Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 196/2016-T
Data da decisão: 2016-12-05  Selo  
Valor do pedido: € 17.075,77
Tema: IS - Verba n.º 28 da TGIS; Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1. A sociedade A…, S.A., (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal…, domicílio fiscal na Av. …, n.º…, …,
…-…, Lisboa, apresentou no dia 29 de março de 2016, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral de forma a ser declarado ilegal o ato de liquidação de Imposto do Selo (“IS”), nos termos da Verba 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”), referente ao exercício de 2014, no montante de € 17.075,77, identificado pelo n.º 2015…, correspondente à primeira prestação, n.º 2015…, correspondente à segunda prestação e n.º 2015…, correspondente à terceira prestação, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 25 de maio de 2016.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 13 de junho de 2016.

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a ilegalidade do indeferimento expresso de Reclamação Graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IS indicado supra, decomposto em três prestações, por respeito a um terreno para construção inscrito na matriz predial urbana, sob o n.º…, da Freguesia dos …, do concelho de Lisboa.

5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o acto tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.

6. Por despacho de 31 de outubro de 2016, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o dia 5 de dezembro de 2016.

8. No âmbito do despacho, solicitou igualmente às partes para apresentar as suas alegações finais, que assim o fizeram.

9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

10. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

11. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se, no caso em análise, o terreno para construção relevante cai no âmbito da Verba 28.1 da TGIS, na sua redação à data relevante dos factos, designadamente se é um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no CIMI”.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

12. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.     A Requerente é proprietária de um prédio urbano, designadamente um terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da freguesia dos …, concelho de Lisboa, sob o n.º…, com o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de € 1.707.576,53.

II.   O prédio urbano em questão integra um lote de 18 terrenos, que já possuem, desde de 23 de junho de 1999, autorização de loteamento para construção de habitação ou hotel, escritórios, comércio ou serviços, garagem e estação de serviços e estacionamentos – com o máximo de 14 pisos acima do solo.

III.  Na sua caderneta predial, o coeficiente de localização atribuído ao imóvel foi o de habitação, tendo essa atribuição sido contestada pela Requerente a 31 de dezembro de 2015.

IV.  A Requerente, por respeito ao exercício de 2014 e em resultado do exposto na Verba 28.1 da TGIS, recebeu os atos de liquidação da AT indicados supra, no valor total de € 17.075,77, os quais liquidou na íntegra.

V.   A Requerente apresentou Reclamação Graciosa com vista a obter a declaração de ilegalidade da liquidação mencionada supra, no dia 27 de agosto de 2015, tendo a mesma sido expressamente indeferida no dia 28 de dezembro do mesmo ano.

13. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

14. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

15. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interpretem os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

16. A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

17. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

18. Adicionalmente, e tendo em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei
n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, importa também transcrever a redação da aludida verba desde 1 de janeiro de 2014, por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

19. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).

20. No Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios (nos artigos 2.º a 6.º), nos seguintes termos:

 

“Artigo 2.º - Conceito de prédio

1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 3.º - Prédios rústicos

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

Artigo 4.º - Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

Artigo 5.º - Prédios mistos

1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3”.

21. Por último, atente-se, igualmente, nas normas sobre a interpretação das leis.

22. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

“Artigo 11.º - Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.

23. Os princípios gerais da interpretação das leis, para os quais remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, encontram-se preconizados no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

“Artigo 9.º - Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

24. Assim, é no presente quadro jurídico que importa apreciar se o terreno para construção em questão, tem, ou não, uma edificação autorizada ou prevista para habitação, nos termos da
Verba 28.1 da TGIS, sendo, assim, sujeito a IS.

B) Argumentos das partes

25. No âmbito da sua exposição, a Requerente, alegou, em síntese, que a liquidação em crise padecia de inconstitucionalidade, designadamente por violar o princípio da igualdade, uma vez que, no seu entendimento, “os sujeitos passivos com a mesma capacidade contributiva, designadamente proprietários de terrenos para construção, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00, são tributados, não consoante a sua riqueza, mas sim, consoante o destino que, eventualmente, será dado ao referido prédio.

Da mesma forma, não se encontra justificação, à luz do princípio da igualdade, para a discriminação negativa operada relativamente aos prédios habitacionais com um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 e relativamente aos terrenos para construção com afetação habitacional com o mesmo valor, pois o valor atual de riqueza e / ou o valor potencial de enriquecimento, propiciado pela raiz não identificada, não é igual – é antes, necessariamente inferior – ao valor atual de riqueza e, por essa via, de capacidade contributiva, real ou presumivelmente propiciada pela propriedade edificada,

Porquanto a mera propriedade de um terreno para construção não se afigura, de per se, um critério indiciário da maior capacidade contributiva do seu proprietário.

Parece evidente que o legislador utilizou um critério arbitrário e objetivamente desprovido de fundamentação de incidência tributária”.

26. A Requerente afirma ainda “que a construção a realizar naquele terreno poderá não ser (como é o caso dos autos) para uso próprio e exclusivo do proprietário do terreno, mas, antes, para a prossecução de uma atividade económica (…)

A Requerente entende, assim, que, dado que os terrenos para construção, cujas construções se destinam a prossecução de uma atividade comercial, não se subsumem ao âmbito de aplicação da verba 28.1 da TGIS, na medida em que esta tem como finalidade proceder à tributação da riqueza, razão pela qual motivou o legislador a excluir da incidência objetiva os terrenos para construção de edifícios destinados a serviços ou de natureza comercial e industrial.

(…)

Em face do exposto, dúvidas inexistem quanto ao facto da Verba 28 do Imposto do Selo configurar um especial gravame tributário para as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção (…)

Donde resulta ser, também, por aqui, a Verba 28 da TGIS materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, uma vez que determina uma descriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção”.

27. A Requerente, considerou ainda, que, com base neste enquadramento tributário, os “prédios previstos na verba 28.1, da TGIS se encontram, assim, sujeitos a uma dupla tributação, inconstitucionalmente inadmissível, decorrente da sobreposição entre Imposto do Selo e IMI.

(…)

Ora, para que se considere haver dupla tributação é necessária que esteja preenchida a «regra das quatros identidades, ou seja, a identidade do objeto, a identidade do sujeito, a identidade do período de tributação e a identidade do imposto» (…)

No caso em concreto, esta regra (das quatro identidades) encontra-se totalmente verificada.

(…)

Assim se conclui que, também por este motivo, o ato de liquidação sub judice não se pode manter, devendo ser anulado, em conformidade”.

28. Num outro prisma, para a Requerente, “ainda que não se entenda que a disposição legal constante da verba 28.1 da TGIS é inconstitucional – o que se concebe sem conceder – sempre se terá de anular o ato de liquidação em causa, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS, porquanto o terreno em causa não é um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, encontrando-se, apenas, licenciado para comércio.

(…)

Como bem se pode ver pelo quadro sinótico de conjunto do lote em causa, bem como da descrição formal do edifício a plantar, o edifício a construir no referido prédio encontra-se licenciado, apenas, para comércio.

Consequentemente, é totalmente desfasada da realidade a afirmação constante do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, em que «o prédio em causa é um terreno para construção apenas afeto à habitação (…) desde logo, porque é essa a indicação que consta da caderneta predial», uma vez que, in casu, a edificação é prevista com destino diferente da habitação, nos termos supra expostos, ainda que, na avaliação efetuada, tenha sido a habitação a afetação imputada ao terreno para construção.

(…)

Pelo que deve, também por este motivo (…) ser anulado o ato de liquidação em crise”.

29. Por último, entendeu a Requerente que o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa previamente apresentada com vista a declarar como ilegal o ato de liquidação anteriormente referido padecia também de ilegalidade, uma vez que “assenta em pressupostos de facto e de direito não conformes com as normas e princípios jurídicos aplicáveis, caracterizando-se por uma incorreta aplicação da lei aos factos, o que não podendo, nem devendo, ser desconsiderado, deverá determinar a respetiva anulação dos atos de liquidação ora contestados, com as necessárias consequências legais”.

30. Solicitando, igualmente, que lhe fossem pagos juros indemnizatórios.

31. Chamada a apresentar as suas alegações finais, a Requerente procurou, sobretudo, reforçar o entendimento já preconizado em sede de petição inicial.

32. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

33. “…Na caderneta predial do imóvel, o tipo de prédio é «lote de terreno para construção».

Não podendo duvidar de que estamos face a «terrenos para construção», mais concretamente, perante lotes de terreno para construção urbana, com áreas de implementação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas, como aliás supra descrito.

Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exatamente prédios urbanos com vocação habitacional.

 (…)

É, pois, patente a afetação habitacional do prédio.

(…)

Alega a requerente que o prédio impugnado possui afetação habitacional conjuntamente com serviços, pelo que a tributação efetuada nos moldes em que o foi é ilegal.

Porém, verifica-se que a este prédio corresponde apenas a afetação de habitação (a principal e preponderante).

Efetivamente de acordo com os dados de avaliação constantes da caderneta predial do prédio resulta que ao dito prédio foi atribuída apenas uma única afetação – a habitação.

Destarte, o Imposto do Selo deverá incidir apenas sobre o valor patrimonial tributário da parte considerada afeta à habitação, que no presente caso é a totalidade do prédio (…)”.

34. Em relação à reclamação matricial, a Requerida considerou que “pese embora a requerente tenha apresentado reclamação matricial, em 31-12-2015, a liquidação em discussão reporta-se a 2014 e não consta como resolvida.

Para além disso, o documento apresentado nada mais é do que um projeto de edifício de habitação, serviços e comércio e como projeto nada mais é do que uma ideia, que pode não ser concretizada”.

35. Para a Requerida, não existe também dupla tributação, “uma vez que a tributação em sede de IMI e sede de Selo são tributos diferentes, como aliás a requerente os distingue”.

36. Quanto às questões de inconstitucionalidade levantadas pela Requerente, a Requerida entendeu que “na presente contenda não deverá o Tribunal Arbitral aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo-se cingir à sua apreciação na vertente da sua conformação (manifesta, diga-se) com o texto constitucional.

(…)

Ou seja, a verba 28 é uma norma conforme à Constituição da República Portuguesa,

(…)

Julgamos, portanto, legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos e quaisquer titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00 incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

(…)

E o que resulta da própria lei, resulta a priori, da própria ação legislativa, quando a intenção foi exclusivamente definir que a propriedade de imóveis de afetação habitacional de valor superior ao indicado, demonstra que o respetivo proprietário tem especial capacidade contributiva, i.e., pode adquirir um único imóvel nestas condições”.

37. Chamada a apresentar as suas alegações finais, a Requerida, considerando que “as doutas alegações da Requerente (…) nada de novo acrescentam à tese que havia sido, pela mesma, desenvolvida no requerimento inicial.

Não suscitam, por isso, qualquer alteração aos argumentos arvorados no pedido arbitral, pelo que não obstam à procedência da argumentação desenvolvida pela Requerida em sede de Resposta.

Termos em que a Requerida mantém integralmente (…) o teor da sua Resposta oportunamente apresentada”.

C) Apreciação do tribunal

38. A título preliminar, refira-se que, aos olhos deste Tribunal Arbitral, a questão decidenda prende-se com definir, com base nos factos dados como provados, se o imóvel em discussão, é, ou não sujeito a IS, nos termos da Verba 28.1 da TGIS.

39. Desta forma, o presente tribunal procurará aferir se o terreno para construção em causa preenche os requisitos legalmente necessários para cair no âmbito da Verba 28.1 da TGIS, designadamente se a sua edificação, autorizada ou prevista, é para habitação.

40. Ora, no caso em concreto, estamos perante um terreno para construção, que, em 1999, aquando do seu loteamento, lhe foi atribuída autorização para construção de habitação ou hotel, escritórios, comércio ou serviços, garagem e estação de serviços e estacionamentos, com máximo de 14 pisos acima do solo.

41. Em 2004, foi igualmente desenhado e aprovado um projeto para construção, naquele terreno, sendo a edificação referente a estacionamentos, armazéns e área comercial.

42. A caderneta predial do imóvel, atualizada em 2014 (última avaliação que se conhece do terreno para construção), define o prédio como um terreno para construção com o tipo de coeficiente de localização de habitação.

43. Ora, a primeira dificuldade enfrentada por este Tribunal prende-se com desmistificar se aquela norma (Verba 28.1 da TGIS) respeita a terrenos para construção totalmente alocados à edificação habitacional ou, se ao invés, essa alocação pode ser apenas parcial.

44. É que se assim for, o legislador não forneceu ferramentas aos contribuintes e à AT, para apurar essa alocação parcial.

45. Cumpre salientar o legislador está vinculado ao princípio da legalidade no sentido de tipificar com clareza os factos tributários que estão sujeitos a imposto.

46. O n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI vem clarificar o que se entende por prédios “habitacionais” para efeitos da alínea a) do n.º 1, classificando como tal as construções licenciadas para habitação ou que na falta de licença, tenham esse uso normal.

47. Desta forma, parece claro que aquela norma se refere às edificações já realizadas que serão habitacionais quando seja esse o uso para o qual aquelas foram licenciadas ou quando, na falta de licença, seja essa a sua utilização normal (e não aos terrenos para construção). 

48. Entende o presente tribunal que o critério da “utilização normal”, na falta de licença, não se pode extrapolar com o objetivo de adivinhar as edificações que possam vir a ser feitas nos terrenos para construção, espécie de prédio prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, como sugere a Requerida.

49. Não se pode olvidar que na avaliação do terreno foi utilizado pela AT o coeficiente de localização do tipo habitação, sendo que o sujeito passivo podia, de facto, ter reagido contra a aplicação deste coeficiente, não se tendo demonstrado que o tenha feito até ao final de 2015.

50. Todavia, o legislador não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, tão só na respetiva avaliação.

51. Pelo que, em face do exposto, cumpre estabelecer o seguinte.

52. Resulta claro que, nos termos da Verba 28.1 da TGIS, estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais, os terrenos para construção, desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista edificação destinada a habitação.

53. Nos termos da referida verba não é, contudo, claro que se a edificação destinada à habitação deve ser total ou parcial, tendo-se que, em caso de dúvida, somente sujeitar à mesma, os casos em que a edificação seja, na íntegra, destinada à habitação.

54. Ora, no caso subjudice, a Requerida, sobre quem recaía o ónus da prova, falhou em demonstrar com factos que o terreno para construção em discussão tinha, à data dos factos relevantes, autorização, projeto ou previsão de edificação prevista somente para habitação, por forma a estar sujeito a IS, nos termos da Verba n.º 28.1 da TGIS.

55. E, de acordo com as provas juntas ao processo, no âmbito da sua autorização de loteamento foi conferido ao terreno para construção em crise, a possibilidade de neste ser edificada habitação.

56. Contudo, essa possibilidade foi estendida a outros cenários, como supra se indicou, designadamente à construção de um hotel.

57. Ora, para além disso, o que se conhece, por apensado à presente discussão, é um projeto que prevê a construção naquele terreno de estacionamentos, armazéns e lojas.

58. E assim, não entende o presente tribunal como poderá conseguir incluir o presente terreno para construção no âmbito da Verba 28.1 da TGIS, já que a Requerida falhou em provar que a afetação do terreno, autorizada ou prevista, fosse somente para habitação.

59. Não se diz que a Requerente tenha provado o contrário.

60. Contudo, nos termos do artigo 74.º, era sobre a Requerida que pendia a obrigação de provar que o imóvel em questão, um terreno para construção, tinha edificação, expressa ou prevista, apenas para habitação.

61. Obrigação que não foi capaz de cumprir.

62. Pelo que, sem necessidade de mais considerações, e com este fundamento, se considera anulável o ato de liquidação, por ilegal, por não ser aplicável a Verba do artigo 28.1 da TGIS ao prédio sobre o qual incidiu.

63. Tendo em conta o exposto supra, o presente tribunal considera que não é necessário debruçar-se sobre os restantes argumentos vertidos pela Requerente, já que se encontram reunidas as condições para proferir a decisão arbitral.

64. Assim, e com base nas razões elencadas supra, entende o presente tribunal que os prédios em crise, não podem, à data dos factos, ser sujeitos a IS, nos termos da Verba 28.1 da TGIS, pelo que se conclui pela não verificação do pressuposto legal de incidência.

V. Decisão

65. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular o ato de liquidação de IS mencionado supra, por referência a 2014, do qual resultou imposto a pagar no montante de € 17.075,77, respeitante à tributação de terrenos para construção, nos termos do disposto na Verba 28.1 da TGIS;

B) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga, desde o dia em que foram pagas as liquidações mencionadas supra e até o integral reembolso do montante referido; e

C) Condenar a Requerida nas custas do processo.

VI. Valor do processo

66. Fixa-se o valor do processo em € 17.075,77, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VII. Custas

67. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 5 de dezembro de 2016

 

O Árbitro

 

 

 (Sérgio Santos Pereira)