Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 170/2016-T
Data da decisão: 2016-12-07  IVA  
Valor do pedido: € 77.121.206,00
Tema: IVA – Empreendimentos turísticos
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr. João Taborda da Gama e Prof. Doutor António Carlos dos Santos, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-06-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A… SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA., NIF…, com sede na Avenida …, …, em … (doravante “A…” ou “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, e 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), deduzir pedidos de declaração de ilegalidade e anulação parcial dos actos de autoliquidação e relativos aos períodos de imposto compreendidos entre o 2º trimestre de 2009 e Janeiro de 2011, pelo valor total de € 771.212,06, e bem assim os actos de indeferimento das revisões oficiosas necessárias deles apresentadas.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. João Taborda da Gama, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-04-2016.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Prof. Doutor António Carlos dos Santos.

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 23-05-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 08-06-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

            Por despacho de 09-09-2016, foi dispensada a produção de prova testemunhal e a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações orais.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Não se vislumbra qualquer nulidade nem obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

3. Matéria de facto

 

            3.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente A… Sociedade Unipessoal Lda, é um sujeito passivo de IRC residente em território nacional e enquadrado no regime normal de IVA de periodicidade mensal;

b)      A Requerente tem como actividade principal a exploração de aldeamentos turísticos com serviço de restauração;

c)      A Requerente é proprietária de um estabelecimento de alojamento turístico;

d)      O estabelecimento da Requerente integra todos os elementos típicos que caracterizam um qualquer estabelecimento destinado ao alojamento turístico e os serviços que nele se prestam não se distinguirem dos serviços prestados num vulgar hotel;

e)      O estabelecimento da Requerente dispõe de 96 moradias totalmente equipadas e prontas a ocupar e utilizar que gozam de um serviço diário de arrumação e limpeza, reposição de toalhas, roupa de cama e de consumíveis de higiene pessoal;

f)       O estabelecimento da Requerente integra infra-estruturas de apoio e lazer, como recepção, restaurante, bares, campos para a prática de ténis e de futebol, piscinas exterior e interior, sauna e jacuzzi, ginásio, salão de jogos, um parque infantil, espaços comuns de descanso, um cabeleireiro, entre outros equipamentos afins;

g)      Tal como um hotel o estabelecimento da Requerente presta serviços acessórios aos clientes nele hospedados, entre outros, serviços de atendimento personalizado, refeições ou outros serviços complementares específicos como aulas monitorizadas de várias práticas desportivas e outras actividades lúdicas;

h)      O estabelecimento da Requerente é exclusivamente procurado para fins não residenciais e o uso por todos os seus clientes circunscreve-se a curtos períodos de tempo destinados ao repouso e ao lazer dos próprios;

i)       Dos serviços disponibilizados podem desfrutar tanto os sócios do Clube como qualquer utilizador, em geral, embora sob condições diferentes, mais vantajosas para os sócios;

j)       O serviço que a Requerente presta a todos os seus clientes – membros e não membros do Clube – é idêntico;

k)      Entre o segundo trimestre de 2009 e o mês de Janeiro de 2011, sobre o valor do pagamento anual facturado a clientes membros do Clube, a Requerente vinha liquidando IVA à taxa normal, ao passo que sobre o valor facturado aos demais clientes pelo alojamento nas mesmas moradias, a Requerente vinha liquidando IVA à taxa reduzida;

l)       O procedimento que Requerente vinha assim observando decorria das instruções administrativas então vigentes, designadamente das posições assumidas nos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

m)   No referido documento n.º 4, refere-se, além do mais, o seguinte:

IVA - DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA

1. A constituição de direitos reais de habitação periódica encontra-se regulamentada pelo Decreto-Lei nº 355/81, de 31 de Dezembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 368/83, de 4 de Dezembro, e 130/89, de 18 de Abril, e caracteriza-se por ser um direito real, sendo titulado por um certificado predial, transmissível por simples endosso ou averbamento.

2. Nos termos do nº 31 do art. 9º do CIVA encontram-se isentas de IVA "as operações sujeitas a sisa", incidindo a sisa sobre transmissões do direito de propriedade sobre bens imóveis e sobre figuras parcelares desse direito, resulta que a generalidade de operações sobre bens imóveis, estando sujeitas a sisa, se encontram isentas de IVA.

3. A venda de títulos de direitos reais de habitação periódica, encontram-se abrangidas pelo nº 31 do art. 9º do CIVA e, como tal, constituem operações isentas de IVA, sem direito a dedução, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 20º.

4. No entanto, de acordo com o disposto no art. 18º do Decreto-Lei nº 130/89, de 18 de Abril, o titular dos d.r.h.p. encontra-se vinculado ao pagamento anual à entidade responsável pelo funcionamento do empreendimento de uma prestação pecuniária (vulgarmente chamada "taxa de manutenção"), fixada no título constitutivo e relativa a despesas com contribuições e impostos, taxas camarárias, conservatórias, reparação, limpeza, administração e outras, podendo nela incluir-se uma percentagem destinada a remunerar a gestão, que não poderá ultrapassar 20% do seu valor, que proporcionalmente lhe corresponda (cont. Decreto-Lei nº 130/89 - art. 18º).

5. O valor desta prestação pecuniária paga pelos titulares dos d.r.h.p. considera-se assim a contraprestação de um conjunto de serviços diferenciados, sujeitos a IVA, pelo que sobre esse valor deverá ser liquidado IVA, à taxa normal, de acordo com a alínea c) do nº 1 do art. 18º do CIVA.

(DESPACHO CONCORDANTE DO SUBDIRECTOR-GERAL DO IVA, DE 92.08.03 - INFORMAÇÃO Nº2139, DE 92.07.31);

 

n)      Na Informação da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, refere-se, além do mais o seguinte:

1.2 Neste Aldeamento Turístico são prestados serviços de alojamento, restauração e de recreio aos membros do Club, casa-mãe da requerente.

1.3 A qualidade de membro do Club confere aos respectivos beneficiários o direito de passarem um determinado período de cada ano (nomeadamente uma semana) no Aldeamento Turístico.

1.4 A contrapartida da prestação de serviços de alojamento é directamente paga pela casa-mãe, após a liquidação de IVA à taxa de 16%,

1.5 As restantes prestações de serviços são cobradas directamente a cada membro, no momento da sua realização ou então na altura da saída do Aldeamento, valores estes sobre os quais incide IVA. Estas prestações de serviços consistem essencialmente em serviços acessórios praticados no âmbito do alojamento hoteleiro, restauração e actividades desportivas e recreativas.

1.6 Deste modo solicita esclarecimento:

a) quanto à taxa de IVA que deve incidir sobre a prestação da serviços de alojamento paga directamente pela casa-mãe, se 16% ou se 5%.

b) quanto ao direito à dedução do IVA suportado para a realização dos serviços de alojamento pagos pela casa-mãe.

1.7 Caso a taxa a aplicar às prestações de serviços de alojamento hoteleiro pagas pela casa-mãe seja de 5%, solicita autorização para poder regularizar o IVA liquidado a mais e em situações ocorridas há mais de um ano.

2. Face à questão colocada e através do oficio nº … de 96.01.18 foi por estes Serviços solicitada, à Direcção Distrital de Finanças de…, informação sobre o tipo de operações realizadas e correspondentes taxas aplicadas, o valor das respectivas regularizações pretendidas, bem como se os correspondentes documentos se encontravam emitidos sob a forma legal.

3. Em 96.06.20 foi-nos remetido por aquela Direcção Distrital, uma informação, a qual relata o seguinte:

3.1 O contribuinte é uma sucursal portuguesa de uma empresa com sede na Ilha de Man. Reino Unido, composta por membros de um clube que adquiriram a exclusividade do direito de utilização de um empreendimento situado na urbanização da …, propriedade da empresa B… Lda., contribuinte nº … (sucursal portuguesa de uma outra com o mesmo nome com sede na Ilha de Man).

3.2 De acordo com o contrato de Promessa de Arrendamento exibido, refere exercer a actividade de "Exploração dos Serviços de Apoio Integrados no Complexo Turístico Privado'.

3.3 Por outro lado, refere que o direito à ocupação dos apartamentos e à utilização dos serviços de alojamento, assim como o direito ao uso das infra-estruturas de apoio do empreendimento são adquiridos por forma semelhante à dos "títulos de direito obrigacional de habitação periódica" pelos membros do clube, no momento da compra do respectivo titulo, à empresa proprietária, C…, Ltd.

3.4 Assim, os direitos mencionados no objecto do referido contrato foram adquiridos pelos membros do clube na compra dos títulos pelo que não encontram qualquer justificação para o contrato de arrendamento (promessa de) não sendo possível identificar a existência de prestações de serviços de alojamento aos membros do clube.

3.5 Através da análise dos exercícios de 1992 a 1995 constatam que o sujeito passivo tem como actividade principal administrar o aldeamento adquirido pelos membros do clube â empresa proprietária, C…, Limited sob a forma de direito obrigacional de habitação periódica, e como actividade secundária a prestação de serviços de apoio aos membros do clube tais como restauração, serviços diversos (telefone, fax, limpeza diária, aluguer de viaturas, estragos e aluguer de toalhas, etc.), concessões (máquinas de jogos, cabeleireiro, lojas), desportos (snooker, squash, ténis, ping-pong, golfe, etc.), electricidade consumida nos apartamentos e jornais.

3.6 Relativamente à actividade principal a empresa não presta serviços de alojamento hoteleiro, uma vez os seus utilizadores adquiriram esse direito através da compra dos títulos à empresa B… e o acesso ao empreendimento está condicionado aos membros do Clube, detentores do respectivo título, o que inviabiliza o exponente de liquidar qualquer importância referente à prestação de serviços de alojamento.

3.7 Concluem, pois, que a razão principal da existência da requerente é a administração do empreendimento, de forma a assegurar a sua manutenção e garantir aos membros do clube a existência de condições óptimas de utilização dos apartamentos e dos espaços comuns, dando cumprimento ao estabelecido no ponto 8 dos Regulamentos do Clube.

3.8 Para obtenção destes serviços os adquirentes de semanas de férias pagam uma quantia anual, referente a cada título adquirido.

3.9 Da análise da contabilidade da exponente referem não terem encontrado quaisquer registos contabilísticos respeitantes ao recebimento daqueles serviços pelo que concluem que os membros do clube pagam directamente à casa-mãe, C…, LTD., com sede na Ilha de Man, uma quantia anual, referente a cada semana adquirida e em função do tipo de apartamento, conforme o disposto no ponto 4 dos Regulamentos do Clube.

3.10 Deste modo consideram que as transferências efectuadas pela casa-mãe não se destinaram ao pagamento de serviços de alojamento, como é referido pelo sujeito passivo, mas sim para compensar parte dos custos suportados pela sucursal para exercer a sua actividade principal, actividade esta sujeita à taxa normal por resultar da subcontratação dos seguintes serviços de terceiros, limpeza de apartamentos, lavandaria, custos de administração geral, custos com electricidade não imputáveis aos apartamentos, água, infra-estruturas e jardinagem, custos relativos à gestão do empreendimento, etc.

3.11 Concluem, pois, que a taxa aplicada pelo sujeito passivo se encontra correcta, devendo a mesma ter incidido também nas transferências efectuadas pela casa-mãe a título de "para compensação de prejuízos".

3.12 Quanto ao direito à dedução do IVA suportado pela empresa na aquisição de bens e serviços com vista à prática das operações que constituem a sua actividade normal não observaram qualquer impedimento para o exercício desse direito.

4. Através da análise o relatório dos serviços de fiscalização, bem como dos seus anexos, nomeadamente o regulamento do clube podemos concluir que:

4.1 As transferências efectuadas pela casa-mãe incluindo as designadas "para compensação de prejuízos" não pressupõe a prestação de serviços de alojamento, uma vez que, aquelas, foram adquiridas pelos membros do clube na altura em que adquiriram os "direitos obrigacionais de habitação turística".

4.2 Sendo a administração do empreendimento a razão principal da existência da requerente e pagando os membros do Clube uma quantia anual de acordo com o número de semanas adquiridas e o tipo de apartamento e não se encontrando estas registadas pela exponente, leva-nos a deduzir que tais quantias são pagas directamente à casa-mãe que depois as transfere dando origem às verbas em causa.

4.3 Assim sendo, atendendo ao conceito residual de prestações de serviços previsto no nº 1 do artº. 4º do CIVA, bem como ao seu reflexo económico, as transferências efectuadas pela casa-mãe pressupõe a contraprestação das prestações de serviços de administração que se encontram sujeitas a IVA à taxa normal.

 

o)      O preço estabelecido pela Requerente junto dos seus clientes membros do Clube pelo serviço de alojamento hoteleiro que lhes presta é, desde sempre, um preço final, com IVA incluído;

p)      Entre o segundo trimestre de 2009 e o mês de Janeiro de 2011 a Requerente cobrou pelo mesmo serviço de alojamento hoteleiro idêntico preço, independentemente de nele incluir IVA à taxa normal de 20%, de 21% ou de 23 % que autoliquidou nas declarações periódicas respectivas e logo entregou ao Estado;

q)      Sem que pudesse cobrar aos seus clientes qualquer importância adicional ao valor do encargo anual fixo que com estes contratou, a Requerente reduziu a sua margem, para que no mesmo preço pudesse incluir IVA à taxa normal que resultava das instruções administrativas do Fisco em lugar do IVA à taxa reduzida que resultaria de lei;

r)       Entre o segundo trimestre de 2009 e o mês de Janeiro de 2011, como entre Fevereiro de 2011 e Abril de 2013, a ora Requerente jamais cobrou aos seus clientes qualquer quantia adicional ao valor do encargo anual fixo que se achava estabelecido como contrapartida do serviço de alojamento hoteleiro que lhes prestou e sempre manteve um preço anual fixo, com IVA incluído, assumindo ela própria, através da redução do seu rendimento, o encargo de suportar a diferença entre o IVA à taxa normal e à taxa reduzida;

s)      Dada a identidade dos serviços que presta a todos os seus clientes, a Requerente entendeu que devia tratá-los de modo uniforme para efeitos da sua sujeição a IVA;

t)       Para tanto, passou a liquidar IVA à taxa reduzida também sobre o pagamento anual facturado aos membros do Clube, a título de alojamento, nos meses de Fevereiro a Agosto de 2011;

u)      De modo a afastar qualquer dúvida sobre esse seu entendimento, a Requerente apresentou, em 28-03-2011, um pedido de informação vinculativa;

v)      A informação vinculativa da Direcção de Serviços do IVA dada no processo n.º…, sancionada pelo Senhor Director-Geral, e notificada à ora impugnante no dia 03-10-2011, manifestou o entendimento de que os serviços prestados a membros do Clube são sujeitos a IVA à taxa normal e não à taxa reduzida que a Requerente aplicara na sua facturação (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

w)    Fundamentou-se a referida informação vinculativa em que o pagamento anual é relativo a um conjunto de direitos e não apenas ao direito de ocupação de uma semana em determinada moradia e como tal configura uma operação sujeita a imposto, tributada à taxa normal de IVA, que não se subsume numa prestação de serviço de alojamento de tipo hoteleiro;

x)      Em face da informação obtida, a Requerente autoliquidou adicionalmente, em 31-10-2011, sobre o valor do mesmo serviço, imposto à taxa normal por via de declarações de substituição relativas a Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2011;

y)      A Requerente, embora adoptando o entendimento manifestado na informação vinculativa, entendeu que enfermava de erro cada um dos referidos actos de autoliquidação adicional de IVA em que o aplicou;

z)      Por essa razão, deduziu reclamações graciosas contra todos os actos de autoliquidação adicional de IVA de Fevereiro a Agosto de 2011, todos datados de 31-10-2011;

aa)  As reclamações deduzidas contra os actos de autoliquidação de IVA de Fevereiro e de Março de 2011 que aplicavam a taxa normal foram indeferidas por decisão do Director Adjunto da Direcção de Finanças de…, consignada nos processos n.ºs …2012… e …2012… dessa Direcção de Finanças;

bb)  Desse indeferimento deduziu a Requerente impugnação arbitral que correu termos no CAAD com o n.º 117/2012-T;

cc)  Em 21-05-2013, foi proferido o acórdão do Tribunal Arbitral, que julgou totalmente procedente o pedido e anulou os actos de autoliquidação de IVA de Fevereiro e de Março de 2011 que aplicavam a taxa normal (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

dd)  A reclamação deduzida contra o acto de autoliquidação de IVA de Abril de 2011 que aplicava a taxa normal foi igualmente indeferida por decisão do Director Adjunto da Direcção de Finanças de …, consignada no processo n.º … 2012 … dessa Direcção de Finanças;

ee)  Desse indeferimento deduziu a Requerente impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé;

ff)     Em 31-10-2013, foi proferida a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou totalmente procedente o pedido e anulou o acto de autoliquidação de IVA de Abril de 2011 que aplicava também a taxa normal (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

gg)  A reclamação deduzida contra os actos de autoliquidação de IVA de Maio a Agosto de 2011 que aplicavam a taxa normal foi integralmente deferida por decisão do Director Adjunto da Direcção de Finanças de…, proferida no processo n.º … 2013 … dessa Direcção de Finanças que logo os anulou (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

hh)  A Requerente deduziu ainda reclamações graciosas contra todos os actos de autoliquidação adicional de IVA referentes aos períodos de Setembro de 2011 a Abril de 2013 no valor cumulado de € 853.351,89, nos termos do artigo 131.º do CPPT;

ii)     As reclamações deduzidas contra os actos de autoliquidação de IVA de Setembro de 2011 a Abril de 2013 que aplicavam a taxa normal foram indeferidas por decisão do Director Adjunto da Direcção de Finanças de Faro, consignada no processo n.ºs … 2013 … dessa Direcção de Finanças;

jj)     Desse indeferimento deduziu Requerente pedido de pronúncia arbitral que correu termos neste Centro de Arbitragem Administrativa com Proc.º n.º 78/2014-T e em que, em 11-07-2014, foi proferido o acórdão do Tribunal Arbitral que julgou totalmente procedente o pedido e anulou os actos de autoliquidação de IVA de Setembro de 2011 a Abril de 2013 que aplicavam a taxa normal (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

kk)  O Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira não impugnou nem recorreu do acórdão de 11-07-2014;

ll)     Em 18-06-2013, a Requerente apresentou na Direcção de Serviços do IVA 16 pedidos de revisão oficiosa dirigidos à Requerida, que incidiram sobre os dezasseis actos de autoliquidação de IVA referentes aos 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2009 e aos meses de Janeiro de 2010 a Janeiro de 2011, inclusive, que dão origem aos presentes autos;

mm)        Em 25-09-2013, a Requerente pediu ao Director de Serviços do IVA que a informasse, ao abrigo do disposto no artigo 67.º da LGT, da fase em que então se encontrava o procedimento e da data previsível para a respectiva conclusão (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

nn)   Por ofício de 04-10-2013, a Requerente foi notificada de que os seus pedidos de revisão oficiosa aguardavam análise, mas que os serviços perspectivavam que a sua conclusão ocorresse ainda durante o mês de Novembro de 2013 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

oo)  Sem que, entretanto, lograsse obter qualquer desenvolvimento, em 30-05-2014 a Requerente pediu novamente ao Director de Serviços do IVA que a informasse da fase em que se encontrava o procedimento e da nova data previsível para a respectiva conclusão (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

pp)  Por ofício de 19-06-2014, a Requerente foi notificada de que os seus pedidos de revisão teriam sido submetidos ao então Director-Geral da AT para sua apreciação/ decisão (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

qq)  Em 23-07-2014, a Requerente promoveu junto da Direcção de Serviços do IVA, e no âmbito do referido procedimento de revisão oficiosa, a remessa ao Director-Geral da AT do atrás referido acórdão de 11 -07-2014, proferido no processo n.º 78/2014-T (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

rr)    Sem que lograsse obter qualquer notícia, em 15-01-2015, a Requerente pediu novamente ao Director de Serviços do IVA que a informasse da fase em que se encontrava o procedimento e da data previsível para a respectiva conclusão (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

ss)   Por ofício de 06-04-2015, a Requerente foi notificada de que os seus 16 pedidos de revisão teriam sido submetidos à Direcção de Serviços de Consultadoria e Contencioso para “efeitos de análise” (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

tt)     Sem que lograsse obter qualquer notícia, em 16-09-2015, a Requerente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que fosse intimada a aqui Requerida a emitir uma decisão expressa sobre os 16 pedidos de revisão oficiosamente na sequência do que, em 17-11-2015, aquele Tribunal intimou a Requerida a praticar os actos de decisão expressa dos 16 pedidos de revisão oficiosa, no prazo de 30 dias (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); s os 16 actos de decisão expressa dos 16 pedidos de revisão

uu)  Nos dias 16 e 17 de Dezembro de 2015, foram praticados os 16 actos de indeferimento expresso dos pedidos de revisão oficiosa, proferidos pela Senhora Directora de Serviços do IVA, que constituem objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, nos seguintes procedimentos de revisão de actos tributários:

– n.º …2013… de 2009;

– n.º … 2013… de 2009;

– n.º …2013… de 2009;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2010;

– n.º …2013… de 2011;

 (documentos n.ºs 1A a 1P juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

vv)  Nos 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2009 e nos meses de Janeiro de 2010 a Janeiro de 2011, inclusive, a Requerente liquidou IVA à taxa normal nos valores que constam do quadro que segue, em que se indicam as diferenças para os montantes que seriam devidos se a liquidação fosse efectuada à taxa normal:

ww)         O apuramento do IVA liquidado nos períodos em referência tem por base os relatórios de facturação da Impugnante relativos ao preço recebido pelos serviços de alojamento turístico nos quais incluiu IVA à taxa normal, que constam dos documentos n.ºs 2A a 2P juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

xx)  Aos referidos relatórios de facturação serviram de suporte as facturas emitidas pela Requerente nos períodos em referência, cujas cópias constam dos documentos n.ºs 3A a 3P, cujos teores se dão como reproduzidos, que se referem a serviços de alojamento no seu estabelecimento referido;

yy)  Nas referidas decisões dos pedidos de revisão oficiosa, cujos teores se dão como reproduzidos, manifesta-se concordância com informações em que se refere, além do mais, o seguinte:

III.4 - Análise

24. Conforme referido na informação n.º …/15, da DSCJC, já referenciada, o enunciado normativo do n.º 4 do artigo 68.º-A da LGT circunscreve os seus efeitos ao denominado direito circulatório da AT, como sejam orientações genéricas, regulamentos ou instrumentos da mesma natureza, cujo carácter é geral e abstrato.

25. Ou seja, a norma em questão não se reporta a quaisquer decisões a proferir pela AT no âmbito de procedimentos administrativos em que esteja em causa a aplicação do direito a um caso concreto.

26. Por outro lado, o preceito legal em referência alude somente a tribunais superiores, devendo ter-se em conta o disposto nos artigos 210.º e 212.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), "(...) de onde decorre, respectivamente, que o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais e que o Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional (conforme consta no ponto 9 da informação n.º …/15, da DSCJC, já referenciada).

27. Ainda que interpretação distinta se retirasse do preceito normativo do n.º 4 do artigo 68.º-A da LGT, sempre se teria de concluir que o acórdão Arbitral proferido no processo n.º 117/2012-T não é suscetível de condicionar a decisão a tomar no caso em apreço, levando, sem mais, à pretendida anulação do ato tributário.

28. Com efeito, a matéria de facto que sustenta a referida decisão do Tribunal Arbitral é diferente da que se apura no presente procedimento tributário.

29. Na predita decisão do Tribunal Arbitral, estava em crise o imposto autoliquidado e suportado pela ora Requerente, com referência aos períodos de 201102 e 201103, na sequência da informação vinculativa que lhe foi prestada, pela Direção de Serviços do IVA, em 2011-09-29, no processo n.º…, em que se fixou o entendimento de que os serviços prestados a membros do Clube eram sujeitos a IVA â taxa normal e não à taxa reduzida.

30. Ou seja, com referência aos períodos 201102 e 201103, a Requerente liquidou o imposto, com base na taxa reduzida, e foi esse imposto que repercutiu aos seus clientes, nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do Código do IVA. Posteriormente, procedeu a uma regularização de IVA a favor do Estado, perante o entendimento da Administração Fiscal de que se mostrava devido imposto à taxa normal. Foi apenas esta regularização que veio a ser anulada.

31. Portanto, as liquidações de IVA que o Tribunal Arbitral decidiu anular respeitavam a imposto que foi suportado pela Requerente e não a imposto que legalmente tivesse sido repercutido a terceiros.

32. Ao invés, no caso dos presentes autos, o imposto foi liquidado nas faturas emitidas aos clientes, que eram membros do Clube, por iniciativa da Requerente. A taxa considerada, para o efeito, foi a taxa normal, que a Administração Fiscal, somente em 2011, veio confirmar como sendo devida.

33. Note-se que não foi entregue qualquer declaração de substituição, para o período em análise, conforme se constata através da aplicação informática do IVA, o que permite concluir que não se trata de imposto resultante de qualquer regularização a favor do Estado.

34. Isto é, não se trata de IVA suportado pela Requerente, mas de imposto que esta repercutiu e recebeu dos seus clientes. Esse imposto foi liquidado à taxa normal, mas quem o suportou não foi a Requerente, mas antes os seus clientes.

35. Assim sendo, afigura-se-nos que, ainda que se venha a alterar o entendimento da informação vinculativa supra referida, daí não resultará qualquer direito de anulação do ato tributário que aqui se reclama.

36. O artigo 97.º, n.º 3, do Código do IVA, determina que "as liquidações só podem ser anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na fatura passada ao adquirente nos termos do artigo 37.º.

37. De facto, a considerar-se que é aplicável a taxa reduzida aos serviços faturados aos membros do Clube, a única solução legal para o caso seria uma regularização de imposto, ao abrigo do disposto no artigo 78 º do Código do IVA.

38. O n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA determina que, "nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos".

39. Para esse efeito, o n.º 5 do mesmo artigo estabelece que, "quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução".

40. Conforme anotações do então Núcleo do IVA, "no caso de o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, deverá o sujeito passivo estar habilitado a provar que reembolsou o adquirente, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução".

41. Não se provando, no presente processo, que a Requerente atuou em conformidade com as mencionadas disposições do artigo 78.º do Código do IVA, dentro do prazo legal de dois anos, conclui-se que o presente pedido de revisão dos atos tributários não poderá ser aceite, por falta de base legal.

42. Neste mesmo sentido, pode ver-se o acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo n.º 63/2015-T, cuja decisão foi favorável à AT, e em que também, nesse caso, um sujeito passivo, operador do mesmo ramo de atividade da ora Requerente, liquidou IVA à taxa normal sobre o valor do pagamento anual faturado pela Requerente a clientes que eram membros do respetivo clube.

43. No referido acórdão arbitrai, o coletivo conclui que, "(...) para que fosse possível anularas autoliquidações em questão, era necessário que as facturas emitidas pela Requerente, nas quais esta, confessadamente inclui 23% de IVA, fossem corrigidas, nos termos legais, para que passasse a constar das mesmas a taxa que aquela entende correcta, ou seja, 6%, bem como o correspondente montante de imposto, decorrente da aplicação desta taxa, ao valor tributável da operação".

44. Mais conclui o mesmo acórdão Arbitral que, "Não se verificando tais requisitos (dos artigos 29.º/7, 97.º/3, e 78º/1, todos do CIVA), inexistem fundamentos legais para a anulação das autoliquidações em questão, que se verificam efectuadas em conformidade com as normas que a regulam".

45. Não obsta a tal conclusão, conforme realça o Coletivo, "(...) a circunstância - não discutida no caso - de as operações em causa serem tributáveis à taxa de 6%, e não à taxa, facturada pela Requerente, de 23%. Com efeito, daí resulta, não a ilegalidade das autoliquidações efectuadas pela Requerente nas declarações a que alude o artigo 29.º/1/c) do CIVA, mas das liquidações efectuadas pela própria Requerente nas facturas que emitiu, em cumprimento do disposto no artigo 37.º/1 do CIVA, liquidações essa cuja correcção se impunha à própria requerente, nos termos atrás expostos".

46. Com efeito, e citando o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA Sul), de 2000-07-04, no processo n.º 1525/98:

"1. A dívida de IVA de cada sujeito passivo é encontrada deduzindo da totalidade do imposto mencionado nas facturas processada aos seus clientes o imposto suportado nas facturas de aquisição de bens e serviços destinados à sua produção, tudo reportado a um certo período de tempo;

2. Se houver alteração do valor tributável dos bens ou serviços pode o sujeito passivo proceder à sua rectificação, sendo a mesma facultativa se o imposto mencionado na factura for superior, e obrigatória, se tal imposto for inferior:

3. Em caso de imposto mencionado na factura de montante superior ao devido, enquanto não for rectificado, é o mesmo devido, cabendo à AF fiscal a sua liquidação adicional, no caso de o sujeito passivo o não fizer:

4. (...);

IV - DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA

47. Nos termos da alínea a) do ponto 3 da Circular n.º 13, de 1999-07-08, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, pode haver dispensa de audiência dos contribuintes quando administração tributária apenas aprecie os factos que lhe foram dados por estes, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso.

48. Verificando-se que a administração se limita a concluir, face aos elementos invocados pela Requerente e a legislação aplicável, pela improcedência do presente pedido de revisão dos atos tributários, somos de parecer que é de dispensar a audição prévia.

V-CONCLUSÃO

49. Tendo em consideração o exposto, propõe-se o indeferimento do presente pedido de revisão dos atos tributários.

 

zz)  Em 17-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e que constam do processo administrativo, que foram afirmados pela Requerente e não são questionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Matéria de direito

 

           

3.1. Questões que são objecto do processo

 

É defendido pela Requerente e aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2009 e nos meses de Janeiro de 2010 a Janeiro de 2011, inclusive, o IVA foi liquidado pela Requerente aos membros do clube A… à taxa normal.

No entanto, tratando-se de serviços de alojamento em estabelecimento de tipo hoteleiro, era aplicável a taxa reduzida, de harmonia com o preceituado na verba 2.17 da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), em conjugação com o artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, o que tem suporte no ponto 12 do Anexo III da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que reconhece aos Estados-membros da União Europeia a faculdade de aplicar uma taxa reduzida ao “alojamento em hotéis e estabelecimentos do mesmo tipo, incluindo alojamento de férias e utilização de parques de campismo e de caravanismo”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, nas decisões dos pedidos de revisão oficiosa, não baseou o indeferimento em discordância em relação à tese da Requerente de que deveria ser aplicada a taxa reduzida, mas sim, em suma, no seguinte:

– não se trata de IVA suportado pela Requerente, mas de imposto que esta repercutiu e recebeu dos seus clientes;

– o artigo 97.º, n.º 3, do Código do IVA, determina que “as liquidações só podem ser anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na factura passada ao adquirente nos termos do artigo 37.º”;

– a considerar-se que é aplicável a taxa reduzida aos serviços facturados aos membros do Clube, a única solução legal para o caso seria uma regularização de imposto, ao abrigo do disposto no artigo 78.º do Código do IVA;

– o n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA determina que, "nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos";

– o n.º 5 do mesmo artigo estabelece que, "quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução”;

– no caso de o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, deverá o sujeito passivo estar habilitado a provar que reembolsou o adquirente, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução;

– não se provando, no presente processo, que a Requerente actuou em conformidade com as mencionadas disposições do artigo 78.º do Código do IVA, dentro do prazo legal de dois anos, conclui-se que o presente pedido de revisão dos actos tributários não poderá ser aceite, por falta de base legal.

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, a legalidade dos actos têm de ser apreciada à face da sua fundamentação, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )

Também por isso, o facto de ter sido proferida uma decisão arbitral, transitada, em julgado, no processo n.º 78/2014-T, sobre a mesma situação jurídica substantiva, relativamente a um determinado período de tempo actividade, não implica para Autoridade Tributária e Aduaneira a obrigação de acatar o entendimento perfilhado nessa decisão arbitral relativamente a outros períodos de tempo, mesmo que adopte a fundamentação que foi considerada ilegal, pois a força obrigatória daquela decisão restringe-se aos actos que dela foram objecto, nos termos e com a fundamentação com que foram praticados. Designadamente, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, não há «ligação causa-efeito entre os diferentes actos tributários, no sentido de que a anulação de um tenha de se repercutir necessariamente na validade do outro».

Para além disso, no caso em apreço, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, invoca fundamentos que não foram invocados nas decisões que foram objecto do processo n. 78/2014-T.

Na verdade, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa que foi objecto imediato do processo n.º 78/2014-T, foi invocado apenas como fundamento de indeferimento que no período em causa «o contribuinte entregou, ao Estado, o IVA cobrado à taxa Normal aos seus membros do clube, razão pela qual, não tendo suportado qualquer IVA adicional, também não terá direito à restituição ou dedução de qualquer quantia, uma vez que se limitou a entregar o imposto cobrado aos seus clientes, e não se conhecem, de conformidade com a informação dos Serviços de Inspecção, já atrás referida, lançamentos contabilísticos referentes a regularizações a favor do sujeito passivo (pela rectificação do imposto para menos), nem foram cumpridos os requisitos exigidos pelo art. 78º, nomeadamente no seu nº 5, do CIVA».

O Tribunal Arbitral, nesse processo n.º 78/2014-T, entendeu, em suma, que tinha sido a Requerente quem tinha suportado o IVA e, feita essa prova, não havia obstáculo a que fosse reembolsada do que havia isso liquidado em excesso nem havia lugar à aplicação do regime do artigo 78.º, n.º 5, do CIVA.

No caso em apreço no presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca outros fundamentos, pelo que é à face da fundamentação invocada que há que apreciar a legalidade das decisões dos pedidos de revisão oficiosa, tendo presente que, quando num acto de natureza administrativa ou tributária são invocados vários fundamentos autónomos de indeferimento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade do indeferimento, basta que um deles tenha fundamento legal, pois «o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto». ( [2] )

Assim, importa apreciar todos os fundamentos invocados.

Como se está perante um imposto de génese europeia e sujeito a regulamentação da União Europeia, é de acatar a jurisprudência do TJUE sobre esta matéria, o que é corolário da obrigatoriedade do reenvio prejudicial, prevista no § 3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, se for necessário, será de efectuar reenvio, como pede a Requerente.

 

 

3.2. Apreciação da questão

 

Pelo que se referiu, é ponto assente, que não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que as autoliquidações cuja revisão oficiosa foi pedida pela Requerente enfermam efectivamente de ilegalidade.

 

 

3.2.1. O obstáculo ao deferimento derivado de o IVA ter sido repercutido aos clientes da Requerente

 

O primeiro argumento utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para indeferir os pedidos de revisão oficiosa é o de que não se trata de IVA suportado pela Requerente, mas de imposto que esta repercutiu e recebeu dos seus clientes.

Como se vê pela decisão do pedido de revisão oficiosa, o fundamento jurídico deste entendimento será o artigo 97.º, n.º 3, do CIVA que estabelece que “as liquidações só podem ser anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na factura passada ao adquirente nos termos do artigo 37.º”.

Este obstáculo ao deferimento do pedido de revisão oficiosa baseia-se no possível enriquecimento que o direito a receber o IVA que foi incluído nas facturas pagas pelos clientes poderá gerar para a Requerente.

Mas, se é certo que há situações deste tipo em que se pode configurar uma situação de enriquecimento sem causa que justifica o não reconhecimento de legitimidade para impugnar liquidações de tributos repercutidos em terceiros, também há situações em que isso não sucede e normalmente não sucederá.

Como bem demonstram FRANCISCO GERALDES SIMÕES e JOÃO G. GIL FIGUEIRA, em «A Repercussão do IVA indevido e o Empobrecimento sem Causa» ( [3] ), a incidência económica do IVA na prestação de serviços não coincide com a sua incidência jurídica, pois os agentes económicos tenderão a praticar o preço máximo acrescido do imposto que a maior parte da sua clientela aceite pagar, sendo o preço final com o imposto incluído o que lhes permita optimizar os seus rendimentos.

Assim, como referem aqueles Autores:

– «o preço estabelecido pelo sujeito passivo junto dos seu clientes finais pelos serviços que lhes presta ou pelos bens que lhes transmite é, sempre, um preço final, naturalmente com IVA incluído» e «qualquer imposto apurado, quer se mostre ou não devido, acha-se contido e incorporado nesse preço e corre por conta e risco do sujeito passivo e não dos respectivos consumidores»;

– «se liquidar imposto superior ao devido, o sujeito passivo verá a sua margem reduzir-se ou a sua clientela desvanecer-se; se liquidar imposto inferior ao devido, o sujeito passivo terá de suportar a parcela adicional, sem que a possa exigir do seu cliente»;

– «o IVA indevidamente incluído no preço será sempre "suportado" pelo sujeito passivo, seja mediante redução da sua margem, seja mediante redução das suas vendas. Não se queira atribuir ao Estado a fatia do imposto liquidado em excesso com o argumento de que a sua devolução ao sujeito passivo implicaria o seu enriquecimento sem causa»;

– «não se queira ficcionar que o sujeito passivo pode (...) preservar as bases incluídas na sua remuneração tributada a 13 % e acrescer-lhes o imposto de 23%, sem que isso provoque qualquer consequência no seu negócio».

 

É sabido que o direito tributário importa mais a realidade económica do que a realidade jurídica, como se infere do princípio interpretativo enunciado no artigo 11.º, n.º 3, da LGT e é corolário do princípio constitucional na igualdade na repartição dos encargos públicos (artigo 13.º da CRP).

Por isso, a norma do artigo 97.º, n.º 3, do CIVA, que se justifica para obstar a que ocorra um enriquecimento sem causa do sujeito passivo que não suportou o IVA, deve ser interpretada restritivamente, em consonância com os limites da sua ratio legis ( [4] ), como aplicando-se apenas aos casos em que se demonstrar que, recebendo o IVA incluído em facturas, o sujeito passivo obtém um enriquecimento injustificado.

É, aliás, essencialmente neste sentido que tem vindo a pronunciar-se o TJUE, como pode ver-se pelo acórdão de 18-05-2013, proferido no processo n.º c-191/12 (Alakor Gabonatermelő és Forgalmazó Kft), que especificamente sobre IVA reafirma a jurisprudência anterior sobre esta matéria, designadamente do acórdão de 19 de Julho de 2012, Littlewoods Retail, processo n.º C-591/10 e jurisprudência aí referida no seu ponto 24.

Refere-se neste acórdão Alakor:

 

22      Importa recordar, a este respeito, que resulta de jurisprudência constante que o direito a obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado-Membro em violação das regras do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos às pessoas pelas disposições do direito da União, tal como têm sido interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Os Estados-Membros são, assim, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União (v., designadamente, acórdão de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o., C-591/10, n.º 24 e jurisprudência referida). ( [5] ).

23      Portanto, o Estado-Membro deve, em princípio, reembolsar a totalidade do IVA que o sujeito passivo tenha sido impedido de deduzir em violação do direito da União.

 24      Daqui decorre que o direito à repetição do indevido destina-se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efetivamente (acórdão de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer-Danfoss, C-94/10, Colet., p. I-9963, n.º 23).

 25      Todavia, por via de exceção, essa restituição pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito. A proteção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica da União não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente sobre outras pessoas (acórdão de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o., C-398/09, Colet., p. I-7375, n.º 18).

 26      Na falta de regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever em que condições podem ser efetuados, sem prejuízo, porém, do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade (acórdão Danfoss e Sauer-Danfoss, já referido, n.º 24 e jurisprudência referida).

 27      A este respeito, tendo em conta a finalidade do direito à repetição do indevido, como recordada no n.º 24 do presente acórdão, o respeito do princípio da efetividade manda que as condições de exercício da ação de repetição do indevido sejam fixadas pelos Estados-Membros de acordo com o princípio da autonomia processual, de forma a que o encargo económico do imposto indevido possa ser neutralizado (acórdão Danfoss e Sauer-Danfoss, já referido, n.º 25).

 (...)

30      A questão de saber se o reembolso reclamado no litígio no processo principal visa unicamente neutralizar o encargo económico do imposto indevido ou conduziria, em contrapartida, a um enriquecimento sem causa do sujeito passivo constitui uma questão de facto que está abrangida pela competência do juiz nacional, o qual aprecia livremente os elementos de prova que lhe são submetidos no final de uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes (v., neste sentido, acórdão de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e, p.  C-147/01, Colet., p. I-11365, n.ºs 96 e 100). ( [6] )

 

 

Assim, é de concluir que o artigo 97.º, n.º 3, do CIVA, é incompatível com o direito comunitário se interpretado como uma proibição absoluta de reembolso do IVA pago indevidamente ou como consagrando uma presunção inilidível de enriquecimento sem causa.

Havendo jurisprudência explícita do TJUE sobre IVA e que se afirma constante (ponto 22 transcrito), ela deve ser aplicada.

Assim, é de concluir que o artigo 97.º, n.º 3, do CIVA, é incompatível com o direito comunitário se interpretado como impedindo o reembolso do imposto pago indevidamente apenas por ter sido formalmente repercutido a terceiros ou com contendo uma presunção inilidível de enriquecimento.

No contexto fáctico descrito pela Requerente, que não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, foi ela quem acabou por suportar a diferença entre o IVA à taxa normal e o IVA à taxa reduzida, nos períodos em causa.

Na verdade, a Requerente cobrava a todos os seus clientes um preço idêntico, com IVA incluído, o que se reconduzia a que, quando indevidamente liquidava o IVA à taxa normal, a Requerente obtinha pelos serviços prestados um rendimento inferior ao que auferia quando aplicava a taxa reduzida.

De qualquer forma, está-se, pelo menos, perante uma situação de dúvida fundada sobre a repercussão do IVA a terceiros, que deve ser valorada processualmente a favor da Requerente, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.

Nestas circunstâncias, tem de se concluir que para efeitos do presente processo, que as consequências da ilegalidade da liquidação de IVA recaíram sobre a Requerente e não sobre os membros do clube a quem cobrou IVA à taxa normal, pois estes membros beneficiaram de uma diminuição do rendimento da Requerente, em medida igual à diferença entre a taxa normal e a taxa reduzida de IVA, para que o preço que pagaram pelos serviços não excedesse o que era pago pelo público em geral, relativamente aos mesmos serviços.

Sendo assim, a restituição à Requerente, como consequência da ilegalidade da liquidação, do valor do IVA suportado em excesso não implicará uma situação de enriquecimento sem causa, pois, apesar da aparente repercussão desse excesso nos clientes membros do clube, a realidade é a de que foi a Requerente que o suportou, o que se torna patente quando se constata que o preço pago pelos membros do clube era anual e fixo, não tendo sido alterado nos meses em que a Requerente passou a liquidar IVA à taxa reduzida a todos os clientes.

 

3.2.2. O obstáculo ao deferimento derivado de não ter sido efectuada rectificação das facturas, nos termos do artigo 78.º, n.ºs 3 e 5, do CIVA.

 

O n.º 7 do artigo 29.º do CIVA estabelece que «quando o valor tributável de uma operação ou imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexactidão, deve ser emitido documento rectificativo de factura».

O n.º 3 do artigo 78.º do CIVA estabelece que, "nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos".

O n.º 5 do mesmo artigo 78.º estabelece que, "quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução”.

No caso em apreço, a Requerente não procedeu à regularização de facturas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu nas decisões dos pedidos de revisão oficiosa que «no caso de o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, deverá o sujeito passivo estar habilitado a provar que reembolsou o adquirente, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução» e que «não se provando, no presente processo, que a Requerente actuou em conformidade com as mencionadas disposições do artigo 78.º do Código do IVA, dentro do prazo legal de dois anos, conclui-se que o presente pedido de revisão dos actos tributários não poderá ser aceite, por falta de base legal».

A Requerente defende que não se está perante uma situação de «facturas inexactas» enquadrável no artigo 78.º, n.º 3, do CIVA, defendendo que este conceito abrange os casos de erros materiais e não a erros de enquadramento jurídico e que, não sendo aplicável o regime daquela norma, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, o qual estipula um limite de quatro anos, para a revisão oficiosa e exercício do direito ao reembolso de imposto entregue em excesso.

Não existe uma definição legal do conceito de «facturas inexactas», utilizado no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, mas a terminologia utilizada aponta manifestamente no sentido de se ter em vista a veracidade dos elementos que devem constar das facturas, nos termos do artigo 36.º, e não as questões de enquadramento jurídico, normalmente de solução complexa dependente da aplicação de conhecimentos jurídicos profundos, que não se compagina com imposição de resolução adequada pela generalidade dos sujeitos passivos de IVA.

Para além disso, no caso em apreço, foi a própria Autoridade Tributária e Aduaneira que indicou em decisões administrativas o entendimento jurídico a adoptar sobre a taxa a aplicar, que confirmou em informação vinculativa, especialmente emitida para a situação em apreço, pelo que não é concebível, à face de uma perspectiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico e o direito constitucionalmente reconhecido à impugnação contenciosa de todos os actos lesivos, inerente ao direito fundamental à tutela judicial efectiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP) que a lei preveja, concomitantemente, o dever de a Autoridade Tributária e Aduaneira informar os contribuintes sobre as suas obrigações [artigo 59.º, n. 1, alínea m), da LGT] e, como condição para impugnar, lhe imponha que actue em dissonância com o que é informado, praticando o que, na perspectiva da Autoridade Tributária e Aduaneira, é uma ilegalidade.

Se a lei prevê a obrigação de a Autoridade Tributária e Aduaneira informar os contribuintes sobre os seus deveres tributários, não pode penalizar os cidadãos cumpridores com a perda de um direito constitucionalmente reconhecido pelo facto de actuarem em sintonia com o informado, nem é concebível à face do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP) que os cidadãos tenham de praticar actos que a Administração entende ilegais, sujeitando-se às consequências negativas que daí decorrem, para assegurarem os direitos constitucionais.

Assim, para além de o artigo 78.º, n.º 3, do CIVA não ter aplicação nos casos em que o contribuinte entende que há um erro sobre o regime jurídico aplicável, a falta de regularização de facturas não pode ser uma obstáculo à revisão oficiosa prevista no artigo 98.º, como, aliás, resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 98.º ao estabelecer «quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária».

Na situação em apreço, em que é de considerar provado que foi a Requerente que suportou o IVA liquidado indevidamente, não há lugar à exigência feita no artigo 78.º, n.º 5, do CIVA, que estabelece que, quando o «imposto sofrer rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução».

Na verdade, as normas sobre a rectificação de facturas aplicam-se nos casos em que as rectificações são efectuadas pelo próprio sujeito passivo, o que não sucedeu.

Mas, se o sujeito passivo não fizer a rectificação, favorável ou desfavorável aos seus interesses, não há obstáculo, num Estado de Direito, a que seja reposta a legalidade a favor ou contra o erário público, através de decisão administrativa ou jurisdicional.

As regras sobre correcção da inexactidão das facturas, «a emissão de notas de crédito e de novas facturas (com os campos do valor tributável e imposto devido correctos face à nova taxa aplicável), nos termos dos artigos 29.º, n.º 1 e 7, 36.º, 44.º, 45.º e 78.º do Código do IVA», que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere na sua Resposta, aplicam-se nessas situações em que o sujeito passivo tem a iniciativa da correcção, mas não nos casos em que o juízo sobre a existência de uma situação irregular é reconhecida por via administrativa ou jurisdicional, situações em que a constatação da ilegalidade tem como corolário a reconstituição da situação tributária substantiva que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado [artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT], independentemente de o adquirente dos bens ou serviços ter conhecimento da existência de uma ilegalidade e de terem sido emitidas novas facturas ou outros documentos ou ser efectuada correcção contabilística, tanto nos casos em que houve liquidação de imposto a menos, como nos casos em que foi liquidado em excesso.

Assim, numa situação em que é pedida pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária e Aduaneira a revisão oficiosa de actos de autoliquidação de IVA, o que esta em causa, a face do artigo 98.º, n.º 1, do CIVA, é verificar se foi ou não liquidado imposto superior ao devido por motivos imputáveis aos serviços: se se constatar que foi liquidado imposto superior ao devido e a liquidação indevida foi efectuada por motivos imputáveis aos serviços, «procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária», como impõem os termos imperativos daquele n.º 1 do artigo 98.º do CIVA, independentemente da rectificação de facturas e elementos contabilísticos.

Quanto às regras sobre a dedução de IVA invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, não têm relevância para apreciação do caso dos autos, pois não se está perante uma pretensão de exercício de direito a dedução pela Requerente.

Este regime tem evidente razoabilidade e justiça, pois, se um erro que prejudicou o contribuinte é imputável à Administração Tributária, deverá ser o Estado a suportar as consequências desse erro dos seus funcionários ou agentes e não o contribuinte, a quem ele não é imputável, o que está em consonância com o direito fundamental à reparação dos prejuízos provocados por acções ou omissões praticadas no exercício de funções públicas e por causa desse exercício proclamado pelo artigo 22.º da CRP.

No caso em apreço, a evidência da prevalência destes direitos constitucionais sobre os interesses pecuniários do Estado é realçada pelo facto de nem se estar perante um caso de ficção legal de imputabilidade dos erros à Administração Tributária, como se previa no n.º 2 do artigo 78.º da LGT (revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), mas sim perante uma situação em que foi a própria Administração Tributária que, através de decisões administrativas, induziu os contribuintes a adoptarem o comportamento errado na emissão das facturas.

Assim, é de concluir, como resulta linearmente do n.º 1 do artigo 98.º do CIVA, que o direito à revisão oficiosa de actos de liquidação de IVA que tiveram como efeito que, «por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido» não é condicionado pela regularização de facturas prevista no artigo 78.º, n.º 3, do mesmo Código. ( [7] )

Assim, numa perspectiva que tenha em mente o direito constitucional à tutela judicial efectiva, não pode deixar de se concluir que, mesmo que se entendesse que a expressão «facturas inexactas» abrangia as situações de erro de enquadramento jurídico, o não uso dos meios previstos no artigo 78.º, n.ºs 3 a 6, não afastaria nem o dever de a Administração Tributária efectuar a revisão oficiosa numa situação em que, por erro que lhe é imputável, foi liquidado IVA em montante superior ao devido, nem o direito da Requerente à impugnação contenciosa.

Por isso, não procede este fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para indeferir os pedidos de revisão oficiosa.

 

3.3. Pedido de reenvio

 

O artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece a competência do TJUE, relativamente às decisões sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, preceituando que «sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie».

Como tem vindo a entender o TJUE, quando a interpretação do Direito da União Europeia resulta já de decisões anteriores não é necessário proceder a essa consulta. A

Assim, no acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, proferido no processo n.º C-283/81, o TJUE entendeu que há que fazer o reenvio prejudicial quando a questão for impertinente, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia, mesmo quando as questões a apreciar não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado), e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro).    

No caso em apreço, resulta já das decisões do TJUE que se citaram o regime aplicável ao direito a reembolso de imposto indevidamente pago em situações em que não se demonstra que daí resulta um enriquecimento sem causa do sujeito passivo, designadamente em matéria de IVA.

Por outro lado, relativamente à regra do ónus da prova a aplicar quanto à verificação ou não de uma situação de enriquecimento indevido, não se torna necessário efectuar reenvio, pois, no cas em apreço, a prova produzida permite concluir que o reembolso do IVA indevidamente pago não provoca uma situação de enriquecimento da Requerente, o que se infere do facto de aplicar um preço único aos seus clientes pelos mesmos serviços, independentemente de a taxa ser a normal (aplicada aos membros do clube) ou a reduzida (aplicada ao público em geral).

Por isso, não se está perante uma situação de non liquet quanto a este ponto, do que decorre não ser necessário para a decisão da causa efectuar o reenvio sobre a regra do ónus da prova a aplicar.

Pelo exposto, não se justifica efectuar o reenvio prejudicial o TJUE.

 

4. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar improcedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

c)      Declarar a ilegalidade parcial dos actos de autoliquidação de IVA praticados pela Requerente no período de Setembro de 2001 a Abril de 2013, na parte em que foi liquidado IVA à taxa normal em vez de IVA à taxa reduzida, no valor global de € 771.212.06;

d)      Declarar a ilegalidade da decisão do despacho de 01-11-2013, que indeferiu a reclamação graciosa n.º …2013… .

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 771.212.06.

 

Lisboa, 07-12-2016

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

 

 

(João Taborda da Gama)

 

 

 

 

(António Carlos dos Santos)

(vencido conforme declaração junta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO

 

Indicar, ainda que de forma sucinta, as razões do meu voto discordante, implica, de algum modo, regressar aos fundamentos do IVA, pois, em meu entender e salvo melhor opinião, eles são postos em causa pela presente impugnação. É o que tentarei fazer de seguida.

 

O IVA é um imposto sobre o consumo, baseado num modelo europeu, caracterizado por uma forte intensidade harmonizadora, que visa principalmente tributar o consumidor final e não o consumo intermédio. Este facto é inerente à própria lógica de funcionamento do IVA que não pretende ser um imposto sobre lucros, mas sobre a despesa. Por isso, a Diretiva de Consolidação do IVA n.º 2006/112/CE, de 28.11 (DCIVA) obriga a que, na fatura, figure o valor tributável para cada taxa ou isenção, a taxa do IVA aplicável e o montante do IVA a pagar (art. 226, n.ºs 8 a 10). Como obriga à entrega à Administração Tributária (AT) do IVA mencionado na fatura (art. 203.º da DCIVA), seja ele devido ou indevido. Por sua vez, o Código do IVA (CIVA) precisa que as pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente o IVA em fatura são sujeitos passivos do imposto (2/1/c CIVA). O IVA indevidamente liquidado em fatura é pois de entrega obrigatória.

O cálculo subjacente à liquidação de IVA pressupõe assim um valor tributável, uma alíquota aplicável ("normal" ou "reduzida"), bem como, no caso de sujeitos passivos (em sentido amplo, englobando o que a DCIVA designa de devedor de imposto) a dedução do IVA suportado a montante. A DCIVA prevê um direito geral dos sujeitos passivos à regularização da dedução de imposto (art. 184.º), sendo o regime desta regularização delineado pelos EM. O que não prevê é um direito geral de regularização do imposto liquidado em excesso, apenas contemplando algumas situações concretas (e só essas) de regularização no seu artigo 90.º cujo teor é o seguinte: "Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros". Note-se que a norma diz respeito ao valor tributável e não às taxas de imposto. Facto que se compreende pois o IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura (203.º DCIVA).[8]

Isto é assim porque, no modelo europeu, o IVA - nunca é demais repetir -  foi desde sempre concebido como um imposto geral sobre o consumo, apto para ser aplicado até ao estádio do comércio a retalho, inclusive. Este imposto, tal como é caraterizado no n.º 2 do art. 1.º da DCIVA, na esteira da Segunda Diretiva do IVA de 1967, é exatamente "proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação". O IVA cobrado não depende pois do tamanho da cadeia de operações: o montante a arrecadar pelo Estado corresponde à aplicação da taxa aplicável na última operação (venda a retalho) ao valor dos bens ou serviços em causa (neutralidade). Para que isso seja possível, o IVA, ao contrário dos impostos plurifásicos em cascata, assenta no direito à dedução: "Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço".

Por outras palavras: o IVA não é, nem tem vocação para ser, um imposto direto sobre as empresas, não é, no modelo europeu, um imposto sobre os lucros. É um imposto indireto porque integra o preço dos bens e serviços e, por isso, de acordo com o critério da contabilidade nacional, é deduzido ao produto nacional para apuramento do rendimento nacional. É ainda um imposto indireto porque, enquanto imposto geral de consumo, o IVA é objeto de repercussão no preço dos bens e serviços fornecidos ao adquirente final destes. Repercussão esta que não é um fenómeno meramente económico (como, por exemplo, ocorre no IRC), mas um fenómeno jurídico querido pelo próprio legislador comunitário. Em síntese: a repercussão é uma questão de direito e não de facto, inerente à própria lógica do IVA como imposto geral de consumo que tem em vista, em última instância, tributar o consumidor final e não o consumo intermédio e, muito menos, os lucros dos operadores económicos, sujeitos passivos de IVA.

Existe, com efeito, uma obrigação formal de repercussão do IVA em quase todas as operações tributáveis. Entre nós, ela está expressamente consagrada no artigo 37.º, n.º 1, do Código do IVA (CIVA), nos seguintes termos: "A importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços". Esta obrigação está em conformidade com o disposto no art. 226.º, n.º 10 da DCIVA, o qual impõe que nas faturas conste "o montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção" e também com o disposto nos nºs 8 a 10 do artigo 226.º da mesma diretiva que obriga a que, na fatura, figure o valor tributável para cada taxa ou isenção, a taxa do IVA aplicável e o montante do IVA a pagar. Como obriga a entregar à Administração Tributária (AT) o IVA mencionado na fatura (art. 203.º da DCIVA), seja ele devido ou indevido. Facto que é objeto de precisão pelo CIVA ao estatuir que as pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente o IVA em fatura são sujeitos passivos do imposto (2/1/c CIVA). O IVA indevidamente liquidado em fatura, seja porque motivo for (incluindo naturalmente a aplicação de taxa superior à devida), é, pois, de entrega obrigatória. Compreende-se que assim seja, pois o IVA é um imposto indireto cuja vocação é ser repercutido no consumidor final.[9]

Daqui pode, desde já, concluir-se que a liquidação efetuada pela Impugnante na fatura e a declaração mensal entregue junto da AT (a que alude o art. 29.º, n.º 1, al. c) do CIVA), não sofrem de ilegalidade, o mesmo ocorrendo com a arrecadação de imposto operada pela AT. Pelo contrário: a sua exigência é inerente à natureza e à lógica de funcionamento do próprio imposto. Esta posição foi, aliás, bem expressa na decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 63/2015 (relativo a erros na faturação), para cujos fundamentos se remete,[10]  e no acórdão do TCA- Sul, de 04.07.2000, onde expressamente se refere que "em caso de imposto mencionado na fatura de montante superior ao devido, enquanto não for retificado, é o mesmo devido, cabendo à Administração Fiscal a sua liquidação adicional, no caso de o sujeito passivo o não fizer".

Sérgio Vasques sintetiza bem as razões deste entendimento: "A repercussão constitui um mecanismo essencial à boa gestão dos impostos indiretos e a uma distribuição neutra e equitativa dos encargos tributários que estes encerram. Com efeito, a função típica dos impostos indiretos está em onerar o comprador, e não o vendedor, pois numa transação é o gasto do comprador o que revela a capacidade contributiva".[11] De facto - acrescenta o mesmo autor (ibidem) - "o modus operandi dos impostos indiretos assenta num juízo de probabilidade quanto à repercussão, em que o legislador não só admite como pretende e presume que o peso do imposto seja transferido por parte do vendedor para o comprador". Presunção esta com reflexos não apenas em sede de liquidação, mas também em sede de dedução e de isenções de imposto que, sublinha ainda pertinentemente o mesmo autor, "só fazem sentido quando se presuma que o encargo do imposto é repercutido pelo vendedor ao comprador" (op. cit, p. 386, n. 15).  O TJUE tem, aliás, assumido a juridicidade da repercussão ao afirmar em várias decisões suas que o IVA está construído de modo a que "a carga final do imposto seja, em definitivo, suportada pelo consumidor" (Ac. Banca Popolare di Cremona, C-475/03, de 03.10.2006, em especial nºs 28 e 32 a 35).

A repercussão jurídica (ou legal) não se confunde com a repercussão económica do imposto. Em rigor, esta (ou a sua ausência) é uma questão de facto: ela depende, no plano micro, das estratégias de negócio, incluindo as de marketing, dos agentes económicos em busca do maior lucro possível e, no plano macro, da elasticidade da procura. Existe na lei comunitária e nacional uma obrigação formal de repercussão que aspira transformar-se em obrigação material de repercussão, de forma a garantir que sejam os adquirentes de bens e destinatários de serviços (isto é, os repercutidos que podem ou não ser sujeitos passivos de IVA) a suportarem o valor do imposto (Ac. de 24.10.1996 do TJUE, proc. C-371/94 Elida Gibbs). O mecanismo previsto para tal é a exigência do IVA mencionado (ainda que indevidamente) na fatura, sem o que, aliás, o sujeito passivo (na prática um intermediário na arrecadação do imposto) não poderá exigir do repercutido o montante do imposto liquidado.[12] Este mecanismo visa garantir que o IVA seja, de facto, um imposto sobre o consumo e não sobre o rendimento, nomeadamente um imposto sobre os lucros. Por isso, repete-se, se uma pessoa singular ou coletiva mencionar indevidamente o IVA em fatura, tal facto constitui-o automaticamente em sujeito passivo de imposto (art. 2.º, n.º 1, al. c)), com a consequência daí decorrente: deve entregar ao Estado o IVA liquidado, mesmo que esse IVA seja indevido, porventura inexistente. [13]

É certo que a repercussão (formal) em sede de IVA, tendo embora natureza jurídica, pode na prática não se verificar, devido, como se disse anteriormente, a condições de mercado ou a estratégias de vendas e de marketing dos operadores económicos que podem, segundo os casos, serem forçados ou preferirem suportar, eles mesmos, o imposto sem o repercutirem no consumidor. Se este for um consumidor final, sem direito à dedução, tudo se passará, para a Administração, como se fosse este último a suportá-lo. Caso se trate do consumo intermédio de um sujeito passivo, este mantém, em princípio, o direito à dedução, mesmo não suportando o encargo do imposto. O Estado (e a União Europeia, dado o IVA servir de base de cálculo a um recurso próprio) contenta-se, neste caso, com o facto de o imposto entrar nos cofres do tesouro, independentemente de quem suporta, de facto, o encargo. Não existe, porém, neste mecanismo, qualquer locupletamento do Estado à custa alheia. Existe sim, inerente ao fenómeno da repercussão, uma presunção jurídica de que a repercussão foi efetuada.[14] O que significa que o ónus da prova da não repercussão impende sobre o sujeito passivo, aliás, aquele que em melhores condições está para conhecer o seu negócio.

Pode, pois, ocorrer a dissociação entre repercussão jurídica e repercussão económica[15] essa dissociação pode decorrer, por exemplo, de contratos (formais ou informais) entre as partes. Mas este facto não altera a natureza do imposto. O IVA é sempre, no modelo jurídico da UE, um imposto sobre o consumo (mesmo que para tal tenha de se socorrer de ficções, ou melhor, de presunções, aliás, comuns em qualquer ramo de direito), e não, como pretende a Impugnante, um imposto sobre os lucros. É um imposto sobre o consumo e isso tem consequências jurídicas. Uma delas é a ignorância, pelo direito fiscal, dos arranjos contratuais das partes envolvidas (na maior parte das vezes, meros contratos de adesão) que pretendam alterar a natureza e a lógica de funcionamento do IVA. Isso não está na disponibilidade das partes, como não o está alterar os elementos essenciais da relação jurídica tributária que é, por definição, uma obrigação ex lege e não uma obrigação privada, ou, igualmente, obrigar a Administração a aceitar a qualificação dos negócios jurídicos efetuada pelas partes, princípios recebidos na LGT que são corolários lógicos da indisponibilidade do crédito tributário. Tão pouco tem o Estado de arcar com o risco que a Impugnante não quer correr de ver afastada a sua clientela por ter de alterar o preço de um serviço contratado a preço anual constante, mesmo que se verificassem circunstâncias ulteriores que justificassem a alteração dos termos contratuais (por exemplo, mudança da lei quanto às taxas aplicáveis). Como se a interesse privado se sobrepusesse ao interesse público, o contrato à lei e a construção da relação jurídica pelas partes à natureza do próprio imposto.

De resto, sublinhe-se, nem sequer seria isso o que ocorre no presente caso, pois contrariamente ao que a Impugnante afirma o risco corre por conta do repercutido que, em nada beneficia da baixa da taxa de imposto. Com efeito, basta recordar que o IVA começou por ser cobrado pela Impugnante à taxa normal e, consequentemente, essa foi a circunstância tomada em consideração na fixação do preço constante (custos da produção+ margem de lucro+ IVA à taxa normal constante da faturação). Só mais tarde (sem qualquer recurso aos mecanismos da regularização previstos na lei) a Impugnante entendeu liquidar o IVA a taxa reduzida (custos de produção + margem de lucro + IVA à taxa reduzida) [16], solução posteriormente revertida por nova aplicação da taxa normal, até ao momento em que esta contenda jurídica (de interpretação da lei) foi decidida num sentido favorável à aplicação da taxa reduzida (cfr. proc. do CAAD n.º 117/2012-T), facto que está na base do processo sub judice[17]. Note-se, porém, que da aplicação da taxa reduzida (quando inicialmente o preço foi fixado com base na taxa normal) resulta uma ampliação extraordinária da margem de lucro, aparentemente não repercutida no preço ao consumidor, mas, na prática, repercutida, pois o preço do serviço havia sido inicialmente calculado com base na aplicação do IVA a taxa normal. Neste caso, é claro que o beneficiado não foi o consumidor final. Sê-lo-ia se a situação fosse a inversa; se o cálculo inicial do preço fosse efetuado tendo em conta uma taxa reduzida e, mais tarde, se viesse a concluir que a taxa aplicável era a normal, sem haver qualquer mudança contratual e, portanto, havendo manutenção de um preço fixo constante. Sublinhe-se ainda que, no caso em análise, a questão da forma de cálculo do IVA (se é este imposto é calculado "por dentro" ou não) obscurece o que está em jogo, mas é irrelevante para a caraterização da situação jurídica concreta.

À Administração compete observar a lei. Por isso, neste caso, ignorou (e quanto a mim, bem) os acordos entre o operador económico (sujeito passivo) e o adquirente dos serviços, efetuados no interesse (real ou ilusório) daqueles operadores, a quem compete suportar o risco das operações económicas que efetuem. O modelo de IVA existente tolera a não repercussão do imposto por opção do sujeito passivo. Isso não está, nem nunca esteve, em causa. Não tem, porém, a Administração que aceitar uma opção movida por meros interesses particulares que conduz, em última instância, a uma alteração da natureza do imposto. Pelo contrário: diria mesmo que tal aceitação lhe é vedada. 

A dissonância entre repercussão jurídica e económica decorre de um facto conhecido:  sendo os preços dos bens e serviços fixados em tese por mecanismos de mercado (ou, mais precisamente, no plano jurídico, por contratos, formais ou informais, de direito privado), o Estado não tem possibilidade de, nesses casos, assegurar diretamente a repercussão material do imposto. A DCIVA permite, porém, que o faça indiretamente, através do mecanismo da repercussão formal (que implica que o imposto liquidado entre devidamente nos seus cofres). A repercussão jurídica constitui uma presunção de que a liquidação foi bem efetuada e que, portanto, o imposto mencionado na fatura é legalmente exigível nos exatos termos em que nela foi mencionado. De resto, recorde-se, qualquer entidade (incluindo os operadores económicos) converte-se em sujeito passivo pelo simples facto de mencionar IVA na fatura, mesmo que indevidamente. Mas é uma presunção derivada da lei europeia e nacional, pois ela é inerente à natureza e à lógica de funcionamento do IVA.

A repercussão legal tem efeitos jurídicos que a mera repercussão económica não tem: que mais não seja, como defende Casalta Nabais [Direito Fiscal, Coimbra: Almedina, 2012, p. 550], tem os efeitos decorrentes de estarmos perante uma obrigação natural (com o sentido e regime constantes do Código Civil). Por outras palavras: uma obrigação em que, uma vez satisfeito o pagamento do imposto, este não pode ser objeto de repetição do indevido. Como estatui, com clareza, o disposto na primeira parte do art. 403.º do Código Civil, "não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural". Assim sendo, a existência de eventual prejuízo por parte do operador deve ser resolvida na relação com o consumidor adquirente dos bens ou caso se trate de um prejuízo por quebra de vendas em sede de direito privado e não de direito público.

 

A tese subjacente à Impugnação é a de que alguns artigos do Código do IVA (CIVA) não estão em conformidade com o direito da União Europeia. Em particular, os artigos 78.º, n.º 5 e 97, n.º 3 seriam "contrários às regras do direito da União relativas à repetição do indevido quando interpretados no sentido de impedir a consequência natural da anulação de impostos ilegais, sem que o Estado prove a existência e a medida do enriquecimento. Constituem, assim, presunções dessa existência e dessa medida, como tal proibidas pelo direito da União". Esta posição, subscrita por Francisco Geraldes Simões (…) e João Gil Figueira perpassa ao longo do texto da impugnação, mas, salvo o devido respeito, ela não é exata.[18]

O direito da União Europeia parte da ideia da admissibilidade da restituição aos contribuintes dos impostos que se lhe mostrem contrários. Por via de princípio, seria assim incompatível com o direito europeu, a fixação de regras probatórias que tornem impossível a restituição de um imposto indevido, incluindo o estabelecimento de presunções de repercussão. A exceção a esta regra decorreria apenas do facto do imposto ter sido repercutido em terceiros ou do sujeito passivo obter um enriquecimento sem causa pelo facto de o imposto lhe ser reembolsado.

Mas a questão que aqui se levanta é a de saber se houve na realidade uma violação do direito europeu. A regra da repercussão formal e da presunção que ela estabelece (art. 37.º do CIVA), não tem, ao contrário da opção pela aplicação ou não de taxas reduzidas, caráter opcional. Pelo contrário, tem natureza cogente, decorrendo claramente do direito Europeu. Não parece lógico invocar um princípio de direito europeu contra uma norma de direito europeu. Mais lógico será considerar que, existindo aquele princípio com caráter de generalidade, o direito do IVA surge como um direito especial, com regras próprias em sede de incidência, isenções, direito à dedução, determinação do valor que se impõem aos EM e que estes mais não fazem do que assegurar o seu cumprimento. Caso em que não haveria qualquer violação do direito Europeu.

 

Reconhece-se, porém, que a jurisprudência do TJUE relativamente a esta matéria não é muito clara, nem se pode afirmar, em meu entender, que se encontre estabilizada. A grande maioria dos acórdãos onde a doutrina é favorável à restituição de impostos cobrados em violação do direito europeu não diz respeito ao IVA. [19]

Há poucos acórdãos que dizem respeito especificamente ao IVA. Um deles, o acórdão Stadeco (de 18.06.2009, proc. C-566/07), faz um primeiro esforço para compatibilizar (por meio da aplicação de uma espécie de princípio de concordância prática) um princípio genérico de "reembolso" de impostos não cobrados de acordo com a lei europeia com as regras comunitárias previstas na DCIVA. Por um lado, admite a restituição do indevido ao sujeito passivo sempre que daí não resulte enriquecimento sem causa, mas admite igualmente como condição da restituição a possibilidade de os EM exigirem que as faturas com erros sejam retificadas. Muitas questões ficam, porém, ainda em aberto, como bem sublinha Sérgio Vasques ("Incidência subjetiva e repercussão do IVA", Cadernos IVA 2015, p 396-7).

Outro acórdão mais recente pronunciado em sede de IVA é o Alakor Ganonatermelö és Forgalmazó de 18.05.2013 (proc. n.º C-191/12). Neste acórdão, ao mesmo tempo que se refere que os EM são, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União, admite-se, por via de exceção, a recusa da restituição quando conduza a um enriquecimento dos sujeitos passivos. Estamos, porém, num domínio bem distinto do da aplicação das taxas de IVA. Este acórdão diz respeito ao coração do IVA, o direito à dedução, um direito onde as limitações são muito excecionais e muito controladas. Em sede de IVA, o direito à dedução é a regra; os limites a esse mesmo direito, a exceção. O mesmo não se passa com a repercussão legal. Esta é, no quadro do direito da União e no direito nacional, juridicamente a regra (comportando os efeitos jurídicos já referidos); a não repercussão (por relevante que seja no plano estatístico ou negocial) é a exceção. Dada a patente diferença dos dois institutos seria, quanto a mim, precipitado tirar conclusões de firme jurisprudência a este respeito.[20]

Mas mesmo que não se acolha a interpretação da lei europeia e nacional por mim aqui efetuada, perante os dados existentes no processo, sou de opinião que a pretensão da Impugnante não pode ser aceite nos termos em que é formulada.

 

Primeiro, como se disse, porque não há, em rigor, uma perda de rendimento por parte da Impugnante. No caso em análise, os membros do clube (sujeitos passivos ou não) pagam como contraprestação do alojamento um valor fixado anualmente com IVA incluído. Daqui se deduz que, no início, o cálculo do preço (um preço fixo) das prestações de serviços efetuadas pela Impugnante aos membros do clube continha um montante de imposto calculado com base na taxa normal (apenas a sua forma de cálculo era distinta pois era calculado "por dentro") e não consta que esse preço fixo tenha sido alterado quando a Impugnante passou a liquidar o IVA a taxa reduzida. Como, segundo a prática comercial que segue, a Impugnante não repercute materialmente o IVA ao cliente fazendo descer o preço do serviço, isso significa que aos custos do serviço e à sua margem normal de lucro passou a acrescer a diferença entre o IVA que liquidava a taxa normal e o IVA que passou a liquidar a taxa reduzida[21]. E que não foi o repercutido a beneficiar desse facto.  É esta diferença (a "parcela adicional"), não derivada da exploração comercial normal, que a Impugnante perde quando voltou a liquidar IVA à taxa normal.[22] Não creio que essa perda mereça qualquer tutela jurídica.

 

Segundo, (the last, but not the least), e partindo do pressuposto que a taxa reduzida aplicada tem observado as regras da verba 2.17 atrás referida, verifica-se que a Impugnante é sujeito passivo de IVA e não consta dos autos que tenha renunciado ao direito à dedução. O normal será mesmo que dele tenha feito uso, como a lei, aliás, lho faculta. Ou seja: as prestações de serviços que efetuava estavam sujeitas a IVA (independentemente da taxa aplicável ser reduzida ou normal), esse IVA era faturado aos clientes (quer aos membros, quer aos não membros do clube) e o montante de IVA liquidado e entregue ao Estado (independentemente de ser suportado pela Impugnante ou pelos adquirentes dos serviços, isto é, de não haver ou haver repercussão material) era certamente calculado tendo em conta a dedução pela Impugnante do IVA suportado em operações situadas a montante da sua atividade. E não é indiferente que, no exercício do direito à dedução, a taxa aplicável a jusante seja a taxa normal ou a taxa reduzida (caso em que muito provavelmente haveria reporte ou crédito de imposto).

 

Ora a impugnação é feita solicitando o reembolso do diferencial (bruto) de taxas, sem que se tome em consideração o exercício do direito à dedução do IVA suportado a montante. Assim sendo, caso o reembolso venha a ser concedido, existirá um enriquecimento sem causa por parte do sujeito passivo. Repor a situação inicial é anular toda a liquidação, incluindo as deduções. Só assim se evitará que se dê origem a sofisticados esquemas de planeamento fiscal que poderão inclusive afetar a liquidação dos impostos sobre o rendimento, pois a flutuação das margens de lucro (devidas por eventuais restituições de imposto) não pode deixar de ter reflexos em sede de tributação direta.

 

António Carlos dos Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1]              Essencialmente neste sentido, pode ver-se, entre muitos outros, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10-11-98, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207.

( [2])                Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.

                Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável».

[3] Publicado em Cadernos IVA 2014, páginas 149 e seguintes.

[4] Como ensina BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 186, «o intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)».

[5]              Refere-se no ponto 24. do acórdão Littlewoods Retail:

24. Resulta de jurisprudência constante que o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado-Membro em violação das regras do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos às pessoas pelas disposições do direito da União, tal como têm sido interpretadas pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, Recueil, p. 3595, n.º 12, e de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.º 84). Os Estados-Membros são, assim, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União (acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, Colet., p. I-165, n.º 20; Metallgesellschaft e o., já referido, n.º 84; de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, Colet., p. I-11365, n.º 93; e de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 202).

 p Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 202)

 

[6]              Realce a negrito nosso.

[7] Como obiter dictum, pode acrescentar-se que, fora dos casos de revisão oficiosa, no âmbito da impugnação administrativa ou contenciosa, o regime é semelhante, neste aspecto de não ser necessária a rectificação de facturas.

Na verdade, o artigo 97.º, n.º 2, ao estabelecer que «os recursos hierárquicos, as reclamações e as impugnações não são admitidos se as liquidações forem ainda susceptíveis de correcção nos termos do artigo 78.º», revela que que eles são admissíveis quando as liquidações já não forem susceptíveis de correcção e, por isso, não há lugar a correcção das facturas. Se nas situações em que há lugar a correcções nos termos do artigo 78.º estivesse afastada a possibilidade de impugnação administrativa ou contenciosa, não se incluiria a palavra «ainda», que, neste contexto, exprime o diferimento de uma possibilidade e não a sua proibição.

O n.º 5 do mesmo artigo 97.º ao estabelecer que «os prazos para as reclamações ou impugnações previstas no n.º 2 contam-se a partir do dia imediato ao final do período referido nos n.ºs 3 e 6 do artigo 78.º», confirma expressamente, por um lado, que nas situações em que há lugar às rectificações previstas nestas normas do artigo 78.º não deixa de haver a possibilidade de impugnação contenciosa ou administrativa e, por outro lado, erigindo-se em termo inicial do prazo de impugnação «o dia imediato ao final do período», exprime-se que a impugnação não depende do uso dos meios de rectificação, mas apenas do decurso do prazo em que as rectificações podem ser efectuadas.

 

[8] Neste sentido, João Canelhas Durão, "Dedução do IVA, Regularizações e Revisão da Autoliquidação", Cadernos de IVA 2015, pp. 327 e ss.

[9] Entre nós, o art. 37.º, n.º 3 do CIVA apenas exceciona algumas situações de equiparação de operações a transmissões de bens e prestação de serviços cuja utilização, no âmbito da empresa, é tendencialmente anómala: nestes casos a repercussão não ocorre, sendo, pois, a própria empresa (o sujeito passivo) a suportar o imposto.

[10] Decisão Arbitral de 8 de Novembro de 2015 Processo n.º 63/2015-T IVA. Reproduzo aqui a síntese desta decisão, Newsletter Fiscal, Dezembro de 2015, p. 13 (disponível na internet): "O Tribunal Arbitral começa por referir que, demonstrando-se que o sujeito passivo suportou economicamente o imposto, nada obsta a que lhe seja devolvido o montante de imposto que se apure pago em excesso, se for demonstrada a ilegalidade dos atos de autoliquidação impugnados. No entanto, o Tribunal Arbitral considera que a autoliquidação efetuada pelos sujeitos passivos de IVA, na declaração periódica apresentada, apenas poderá ser anulada, mesmo em sede de impugnação, no que se refere ao apuramento do montante de imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, se o imposto em causa não estiver contido em fatura ou documento equivalente passado ao adquirente. Assim, de acordo com o Tribunal, a necessidade de emissão de uma nova fatura, dirigida aos adquirentes dos serviços prestados pelo sujeito passivo, é um corolário lógico da essencialidade das faturas na dinâmica do IVA, que se reflete no facto desses mesmos adquirentes poderem deduzir o imposto contido naquelas faturas. Nesse sentido, o Tribunal conclui que, para que fosse possível anular as autoliquidações em questão, seria necessário que as faturas emitidas, à taxa de 23% de IVA, fossem corrigidas, nos termos legais, passando a constar das mesmas a taxa reduzida, bem como o correspondente montante de imposto, decorrente da aplicação desta taxa, ao valor tributável da operação, nos termos dos artigos 78.º, número 1, e 97.º, número 3, ambos do CIVA. O Tribunal Arbitral termina referindo que, ainda que as operações em causa fossem tributáveis à taxa reduzida, e não à taxa efetivamente faturada, tal resultaria na ilegalidade das liquidações efetuadas pela própria Requerente, nas faturas que emitiu, e não na ilegalidade das autoliquidações efetuadas pela mesma Requerente, de acordo com o disposto no artigo 29.º, número 1, do CIVA."

[11] Cfr. "Incidência subjetiva e repercussão do IVA", Cadernos do IVA 2014, pp. 384-5. É  bom não esquecer que, sendo o IVA um imposto, rege-se, tal como os outros impostos, pelo princípio da capacidade contributiva que é aferido em relação ao consumidor final (cfr. o art. 4.º n.º 1 da LGT), princípio este que é, ele próprio, um corolário do princípio da igualdade tributária decorrente do art. 13.º da CRP). É certo que o IVA se rege igualmente princípio da neutralidade, mas este princípio opera no que respeita ao "operador económico", um intermediário na arrecadação do IVA, erigido em sujeito passivo por meras razões de praticabilidade na gestão administrativa do imposto. Que mais não fosse, esta duplicidade de princípios aplicáveis mostra bem a complexidade do IVA que assenta numa relação triangular entre a Administração, o sujeito passivo (em sentido amplo, englobando o devedor de imposto) e o repercutido, a quem, aliás, a LGT atribui determinados direitos, mesmo quando não é sujeito passivo de imposto (cfr. o art. 18, n.º 4, al. a) da LGT, dispositivo que recorre expressamente à expressão "repercussão legal").

[12] Se o repercutido também for um sujeito passivo de IVA, poderá, por via de regra, deduzir o montante deste imposto. Se não o for (isto é, se for mero consumidor final), não terá qualquer direito à dedução. O mesmo acontecerá se houver limitações ao direito à dedução na lei nacional desde que, ponto importante, elas se mostrem em conformidade com a DCIVA.

[13] Em relação ao direito à dedução, o TJUE vem, contudo, afirmando que o IVA indevidamente liquidado não confere direito à dedução. Sobre o tema, cfr a intervenção de Cidália Lança (disponível na internet)  no CEJ  (abril de 2016) sobre "O direito à dedução e o formalismo das faturas; a neutralidade do IVA na jurisprudência do TJUE" (em vias de publicação in Temas de Direito Tributário), onde a autora afirma o seguinte: De acordo com o TJUE o exercício do direito à dedução está limitado apenas ao imposto que seja devido , ou seja, ao imposto ligado à realização efetiva de uma operação tributável, não se verificando esse direito relativamente ao imposto que é devido, nos termos do artigo 203.º da Diretiva , unicamente por estar mencionado numa fatura  (v.g. acórdão de 13 de Dezembro de 1989, Genius Holding, C-342/87, n.º 13, de 15 de Março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, n.º 23 e de 31 de Janeiro de 2013, Stroy trans EOOD, n.º 30). De acordo com o Tribunal, para assegurar a neutralidade do IVA, os Estados membros devem prever na sua ordem jurídica interna a possibilidade de correção do imposto indevidamente faturado, desde que quem emita a fatura demonstre ter agido de boa fé. Contudo, a boa fé do sujeito passivo só é pertinente desde que exista, devido ao comportamento do sujeito passivo, o risco de perda de receitas fiscais para o Estado membro. Assim, quando o risco de perda de receitas fiscais tenha sido completamente eliminado, o imposto indevidamente faturado pode ser regularizado, sem se subordinar essa regularização à existência de boa fé do emitente da fatura. Na medida em que a Diretiva IVA não contém qualquer disposição relativa à regularização, pelo emitente da fatura, do IVA indevidamente faturado, cabe aos Estados membros determinar as condições em que o IVA indevidamente faturado pode ser regularizado. Na legislação portuguesa, a regularização do imposto indevidamente liquidado pode ser efetuada nos termos do artigo 78.º do Código do IVA (cf. acórdãos Genius Holding, n.° 18; de 18 de Junho de 2009, Stadeco, C-566/07, n.º 36 a 38; Stroy trans EOOD n.º 29 e de 11 de Abril de 2013, Rusedespred OOD, C-138/12, n.º 26; de 27 de Setembro de 2007, Collée, C-146/05, n.ºs 35 e 36; de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth, C-454/98, n.ºs 58 e 68)."

[14] Embora a LGT (acolhendo, neste particular, jurisprudência do Tribunal Constitucional - Ac. n.º 63/96) apenas preveja a admissão de prova em contrário no que toca às presunções consagradas nas normas de incidência (art. 73.º), propendo a considerar que a presunção de repercussão económica é uma presunção juris tantum.  

[15] Este facto não pode ser contudo confundido com a pretensa distinção entre "incidência jurídica" e "incidência económica" de que fala a Impugnante, recebendo acriticamente uma tese que parte da funcionalização do direito em relação à economia e que, entre nós, foi desenvolvida numa recente dissertação de mestrado profissionalizante de Raquel Sirvoicar Rodrigues (2015),  A Recusa do Reembolso do IVA Indevido com Fundamento em Enriquecimento sem Causa - “Passing on Defence” na Jurisprudência Europeia e Portuguesa, apresentada na Universidade Católica (disponível na internet).  segundo esta autora "a verdadeira razão pela qual as AT dos Estados-membros, no qual recentemente se incluiu a portuguesa, persistem na utilização desta defesa radica na noção quase tida como verdade incontornável de que o IVA é um imposto que retira os seus fundos dos bolsos do consumidor final. Decerto não serão inexistentes, embora muito raros, os casos em que tal aconteça; todavia, a mera observação da realidade a partir de uma perspetiva económica refuta esta mesma ideia." A autora procura assim invalidar os textos jurídicos recorrendo a dados de facto (uma espécie de interpretação económica aggiornata). Trata-se, quanto a mim, de uma ótica típica do pensamento "pós-modernista" que visa dissolver os mecanismos jurídicos previstos no IVA para salvaguarda da natureza e da lógica do imposto, através da invocação da realidade do mercado, a fim de legitimar a abolição de barreiras jurídicas, consideradas artificiais quando comparadas com o fenómeno natural que seria o mercado. Ora a incidência é, neste contexto, sempre de natureza jurídica. Não existe uma incidência económica que possa sobrelevar aquela. A chamada incidência económica (ou seja, a repercussão económica do imposto) é, no plano jurídico, uma mera questão de facto.

 

 

 

[16] Recorde-se que a harmonização das taxas de IVA implica que o Estado possa optar por introduzir ou não um sistema de taxas reduzidas e, no caso de o introduzir, impõe que essas taxas reduzidas estejam em conformidade com a lista das entregas de bens e das prestações de serviços constantes hoje do anexo III da DCIVA que possibilita a aplicação de uma taxa reduzida relativamente ao alojamento em hotéis e estabelecimentos do mesmo tipo, incluindo alojamento de férias. O Estado português veio a consagrar, em termos restritivos, esta possibilidade na verba 2.17 (anterior verba 2.15) da lista I a que se refere o art. 18.º do CIVA, cuja redação permite a aplicação de taxa reduzida nos seguintes termos: "Alojamento em estabelecimentos do tipo hoteleiro. A taxa reduzida aplica-se exclusivamente ao preço do alojamento, incluindo o pequeno-almoço, se não for objeto de faturação separada, sendo equivalente a metade do preço da pensão completa e a três quartos do preço da meia pensão". Esta norma, tanto quanto se saiba, nunca foi posta em causa pelas instituições europeias.

[17] De forma mais concreta: No caso sub judice, a Impugnante começou por liquidar o IVA sobre o valor do pagamento anual dos serviços faturados aos membros do clube à taxa normal (dando cumprimento às instruções administrativas então vigentes). Mais tarde entendeu aplicar-lhes a taxa reduzida, a mesma que aplicava aos outros clientes que não eram membros do clube, sem proceder a qualquer regularização da faturação. Depois de consulta à Administração, a Impugnante voltou a liquidar IVA aos clientes membros do clube à taxa normal (liquidação adicional, primeiro, e autoliquidação normal depois), entregando esse IVA ao Estado. Como, porém, continuou a entender que as prestações de serviços efetuadas deveriam ser tributadas a taxa reduzida, procedeu a impugnações várias, tendo-lhe sido dada razão quanto à questão da taxa aplicável (a taxa reduzida) a estas prestações de serviços (mesmo que estas prestações não sejam totalmente idênticas às prestadas aos não membros do clube).  Com base nestas decisões, a Impugnante pede agora a este tribunal arbitral a devolução do montante global do diferencial de taxas.

[18] Cfr. "A repercussão do IVA indevido e o empobrecimento sem causa do repercutente", in Cadernos de IVA 2014, Coimbra: Almedina, pp. 149 e ss. Recorde-se, porém que em recente acórdão (ac  Kraft Foods Polska SA, proc. C‑588/10, de 26.01.2012) pronunciado a propósito de uma regularização relativa ao valor tributável do IVA (situação com similitudes com a da alteração das taxas deste imposto), o TJUE pronunciou a seguinte decisão: "-Uma exigência que sujeita a redução do valor tributável, como o que resulta de uma fatura inicial, à posse, pelo sujeito passivo, de um comprovativo da receção de uma fatura retificada entregue pelo adquirente dos bens ou serviços enquadra‑se no conceito de condição referido no artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado. - Os princípios da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado e da proporcionalidade não se opõem, em princípio, a essa exigência. Contudo, quando se revele impossível ou excessivamente difícil para o sujeito passivo, fornecedor de bens ou serviços, dispor, num prazo razoável, desse comprovativo da receção, não lhe pode ser recusado demonstrar, através de outros meios, perante as autoridades fiscais nacionais, por um lado, que efetuou as diligências necessárias nas circunstâncias do caso concreto para se assegurar de que o adquirente dos bens ou serviços está na posse da fatura retificada e que dela teve conhecimento e, por outro, que a operação em causa foi efetivamente realizada em conformidade com as condições enunciadas na referida fatura retificada."

 

 

 

 

[19] A jurisprudência do TJUE, entre eles se destacando os acórdãos Weber's Wine World Handels-Gmbh (de 02.10.2003, proc. C-147/01) e Michaïlidis (de 21.09.2000, proc. C-441/98), não diz especificamente respeito ao IVA, mas a outros tributos indiretos avulsos, como, respetivamente, os impostos locais sobre bebidas alcoólicas e o imposto sobre a exportação de tabacos.

[20] A própria Impugnante, na síntese conclusiva da impugnação, considerou a hipótese de poder ser necessário efetuar um pedido ao TJUE para decidir, a título prejudicial, nos termos do art. 267.º do TFUE, sobre a compatibilidade do direito nacional em que se fundam as decisões da AT neste processo com a Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro, e com as regras do direito da União relativas à repetição do indevido. Ao fazê-lo, mostra que se trata de um "caso difícil" e que, por razões de segurança, na dúvida, admite expressamente a necessidade de reenvio. Recorde-se que, segundo o acórdão Schwarze (de 01/12/1965, proc. 16/65), o reenvio prejudicial é "um instrumento de cooperação judiciária ... pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros". No entanto, como é doutrina oficial do TJUE, a partir do acórdão Cilfit (de 06.10.82, processo 283/81), a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando: i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente. Ora, salvo melhor opinião, estas condições não se encontram em geral preenchidas no caso sub judice. De facto, a meu ver, não pode afirmar-se que o ato em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do TJUE de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada. Assim, em caso de dúvida sobre a existência de uma exceção à obrigação de reenvio é aconselhável colocar ao TJUE as questões que respeitam a interpretação do direito da União Europeia. Justifica-se, por isso, a meu ver, o pedido de reenvio a título prejudicial. No sentido dessa precaução pode invocar-se o recente acórdão do TCA do Sul (de 15.09.2016, proc. 09210/15). E, caso venha a verificar-se incompatibilidade do CIVA com DUE, o poder político terá a possibilidade de definitivamente corrigir essa situação (incluindo as eventuais repercussões do cálculo do IVA em sede de tributação em IRC), com a consequente diminuição de litígios que de tal correção decorrerá. A jurisprudência europeia relativa a esta matéria parece encontrar-se ainda em evolução. Neste contexto, afigura-se prematuro dá-la como firme ou consolidada. E toda a controvérsia existente neste processo envolvendo a conformidade ou não do CIVA nesta matéria com o Direito da União demonstra estarmos longe de um "ato claro". Ora, em caso de «dúvida razoável» sobre o DUE e não estando claramente preenchidos os critérios de dispensa de reenvio, o Juiz Nacional é obrigado a atuar o reenvio prejudicial.

[21] Um facto que seria interessante saber é o da dimensão da margem de lucro da operadora (sem contar com as oscilações do imposto), mas tudo indica que deve ser extremamente elevada para, em condições de mercado concorrencial, poder suportar durante muitos meses uma "perda" equivalente ao diferencial de taxas. Dado económico, porém que apenas a operador tem condições para conhecer.

[22] Não me parece exata a afirmação de que ao "direito tributário importa mais a realidade económica do que a realidade jurídica", nem que dela se possam extrair consequências relevantes para a decisão do processo em causa. A invocação do nº 3 do art. 11.º da LGT não se justifica se não houver dúvidas sobre o sentido das normas de incidência a aplicar. Ele não acolhe a doutrina da interpretação económica dos factos tributários (como o comprova o n.º 1 desse mesmo artigo), mas visa apenas fornecer um "critério (meramente residual e de aplicação sucessiva) para a solução de casos não suscetíveis de resolução por via das regras normais de interpretação. No caso em apreço, não estamos, porém, perante normas de incidência. Não se esquece que o recurso à substância económica pode resultar diretamente da lei (por exemplo, de cláusulas antiabuso ou do acolhimento no direito de conceitos de origem económica ou contabilística). Mas estes conceitos, uma vez recebidos transfiguram-se em conceitos jurídicos (jurídico-económicos ou jurídico-contabilísticos), muitas vezes sem perfeita correspondência com o sentido original.