8 do Regime Tributário dos FIIAH (um regime de caducidade das isenções)

c)    Concretizando, refere, a Requerente, que «Assim, caso os prédios que integram o património dos FIIAH não tenham sido objecto de contrato de arrendamento no prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data do seu ingresso naquele património, o sujeito passivo deverá solicitar à Autoridade Tributária, nos 30 (trinta) dias subsequentes ao termo do referido prazo a liquidação do imposto respectivo. Também assim deverá o sujeito passivo proceder no caso de: (i) os prédios serem alienados pelo FIIAH ou (ii) o FIIAH ser liquidado, em ambos os casos, antes de decorrido o prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património do FIIAH.»

d)    Assim sendo, «o artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), veio estender a aplicação do regime supra «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014». Ou seja, considera a Requerente que «as alterações ao Regime Tributário dos FIIAH assumem particular relevância no quadro dos impostos de obrigação única, in casu, o IMT e o IS quando tenham por objecto os prédios que integravam o património dos FIIAH à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ou seja, os abrangidos pelo acima referido artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH).»

e)    Na verdade, e neste contexto, a Requerente: «(…) solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de IS de actos tributários face às alterações introduzidas no Regime Tributário dos FIIAH.», dado que «Esses actos tributários referiam-se a prédios urbanos que integravam o património do Fundo B…, à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ou seja, os abrangidos pelo acima referido artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH)».

f)     E fê-lo, não obstante, considerar que «as Liquidações enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa e devem, consequentemente, ser declaradas nulas

g)    Mais refere, a Requerente em abono da sua posição que: «O IMT [tal como IS] é um imposto de obrigação única. (…) Esta qualificação é aqui relevante na medida em que as isenções de IMT e de IS, constantes, respectivamente, dos números 7, alínea a), e 8 do artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, foram reconhecidas a requerimento do Fundo B…, nos termos do artigo 10.º (Reconhecimento das isenções) do Código do IMT, em momento anterior ao do ingresso dos prédios relevantes no património do Fundo B…. Ou seja, no momento em que os prédios - objecto das Liquidações - ingressaram no património do Fundo B…, ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária as isenções de IMT e IS previstas, respectivamente, nos números 7, alínea a), e 8 do artigo 8.º (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH.»

h)    Assim sendo, crê a Requerente que: «(…) o facto objecto de tributação é, quer em sede de IMT quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo Fundo B… . E, as isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do Fundo B…, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade.».

i)     Com efeito, «Nada obsta a que o legislador opte pela modificação do Regime Tributário dos FIIAH mediante a imposição de determinadas condições de que cuja verificação (ou não verificação) depende a caducidade das mesmas – como ora nos parece suceder.», no entanto, considera a Requerente que «É esse, de resto e inter alia, o regime previsto para a isenção pela aquisição de prédios para revenda (cf. artigos 7.º (Isenção pela aquisição de prédios para revenda) e 11.º (Caducidade das isenções), número 5, ambos do Código do IMT)», pelo que, «Não estando, contudo, legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária da Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa.».

j)     Continua, a Requerente, no sentido de que: «O artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao estender a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014» - está a violar de forma directa e inequívoca o princípio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado. Com efeito, a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos números 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto. Note-se que a violação do princípio da retroactividade, ora invocada, tem em consideração o entendimento que vem sendo seguido pelo Tribunal Constitucional segundo o qual a proibição da retroactividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroactividade autêntica, abrangendo tão só os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga; do seu âmbito aplicativo ficam excluídas as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais produzem um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).», para concluir que: «no caso sub judice não há quaisquer dúvidas de que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga.», e pedir, a final, para «ser declarada a nulidade das Liquidações com base na sua inconstitucionalidade, subsidiariamente, caso assim não se entenda, serem anuladas as Liquidações; e ser reembolsada a Requerente pela totalidade do montante pago por força das Liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, acrescido, nos termos do artigo 43.º (…) da Lei Geral Tributária, dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Contra a pretensão da Requerente, defende-se a Requerida, por impugnação, mencionando, em síntese:

a)        Por um lado, refere a Requerida que «nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo tal princípio concretizado a nível infraconstitucional no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). (…) Ou seja, de tais imposições legais decorre que os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade. (…) Ou seja, sendo a Lei o padrão normativo que rege a sua atuação, não cabe à Administração, como é óbvio, emitir juízos de constitucionalidade sobre normas, por não estar habilitada para tanto, contrariamente ao que sucede com os Tribunais.»

b)        Acrescentando, ainda, quanto a esta matéria que: « (…) a Administração está sujeita à lei e ao direito e os seus órgãos e agentes devem ser os primeiros a cumpri-la, não podendo, por isso, ser-lhe exigida pronúncia sobre as opções do legislador, pois que estas, após vertidas em lei, são a disciplina normativa dentro do qual a mesma exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público. (…)Pelo que, em suma, a AT não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos arts. 266.º, n.º 2 da CRP, 3.º, n.º 1 do CPA e 55.º da LGT.»

c)         Por outro lado, já no que toca particularmente à alegada inconstitucionalidade, depois de um apanhado histórico do quadro normativo do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), desde a sua introdução no ordenamento jurídico português até à sua última alteração, propulsionada pela Lei n.º 83-C/2013, 31.12, aduz, desde logo, que: «relativamente ao prédio supra identificado, que integrava o Fundo à data de entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o Requerente solicitou à AT as liquidações de IMT e de Imposto do Selo, face às alterações introduzidas ao regime tributário dos FIIAH, na medida em que, em 2016, o alineou a terceiros, conferindo-lhe assim, destino diferente daquele que seria suposto: o arrendamento habitacional.»

d)        Depois, no que toca à imputação do vício de nulidade às liquidações por violação do artigo 103.º da CRP, refere que «o vício apontado (…) não é gerador de nulidade. Com efeito, a sanção que recai sobre um ato administrativo inválido é a sua anulabilidade (artigo 135.º do [antigo] CPA), só ocorrendo nulidade quando lhe faltar um dos seus elementos essenciais ou quando a lei expressamente o sancione com essa forma de invalidade (artigo 133.º do [antigo] CPA). Esta opção do legislador é perfeitamente compreensível se atentarmos que o regime da nulidade (que gera a absoluta incapacidade de produzir efeitos e a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo) tem de ser conciliado com os princípios da certeza e da estabilidade, fundamentais na atividade e nas relações administrativas, de molde a não pôr em causa a eficácia e segurança desta atividade da administração com os seus administrados. Sucede que, mesmo a verificar-se a violação do normativo invocado pela Requerente, mormente, o artigo 103.º, n.º 3 da CRP, facto é que, como se disse, os atos impugnados são apenas passíveis de anulação e nunca da sua declaração de nulidade. E assim porque, considerando que a previsão legal da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA é apenas extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP, o caso dos autos não tem aqui enquadramento legal.»

e)         Mais, aduz a Requerida, sob o tema “Da não violação do artigo 103.º , n.º 3 da CRP» que: «conforme se irá demonstrar, baseando-se as liquidações em apreço no facto de ter sido dado ao imóvel «um destino diferente daquele em que assentou o benefício», então, contrariamente ao que pretende a Requerente, não só não está em causa a retroatividade da norma legal por si melhor identificada no introito do pedido arbitral, como também não se verifica qualquer lesão das suas expectativas.» Continuando no sentido de que, «primeiramente, há que ressalvar que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, com a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, exigiam, respetivamente: (i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e, (ii) que a transmissão tivesse por objeto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5”.»

f)         Refere, ainda, a Requerida que «(…) os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. (…) sendo certo que, de todo o modo, atenta a alienação dos prédios em 2016, resulta inequívoco que o Requerente não poderia, de qualquer forma, beneficiar da isenção requerida

g)        Mais refere, a Requerida que «tudo visto e sopesado, é manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afetação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito legal que a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tribução-regra. Assim, estando em causa a alienação dos imóveis sem afetação dos mesmos ao arrendamento para habitação permanente, tal determinaria sempre a caducidade da isenção, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 2 do EBF, sendo que, o artigo 8.º, n.º 16 do regime veio apenas concretizar uma medida anti-abuso, estabelecendo que os prédios que não fiquem em carteira com afetação exclusiva ao arrendamento habitacional, não foram adquiridos com tal finalidade. Limitando, ainda, tal caducidade a um prazo definido na lei ao invés do que sucedia anteriormente, por força da aplicação do EBF.»

h)        Em jeito de conclusão, alude a Requerida que «(…) é verdade que o facto tributário em sede de IMT ou Imposto do Selo, para o que ora importa, verifica-se aquando da aquisição do imóvel. Todavia, tal não significa que, no caso dos autos, se possa concluir pela existência de uma circunstância de retroatividade pois que a lei nova não veio simplesmente determinar, e sem mais, que os imóveis anteriormente adquiridos fossem objeto de tributação em sede de IMT e de Imposto do Selo. O que a lei nova veio fazer, antes, foi apenas densificar critérios já previstos na lei antiga, designadamente: (i) o conceito de afetação a arrendamento para habitação permanente, estipulando um prazo mais do que suficiente para que os sujeitos passivos se pudessem adaptar, reunindo um meio de prova inequívoco (contrato de arrendamento); (ii) bem como a explicitação das situações em que a alienação do imóvel destinado ao arrendamento não faz caducar a isenção nos termos então até aí previsto no EBF. (…) Termos em que, contrariamente ao que defende o Requerente, não se verifica a introdução ex novum de um regime de caducidade do benefício, e, ainda menos se constata qualquer frustração das expectativas dos sujeitos passivos ou violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal.»

i)          Finalizando a sua fundamentação, pronunciando-se quanto aos juros indemnizatórios peticionados, no sentido de que «não [pode] ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido – uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu – não pode senão concluir-se no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.»

 

IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram as posições expostas pelas partes, os documentos e o processo administrativo juntos aos autos.

 

a.        Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A)      A Requerente constituiu o B…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional – cfr. facto alegado pela Requerida e não contrariado pela Requerente -;

B)      No dia 30.12.2013, o B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional adquiriu o prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, fracção “H”, tendo beneficiado da isenção de IMT e Imposto do Selo ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 7  e do n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH - cfr. facto alegado pela Requerida e não contrariado pela Requerente –

C)       No dia 26.01.2016 foram emitidas as notas de liquidação de IMT n.º …, no montante de € 1.392,93 (mil, trezentos e noventa e dois euros e noventa e três cêntimos), e de Imposto do Selo n.º…, no montante de € 926,80 (novecentos e vinte e seis euros e oitenta cêntimos), constando da descrição do facto tributário que:

«Vem pagar o [IMT e IS] com referência ao seguinte:

Em 30 de Dezembro de 2013 liquidaram o IMT n.º …/2013 pela aquisição do art.º…, fracção “H”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, concelho ... ao sujeito passivo NIPC … (F…) com o benefício Código … FIIAH/SIIAH ( ARTIGO 87.º do OE) pelo preço de 115.850,00€ com afectação habitacional. Nesta data solicitam o pagamento de IMT porque vai ser alienada a fracção supra mencionada, pelo que vai ser dado destino diferente daquele em que assentou o benefício, caducando a isenção.

Na escritura de venda irá ser dado destino diferente daquele em que assentou o benefício, caducando a isenção.» - cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial -

D)      No dia 03.02.2016, o prédio identificado em B) foi alienado pelo Fundo- cfr. facto alegado pela Requerida e não contrariado pela Requerente –

E)      No dia 27.02.2016, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia global de € 2.319,73 (dois mil, trezentos e dezanove euros e setenta e três cêntimos), a título de liquidação de IMT e Imposto do Selo referidas em C) supra.– cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial-.

 

VI. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VII. Fundamentos de direito

 

Nos presentes autos, a questão fundamental que se coloca é a de saber se os actos de liquidação de Imposto sobre as Transmissões Onerosa de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS), efectuados ao abrigo do disposto no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, sindicados nos presentes autos são ou não ilegais.

 

1.                  Por forma a respondermos convenientemente à questão que nos é colocada, entendemos pertinente alcançar, desde logo, o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) aprovado através do artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12 (LOE2009), com o objectivo de, após a crise económica despoletada em 2008, auxiliar diversas entidades, com dificuldades no cumprimento de compromissos assumidos perante instituições financeiras e de crédito.

 

2.                  Assim, e nesta sequência foi introduzido no ordenamento jurídico português, o regime especial dos FIIAH, prevendo, assim, o artigo 104.º da LOE2009, o seguinte:

 

«1 - A constituição e o funcionamento dos FIIAH, bem como a comercialização das respectivas unidades de participação, regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março, alterado pelos Decretos-Leis n.os 252/2003, de 17 de Outubro, 13/2005, de 7 de Janeiro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, e subsidiariamente, pelo disposto no Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 66/2004, de 24 de Março, 52/2006, de 15 de Março, 219/2006, de 2 de Novembro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, com as especificidades constantes dos artigos seguintes» (negrito e sublinhado nosso)

 

3.                  Na verdade, da panóplia de especificidades previstas no regime, é de relevar, apenas, as que, com interesse para os presentes autos, se encontram consagradas no n.º 7 e 8 do artigo 8.º do regime, e que segundo as quais:

«7 - Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º».

 

4.                  No entanto, e de acordo com a evolução legislativa na matéria das isenções de que os FIIAH e SIIAH poderiam beneficiar, a Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, no seu artigo 235.º vem proceder ao aditamento dos n.º 14 a 16 do artigo 8.º, passando estes a prever que:

«14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»

 

5.                  Aditamentos estes, subordinados e dependentes da norma transitória prevista pelo artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, a qual dispunha no sentido de que:

«

1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»

 

6.                  Ora, posta esta cronologia e a evolução histórica do regime especial dos FIIAH, passaremos, então, à interpretação das normas em causa, suportando-nos nos princípios gerais que norteiam esta tarefa, em conformidade com o disposto no artigo 9.º do Código Civil (CC) aplicável ex vi do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada de acordo com os princípios gerais de interpretação.

 

7.                  Assim, em respeito às regras gerais de interpretação, podemos constatar que as isenções do IMT e do Imposto do Selo previstas nos n.ºs 7 e 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH e SIIAH apenas tem lugar quando se verificam os seguintes pressupostos:

 

Quanto ao IMT:

a)      As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b)      destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente,

 

E/ou

 

a)      As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos;

b)      destinados a habitação própria e permanente;

c)       em resultado do exercício da opção de compra do imóvel pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento, ao fundo, susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020.

 

Na verdade, e ao que aqui nos interessa, a alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime especial obriga a que o imóvel em questão seja destinado ao arrendamento para habitação permanente para que possa usufruir do benefício ali previsto.

 

Quanto à isenção de IS

a)        Todos os actos praticados pelos FIIAH;

b)       Conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que:

i)     Ocorram por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos;

ii)   OU, ocorram por força do exercício da opção de compra pelo arrendatário até 31.12.2020.

 

8.                  Significa isto que a Requerente, enquanto FIIAH, tem direito ao benefício fiscal em causa – isenção de IMT e de Imposto do Selo - desde que cumpra as condições legais estabelecidas para a sua atribuição,

 

9.                  I.e, a isenção de IMT e de Imposto do Selo em causa está influenciada e dependente dos factos e das circunstâncias face às quais é concedida, resultantes da previsão e estatuição normativa do artigo 8.º, n.º 7 e 8 do Regime dos FIAHH.

 

10.               No entanto, e tratando-se de um benefício fiscal, é necessário trazer à colação, o disposto no n.º 2 do artigo 14.º da Lei Geral Tributária (LGT) segundo o qual:

«Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito

 

11.               Na verdade, e em conformidade com esta norma legal, aplicável também ao regime jurídico dos FIIAH, aqui em causa, o benefício fiscal previsto no n.º 7 e 8 do artigo 8.º do regime especial dos FIIAH – isenção de IMT e de Imposto do Selo – para ser aplicável à data da sua atribuição, era necessário que o interessado, aqui a Requerente, revelasse à Administração Tributária os pressupostos da sua concessão, no que toca à isenção de IMT e IS, nomeadamente, e aqui especificamente, que:

 

Quanto ao IMT:

a)      A aquisição da fracção designada pela letra “H” do prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo … da freguesia de …, concelho do ... se destinava exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

 

De notar que a obrigatoriedade de destinar a fracção aqui em apreço ao arrendamento habitacional não é um requisito que tenha sido aditado ou introduzido pelas alterações levadas a cabo pela LOE2014, é na verdade, «um requisito do regime fiscal dos FIIAH ab initio, aliás natural decorrência das motivações que levaram à criação destes fundos. O Orçamento de Estado para 2014 vem, é certo, estabelecer um novo requisito para a isenção: caso a afectação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no período de 3 anos após a entrada do imóvel no fundo, o fundo tem que requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado ab initio. (…)  não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel, mas uma efectiva afectação ao arrendamento para habitação permanente.» (Decisão do CAAD proferida no processo n.º 398/2015-T).

 

Quanto à isenção de IS

A transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente ocorreram por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, ou do exercício da opção de compra pelo arrendatário até 31.12.2020.

 

12.               Ora, resulta em B) dos factos dados como provados que «No dia 30.12.2013, o B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional adquiriu o prédio urbano inscrito na respectiva matriz  sob o artigo …, fracção “H”, tendo beneficiado da isenção de IMT e Imposto do Selo ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 7  e do n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH», o que significa que (aparentemente) a Requerente, a 30.12.2013, reunia os pressupostos necessários e bastantes para que lhe fosse reconhecida a isenção de IMT e IS prevista no regime especial.

 

13.               Nesta sequência e retomando a alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do Regime Especial, é importante referir, concordando com alguns arestos arbitrais que aqui se transcrevem, que «a propósito do mesmo enquadramento normativo, quando esta refere que a citada norma – ie., a alínea a) do nº 7 do artigo 8.º do Regime Especial – já pressupunha que o imóvel fosse destinado ao arrendamento para habitação permanente para poder beneficiar de tal isenção. Pelo que, também subscrevemos que «a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelo Orçamento do Estado para 2014, mas sim um requisito do regime fiscal dos FIIAH ab initio, aliás natural decorrência das motivações que levaram à criação destes fundos» (Decisão do CAAD no processo n.º 710/2015-T).

 

14.               A verdade, é que os condicionalismos, como já mencionado, estiveram, ab initio, presentes no regime – Vide n.º 8 do artigo 8.º do regime especial - não tendo sofrido qualquer modificação com as alterações introduzidas pela LOE 2014, ao contrário do que é defendido pela Requerente, quando menciona que: «as isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do Fundo B…, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade.»

 

15.               Conforme refere, ainda, a Decisão do CAAD acima referida [proc. 710/2015-T], quanto a esta matéria «o benefício fiscal em causa não é de natureza subjectiva, nem contratual, e encontrava-se dependente de condição – afectação ao arrendamento habitacional. Acresce que os benefícios fiscais não são, como é sabido e por via de regra, permanentes e, muito menos, imutáveis. De resto, são várias as formas de os extinguir como seja a sua revogação expressa, a supressão do tributo a que a benefício respeita ou o transcurso dos prazos normativos previstos para a vigência das normas ‘beneficiantes’ com a consequente caducidade dos benefícios. O próprio Estatuto dos Benefícios Fiscais consagra actualmente, um regime geral de extinção dos benefícios fiscais previsto no seu artigo 14.º e que inclui, designadamente, referência expressa aos casos de benefícios fiscais relativos a aquisição de bens destinados a directa realização dos fins dos adquirentes (vide n.º 3). Sucede, que nada disso aconteceu in casu com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014, posto que esta se bastou em introduzir um elemento densificador do conceito ‘afectação a arrendamento para habitação permanente’. A este respeito, diga-se mesmo que sempre nos afigurou incompreensível que a referência a «afectação a arrendamento» não contivesse, no regime inicial (ie., na redacção da Lei do Orçamento do Estado para 2009) qualquer densificação. Qual o tipo de afectação que a lei fiscal pretendia (eg., meramente contabilística)?»

 

16.               Continuando, aquele aresto aludindo, quanto a factos em tudo semelhante aos dos presentes autos, que:« Dito isto, dificilmente se mostra comprovado existir uma violação de expectativas jurídicas por parte da Requerente, nem sequer na vertente da proibição da norma fiscal retroactiva. A este respeito, veja-se que a posição da Requerente, antes e depois da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014, em nada se alterou, apesar do regime especial, e da norma transitória, passarem a indicar um período de detenção e imporem o arrendamento efectivo (ie., celebração de contrato). Efectivamente, foi apenas a alienação da fracção pela Requerente – posterior à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 diga-se – que fez despoletar a tributação ao abrigo da norma (já) em vigor no momento da alienação. Este aspecto invoca a posição tradicional do Tribunal Constitucional de prevalência, como facto gerador de imposto, ao momento da alienação dos bens e não ao momento da respectiva aquisição – veja-se, por todos, o Acórdão n.º 85/2010, proferido em 3 de Março de 2010, e a nossa anotação ao mesmo.]».

 

17.               Com efeito, e regressando aos factos dados como provados nos presentes autos, constatamos que a Requerente adquiriu, no dia 30.12.2013, a fracção designada pela letra “H” do prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, da freguesia de …, o qual alienou, a 03.02.2016.

 

18.               Destes factos, resulta, que o imóvel em questão foi alienado sem que tenha cumprido devidamente o seu destino – afectação ao arrendamento habitacional permanente. Não se tratando, aqui, de uma questão temporal, mas apenas factual.

 

19.               Conforme refere a decisão proferida no processo n.º 398/2015-T, que aqui relembramos,: «para cumprimento da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel, mas uma efectiva afectação ao arrendamento para habitação permanente.»

 

20.               Assim, não comprovando a Requerente este requisito, e tendo em consideração que, os actos de liquidação em apreço respeitam a um imóvel que foi alienado, pela Requerente, no ano de 2016, à luz do regime jurídico dos FIIAH aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12. (LOE 2009), ou das alterações perpetuadas pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12 (LOE 2014), a isenção de IMT e de IS concedida ab initio à Requerente acabou por não ter sustentação na Lei, 

 

21.               … em virtude de esta não ter logrado demonstrar à Administração Tributária, como lhe competia, atento o disposto no n.º 2 do artigo 14.º da LGT, que houve efectiva afectação do imóvel ao arrendamento para habitação permanente.

 

22.               O mesmo sucede quanto à isenção de IMT, porquanto não logrou, igualmente, a Requerente demonstrar que a transmissão do imóvel, em 2016, ocorreu por força da conversão do direito de propriedade num direito de arrendamento ou que foi exercido o direito de opção de compra pelo arrendatário.

 

23.               Mais, e já na eventual questão temporal, resulta dos factos provados que as liquidações de IMT e IS em crise não tiveram por base a manutenção do imóvel na Requerente por um período igual ou superior a três anos sem que tivesse havido afectação a arrendamento para habitação permanente.

 

24.               Na verdade, o imóvel esteve na propriedade da Requerente 2 anos e 2 meses.

 

25.               Assim sendo, e como explica Nuno de Oliveira Garcia no processo n.º 710/2015-T do CAAD «O benefício em causa não se extinguiu, nem caducou; apenas foi regulamentado, tendo sido introduzido um período expresso de detenção e concretizada a condição de arrendamento efectivo, o que não se pode sequer considerar desproporcionado pois entendemos que para o cumprimento do regime especial em causa – mesmo na versão inicial da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º da Lei do Orçamento do Estado para 2009 – não deveria bastar uma mera intenção declarada na aquisição do imóvel, sendo necessária o efectivo arrendamento para habitação permanente. É esse – o efectivo arrendamento para habitação permanente – o pressuposto do benefício, pelo que, e nos termos do artigo 12.º do EBF, não se pode sequer afirmar que tenha ocorrido a constituição do direito ao benefício pelo Requerente, ao contrário do que este invoca no seu requerimento inicial, (…) Reforça este nosso entendimento a utilização da palavra «exclusivamente» na redacção da a) do n.º 7 do artigo 8.º do Regime Especial.»

 

26.               Na verdade, atendendo aos factos dados como provados, somos da acepção de que as liquidações em apreço, não relevam para efeitos de «teste de retroactividade», mas única e exclusivamente ao facto de a fracção em apreço ter sido alienada, não se sabendo, por não alegado, e consequentemente, não provado, se cumpriu o seu destino – afectação ao arrendamento habitacional permanente.

 

27.               Face ao exposto, tendo em consideração que os actos de liquidação de IMT e de Imposto do Selo sindicados nos presentes autos foram efectuados ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 7 e do n.º 8 do artigo 8.º do Regime especial – tributário - dos FIIAH, cuja redacção permanece inalterada desde a sua aprovação, mantendo os seus pressupostos à data da aquisição dos imóveis pelo Fundo, é entendimento do Tribunal arbitral que os actos de liquidação em causa são legais, em virtude de não ter sido dado o destino [arrendamento para habitação permanente] exigido por lei ao imóvel em causa, e pela sua posterior alienação.

 

28.               Prosseguindo, no sentido da análise da questão suscitada pela Requerente respeitante à retroactividade ou não das normas introduzidas pelo artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sob a epígrafe «Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIIAH»

 

29.               Ora, a Lei do OE 2014, como já referimos, aditou ao artigo 8.º, os números 14 a 16, nos termos que aqui retomamos:

“14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.o 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

 

30.               Na verdade, da leitura destes preceitos legais resulta que nenhuma das situações especificamente neles previstas (ou pelo menos, não foram alegados quaisquer factos nesse sentido), tem aplicação no caso em apreço, porquanto, reportando-se a norma transitória, prevista no artigo 236.º da LOE 2014, ao disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, cuja previsão é inaplicável à presente situação, a discussão da retroactividade da norma em causa não tem cabimento no âmbito do presente processo.

 

31.               Ora, da análise dos actos de liquidação de IMT e de Imposto do Selo constata-se que daqueles constam as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação dos factos tributários, assim como as operações de apuramento da matéria tributável, pelo que, em consequência não pode ser imputável a estes actos qualquer vício de falta de fundamentação, uma vez que os actos contêm os elementos legalmente exigíveis.

 

32.          Face a tudo o exposto, é entendimento deste Tribunal que se encontra destituída de fundamento a pretensão da ora Requerente.

 

VIII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, pela improcedência do pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IMT e de Imposto do Selo n.º … e n.º…, respectivamente, no montante global de € 2.319,73 (dois mil, trezentos e dezanove euros e setenta e três cêntimos), devendo os mesmos ser mantidos na ordem jurídica.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 2.319,73 (dois mil, trezentos e dezanove euros e setenta e três cêntimos), nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o art.º 12, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00.

  

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de Dezembro de 2016

 

***

O Árbitro

 

 

 

 

(Jorge Carita)