DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A… S.A.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I – RELATÓRIO
· Em 29 de Janeiro de 2016 a sociedade “A…, S.A.”, titular do número de identificação fiscal…, com sede na …, Edifício…, …, …, …-… ... (doravante designada por a “Requerente”), submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro que constitui o Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (de ora em diante designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º…2015…, e consequentemente, os actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.os 2015…, 2015… e 2015…, referentes aos períodos de 201306T, 201309T e 201312T, respectivamente.
· No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.
· Nos termos do n.º 1 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro único o signatário, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
· O tribunal arbitral ficou constituído em 13 de Abril de 2016.
· Em 12 de Maio de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta.
· Na mesma data da resposta a Requerida informou que o processo administrativo foi directamente introduzido na plataforma do CAAD.
· A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi realizada no dia 14 de Setembro de 2016, pelas 15H00, tendo as Partes comparecido.
· Notificadas para o efeito, Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas em 28 de Setembro de 2016 e 17 de Outubro de 2016, respectivamente.
· A posição da Requerente, expressa no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações escritas é, em resumo, a seguinte:
· As correcções propostas pelos Serviços de Inspecção em sede de IVA resumem-se à desconsideração de deduções de IVA suportado pela Requerente com encargos relacionados com a embarcação de recreio “B…”, nomeadamente as referentes às rendas mensais decorrentes do contrato de locação financeira daquela embarcação.
· A Requerente discorda desta posição assumida pela AT, considera que as liquidações adicionais assentam num erro sobre os pressupostos de aplicação do artigo 21.º do Código do IVA.
· A Requerente foi constituída em 27 de Janeiro de 2012, cujo objecto social consiste na “Compra e venda de bens móveis e móveis registáveis e/ou a sua locação; compra e venda de bens móveis e móveis registáveis para revenda; gestão de bens móveis e moveis registáveis próprios ou de terceiros, bem como a organização de eventos”.
· Nesse âmbito, a Requerente, enquanto locatária, em 14 de Fevereiro de 2013, celebrou com o Banco C… S.A., na qualidade de locador, um contrato de locação financeira relativo a uma embarcação de recreio denominada “B…”, com produção de efeitos a 27 de Fevereiro de 2013.
· O contrato de locação financeira estabelecia a fixação de 36 rendas locatárias, o montante da primeira renda de € 1.685.974,09, sendo as restantes calculadas com base na taxa de juro de 3,75 pontos percentuais, enquanto se mantivesse em vigor, segundo o método das rendas constantes e antecipadas, do que resulta o valor de € 135.974,09, acrescendo ao montante de cada renda IVA à taxa legal em vigor (23%).
· Desde a celebração do contrato de locação financeira até à presente data a Requerente sempre efectuou o pagamento das rendas locatárias acrescidas do IVA legal.
· Com efeito, exercendo a Requerente a actividade de aluguer de meios de transporte marítimo e fluvial, desenvolvendo efectivamente essa actividade e, uma vez que as facturas pagas a título de locação financeira, nas quais foi liquidado IVA, cumprem todos os requisitos impostos pelo artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, o direito à dedução obedece ao artigo 20.º do CIVA e aos artigos 167.º, 168.º e 169.º da DIVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006).
· Deste modo, a Requerente não vê por que razão haverá de ser questionado o direito à dedução do IVA.
· Neste sentido, a título exemplificativo, pronunciou-se já o Tribunal Arbitral no âmbito do Processo n.º 59/2013-T e 398/2014-T, de 17.12.2013 e 15.01.2015, respectivamante, o Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 01455/12 e 0613/11, de 07.10.2015 e 12.01.2012, respectivamente, e ainda o TJCE, no processo C-98/98, de 08.06.2000, onde se discutiu matéria em tudo semelhante à aqui em apreço.
· De facto, o entendimento da AT, quanto à falta de registo no Registo Nacional de Agentes de Animação Turística (RNAAT) e da afectação única e exclusiva do bem no exercício da sua actividade, não colhe sustento na legislação nacional, muito menos se tivermos em conta as demais regras, princípios e orientações jurisprudenciais.
· Por todo o exposto, tendo a AT fundamentado no artigo 21.º do Código do IVA os actos de liquidação, estes padecem de vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, uma vez que se está perante despesas com fins que estão directamente relacionados com o exercício da sua actividade, violando assim o disposto no artigo 20.º do Código do IVA e os artigos 167.º, 168.º, 169.º, 176-º, 177.º e 178.º da Directiva do IVA.
· A Requerente refere ainda que havendo, em sede judicial ou arbitral, dúvidas interpretativas acerca de normas de Direito Comunitário, como é o caso concreto, deve o ora Tribunal suscitar o reenvio prejudicial da questão ao TJUE já que apenas a este cabe a interpretação de normas de Direito Comunitário para que haja harmonia interpretativa em todos os Estados Membros (cfr. artigo 267.º do Tratado de Lisboa).
· Por último, ficando provada a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, uma vez que foi prestada garantia bancária para suspender o processo executivo n.º …2015…, o qual tem como objecto a liquidação adicional de IVA do período de 201312T, a Requerente entende que tem direito à devolução dos custos despendidos com a constituição da mencionado garantia e ainda direito a juros indemnizatórios.
· A posição da Requerida expressa na resposta e nas alegações escritas é, em síntese abreviada, a seguinte:
· Na verdade, a Requerente invoca erro sobre os pressupostos na aplicação do artigo 21.º do Código do IVA, alegando que as rendas locatárias em causa inserem-se na actividade por si prosseguida e, nessa medida, estão intrinsecamente relacionadas com a prossecução do seu objecto social, determinando aquelas como de carácter dedutível do IVA incorrido.
· Tais argumentos, no entender da Requerida, são manifestamente improcedentes.
· Efetivamente, a norma do artigo 21.º do CIVA exclui o direito à dedução de certas despesas que, atenta a sua natureza, permitem presumir que estas possam ser aproveitadas para a satisfação de necessidades particulares. O que significa que o legislador, embora admita que os bens ou serviços identificados no n.º 1 possam destinar-se a fins empresariais, ao reconhecer como difícil o controlo da sua utilização, optou por excluir a possibilidade de deduzir o IVA respectivo, evitando, assim, a possibilidade de fraude. Por isso, as situações aí expressas de exclusão do direito à dedução são excepcionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, independentemente da sua utilização.
· Para além de que, no que respeita às exclusões à dedução plasmadas no artigo 21.º do Código do IVA, a Directiva do IVA consagra no seu artigo 176.º que “são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional.”.
· Assim, a sua actuação está conforme a legislação portuguesa e a Directiva do IVA, existindo uma restrição do direito à dedução que respeita a determinados bens específicos, cujas particularidades têm o mérito de sustentar tal limitação.
· Entendendo, portanto, que não existem indícios suficientes que permitam sustentar que a actividade de exploração da embarcação de recreio “B…” tenha tido, nos períodos em questão, carácter de exclusividade empresarial ou profissional, permitindo, assim, a dedutibilidade do IVA suportado com a sua aquisição.
· A Requerida concluiu pela improcedência total do pedido de pronuncia arbitral formulado, sendo evidente a conformidade legal do acto objecto dos presentes autos.
II – QUESTÕES DECIDENDAS
a) Em face do exposto, nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:
a) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015…, e consequentemente, os actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.os 2015…, 2015… e 2015…, referentes aos períodos de 201306T, 201309T e 201312T, respectivamente, da autoria do Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, Direcção de Finanças de…, Divisão de Justiça - Contencioso, padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito, por incorrer no vício de violação da lei.
III – SANEAMENTO
O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Tudo visto, cumpre proferir decisão.
IV – FUNDAMENTOS DE FACTO
b) Tendo em conta o processo administrativo tributário (PAT) e a prova documental junta aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:
A. A Requerente encontra-se enquadrada, para efeitos do IVA, no regime normal de periocidade trimestral, como sujeito passivo com direito à dedução integral do imposto. Para efeitos de IRC, a Requerente encontra-se abrangida pelo regime geral de determinação do rendimento colectável (cfr. fls. 84 e 85 do PAT).
B. No exercício de 2013, a Requerente apresentou as devidas declarações periódicas de IVA, 201303T, 201306T, 201309T e 201312T (cfr. doc. 5 a 8 anexos à Petição Arbitral).
C. Na matéria de facto relevante para os presentes autos arbitrais, importa fixar apenas que a Requerente foi objecto de procedimento tributário de inspecção levado a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de…, através da Ordem de Serviço n.º 2014…, de 20 de Novembro de 2014, estando aquele inserido nas acções de controlo dos prejuízos fiscais nas declarações modelo 22 de IRC (cfr. fls. 77 a 102 do PAT).
D. No âmbito da acção inspectiva, supra referenciada, a Inspecção Tributária propôs diversas correcções em IVA deduzido em três períodos de 2013, incluindo as que resultaram nas liquidações adicionais ora aqui contestadas, e em IRC em encargos suportados. Efectivamente, a Requerente procedeu no ano de 2013 às deduções do IVA contido nas rendas de locação financeira que têm como objecto uma embarcação de recreio denominada “B…”, e em sede de IRC à consideração de gastos em depreciações e encargos da aludida embarcação. No caso concreto, a Inspecção Tributária defendeu que as despesas relacionadas com as mencionadas rendas não podem ser deduzidas do IVA suportado, de acordo com o artigo 21.º, n.º 1 do Código do IVA, entendendo também que os gastos suportados com a utilização da embarcação não preenchem os requisitos para serem considerados fiscalmente à luz da alínea e), do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC (cfr. fls. 77 a 102 do PAT).
E. Em conformidade com o entendimento expresso no ponto anterior, a Inspecção Tributária procedeu à correcção do valor do IVA deduzido nas rendas do contrato de locação financeira da referida embarcação de recreio, determinando os saldos em dívida, e promoveu correcções fiscais no quadro 07 da declaração de rendimento modelo 22 de IRC, apurando, dessa forma, imposto em falta em sede de IVA e IRC (cfr. fls. 86 a 95 do PAT).
F. Em resultado do ponto anterior, datadas de 19 de Maio de 2015, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IVA n.º 2015…, 2015… e 2015…, e de liquidação adicional de IRC n.º 2015…, data de 18 de Maio de 2015 (cfr. doc. n.º 12 a 14 e 18 anexo à Petição Arbitral).
G. As liquidações adicionais de IVA reflectem a anulação dos excessos reportados nas declarações periódicas dos trimestres de 201306T, 201309T e 201312T, originado o apuramento reflectido na liquidação n.º 2015… (201312T) no montante de imposto a pagar de € 34.538, 54 (cfr. doc. 12 a 14 anexo à Petição Arbitral).
H. A Requerente foi citada do processo executivo n.º …2015… tendo como objecto a liquidação mencionada no ponto anterior, tendo prestado garantia bancária no montante de € 43.922,20, incorrendo nos custos de valor global de € 457, 57, ficando o processo executivo suspenso (cfr. doc. n.º 22 a 24 anexo à Petição Arbitral).
I. A liquidação adicional de IRC referida no ponto E, foi objecto de reclamação graciosa em 21 de Julho de 2015, a que foi atribuído o n.º de processo …2015… (cfr. Doc. n.º 19 anexo à Petição Arbitral).
J. A mencionada reclamação graciosa foi julgada procedente e, em consequência, anulada a liquidação de IRC indicada (cfr. Doc. n.º 20 anexo à Petição Arbitral).
K. As liquidações adicionais de IVA referidas no ponto E, também foram objecto de reclamação graciosa em 7 e 10 de Agosto de 2015, a que foi atribuído o n.º de processo …2015… (cfr. fls. 4 a 62 e 114 do procedimento de reclamação graciosa).
L. Em 27 de Outubro de 2015, foi notificado o Projecto de Decisão à Requerente, através do ofício n.º …, nos termos e para efeitos do n.º 5 do artigo 60.º da LGT (cfr. fls. 116 do procedimento de reclamação graciosa).
M. A Requerente, na pessoa do seu mandatário, através de requerimento datado de 11 de Novembro de 2015, exerceu o direito de audição que lhe é conferido pelo disposto no artigo 60.º da LGT (cfr. fls. 118 a 129 do procedimento de reclamação graciosa).
N. Em 16 de Novembro de 2015 é notificada do indeferimento do pedido formulado na Reclamação Graciosa, através do ofício n.º… de 13 de Novembro de 2015, por despacho da Chefe de Divisão de Justiça Tributária-Contencioso da Direcção de Finanças de … (cfr. fls. 132 do procedimento de reclamação graciosa).
O. A Requerente foi constituída em 27 de Janeiro de 2012, com capital social de € 100.000,00, encontrando-se integralmente realizado, correspondendo a 20.000 acções ao portador, no valor nominal de € 5,00, subscrito nos termos seguintes: (i.) D…, no valor de € 59.985,00 (11.097 acções), E… no valor de € 40.000,00 (8.000 acções), F… no valor de € 5,00 (1 acção), G… no valor de € 5,00 (1 acção) e H… no valor de € 5,00 (1 acção) (cfr. doc. n.º 2 anexo à Petição Arbitral e fls. 84 do PAT).
P. O conselho de administração é composto por D… (Presidente), I… (vogal) e J… (vogal) (cfr. doc. n.º 1 anexo à Petição Arbitral).
Q. A Sociedade A… S.A. é uma empresa cujo objecto consiste na “Compra e venda de bens móveis e móveis registáveis e/ou a sua locação; compra e venda de bens móveis e móveis registáveis para revenda; gestão de bens móveis e moveis registáveis próprios ou de terceiros, bem como a organização de eventos”, estando registada para efeitos fiscais com a actividade de “aluguer de meios de transporte marítimo e fluvial” a que corresponde o CAE: … (cfr. doc. n.º 1 anexo à Petição Arbitral e fls. 87 do PAT).
R. Em 14 de Fevereiro de 2013, a Requerente celebrou com a sociedade Banco C… S.A. um contrato de locação financeira, tendo sido fixado o seu início de produção de efeitos, através de um aditamento ao referido contrato, em 27 de Fevereiro de 2013, no qual tinha como objecto uma embarcação de recreio denominada “B…” (cfr. doc. n.º 2 a 4 anexo à Petição Arbitral).
S. O contrato de locação financeira estabelecia as seguintes condições: (i) o n.º de rendas é de 36; (ii) o montante da primeira renda é de € 1.685.974.09, sendo as restantes calculadas com base na taxa de juro de 3,750 pontos percentuais, segundo o método das rendas constantes e antecipadas, do que resulta o valor de € 135.974,09; (iii) ao montante de cada renda acresce IVA à taxa legal em vigor; (iv) as rendas vencem-se mensalmente após o início da vigência do contrato; (v) o valor residual é de € 126.000,00; (vi) as rendas, o valor residual, e outras despesas inerentes à execução do contrato são liquidadas por débito na conta de depósitos à ordem da locatária, aberta junto do locador; (vii) a locatária obriga-se a contratar seguros de casco, máquinas e pertences da embarcação e ainda seguro de responsabilidade civil que garanta as indemnizações a terceiros (cfr. artigo 7.º da Resposta e doc. n.º 3 anexo à Petição Arbitral).
T. A embarcação de recreio “B…” encontra-se inscrita no Registo Internacional de Navios da Madeira com o n.º de registo R-…, onde figura como proprietária o Banco C… S.A., incidindo sobre a mesma embarcação uma locação financeira a favor da Requerente (cfr. doc. n.º 2 anexo à Petição Arbitral).
U. A Requerente está registada junto do Turismo de Portugal I.P. por mera comunicação prévia através do RNAAT – Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística à data de 24 de Setembro de 2015 (cfr. fls. 111 a 113 do procedimento de reclamação graciosa).
V. No ano de 2013, a facturação da Requerente foi composta por 5 facturas, a 1ª e a 2ª relativamente a serviços prestados, tendo como clientes a K…. – Itália, no valor de € 5.101,72 e € 75,00, respectivamente, isentas de IVA; a 3ª, 4ª e 5ª facturas dizem respeito a locação no valor de € 32.000,00, € 32.000,00 e € 124.000,00, todos acrescidos de IVA à taxa legal de 23%, a L…, M… e D…, respectivamente (cfr. fls. 96 do procedimento de reclamação graciosa).
W. No ano de 2014, a facturação da Requerente foi composta por 6 facturas, excluindo as que foram anuladas através de notas de crédito, a 1ª a D… no valor de € 520.000,00, acrescido de IVA à taxa legal de 23%; a 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª facturas no valor de € 60.000,00, € 64.000,00, € 60.000,00, € 175.000,00 e € 95.000,00, todos acrescidos de IVA à taxa legal de 23%, a L…, M…, N…, J… e I…, respectivamente (cfr. fls. 97 do procedimento de reclamação graciosa).
c) Relativamente aos factos enunciados no n.º anterior, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo tributário, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
d) Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
V – FUNDAMENTOS DE DIREITO
e) Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º11).
f) Ou seja, se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2015…, e os subjacentes actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.os 2015…, 2015… e 2015…, referentes aos períodos de 201306T, 201309T e 201312T, respectivamente, da autoria do Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, Direcção de Finanças de …, Divisão de Justiça - Contencioso, padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito, por incorrerem no vício de violação da lei.
g) Na factualidade objecto dos presentes autos arbitrais ficou provado que a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periocidade trimestral, como sujeito passivo com direito à dedução integral do imposto. E, de um modo geral, procede às deduções do IVA contido em diversas despesas relacionadas, nomeadamente, com actividades de locação de bens móveis (cfr. factos assentes Q., V. e W.).
h) De acordo com o artigo 29.º, n.º 1, alínea g) do Código do IVA, os sujeitos passivos têm a obrigação geral de disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do IVA.
António Borges e Martins Ferrão entendem que é assim que se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr. in A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 114).
i) O preâmbulo do Código do IVA explica de forma esclarecedora o que visa e como funciona o imposto, assim:
“O IVA visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo na sua incidência todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, sendo, porém, a base tributável limitada ao valor acrescentado em cada fase.
A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, traduzindo-se na seguinte operação: aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se ao montante assim obtido o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respectivas facturas de aquisição. O resultado corresponde ao montante a entregar ao Estado.
O IVA, aplicado de um modo geral e uniforme em todo o circuito económico, pressupondo a repercussão total do imposto para a frente, corresponde a uma tributação, por taxa idêntica, efectuada de uma só vez, na fase retalhista.
O método do crédito de imposto assegura, assim, que os bens utilizados na produção por uma empresa não sejam, em definitivo, tributados: as aquisições são feitas com imposto, mas dão lugar a uma dedução imediata no respectivo período de pagamento (salvo excepções, muito limitadas, destinadas a prevenir desvios fraudulentos).”.
j) Com efeito, o exercício do direito à dedução do IVA consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artigo 17.º, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito.
k) Tanto a dedução de IVA, como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no Código do IVA que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de IVA consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de IVA (cfr. a título exemplar, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.11.2004, Rec. 216/04 e ac. T.C.A.Sul2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.04.2014, Proc.7396/14).
l) No caso ora sob pronuncia arbitral, na inspecção tributária realizada à Requerente ao ano fiscal de 2012 e 2013, a Requerida teve necessidade de efectuar correcções ao IVA deduzido pela Requerente no ano de 2013 com base no disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, correcção que corresponde ao IVA suportado pela Requerente no pagamento das rendas decorrentes do contrato de locação financeira relativa à embarcação de recreio denominada “B…”, visto considerar que não existem indícios suficientes que permitam sustentar que a actividade de exploração daquela embarcação tenha tido carácter exclusivamente empresarial ou profissional (cfr. pontos C. e D. do probatório).
m) Por outro lado, a Requerente defende que, como a embarcação em causa é indispensável ao exercício da sua actividade de aluguer de embarcações, aplica-se o disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea a) do Código do IVA, assim não sendo aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 21.º do mesmo Código. Pelo que, a liquidação ora contestada enferma do vício de violação dos artigos 21.º do Código do IVA e 167.º, 168º. e 169.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.
n) Nos termos do artigo 20.º, nº. 1 do Código do IVA, só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito.
Sendo esta a regra, o Código do IVA estabelece, por outro lado, em certos casos, a exclusão do direito à dedução. Encontra-se nesta situação, o artigo 21.º do Código do IVA.
o) O fundamento de tal exclusão do direito à dedução encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a IVA suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais e/ou profissionais. A doutrina define que esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de IVA (cfr. a título de exemplo Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti Abuso no Direito Tributário Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.91 e seg.).
p) Efectivamente, a norma do artigo 21.º do Código do IVA exclui o direito à dedução de certas despesas que, atenta a sua natureza, permitem presumir que estas possam ser aproveitadas para a satisfação de necessidades particulares. O que significa que o legislador, embora admita que os bens ou serviços identificados no n.º 1 possam destinar-se a fins empresariais, ao reconhecer como difícil o controlo da sua utilização, optou por excluir a possibilidade de deduzir o IVA respectivo, evitando, assim, a possibilidade de fraude. O legislador procurou evitar as dificuldades que surgiriam na administração do imposto devido ao contencioso que inevitavelmente se iria gerar sobre esta matéria, consagrando na citada norma legal um conjunto de bens e serviços excluídos do direito à dedução, independentemente da sua utilização.
q) É neste contexto e com o referido propósito que surge a exclusão do direito à dedução do imposto prevista no artigo 21.º, nº. 1, alínea a) do Código do IVA, ora em discussão, respeitante às “despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos”. Resulta desta disposição legal que não se poderá, além do mais, deduzir o IVA contido nas despesas com a locação de barcos de recreio.
No entanto, a alínea a), n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA refere que “as despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo (…).”, não estão excluídas do direito à dedução.
r) Cumpre, averiguar, então, se a despesa referente às rendas derivadas do contrato de locação financeira que tem por objecto a embarcação de recreio “B…” podem ser enquadradas como não excluídas do direito à dedução, uma vez que aquelas respeitam a um bem (a embarcação “B…”) cuja exploração constitui objecto da sua actividade (cfr. ponto Q. da factualidade provada).
s) A Administração Tributária no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a Lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação, podendo, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, utilizar todos os meios de prova admitidos em direito, conforme artigo 72.º da LGT (cfr. Acórdão do Tribunal Central Sul, 2ª Secção, de 16.04.2013, Proc. nº. 5721/12).
t) Como resulta do probatório, consta do objecto da Requerente a locação de bens móveis registáveis. No Registo Internacional de Navios da Madeira a embarcação de recreio “B…” está registada sob o registo n.º R-…, onde consta como proprietária o “Banco C… S.A.” e sobre essa mesma embarcação está inscrita uma locação financeira a favor da Requerente (cfr. ponto Q. e T.).
u) Com efeito, é agora essencial aferir se a utilização e manutenção da embarcação de recreio foi efectivamente para utilização no âmbito da actividade operacional da Requerente, conforme decorre da alínea a), do n.º 2, do artigo 21.º do Código do IVA.
v) A actividade essencial da Requerente e para a qual está registada no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes é o “Aluguer de meios de transporte marítimo e fluvial”, CAE: … (cfr. ponto Q. do probatório).
O Decreto-Lei n.º 108/2009, de 6 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 95/2013, de 19 de Julho, estabelece as condições de acesso e de exercício da actividade das empresas de animação turística e dos operadores marítimo-turísticos.
De acordo com o seu artigo 4.º, n.º 2 “As actividades de animação turística desenvolvidas mediante utilização de embarcações com fins lucrativos designam-se por actividades marítimo-turísticas e integram as seguintes modalidades: a) Passeios marítimo-turísticos; b) Aluguer de embarcações com tripulação; c) Aluguer de embarcações sem tripulação; (…)”, como tal, a da Requerente.
Determina o artigo 5.º que apenas podem exercer estas actividades as entidades registadas no Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística (RNAAT) como operadores marítimo-turísticos.
w) Como consta do probatório, ponto V., no ano de 2013, as operações activas desenvolvidas pela Requerente são exclusivamente actividades marítimo-turísticas (aluguer de embarcações com tripulação/sem tripulação). Pelo que, o registo no RNAAT apresenta-se como obrigatório para a Requerente, estando esta registada somente a partir de 24 de Setembro de 2015 (ponto U. do probatório).
x) Neste contexto, podemos afirmar que a Requerente não estava registada como Agente de Animação Turística, e como tal, apta a exercer a actividade a que se propôs.
y) Efectivamente, não é um requisito obrigatório para que a Requerente possa deduzir na exploração da embarcação de recreio “B…” o IVA suportado nas rendas locatárias. No entanto, dado o facto de estarmos perante uma situação de IVA suportado em “inputs” em relação à qual se configura difícil controlar a sua bondade, razão pela qual foi criado o artigo 21.º do Código do IVA – norma especial anti-abuso em sede de IVA – a legalização da actividade da Requerente auxiliava no controlo e verificação dos critérios de utilização da embarcação e, por conseguinte, no direito à dedução do imposto disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 21.º do Código do IVA.
z) Acresce que, para além da falta de licenciamento para o exercício da actividade da Requerente, existem indícios sérios de que a embarcação em causa foi utilizada para fins particulares.
aa) É neste contexto que surgem os pontos O., P. V. e W. do probatório, no ano de 2013, do total da facturação da Requerente relativa à locação da embarcação de recreio “B…”, conforme a Requerida constatou, 65,96% foi emitida ao sócio e Presidente do Conselho de Administração da Requerente. No ano de 2014 até se agravou, a facturação emitida foi-o novamente para os membros do Conselho de Administração da Requerente, numa percentagem superior a 80%.
bb) Ora, entendemos que o caso em apreciação é um daqueles em que não é possível verificar que a utilização da embarcação de recreio “B…” se esgota no exercício da actividade desenvolvida – locação de meios de transporte marítimo e fluvial –, porque a Requerente não estava legalizada para o efeito, impossibilitando controlo e verificação dos critérios de utilização da embarcação, e numa percentagem correspondente a mais de metade da sua facturação (65,96%, que se agravou no ano de 2014 para 80%) representar a satisfação dos interesses dos sócios da Requerente e não em prol da actividade a que se propôs numa óptica de neutralidade do próprio imposto. Por conseguinte, encontra-se afastado o direito à dedução do imposto disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 21.º do Código do IVA.
cc) Sendo, de resto que, não basta uma mera aparência do exercício de uma actividade para permitir a dedução do IVA suportado, o que seria subverter o espírito de funcionamento do IVA possibilitando fraude, porque tem que ficar de fora o imposto relativo a bens e serviços cujo consumidor final é a própria empresa adquirente/seus administradores, pois estes bens e serviços não foram utilizados para possibilitar a obtenção de receitas tributáveis, mas usados para fins estranhos à empresa, que em última análise se reconduz à geração de receitas.
dd) Considerando o exposto nos pontos anteriores, não procede o alegado pela Requerente, logo o direito à dedução do IVA das despesas suportadas com uma embarcação de recreio, em circunstâncias como as do ora caso, não é possível, de acordo com o artigo 21.º do Código do IVA.
ee) Por conseguinte, também não podem ser atendidos os pedidos de juros indemnizatórios e devolução dos custos associados à garantia bancária prestada no âmbito do processo executivo n.º …2015…, no qual tem como objecto a liquidação adicional de IVA do período de 201312T.
VI – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar que não assiste razão à Requerente, devendo a liquidação do imposto efectuada pela AT manter-se na ordem jurídica.
Fixa-se o valor do processo em € 34.996,11, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido não foi procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, bem como da Tabela I anexa a este último.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2016.
O Árbitro
(Jorge Carita)