Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 145/2013-T
Data da decisão: 2014-02-21  IRC  
Valor do pedido: € 1.309.646,93
Tema: Aceitação de royalties como custo fiscal. Preços de Transferência. Criação líquida de postos de trabalho.
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Processo n.º 145/2013-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Dr. António Américo Coelho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-8-2013, acordam no seguinte:

1.Relatório

No dia 21-06-2013, a sociedade A…, S.A., NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista à:

(i)            Anulação do Despacho que indeferiu o Recurso Hierárquico, bem como, e consequentemente, do ato de tributário de liquidação adicional n.º 2010 …, relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, referente ao exercício de 2006, do qual, após a devida compensação, resultou o valor de € 1.309.646,93;

(ii)           Condenação da Requerida ao pagamento da indemnização correspondente à garantia prestada.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-06-2013.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Dr. José Nunes Barata e o Dr. António Américo Coelho, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-08-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 22-08-2013.

No dia 28-10-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT em que foi acordado haver lugar a produção de prova testemunhal e alegações orais.

Porém, posteriormente, na reunião para produção de prova testemunhal, optou-se por alegações escritas sucessivas, que as Partes apresentaram.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções nem se vê qualquer obstáculo a apreciação do mérito da causa.

2.Matéria de facto

2.1Factos que se consideram provados

 

  1. Relativamente ao período fiscal de 2006, o grupo B… era constituído por várias entidades, através de participações directas e indirectas, sendo a Requerente “A…, SA” (adiante designada por “A…” ou “Requerente”) a holding (residente em território nacional) do grupo (Relatório da Inspecção Tributária à Requerente, que consta do documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e de fls. 32 e seguintes do documento do Processo Administrativo digitalizado denominado «PA-RG-9», cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A Requerente optou pelo «Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades», previsto no CIRC, relativamente ao ano de 2006;
  3. Em 2006, o grupo de sociedades era constituído pelas seguintes sociedades:
    • “A…, SA” (…);
    • “C…, LDA.” (…);
    • “D…, SA” (…), doravante denominada “D…” ou “D…”;
    • “E…, LDA.” (…);
    • “F…, LDA.” (…);
    • “G…, LDA” (…);
    • H…, SA” (…);
    • “I…, SA” (…);
    • “J…, LDA” (…);
    • “K…, SA” (…) (Relatório da Inspecção Tributária).
  4. A actual denominação social “E…, LDA” [resultante de uma operação de concentração de actividades, realizada em 2008, nomeadamente uma operação de cisão-fusão em que a sociedade cindida (a D…) transferiu uma parte específica da sua actividade operacional para a sociedade beneficiária (E1…)] corresponde à anterior denominação social de “L…, LDA”.
  5. Foi efectuada uma inspecção à D… relativa ao ano de 2006, em que foi elaborado o relatório que consta do documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido (páginas 64 e seguintes do documento digitalizado com o nome “Doc. 1 a 6 (1).pdf” e páginas 1 a 27 do documento digitalizado com a designação “Doc. 6 (cont) a 16.pdf”; 
  6. Relativamente ao exercício de 2006, a D… contabilizou na conta “6222400000 FORNECIMENTOS E SERVIÇOS EXTERNOS” e considerou como custo fiscal, a título de royalties, o valor de € 1.496.054,92 (página 9 do Relatório da Inspecção à D…);
  7. Da quantia referida na alínea anterior, € 1.394.243,82 referem-se a pagamentos registados como tendo sido efectuados à H… (doravante “H…”) e foram registados da seguinte forma:

  1. A D… informou que os royalties referidos se reportam à cedência à D… do direito de uso das “B…”, “K…” “I…” “J…” e “C…” (com exclusão de “C1…') (Classe … – …) de que seria titular a H…, com sede em …, Jersey, …, Channel Islands; (página 10 do Relatório da Inspecção à D…);
  2. Das duas transferências referidas, a de 24-10-206 foi efectuada para uma entidade também com sede em Channel Islands com a denominação de “M... (NOMINEES) LIMITED – T…” (página 10 do Relatório da Inspecção à D…);
  3. No exercício fiscal de 2006, a D… era detida a 100% pela Requerente, que, por sua vez, era detida maioritariamente pela H… (página 10 do Relatório da Inspecção à D…);      
  4. O desenvolvimento e promoção (A&P) das diferentes marcas são directamente contratadas pela D… suportando esta, os respectivos custos inerentes à sua promoção e desenvolvimento, sendo que no ano de 2006 ascende ao valor global de € 3.826.641.64 (Relatório da Inspecção Tributária à D…, páginas 27 e 31);                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          
  5. A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu efectuar uma correcção à matéria tributável da D… no montante de € 1.279.687,00, para além de aplicar uma tributação autónoma de € 447.890.45, no que concerne às quantias pagas a título de royalties à H… relativos às marcas associadas às denominações “B…”. “K…”, “I…” e “J…”, por considerar exagerados os montantes, como base nos fundamentos que constam de fls. 24 a 26 do relatório da inspecção à D…, que se dá como reproduzido, de que extraiu as seguintes conclusões: 

“Assim, de acordo com todas as conclusões acima relatadas das quais, entre outras, cabe destacar a presumível alienação, à sociedade holding do grupo com sede em território com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável, dos registos de marcas centenárias (Classe … – …) pelo montante unitário de dois mil escudos (€ 9,98 por cada marca), na sequência da qual veio a D…, no exercício de 2006, a contabilizar (e a considerar como custo fiscal) royalties, no montante de €1.279.687,00 [€ 890.203,40 (B…) + € 326.823,20 (K…) + € 60.148,12 (I…) + € 2.512,28 (J…)], revelam-se estes de montantes exagerados, pelo que, face ao que dispõe o n.º 1, do Artigo 59.º (actual Artigo 65.º), do Código do IRC não são dedutíveis tais custos para efeitos da determinação do lucro tributável, havendo lugar ainda a tributação autónoma em sede de IRC de acordo com o disposto no n.º 8, do Artigo 81.º (actual Artigo 88.º), igualmente do Código do RC, no montante de € 447.890.45 (€ 1.279.687 00 x 35%)."

  1. Marcas associadas à denominação “C…” encontravam-se, no ano de 2006, registadas no INPI em nome da D…: Registos Nacionais n.ºs …, quanto à “C2…”; n.º …, quanto à “C3…”; n.º 1… quanto à “C4…”); (Relatório da Inspecção Tributária à D… página 27);
  2. Com os fundamentos que constam de páginas 27 e 28 do Relatório da Inspecção Tributária à D…, que se dão como reproduzidos, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se provou que tivessem sido pagos os royalties relativos às marcas associadas à denominação “C…”, dizendo, além do mais, o seguinte:

“Assim, de acordo com todas as conclusões acima relatadas das quais, entre outras, cabe destacar que é a D… que suporta os respectivos custos inerentes promoção e desenvolvimento das respectivas marcas (C…), a não comprovação da titularidade das marcas em causa (de acordo com os elementos disponíveis algumas marcas são tituladas pela D…) e a inexistência de quaisquer registos (Registos Nacionais, Comunitários e Internacionais) a favor da H…, verifica-se que os encargos respectivos, no valor de € 114.556,82, não correspondem a operações comprovadamente realizadas, pelo que, face ao que dispõe o n.º 1, do Artigo 59.º (actual Artigo 65.º), do Código do IRC não são dedutíveis tais custos para efeitos da determinação do lucro tributável relativo ao exercício de 2006, havendo lugar ainda a tributação autónoma em sede de IRC de acordo com o disposto no n.º 8 do Artigo 81.º (actual Artigo 88.º) igualmente do Código do IRC no montante de € 40.094,89 (€ 114.556,82 x 35%).” 

  • A D… inscreveu na sua contabilidade, a título de royalties, (conta 6222400000) o valor de € 101.810,60, registado da seguinte forma:

  1. Os royalties referidos na alínea anterior reportam-se à cedência, à D…, do uso de várias marcas associadas à denominação L… (Classe … - …) de que é indicada como titular uma entidade com sede na Zona Franca da Madeira e cuja denominação é “N…, SA (doravante designada por N…), que é detida na totalidade pela H… (Relatório da Inspecção Tributária à D…, páginas 28-29);
  2. A cedência foi concretizada através de uma escritura de cisão-fusão celebrada em 20-12-2002, através da qual foram transmitidas pela H… (sociedade cindida) a favor da N… (sociedade incorporante) as marcas associadas à denominação L…, as quais se encontravam agrupadas, no património da sociedade cindida, com o valor contabilístico de zero H… (Relatório da Inspecção Tributária à D…, páginas 29-30 e documento n.º 47 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. As marcas associadas à denominação L… encontravam-se registadas e eram tituladas pela sociedade "L1…, Lda”, que foi incorporada em 19-6-1998 na sociedade “C…, S.A.” e, em 12-8-2002 essas marcas foram registadas a favor da Requerente (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 30);
  4. As marcas n.°s … (L2…), … (L…), e … (L3…) só se encontram registas a favor da N…, com data de início em 14-12-2006 e encontravam-se registadas até esta data a favor da sociedade cindida H… (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 30);
  5. Em 2006, só existia um registo (Registo Comunitário) de marca internacional, n.° … (L…), a favor da N… e com data de início em 22-02-2005 (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 30);
  6. Relativamente ao exercício de 2006, os únicos proveitos declarados pela N… (prestações de serviços) são os relativos aos royalties, acima quantificados, não apresentando custos associados à promoção das respectivas marcas (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 30);
  7. A D… possuía em 2006 um departamento de marketing próprio, sendo a promoção das diferentes marcas de … comercializadas pela mesma efectuadas localmente por entidades especializadas e independentes sendo que a publicidade e promoção (A&P) das diferentes marcas são directamente contratadas pela D… suportando os respectivos custos, que no ano de 2006 foram contabilizados em € 3.826.641,64) (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 31);
  8. A D… no ano de 2006 vendeu produtos com marcas associadas à denominação “L…” (documento n.º 30 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o pagamento da quantia referida à N… não podia ser considerado indispensável para a realização dos proveitos da D…, pelos fundamentos indicados nas páginas 32 a 35 do Relatório da Inspecção Tributária à D…, em que conclui da seguinte forma:

“Assim, de acordo com as conclusões acima relatadas das quais cabe destacar a transmissão pelo valor contabilístico zero e a inexistência de custos suportados pela N… e relativos às respectivas marcas os quais foram suportados pela D…, o custo contabilizado a titulo de royalties, a favor da N…, no valor de € 101.810,60, não é dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável do ano de 2006, porquanto o mesmo, de acordo com o que dispõe o n.º 1, do Artigo 239, do Código do IRC, não é comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos.”

  1. No ano de 2006, a D… efectuou vendas no valor de € 1.223.135,00 à empresa O… LTD (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 33);
  2. A O…, LTD (a seguir designada por “O…” ou “O…”) tem sede em …, Jersey, …, Channel Islands, onde é também a sede da H…, sendo que o telefone (01534) … e o telefax (01534) … comuns a ambas as sociedades (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 33);
  3. As vendas efectuadas pela D… à O… consubstanciam-se em … de “” e “” (categorias especiais de … de várias denominações, unicamente, do grupo B…) (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 34);
  4. No ponto 7.5.1. do dossier de preços de transferência da D… (cuja cópia constitui o documento n.º 49 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido), é referido o seguinte, relativamente às vendas à O…:

“A aplicabilidade do MPCM às operações em análise fica totalmente impossibilitada, uma vez que:

 A D… não vende mercadorias similares a entidades independentes;

 No seio do Grupo B… não existem transacções similares efectuadas com entidades independentes;  e

 Não foi possível a obtenção de informação pública sobre transacções que envolvam produtos similares, realizadas entre duas entidades independentes”;

Cumpre acrescentar que existem transacções dos produtos transaccionados com a O… com entidades independentes, não obstante, em tais casos, não se encontram preenchidos vários requisitos de comparabilidade sendo que a utilização do MPCM requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes, o que não se verifica entre as vendas à O… e às entidades independentes, conforme demonstrado a seguir.

Características dos bens – Quantidades vendidas

Existem diferenças significativas entre os volumes transaccionados (em …) com a O… e com entidades independentes que, naturalmente, também implicam divergências nos preços médios dos produtos transaccionados, sendo que não é possível a introdução de ajustamentos, uma vez que (i) o critério de redução do preço, em função das quantidades transaccionadas com a O…, não tem paralelo com qualquer outro cliente da D…, para o mesmo tipo de categorias, e (ii) deve-se, essencialmente, a uma situação de oferta e procura, em que a procura da O… garante à D… o escoamento de uma parte significativa da sua oferta daquelas categorias, transferindo para a O… a responsabilidade de comercialização dessas tipologias de produtos.

Análise funcional

No caso da O… trata-se de um distribuidor (grossista) que vende a outros distribuidores e que, face aos volumes que adquire à D…, retira a esta a responsabilidade da comercialização dessas tipologias de produtos, i.e., os riscos de mercado, de perdas e danos (de stock) de câmbio e de crédito dos produtos transaccionados.

Relativamente às entidades independentes trata-se, em regra, de distribuidores a retalho que vendem directamente ao público e que, individualmente, adquirem quantidades pouco significativas, pelo que não se pode considerar que, face aos volumes transaccionados, se verifique uma transferência do mesmo grau de risco, da D… para estas  entidades.

A análise funcional só permite comparar operações entre entidades que se situem na mesma fase do circuito de comercialização. Uma vez que a O… e as entidades independentes não se encontram na mesma fase do referido circuito, por serem entidades funcionalmente distintas, e pelo que também assumem riscos diferentes, conclui-se que, em virtude das divergências quanto a este factor, a aplicação do MPCM também não é a mais apropriada.

Circunstâncias económicas – Mercados geográficos distintos

 

Para as mesmas mercadorias vendidas à O…, não existe qualquer outro cliente (independente) representativo localizado no Reino Unido que, como é do conhecimento público, constitui um mercado tradicional e o principal mercado de destino das categorias especiais das empresas de …., conforme demonstrado no capítulo 4, que inclui os dados oficiais do Instituto … (I…).

No mesmo capítulo, também se pode verificar que o mercado do Reino Unido, para além de ser o principal consumidor de categorias especiais, é a localização para a qual o preço médio por … das referidas categorias especiais é o mais baixo.

Circunstâncias económicas – Estádio de comercialização

As transacções com a O… e com os outros clientes (independentes) situam-se em fases do circuito de comercialização diferentes, uma vez que a O… é um distribuidor grossista que vende a outros distribuidores e que retira da D… a responsabilidade pela comercialização das tipologias de produtos que adquire, enquanto que os outros clientes são, na sua grande maioria, retalhistas que vendem ao público em geral, não retirando à D… qualquer tipo de risco.

Tais diferenças na fase do circuito de comercialização, implicam o exercício de funções, a utilização de activos e a assumpção de riscos distintos, também requerem remunerações igualmente distintas, pelo que é consentâneo com o princípio de plena concorrência que os preços praticados com a O… sejam proporcionalmente inferiores aos praticados com os outros clientes.

Estratégia empresarial

A O… é um cliente âncora da D…, que em virtude dos seus próprios canais de distribuição, assegura à D… que o mercado do Reino Unido, o principal mercado para o …, represente uma quota bastante significativa das respectivas vendas de categorias especiais, bem como uma presença constante e de realce naquele mercado.

Condições contratuais – Prazos de pagamento

 

A O… paga with order (no acto de encomenda), sendo as facturas emitidas posteriormente, enquanto que os outros clientes pagam a 30/60/90 dias.

Tendo em conta o incumprimento dos factores de comparabilidade acima enunciados e, adicionalmente, conforme disposto na Portaria, no artigo 4º, n.º 2, que se considera como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que implicar o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis, concluiu-se impraticável a análise das vendas de mercadorias à O… com recurso à utilização do MPCM, até porque, devido à singularidade destas últimas transacções, não é possível efectuar os ajustamentos que possibilitem a sua comparação com transacções qualquer outra entidade independente.

Relativamente às restantes transacções com entidades residentes em regimes fiscais privilegiados, incluídos na Portaria 150/2004, a respectiva imaterialidade (no seu conjunto, estas transacções, representam 0,41% do total de proveitos operacionais da Empresa), face ao disposto no Preâmbulo da Portaria 1446-C/2001, que refere que os contribuintes não devem incorrer em custos de observância desproporcionados, não justificava uma análise autónoma com recurso ao MPCM.

Assim, tratando-se igualmente de um método transaccional, o MCM surge como método mais apropriado para sustentar e justificar o princípio da plena concorrência nas operações em apreço. A aplicação do MCM tem como base o montante de custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruta (mark up) praticada numa operação não vinculada.

(...)

Não obstante as características idênticas da entidade testada e das entidades que vamos pesquisar, essencialmente distribuidores de … alcoólicas, verificamos, no entanto, que a D… também desempenha ligeiras funções de transformação (…) dos produtos comercializados.

Face às diferenças de estruturas de custos que daí podem resultar entre a parte testada e as entidades comparáveis, entendemos adequado complementar a avaliação do cumprimento do princípio da plena concorrência com o MMLO, comparando para o efeito a rentabilidade operacional da Empresa com o padrão do mercado”.

(...)

 “Em 2006, no desenvolvimento da sua actividade, enquanto entidade que essencialmente comercializa …, a D… auferiu uma margem bruta sobre Volume de Negócios de 48,54%. Este valor encontra-se acima do máximo (34,58%) do intervalo de rentabilidade bruta de empresas potencialmente comparáveis”.

Relativamente ao indicador da margem líquida, a rentabilidade da empresa em 2006 foi 9,55%. Este valor encontra-se igualmente acima do máximo (3,76%) do intervalo de rentabilidades”.

(...)

 “Aplicando os dois métodos, verifica-se que os preços de transferência da D… nas vendas de …, porque apresentam rentabilidades acima do padrão de mercado, não têm qualquer tipo de efeito redutor da matéria colectável”;

Tendo em conta o incumprimento dos factores de comparabilidade acima enunciados e, adicionalmente, conforme disposto na Portaria, no artigo 4º, n.º 2, que se considera como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que implicar o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis, concluiu-se impraticável a análise das vendas de mercadorias à O… com recurso à utilização do MPCM, até porque, devido à singularidade destas últimas transacções, não é possível efectuar os ajustamentos que possibilitem a sua comparação com transacções qualquer outra entidade independente.” (A sigla O… identifica a entidade relacionada O…). (Relatório da Inspecção Tributária à D…, páginas 34 a 46);

  1. A D…, no ano de 2006 efectuou vendas de … dos mesmos … e anos de … a clientes independentes, residentes e não residentes, no território nacional (Relatório da Inspecção Tributária à D…, página 34 e seu Anexo IV);
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a correcção da matéria tributável da D… relativamente às transacções com a O…, no montante de € 931.803,29, pelos seguintes fundamentos:

(i) A D… não demonstra, clara e inequivocamente, no seu DOSSIER qual o método utilizado (divergência verificada, nos métodos utilizados, entre as informações constantes do DOSSIER e do ANEXO “H” conforme anteriormente referido) dos previstos no n.º 3, do Artigo 58.º, do Código do IRC, nas operações realizadas com a O… e com as outras entidades (operações vinculadas);

(ii) O respectivo DOSSIER não releva quaisquer cálculos de fixação de preços nas operações vinculadas, designadamente, as vendas facturadas à O…;

(iii) Relativamente às operações vinculadas a D… compara a rentabilidade total da empresa, em 2006, com as rentabilidades totais do mercado, sendo que a situação em análise é relativa, somente, a cerca de 2,00% do total das suas vendas, sendo que os produtos em análise são … “…” e “…” próprios e exclusivos do grupo B…;

(iv) É referido pela D… que não é possível efectuar os ajustamentos que possibilitem a sua comparação com transacções com qualquer outra entidade independente.

«1.2.3.1 DESCRIÇÃO DAS RELAÇÕES ESPECIAIS

Tendo a D…, no exercício de 2006, registado na sua contabilidade e declarado vendas a uma entidade (O…) com sede em …, Jersey, …, Channel Islands, sendo que Jersey é parte integrante das “Ilhas do Canal”, qualificadas como “paraísos fiscais” ou “territórios e regiões com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável” e de acordo com o disposto na al. 14), da Portaria n.º 150/2004, de 13/02, considera-se, nos termos da al. h), do n.º 4, do Artigo 58.º do Código do IRC, que existem relações especiais, o que se considera verificado, designadamente, entre uma entidade residente (D…) e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável (O…).

Ainda de acordo com o disposto na Portaria n.º 150/2004, de 13/02, as localizações das sedes das outras entidades acima identificadas (Ilhas Bermudas, Ilhas Cayman, Hong Kong) são qualificadas como “territórios e regiões com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável” considerando-se, desta forma, nos termos da al. h). do n.º 4, do Artigo 58.º, do Código do IRC, que existem relações especiais, o que se considera verificado, designadamente, entre uma entidade residente (D…) e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável.

1.2.3.2 OBRIGAÇÕES INCUMPRIDAS

Em face do exposto nos pontos anteriores, desenvolvemos as análises necessárias a determinar se, conforme dispõe o Artigo 58.º do Código do IRC e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, nas operações vinculadas com a O… e com as outras entidades vinculadas (acima identificadas) foram praticados preços de plena concorrência, ou seja, se os preços praticados foram substancialmente idênticos aos estabelecidos com os demais clientes independentes.

Para o efeito, tendo por base todos os elementos fornecidos pela D… (em anexo ao respectivo “Processo de Evidência de Trabalho”), procedemos às análises seguintes:

(i)     Identificação de todos os “…” e “…” que, no ano de 2006, foram objecto de facturação para as entidades relacionadas (designadamente a O…) e, igualmente, objecto de facturação para clientes independentes da D…;

(ii)   Identificados os respectivos “…” e os “…”, procedemos, conforme mapa elaborado (ANEXO V, Folhas 1 e 2, ao presente RELATÓRIO, para dele fazer parte integrante), para cada um dos …, às seguintes determinações:

a)  Do “Preço Médio de Venda”, por …, para as entidades relacionadas;

b)  Do “Preço Médio de Venda”, por …, para clientes independentes;

c)   Calculados os “Preços Médios de Venda”, procedemos, com vista a determinarmos se os mesmos são substancialmente idênticos, aos estabelecidos com os demais clientes independentes, à comparação dos mesmos;

d)  Essa comparação levou-nos a concluir que os preços praticados, nas facturas emitidas às entidades relacionadas (designadamente a O…), são, substancialmente, inferiores aos praticados para clientes independentes.

Assim:

Considerando que é inquestionável, conforme se expôs nos pontos anteriores do presente Capítulo, a existência de relações especiais com a O… e com as outras entidades, acima identificadas, que levaram a apurar um resultado distinto do que se apuraria na ausência dessas relações, na medida em que foram praticados preços substancialmente inferiores aos praticados com clientes independentes em operações comparáveis, não deu, a D…, cumprimento às seguintes obrigações previstas nas disposições legais a seguir identificadas:

–    Conforme dispõe o n.º 1, do Artigo 58º, do Código do IRC nas operações vinculadas com as entidades relacionadas (designadamente a O…), não foram praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente foram contratados com clientes independentes, ou seja, não foram cumpridas as regras de plena concorrência.

–    De acordo com o disposto no n.º. 8, do Artigo 58.º, do Código do IRC, nas operações com as entidades relacionadas (designadamente a O…. não foram efectuadas, na Declaração Periódica de Rendimentos, Modelo 22, a que se refere o Artigo 112.º (actual Artigo 120º) do Código do IRC os necessários ajustamento positivos na determinação do lucro tributável.

1.2.3.3 APLICAÇÃO DOS MÉTODOS PREVISTOS NA LEI

A aplicação do “Método do Preço Comparável do Mercado” (MPCM) compara o preço praticado em transacções vinculadas com o preço praticado em transacções de mercado aberto, sendo que as operações comparáveis, para além de poderem ser as efectuadas entre entidades independentes podem ser as efectuadas entre a empresa e entidades independentes.

Considerando que se tratam de … “…” e “…” próprios do grupo “B…” (em que a D… se encontra inserida conforme ORGANOGRAMA em anexo ao presente RELATÓRIO), o método utilizado, para verificação do cumprimento das regras de plena concorrência, foi o “Método do Preço Comparável do Mercado”, previsto na al. a). do n.º 3 do Artigo 58.º do Código do IRC (comparação entre as operações vinculadas e as respectivas operações efectuadas com entidades independentes).

1.2.3.4 QUANTIFICAÇÃO DOS RESPECTIVOS EFEITOS

Dos cálculos efectuados, apuramos um valor global de € 931.803,29 (Cfr. Coluna n.º 14, do ANEXO V, Folhas 1 e 2, ao presente RELATÓRIO para dele fazer parte integrante), para o ano de 2006, resultante dos preços praticados serem substancialmente inferiores (Cfr. Coluna n.º 13, do ANEXO V, Folhas 1 e 2 ao presente RELATÓRIO para dele fazer parte integrante) para as entidades relacionadas, em comparação com preços praticados para entidades independentes.

 CONCLUSÃO (PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA ARTIGO 58.º. DO CÓDIGO DO IRC)

Da aplicação do critério, acima identificado, resulta a correcção, no exercício de 2006, aos proveitos declarados para efeitos de IRC e, consequentemente, ao lucro tributável, igualmente declarado, no valor global de € 931.803,29, dado não ter sido dado cumprimentos às disposições constantes do n.º 1 (incumprimento das regras de plena concorrência) e do n.º 8 (não foram efectuadas as correcções positivas ao resultado liquido declarado), ambos do Artigo 58.º, do Código do IRC.” (Relatório da Inspecção Tributária, páginas 37 a 39);

  1. A D…, relativamente ao exercício de 2006, inscreveu no Campo F155, do ANEXO "F" à IES, prevista no Artigo 113.º (actual Artigo 121.º) do Código do IRC, o valor de € 230.866,66 relativo à consideração da majoração de 50% prevista no actual Artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e denominado de "Majoração à Criação Emprego para Jovens" (Relatório da Inspecção Tributária, página 39);
  2. A D… deduziu o valor referido na alínea anterior ao Resultado Líquido do Exercício (RLE), porquanto inscreveu-o na Linha 234 do Quadro 07, da respectiva Declaração de Rendimentos, Modelo 22 de IRC, afectando, desta forma, negativamente o lucro tributável no montante de € 230.866,66 (Relatório da Inspecção Tributária, página 39);
  3. Na quantia referida na alínea anterior inclui-se o valor de € 69.611,09 o qual é relativo à majoração dos encargos suportados em 2006 com os empregados cuja criação líquida de postos de trabalho ocorreu em 2001 (Relatório da Inspecção Tributária, página 39);
  4. A D…, no exercício de 2006, considerou para efeitos do benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho, os seguintes encargos, após majoração, suportados com o trabalhador a seguir identificado:

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a D…, no exercício de 2006, considerou indevidamente como benefício fiscal o valor de € 18.773,64, que deduziu ao valor do resultado líquido do exercício, porquanto inscreveu-o na Linha 234 do Quadro 07, da respectiva Declaração de Rendimentos, Modelo 22 de IRC), afectando, desta forma, negativamente o lucro tributável naquele montante Relatório da Inspecção Tributária, página 41);
  2. Foi efectuada uma inspecção à Requerente, relativa a IRC e ao ano de 2006, com base na Ordem de Serviço n.º OI2009…;
  3. No RIT elaborado na sequência dessa inspecção formularam-se as seguintes propostas de correcção aos valores declarados em sede de IRC e Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) pela sociedade D…:

a) Correcções ao lucro tributável, declarado, por custos escriturados (considerados para efeitos fiscais) e não dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável: € 2.427.867,71 (Artigos 23.º, 58.º e 59.º, todos do Código do IRC);

b) Tributações autónomas, em sede de IRC: € 487.986,34 (Artigo 81.º, n.º 8, do Código do IRC);

c) Correcções aos benefícios fiscais utilizados relativos ao emprego para jovens: € 18,173,64 (Artigo 17.º do EBF);

  • Em face da opção da Requerente pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a Autoridade Tributária e Aduaneira fez repercutir as referidas correcções à matéria tributável da D… na matéria tributável do grupo de sociedades, efectuando correcções aos valores declarados na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, apresentada e relativa ao apuramento da matéria colectável do grupo, nos seguintes termos, referidos no relatório da inspecção:

 

  1. Com base nas correcções referidas, foi efectuada, em 25-8-2010, a liquidação de IRC n.º 2010 … e, em 30-8-2010, a compensação n.º 2010 …, em nome da Requerente, de que resultou o valor a pagar de € 1.309.646,93 (documento n.º 1, junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 23-12-2010, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, que veio a ser indeferida, por despacho de 4-11-2011, da Senhora Chefe da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do … (documento n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos, e Processo Administrativo digitalizado);
  3. A Requerente foi notificada do despacho referido na alínea anterior através de carta registada com aviso de recepção recebida em 9-11-2011 (documento n.º 3, junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e Processo Administrativo digitalizado);
  4. Em 13-12-2011, a Requerente interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, e documento do Processo Administrativo digitalizado com a designação «PA-RH-1 1.ª PARTE», cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Por despacho de 21-3-2013, proferido pelo Senhor Subdirector Geral, Substituto Legal do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, foi indeferido o recurso hierárquico referido na alínea anterior (documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e fls. 60 do documento do Processo Administrativo digitalizado com a designação «PA-RH-1 17.ª PARTE», cujo teor se dá como reproduzido);
  6. O despacho referido na alínea anterior manifestou concordância com a Informação que consta do documento n.º 5, junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e de fls. 1 a 23 do documento do Processo Administrativo digitalizado com a designação «PA-RH-1 18.ª PARTE», cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

B) Das royalties não aceites como custo fiscal

 

No exercício de 2006, foi considerado pelo sujeito passivo como custo fiscal, a título de royalties, um valor total de € 1.496.054,92 – ou seja, € 1.394.243,82 pagos pela sociedade D… à sociedade H…. (adiante designada por H…) pela utilização das marcas B…, K…, I…, J… e C…, e € 101.810,60 pagos à sociedade N…, S,A. (doravante, N…) pela utilização de várias marcas de … (L…). Estas duas sociedades estavam domiciliadas em territórios com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis (paraísos fiscais) respectivamente, Jersey e Zona Franca da Madeira. Quanto ao pagamento das royalties pela sociedade D… à sociedade H…, de acordo com documentação apresentada pela entidade inspeccionada, encontra-se titulado por duas transferências bancárias efectuadas em Outubro de 2006 e Março de 2007, sendo que a primeira, no valor de € 536.230,40, foi efectuada a favor de uma terceira entidade – M… (Nominees) Limited, também domiciliada em Jersey. A entidade inspeccionada (D…) era detida, indirectamente e quase na totalidade, pela referida sociedade H….

Prima facie, o n.º 1 do então artigo 59 a (actual 65º) do Código do IRC dispunha, a propósito dos pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, o seguinte:

“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”.

Esta norma visa, a final, disciplinar os pagamentos a entidades residentes em territórios com regime fiscal claramente mais favorável, surgindo inserida num contexto de combate a práticas de evasão e fraude fiscais, que assumem cada vez mais uma dimensão internacional, acolhendo medidas designadas de anti-abuso ou defensivas, com vista a restringir a deslocalização de rendimentos para territórios que lhes assegurem um regime fiscal privilegiado. A lei impõe, aqui, ao sujeito passivo a obrigação de demonstração da ocorrência das operação e da razoabilidade dos pagamentos efectuados estabelecendo uma clara inversão do ónus da prova. Ou seja, o legislador, bem sabendo das dificuldades na averiguação (disclosing) das operações tituladas por sociedades offshore, acolheu a solução da inversão do ónus da prova quando, como in casu, uma empresa portuguesa suporta encargos que se traduzem em pagamentos a entidades instaladas nesses territórios, pretendendo que essas importâncias sejam consideradas dedutíveis para efeitos de determinação do seu lucro tributável.

Assim, a legitimação para efeitos fiscais da dedução do custo apenas se obtém, desde que provado pelo contribuinte de que foram satisfeitos, cumulativamente, dois requisitos, a saber:

– a materialidade das operações;

– o carácter não anormal ou montante não exagerado das operações.

Atenta a prova concreta e efectivamente produzida nos presentes autos, não é possível acompanhar o invocado pela Recorrente no sentido da verificação de ambos os requisitos cumulativos. Seja na verificação material das operações titulada pelas facturas emitidas pelas versadas sociedades offshore, seja no carácter não anormal e no montante não exagerado dessas mesmas operações. Quando, como vimos, era sobre a Recorrente que impendia o ónus da respectiva prova, tendo mesmo sido notificada expressamente para esse efeito.

Em suma, e conforme se alude no relatório de inspecção (fls. 144 dos presentes autos), “em momento algum foi demonstrado e comprovado que as respectiva as marcas foram objecto de real transmissão para a sociedade holding do grupo e com sede em território com regime de tributação privilegiada”. Não feita tal prova [1] ) pelo contribuinte, e em face dos vários e consistentes indícios detectados, a inspecção tributária efectuou as suas correcções com fundamento na desproporção existente entre o valor da transmissão das marcas e o valor das royalties pagas, ainda para mais quando as sociedades beneficiárias estavam domiciliadas em paraísos fiscais [2] ) e uma delas (a H…) mantinha uma relação de domínio sobre a sociedade pagadora.

Numa situação como a aqui controvertida, não bastaria ao sujeito passivo lançar a dúvida sobre a desconsideração dos custos efectuada pela Administração Fiscal. O ónus da prova recai, em face do actual artigo 65.º do Código do IRC, sobre quem declarou. Cabia ao sujeito passivo (ora Recorrente) provar factos certos e concludentes que infirmassem, fazendo a respectiva prova concreta, a existência das operações subjacentes às facturas e o seu carácter não anormal e o montante não exagerado.

 Estando em causa a legalidade da consideração de custos fiscais contabilizados e declarados pelo sujeito passivo, a Administração Fiscal actuou no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao principio da legalidade, tendo em conta a factualidade individualmente considerada e valorada, limitando-se a actuar em consequência da falta da prova exigida pelo então artigo 59.º, não considerando dedutíveis tais custos.

 Em todo o direito de defesa – em sede de inspecção, reclamação graciosa, e agora de recurso hierárquico – perpassa todo um esforço por parte da Recorrente em refutar o itinerário e conclusões da inspecção que fundaram a liquidação adicional, o que é legitimo, mas, manifestamente, insuficiente. Em face do então artigo 59.º, estava adstrito a, per si, fazer a prova dos requisitos exigidos para a dedutibilidade dos custos.

Assim, legitimada a actuação da Administração Fiscal, como vimos, o esforço probatório competiria ao sujeito passivo, no intuito de primeiramente demonstrar a efectividade das operações e o seu carácter não anormal e montante não exagerado, afastando, por esta via, os indícios recolhidos pela inspecção tributária.

Em suma, não bastaria depois ao sujeito passivo (a Recorrente) ter alegado factos que pusessem em dúvida a interpretação operada pela Administração Fiscal. Cabia-lhe, isso sim, o ónus da prova de tais factos, por si aduzidos – a prova concludente de tais factos.

Ora, o sujeito passivo em nada, ou muito pouco, apresentou provas concludentes de molde a afastar as correcções adicionais à matéria colectável e a sustentar a veracidade dos factos por si aduzidos. E teve em mãos, pelo menos, 4 (quatro) possibilidades de o fazer, querendo: no decurso da acção inspectiva, no exercício do direito de audição ante o projecto de relatório de inspecção, na reclamação graciosa e, agora em sede de recurso hierárquico.

De acordo com a posição do sujeito passivo (ora Recorrente), em 1996 terão sido transferidos para a sociedade H… os activos e passivos das sociedades K… Limited, I… Limited e J… Limited – todas domiciliadas em Jersey, passando aquela a ser detentora das marcas, e assim passando a ser-lhe devidas as royalties correspondentes ao licenciamento. No caso presente, as royalties teriam sido contabilizadas como custo fiscal, em cumprimento de contratos que haviam sido celebrados entre a H… e aquelas suas três sociedades participadas, em cuja posição contratual dominante a D… sucedeu por força de um processo de cisão-fusão e fusão por incorporação (vide o Anexo II do relatório de inspecção, a fls. 203).

De acordo com elementos obtidos junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), ao abrigo do artigo 28.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), resulta que várias das marcas que figuram nos contratos celebrados pelas sociedades residentes com as sociedades não residentes não se encontravam registadas em nome da H…, outras encontravam-se caducadas e outras ainda não chegaram a ser objecto de qualquer registo (vide fls. 12 e segs. do relatório de inspecção).

Ao contrário do que a Recorrente parece sustentar, as correcções técnicas não se fundaram nas informações remetidas pelo INPI. Aliás, se a Recorrente desconsidera essas informações, então a fortiori ratione também não serão de valer as informações por aquela prestadas relativas ao registo das marcas noutros Estados. Se aceitamos a verdade daquilo, então com muito mais razão temos de aceitar a verdade disto.

Cumpre salientar que o registo de uma marca não é obrigatório. É antes uma medida de protecção da marca – o registo da marca em determinado Estado, apenas protege essa marca nesse Estado. A pretender-se assegurar a protecção da marca além fronteiras dever-se-á requerer o registo através do sistema internacional e/ou sistema comunitário.

Em Portugal, como sabemos, cabe ao INPI assegurar a promoção e a protecção da marca, quando aí registada, a nível nacional, De igual modo, existem outras entidades homólogas ao INPI, sedeadas noutros países – nesse sentido, apresenta a ora Recorrente alguns certificados emitidos pelo The Pattent Office (TPO) – instituto homólogo existente em Inglaterra – e, a ser assim, esse registo somente protege as marcas em Inglaterra.

Assim sendo, se para o registo da marca Junto do INPI existem requisitos e condicionalismos, também os haverá para os restantes institutos, seus homólogos sedeados noutros Estados, os quais, todavia, não são do nosso conhecimento. A serem apresentados certificados daqueles institutos cuja marca se apresenta titulada por terceiros –que não a D… –, também desconhecemos quais os documentos exigidos para seu registo.

Não obstante, sabemos que o INPI aceitou para registo os documentos de cessão de marcas, de que mais tarde veio a remeter cópias aos serviços da Inspecção Tributária.

Ainda assim e em bom rigor, as correcções em apreço não resultam do facto de estarem ou não registadas as marcas nos Estados onde as mesmas foram comercializadas, nem resultam de ser questionada a titularidade da marca – que é unânime, pertenciam àquela data, à H….

Com efeito, as marcas foram transmitidas à H… – a inspecção não questionou a sua titularidade, conforme já se referiu. Porém, foi do conhecimento da inspecção, pelos elementos de que dispôs – os documentos de cessão de marcas – que tal transmissão foi em 1996, e que àquela data, foram transmitidas por um valor muito inferior àquele que foi pago anualmente á H… sob a forma de royalties. Razão pela qual, a inspecção foi levada a concluir que o montante de pagamentos efectuado pela D… era de montante exagerado.

A ora Recorrente, embora alegue que aquelas escrituras de cessão de marcas, reconhecidas notarialmente, se tratariam de um mero formalismo para efeitos de registo da marca junto do INPI, não traz provas aos autos no sentido de que a transmissão das marcas se verificou em momento anterior e que se encontra documentada por elementos igualmente válidos.

Também não é apresentada qualquer explicação para que as mesmas sociedades (que vieram a ser incorporadas na D…) assumissem um contrato para pagamento de royalties por montante superior àquele que transmitiram as suas próprias marcas.

Não havendo prova em contrário, têm que se entender como válidas tais escrituras, e como certo o montante que envolveu a sua transmissão – valor notoriamente reduzido, atendendo a que estamos perante a transmissão de marcas centenárias e cuja sua reputação no mercado já havia sido adquirida.

A não aceitarmos como idóneas as escrituras de cessão de marcas –reconhecidas notarialmente, não se observa como possa a Recorrente depois pretender que sejam aceites como prova, os demais documentos por si apresentados – a saber, os contratos de utilização de marcas.

Mais uma vez, será sempre de trazer à colação que o ónus da prova recaía sobre o contribuinte, e apenas a ele, no que respeita aos dois requisitos exigidos taxativamente pelo então artigo 59.º (actual 65.º) do Código do IRC. A inspecção tributária, e sem prejuízo do ónus incidente sobre a contraparte, apenas se limitou a coligir factos/indícios que punham em dúvida (ou mesmo afastavam) a materialidade das operações e o carácter não anormal ou montante não exagerado das operações. Cabendo estritamente ao contribuinte a prova irrefutável destes dois requisitos habilitantes da dedutibilidade dos pagamentos às ditas sociedades offshore, que levaria à desconstrução dos tais factos/indícios apontados pela inspecção tributária.

De modo resumido, a inspecção tributária limitou-se a apontar a desproporção existente entre o valor da transmissão das marcas e o valor das royalties pagas, ainda para mais quando as sociedades beneficiárias estavam domiciliadas em paraísos fiscais, e uma delas (a H…) mantinha uma relação de domínio sobre a sociedade pagadora, que lhe efectuou um pagamento por meio de uma transferência bancária a favor de uma terceira entidade – M… (Nominees) Limited [3] ),  também domiciliada em Jersey.

A título de exemplo bem ilustrativo dos indícios patenteados pela inspecção tributária cabendo ao contribuinte o ónus da prova –, adiante-se que as marcas C2…, C3… e C4… encontravam-se registadas e tituladas pela própria D…. A alegação de que a sociedade titular da marca (P…) – a head licensor – licenciara o uso das marcas C… à sociedade H… (o licenciador), que por sua vez as sub-licenciou à D… mediante o pagamento de royalties, por documento particular, não consubstancia prova irrefutável da materialidade das operações nem do seu carácter não anormal e montante não exagerado. Repete-se, tais marcas estavam registadas em nome da D… (sub-licenciada), que ainda assim estava adstrita ao pagamento de importantes verbas pela sua utilização (!) a uma sociedade offshore que não era proprietária das marcas.

A ora Recorrente aduz não ser verdade que as marcas, ao contrário do que poderia ser extraído dos documentos de cessão, foram transmitidas em 1996 à H… pelas sociedades B…, K… e J…, porque nunca foram sequer propriedade da Recorrente nem da sua dominada, pelo que estas também não procederam à sua transmissão a favor da H…. Adianta também que o conteúdo dos documentos de cessão não correspondem à verdade, seja quanto à data em que a H… adquiriu as marcas seja quanto à entidade que lhas transmitiu, não se tendo pretendido efectuar uma verdadeira transmissão de marcas – há muito verificada – mas apenas permitir o registo destas em Portugal a favor da H…, do modo mais célere e menos oneroso, e sem que tivesse que ser efectuado o registo de todas as transmissões.

Ou seja, temos um valor das transmissões das marcas perfeitamente irrisório – valor médio de $2.000 (dois mil escudos), in illo tempore, por marca –, se o considerarmos em cotejo com os avultados montantes das royalties depois pagas às empresas outrora cedentes. Dito de outro modo: mal se compreende que uma entidade detenha um direito tão valioso e o aliene por um montante irrisório, para depois suportar avultados custos com a sua utilização – cerca de 4% das vendas dos produtos comercializados com as marcas licenciadas.

A ora Recorrente pretende refutar essa evidência, contrariando os documentos de cessão, reconhecidos notarialmente, em cuja posição contratual a D… sucedera por força de um processo de cisão-fusão e fusão por incorporação. Alega, a um passo, que não pôde apresentar documentos que demonstrassem quando é que a H… adquiriu as marcas e por que valor, porque não havia sido ela nem a sua sociedade dominada que realizaram essa transmissão, mas, em outro passo, pretende que os documentos apresentados pela Recorrente e pela sua sociedade dominada demonstram que as marcas foram adquiridas pela H… antes de 1996 (data do documento de cessão) pelo que nunca poderiam ter-lhe sido transmitidas por nenhuma das Sociedades outorgantes do documento de cessão.

Sendo que, por maioria de razão, se os registos em Portugal (INPI) não são de valorar – como sustenta a Recorrente – então também os registos noutros Estados ou no The Pattent Office (TPO) – instituto homólogo ao INPI – por aquela apresentados, não serão de valorar.

Como pudemos ver com detalhe, o ónus da prova recai, em face do actual artigo 65.º do Código do IRC sobre quem declarou. Cabia ao sujeito passivo (ora Recorrente) provar factos certos e concludentes que infirmassem, fazendo a prova concreta, a existência das operações subjacentes as facturas e o seu carácter não anormal e o montante não exagerado. Não bastaria pois, e por exemplo, contrariar ou pôr em dúvida o teor dos documentos de cessão – ainda para mais, reconhecidos notarialmente –, e a interpretação neles fundada pela Administração Fiscal, como a Recorrente se limita a fazer o mesmo se diga quanto à transferência bancária a favor de uma terceira entidade – M… (Nominees) Limited, domiciliada em Jersey. Subsiste uma fundada dúvida, e a Recorrente não fez prova cabal da natureza do pagamento em causa. Como vimos, em face do artigo 65.º do Código do IRC, não sendo provado pelo contribuinte que tal pagamento correspondeu a operações efectivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, não será esse custo aceite fiscalmente. O meio de pagamento utilizado permite a identificação do destinatário (artigo 63.º-C da LGT), mas já não a do (suposto) beneficiário. Nada nos diz – a Recorrente não fez prova – que os respectivos fundos tenham depois sido transferidos a favor da H…, ainda para mais tratando-se a terceira entidade de uma sociedade offshore, em que o disclosing das operações tituladas se revela assaz difícil.

Também não se aceita que os artigos 88.º n.º 1 e 59.º n.º 1 do Código do IRC (na redacção então em vigor), por enquadrarem normas sancionatórias que aplicam um critério de culpa objectiva, são inconstitucionais na parte em que a não dedutibilidade radica no montante exagerado do pagamento efectuado, por violação do artigo 32.º n.º 2 da Constituição. Desde logo porque não tem cabimento nesta sede – de recurso hierárquico de uma decisão de indeferimento de uma reclamação graci0sa – a aferição das questões de (in)constituc1onalidade, nem há notícia de que tal tenha sido decidido por qualquer instância judicial.

Mas, sem conceder naquele estrito dever de reserva por parte da Administração Pública, sempre se dirá que aqui não se trata de sanções, culpa objectiva ou garantias de processo criminal, nem nenhuma realidade afim, mas tão-somente de uma medida fiscal anti-abuso, na linha de muitas outras, quando a empresa portuguesa pretende deduzir os encargos suportados na aquisição de bens ou serviços a uma sociedade offshore. O legislador criou uma excepção prevendo que eles possam ser, todavia, aceites, desde que o sujeito passivo possa provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas, não apresentando um carácter anormal ou um montante exagerado, recaindo o ónus da prova sobre o sujeito passivo residente em território nacional – o mesmo é dizer que a medida específica anti-abuso introduzida com o objectivo de dissuadir a utilização dos denominados paraísos fiscais foi a de inverter o ónus da prova. Em suma, pretendendo-se obstar à diminuição da matéria colectável por via do empolamento dos custos prosseguido nas operações (directas ou triangulares) nas aquisições com recurso a uma terceira sociedade, domiciliada num paraíso fiscal.

Conforme se sustenta no relatório de inspecção (nas suas fls. 22), a sociedade D… considerou custos fiscais com royalties à taxa máxima (4%, a qual respeita as condições de mercado), não tendo tido em consideração, no cálculo daquele valor, as percentagens dos custos suportados a título de desenvolvimento e promoção (Advertising and Promotion), tornando desta forma manifestamente exagerados os respectivos custos suportados a titulo de royalties. Mesmo que a sociedade inspeccionada tenha vindo alegar que os custos de promoção incorriam sempre sobre a entidade licenciada e nunca sobre a entidade licenciadora, pois qualquer ressarcimento da entidade licenciada (a sociedade inspeccionada) pelos custos que esta suporte com a promoção não seria consentâneo com o princípio da plena concorrência, pois tal também não resulta dos contratos celebrados entre partes independentes. Como vimos, cabe à empresa a prova directa e irrefutável da efectividade das operações e do seu carácter não anormal e montante não exagerado, não bastando alimentando a dúvida sobre os factos tributários, pois esta radica da própria lei (artigo 65º do C6digo do IRC). Donde que não se prova, desde logo, que os valores acordados pelas duas sociedades não eram excessivos e reflectiam condições de mercado.

Quanto às royalties pagas à sociedade N…, a inspecção tributária fundamentou, aturadamente, a desconsideração de tais custos. Temos assim os seguintes factos a ter em conta:

– os custos de publicidade e de promoção (Advertising And Promotion) suportados pela D… e não pela titular dos direitos;

– a transmissão por cisão-fusão, entre empresas do mesmo grupo, de marcas associadas à denominação L… a custo contabilístico de zero, e cujos registos já se encontravam registados em favor da sociedade holding – H…;

– em 2006 as marcas associadas à denominação L… estavam registadas a favor da sociedade A…;

– no INPI apenas uma marca estava registada em favor da N…, desde 22/02/2005;

– em 31/12/2006, a sociedade L…, Lda. emitiu uma factura pelo uso de denominação, tendo este sido considerado custo fiscal.

A inspecção tributária veio evidenciar, quanto às diversas transmissões da marca L…:

– Em 21 de Dezembro de 2001, na sequência de uma operação de cisão-fusão em que a sociedade cindida – Q…) transmitiu a favor da sociedade incorporante –A…, S.A. (A…), pelo valor contabilístico de zero; resultando um registo a favor desta última, em 12 de Agosto de 2002;

– Em 20 de Dezembro de 2002, na sequência de uma operação de cisão-fusão em que a sociedade cindida – a A… transmitiu a favor da sociedade incorporante –N… [4] pelo valor contabilístico de zero. Existindo um registo comunitário a favor desta ultima sociedade, com data de início de 22 de Fevereiro de 2005;

– Em Dezembro de 2007, todas as marcas associadas à denominação L… foram vendidas pela N… à H… (holding do grupo, que tem sede em território com regime fiscal privilegiado), pelo valor de € 1.800.000,00.

Donde que o custo contabilizado a título de royalties a favor da sociedade N… não foi considerado dedutível, pela inspecção tributária, pois não se revelou comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos do exercício (vide o então artigo 23º do Código do IRC).

Na verdade, se a Recorrente não concordou com as conclusões da inspecção tributária, cabia à ora Recorrente justificar as incongruências detectadas pela inspecção e provar a necessidade de incorrer no aludido custo para poder comercializar a marca L… –prova, que não veio juntar ao processo.

C) Dos preços de transferência

O artigo 58º (actual 63.º) do Código do IRC, a propósito os preços de transferência, dispõe que “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis” (n.º 1), sendo que “Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre: (.. .) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro de Estado e das Finanças (n.º 4 alínea h).

No presente caso, existem relações especiais, uma vez que foram declaradas vendas pelo montante total de € 1.223.143,65 à sociedade O… Stockholders Ltd (O…), domiciliada em Jersey, na mesma sede que a H…, e utilizando os mesmos n.ºs de telefone e telefax. E, de acordo com a inspecção tributária, não foram praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

A Recorrente aduz ainda que cumpriu as suas obrigações em sede de preços de transferência, tendo seleccionado e utilizado o método do custo majorado (MCM), complementado pelo método da margem líquida da operação (MMLO) para a análise das vendas de mercadorias que efectuou a entidades relacionadas, nos termos da Portaria n.º 1146-C/2001 (artigos 8.º n.º 1 e 10.º n.º 1) em execução do artigo 58.º (actual artigo 63.º) n.º 13 do Código do IRC. E que, apenas por manifesto lapso, a Recorrente declarou, no anexo H da sua Declaração Anual de 2006, ter utilizado o método do preço de revenda minorado (MPRM) previsto no artigo 7.º n.º 1 daquela Portaria. Refutando ainda a aplicação do método comparável de mercado (MPCM), dado que não existiria um elevado nível de comparabilidade das condições económicas entre operações vinculadas e não vinculadas, nos termos preconizados pela orientações da OCDE.

Foi pela Recorrente reconhecida a existência de relações especiais com a O…, alegando que apesar de haver transacções com entidades independentes dos mesmos produtos que são transaccionados com a O…, essas transacções não eram similares porque não preenchiam os cinco requisitos de comparabilidade – a adopção do MPCM requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes (artigo 6.º n.º 1 da Portaria).

Ora, foram efectuadas vendas, e dos mesmos …, a entidades independentes. Ao contrário do que consta no dossier dos preços de transferência, e que terá levado a Recorrente a defender a total inviabilidade da aplicação do MPCM. Desaparecido tal pressuposto –ou seja, existiram vendas a entidades independentes, então é mister admitir a aplicação de tal método.

Sucede também que a Recorrente pretende dar conta da margem bruta das vendas à O… alegadamente, 80,05%, cotejando-a com a margem bruta global da empresa (48,54%), para fundar a inexistência de efeito redutor da matéria colectável. Isto não parece ser de aceitar, desde logo porque as vendas à entidade relacionada representam, aproximadamente, apenas uma quota de 2% do total.

Aliás, não resulta claro qual o método ou metodologia utilizados na fixação de preços nas operações vinculadas com as entidades não residentes em causa (Jersey, Bermuda, Cayman, e Hong Kong). Porém, a titulo exemplificativo, nas vendas de C5…, K1… e B1…, todas da colheita de 2003, e de K2… 2003, podemos observar que os preços praticados com a O… foram significativamente inferiores aos praticados com as entidades independentes, conforme se evidencia no relatório de inspecção que fundou as correcções contestadas. Temos, nestes casos, um preço unitário, grosso modo, claramente inferior ao valor praticado com as entidades independentes, quando estas últimas estavam a adquirir maior quantidade de mercadoria (!)

Por exemplo, a Recorrente alega que o volume das quantidades vendidas foi um critério adoptado na fixação dos preços com as entidades relacionadas, representando a O…, nas categorias especiais de … transaccionadas, uma quota superior a 60%. Na realidade, uma vez analisado o dossier dos preços de transferência, não se vislumbram quais os cálculos de fixação de preços nas operações vinculadas.

Por outro lado, e no mesmo sentido, não parece ser de aceitar que, sendo a D… a armazenar os … em causa e distribuindo-os pelos mercados, suportando a suas expensas os respectivas custos, ainda assim os preços seriam significativamente mais baixos do que no caso das vendas a entidades independentes, em que tais custos não são suportados.

Repete-se, a situação em apreço representa, aproximadamente, apenas uma quota de 2% nas vendas efectuadas em 2006 pela empresa, donde que não parece ser razoável o alegado pela Recorrente no sentido de comparar a rentabilidade da empresa e do mercado.

A inspecção tributária socorreu-se do método do preço comparável do mercado (MPCM), como resulta claro do seu relatório, uma vez que, tratando-se de …, próprias do grupo B… e não comercializados por outros produtores, não se afigurava, de todo, viável uma comparação em mercado aberto.

Resulta assim patenteado, perante as razões/motivos que levaram a D… a afastar a aplicação do MPCM (também designado por MPC), que a D… estaria perante variáveis que teria condições de mensurar o seu impacto para efeitos de apuramento de um comparável interno, de forma a recorrer ao método mais adequado para a operação em apreço, de acordo com o estabelecido na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro e o artigo 56.º do Código do IRC Nesse sentido, dispõe a §2.9 das Guidelines da OCDE, “Há que procurar, na medida do possível, ajustar os dados para que os mesmos possam ser usados convenientemente, no quadro do MPC”

Refere no §2.7 das Guidelines da OCDE: “uma operação em mercado aberto é comparável com uma operação controlada para efeitos da aplicação do MPC se os “ajustamentos suficientemente precisos podem ser introduzidos para eliminar os efeitos materiais dessas diferenças, Desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o MPC constitui o meio mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência. Por consequência, neste caso deve ser dada preferência a este método sobre todos os demais”.

No mesmo sentido aponta também o preâmbulo da aludida portaria: “adopta o regime de obrigatoriedade de recurso ao método mais apropriado para cada operação, por se revelar mais apto a produzir a melhor estimativa de um preço independente e assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre operações vinculadas e operações entre partes independentes, tomando em linha de conta os factos e as circunstâncias do caso concreto, o conjunto de dados disponíveis e a fiabilidade relativa dos vários métodos”

Concluindo, afastados que estão os motivos invocados pela recorrente para não aplicar o MPCM, e como refere a D…, no dossier de preços transferência: “As operações comparáveis podem ser as efectuadas entre entidades independentes (i. e., o MPCM externo) ou entre a Empresa e uma entidade independente (i. e. MPCM interno). O MPCM é a medida de avaliação do preço de plena concorrência mais fiável se as transacções forem idênticas ou se apenas existirem diferenças mínimas facilmente ajustáveis”.

Em bom rigor, na opção da D… ao aplicar o MCM (método do custo majorado), conforme se alcança no relatório de inspecção (a fls. 62/67), a D… não apresentou quaisquer cálculos de como fixou os preços nas vendas com entidade vinculada O… (O…), e existem evidentes contradições relativamente ao método utilizado. Acresce que a comparação ambígua, apresentada pela D…, da margem obtida nas operações vinculadas com a margem global obtida nas vendas de uma entidade independente, não tendo como referência a margem obtida na vendas das mesmas categorias especiais efectuadas a entidades independentes.

Tenha-se presente o §1.16 das Guidelines da OCDE, que reitera o entendimento que vimos seguindo: “de igual modo, o método do preço de revenda minorado e o método do custo majorado consistem em comparar a margem de lucro bruto obtidas em operações similares no mercado aberto”, e não se trata de comparações com as margens de lucro praticadas por entidades independentes.

A D… não procedeu a ajustamentos necessários aos comparáveis internos de forma a aplicar o MPCM, porém entendeu por bem aplicar o MCM e o MMLO, quando desconhecia as funções exercidas pelas entidades independentes.

De acordo com o artigo 14.º da referida portaria, cabia à D… ter toda a informação relevante organizada, inclusive, relativamente aos contratos jurídicos, que seja esclarecedora quanto as condições de entrega dos produtos – alínea g) subalínea 2 – e ao preço e, se necessário, respectiva forma de cálculo – alínea g) subalínea 3.

Importa recordar que a presente correcção foi efectuada nos termos do artigo 59.º do CIRC (Pagamentos a entidades não residentes sujeitos a um regime fiscal privilegiado), e não nos termos do artigo 58.º do CIRC (Preços de transferência), e daí não existir nenhuma imposição legal que determine que o valor apurado e constante no dossier de preços de transferência é aquele que se deve ser entendido como valor não exagerado.

Saliente-se também que o artigo 59º do CIRC consubstancia uma medida de anti-abuso, que determina que o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo. Cabe pois ao sujeito passivo provar que os encargos correspondem a operações efectivamente realizadas, bem como provar que a operação não teria um carácter anormal ou montante exagerado. O que não logrou fazer.

A D…, em sede de inspecção, veio referir que a taxa de 4% praticada no pagamento de royalties à H… se encontra de acordo com a taxa praticada numa situação de plena concorrência. Correlativamente, a inspecção fez saber que tal taxa não pode ser comparável, uma vez que a D…, para além do valor pago referente a royalties, também incorreria num outro custo – a título de desenvolvimento e promoção da marca (A&P) – de montante superior àquele que pagaria pelo valor dos respectivos royalties.

No que concerne aos custos havidos com A&P e que a ora Recorrente pretende comparar com os contratos por si analisados, considerando-os idênticos, importa aludir que, a ter presente os contratos de licenciamento trazidos ao processo (aqueles que eventualmente titulam a presente operação), não obstante não ter sido apresentada qualquer tradução (documento redigido em inglês), retira-se dos mesmos a única referencia a A&P –no seu §8.1, e que pela sua leitura, parece ser uma medida abstracta onde ficou expresso o compromisso de existir um esforço em promover e desenvolver as vendas dos produtos por parte do licenciado. Nada mais. Não justificando, per si, um custo a suportar referente a A&P de valor superior ao valor pago referente aos royalties.

Em suma, a correcção do lucro tributável efectuada oficiosamente resultou do não cumprimento pelo sujeito passivo do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 58.º do Código do IRC.

Donde que, também aqui, não parecem ser de proceder as alegações da Recorrente

D) Da criação líquida de postos de trabalho

O então artigo 17.º (actual 19.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) previa um benefício fiscal consubstanciado na majoração em 150% do custo contabilizado dos encargos suportados com a criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos. Existindo um montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, e sendo que tal dedução poderia ter lugar durante um período de 5 anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.

A Recorrente vem aduzir, nesta sede, que o limite deveria ter como referência os encargos mensais por posto de trabalho, sem contar a majoração, ao contrário do que entendeu a inspecção tributária.

Ora, o artigo 17.º do EBF, conforme acima se explanou, previa que o sujeito passivo pudesse levar a custo – em valor correspondente a 150% – os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.

E, no seu n.º 2, determinava que o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.

Quer isto dizer que, este benefício fiscal atribuído aos empregadores corresponde no máximo a 14 vezes o salário mínimo nacional, acrescido de 50% desse valor, isto é, acima desses valores já não haverá tal beneficio e abaixo deles, haverá uma majoração de 50%.

A interpretação da inspecção tributária teve por fundamento a redacção em vigor ex vi da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, em que se estabelece um montante máximo da majoração anual e não um montante máximo de encargos mensais. Daqui resultou uma clara intenção legislativa de reduzir aquele benefício fiscal. Neste caso, o montante máximo a deduzir como custo fiscal tem como limite o montante equivalente a 14 vezes o salário mínimo nacional.

Assim, à data dos factos (2006) esta matéria era regulada pelo mencionado artigo 17.º do EBF, na versão introduzida pela Lei n.º 32-8/2002, de 30 de Dezembro, em que se estabelece um montante máximo da majoração anual.

Deste modo, por cada posto de trabalho e para efeitos de custo fiscal, os encargos são majorados em 50% tendo como limite máximo o valor correspondente a 14 vezes o salário mínimo nacional, o que significa que se da majoração de 150% dos encargos resultar um montante superior a 14 vezes o salário mínimo nacional, será este limite a considerar.

Ora, a inspecção tributária assim procedeu, em consonância com o entendimento veiculado pelas Informações da Direcção de Serviços de IRC (cfr. a Informação n.º 861/99, Proc. n.º 59/99).

Pela sua similitude, valerá muito a pena trazermos aqui à colação o entendimento seguido na Informação n.º 1385/09 (Proc. n.º 579/2009), sancionada por despacho do Subdirector-Geral, em que relativamente a um trabalhador admitido em 2001 (como no caso em apreço), se considerou que “o valor total dos encargos efectivamente suportados com o valor da majoração tem o limite máximo de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado”.

Em face do exposto, são válidas, quanto ao referido benefício fiscal, as correcções efectuadas pela inspecção tributária.

Em tudo o mais se reiterando o sentido do despacho que indeferiu totalmente a Reclamação Graciosa.

  1. Em 3-1-2002, foi celebrado entre a H… e a D… o contrato de sub-licenciamento de marcas associadas à denominação «C…» cuja cópia constitui o documento n.º 46 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. As marcas referidas, em 2006, estavam na titularidade da empresa «P… – COMÉRCIO GESTÃO E SERVIÇOS, LDA» (documento n.º 45 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. No ano de 2006, a D… comercializou os produtos referidos nos documentos cujas cópias constam do documento n.º 30 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido;
  4. O volume de vendas à O… de produtos  “” e “” são muito superiores às vendas desses produtos efectuadas a qualquer outro cliente (depoimentos das testemunhas R… e S…);
  5. A O… paga os produtos que adquire no acto da encomenda, enquanto outros clientes pagam a prazo (depoimentos das testemunhas R… e S…);
  6.  A O… tem a qualidade de grossista e grande parte dos clientes que adquirem produtos “” e “” são retalhistas (depoimentos das testemunhas R… e S…);
  7. No ano de 2006, as vendas à O… representaram 60,88% do volume de … de … vendidos pela D… relativos a categorias especiais (artigo 730.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e depoimento da testemunha R…);
  8. No ano de 2006, os volumes de vendas de … de categorias especiais a entidades independentes só em dois casos ultrapassaram 3%, sendo de 3,47% o volume de vendas à T… PLC e 3,14% o volume de vendas à U… (artigo 729.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira);
  9. No ano de 2006, 75% dos clientes da D… de categorias especiais tem uma representatividade inferior a 0,22% do volume transaccionado por esta empresa (artigo 732.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira);
  10. A O… anualmente pagava à D… uma quantia a título de promotional funding, correspondente a uma comparticipação nas despesas incorridas pela D… com a promoção das marcas dos produtos comercializados pela O…, tendo o ano de ano de 2006, pago a quantia de € 80.246,83 a esse título (artigos 826.º e 827.º do pedido de pronúncia arbitral e documento n.º 54 com ele junto, cujo teor se dá como reproduzido);
  11. As marcas de … da Requerente gozam de grande prestígio e os preços dos seus produtos são dos mais altos do sector (depoimentos das testemunhas R… e S…);
  12. O grupo B…, em que se insere a Requerente, até 2001, pagou royalties superiores a 10% pelo uso das marcas de … (depoimento da testemunha R…);
  13. A Requerente prestou garantia bancária no valor de € 1.686.427,24 para obter a suspensão do processo de execução fiscal n.º … 2010 …, instaurado para cobrança da quantia referida na liquidação que é objecto do presente pedido de pronúncia arbitral (artigos 885.º e 886.º do pedido de pronúncia arbitral e documento n.º 57 com ele junto).

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos e depoimentos referidos relativamente a cada um dos pontos.

As testemunhas R… e S… aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.

Relativamente à razoabilidade dos royalties pagos à H… foi importante o depoimento da testemunha S…, que explicou pormenorizadamente a forma como procurou situações comparáveis. 

3.Questão do pagamento de royalties à H…, LIMITED

Relativamente ao exercício de 2006, a D… contabilizou e considerou como custo fiscal, a título de royalties, o valor de € 1.496.054,92, dos quais € 1.394.243,82 referem-se a pagamentos registados como tendo sido efectuados à H…, LIMITED (“H…”), que a D… indicou como reportando-se à cedência do uso das marcas “B…”, “K…” “I…” “J…” e “C…” (com exclusão de “C1…).

3.1. Questão do pagamento de royalties relativos às marcas “B….”, “K…” “I…” “J…”

No que concerne aos royalties relativos às marcas “B…”, “K…” “I…” “J…”, no montante global de € 1.279.687,00 [€ 890.203,40 (B…) + € 326.823,20 (K…) + € 60.148,12 (I…) + € 2.512,28 (J…)], a Autoridade Tributária e Aduaneira, embora manifeste dúvidas sobre a sua correspondência à realidade, acabou por não concluir que eles não foram pagos, baseando a não aceitação como custo fiscal apenas em serem «montantes exagerados» [alínea l) da matéria de facto fixada] e não em hipotética inexistência de pagamento.

A Autoridade Tributária e Aduaneira baseou-se, para a não aceitação daqueles royalties como custo fiscal, no preceituado no artigo 59.º, n.º 1 do CIRC (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, em que passou a ser o artigo 65.º, n.º 1, que veio a ser revogado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro), que estabelece que «não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado». 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele] ( [5] ), pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, mesmo que invocados a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira em impugnação administrativa ou contenciosa ( [6] )

A exigência de fundamentação das decisões procedimentais é formulada no artigo 77.º, da LGT, em sintonia com o artigo 124.º do CPA: «a decisão de procedimento é sempre fundamentada».

Assim, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é admissível, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. ( [7] )

Por isso, a fundamentação ou a remissão para documentos que a contenham têm de integrar-se no próprio acto e serem contemporâneas dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto fundamentos invocados posteriormente.

Por isso, no caso em apreço, não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira baseado a correcção da matéria tributável, quanto a estes royalties, em falta de prova do seu pagamento, nem em dúvidas quanto à titularidade das marcas pela H…, mas apenas no exagero dos respectivos montantes, é apenas este o fundamento cuja legalidade há que apreciar, quanto a este ponto.

A Requerente, além do mais, defende que ocorre «insuficiente fundamentação da qualificação de que os royalties tenham sido de “montante exagerado”» (artigos 262.º e seguintes do pedido de pronúncia arbitral.

E, de facto, não é clara no relatório da inspecção à D… em que tal juízo foi efectuado qual a razão por que se considerou que os montantes referidos são exagerados, em que, como suporte desta conclusão, se indicam os seguintes factos, em suma:

– não foi apresentado documento comprovativo de que houve transmissão das marcas para a H…, em 1975, nem há qualquer informação sobre os montantes por que foram transaccionadas as marcas;

– pelos elementos existentes no INPI terão sido as sociedades “H…, S.A.”, “K…, S.A” e “J… , Lda”  que transmitiram em 28-11-1996 e pela quantia de 2.000$00 cada marca, o que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que contraria os esclarecimentos que haviam sido prestados;

– é a “K…, S.A” que veio solicitar a renovação, intenção de uso e pagamento das taxas correspondentes à concessão dos títulos de propriedade, o que  justifica dúvidas sobre quem é proprietário das marcas;

– uma transferência bancária relativa a royalties foi efectuada para uma empresa com a denominação “M… (Nominees) Limited – T…”;

– os serviços de  publicidade, desenvolvimento e promoção são suportados pela D….

Foi com base nestas conclusões que se concluiu, com se refere na alínea l) da matéria de facto fixada, o seguinte:

Assim, de acordo com todas as conclusões acima relatadas das quais, entre outras, cabe destacar a presumível alienação, à sociedade holding do grupo com sede em território com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável, dos registos de marcas centenárias (Classe … – …) pelo montante unitário de dois mil escudos (€ 9,98 por cada marca), na sequência da qual veio a D…, no exercício de 2006, a contabilizar (e a considerar como custo fiscal) royalties, no montante de € 1.279.687,00 [€ 890.203,40 (B…) + € 326.823,20 (K…) + € 60.148,12 (I…) + € 2.512,28 (J…)], revelam-se estes de montantes exagerados, pelo que, face ao que dispõe o n.º 1, do Artigo 59.º (actual Artigo 65.º), do Código do IRC não são dedutíveis tais custos para efeitos da determinação do lucro tributável, havendo lugar ainda a tributação autónoma em sede de IRC de acordo com o disposto no n.º 8, do Artigo 81.º (actual Artigo 88.º), igualmente do Código do RC, no montante de € 447.890.45 (€ 1.279.687 00 x 35%). 

Os factos referidos poderiam, eventualmente, justificar um juízo sobre a inexistência dos pagamentos de royalties, como faz a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo arbitral, mas esta fundamentação a posteriori não é relevante para apreciação da legalidade do acto de liquidação, como se disse.

O único facto dos indicados pela Autoridade Tributária e Aduaneira susceptível de conduzir a conclusão no sentido de exagero dos royalties referidos é o indicado o preço de transmissão das marcas que consta do INPI, de 2.000$00 cada uma. Na verdade, se este preço fosse o verdadeiro valor das marcas, não poderia justificar-se o pagamento de royalties anuais de valor mais de uma centena de milhar de vezes superiores.

No entanto, é manifesto e notório que o referido montante de 2.000$00 (€ 9,98) relativamente à cessão de cada marca não corresponderá ao seu valor real, para mais tratando-se de marcas de produtos de qualidade acima da média, como resultou da prova produzida.

Aliás, a Requerente dá uma explicação para tão reduzido valor que é o de os documentos de cessão terem sido elaborados apenas para documentarem transmissões que haviam sido efectuadas muito tempo, com a exclusiva finalidade de permitir o seu registo em nome da H….

De qualquer forma, à face das regras da vida e da experiência comum, é manifestamente de presumir que o referido valor de 2.000$00 para cada uma das cessões de marcas não corresponde ao valor real das transmissões das marcas.

E, consequentemente, não podem tais valores fictícios servirem como termo de comparação para aferir do exagero ou não dos royalties pagos no ano de 2006 relativamente à utilização das marcas em causa.

Nestes termos, é de concluir que o acto de liquidação impugnado enferma de erro sobre os pressupostos de facto, ao ter concluído que o montante dos referidos royalties é exagerado com base no aludido valor fictício das cessões de marcas que consta do INPI.

Por outro lado, da prova testemunhal, designadamente o depoimento das testemunhas R… e S…, resulta que o valor para os royalties de 4% sobre o valor das vendas de cada um dos produtos se encontra entre os valores máximo e mínimo de 10% e 1% encontrados para o licenciamento de utilização de marcas de produtos alimentares e que, no caso dos produtos em apreço, por se tratar de marcas de grande projecção e conhecidas, seria admissível que aquela percentagem se aproximasse do limite superior.

O valor de 4% é indicado no próprio relatório da inspecção como respeitando «as condições de mercado» (página 22 do Relatório), mas o seu autor, a também testemunha V…, referiu que é usual as empresas que comercializam … pagarem royalties de 3% sobre o valor das vendas dos produtos. Porém, no caso em apreço, provou-se que as marcas a que se referem os royalties são de grande prestígio e os respectivos produtos são vendidos aos preços mais altos do sector, pelo que há evidente justificação para os royalties serem superiores aos que pagam as outras empresas do sector pelo uso de marcas de menor prestígio.

De qualquer forma, resultou da prova produzida que os produtos do grupo B… têm grande prestígio, o que permite considerar normal que os royalties sejam superiores aos que são pagos pela generalidade das empresas comercializadoras de ….

Por outro lado, o facto que esta testemunha referiu como apontando para ser adequado um valor inferior, que foi o de a H… não suportar as despesas de publicidade e promoção dos produtos, não permite concluir que fosse normal um valor dos royalties inferior aos 4%, por também resultar da prova produzida, designadamente do depoimento da testemunha S…, que é normal serem as empresas comercializadoras a suportarem essas despesas no seu próprio interesse de incrementarem as vendas e serem praticados em produtos royalties até 10% dos sobre o valor das vendas dos respectivos produtos. Isto é, as empresas comercializadoras suportam as despesas de promoção dos produtos que pretendem vender e não de promoção das marcas, embora estas possam indirectamente beneficiar da promoção das vendas, e as despesas de promoção das vendas são despesas normais das empresas comercializadoras dos produtos e não das titulares das marcas.

Neste contexto, tem de se constatar que a prova que foi produzida no processo sobre a adequação dos royalties referidos é no sentido da sua razoabilidade, por estar em sintonia com «as condições de mercado» para marcas de grande prestígio, como é caso das marcas referidas, pelo que tem de se considerar provado que aqueles não têm um «montante exagerado», para efeitos do artigo 59.º, n.º 1 do CIRC.

Procede, assim o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, pelo que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, na parte respectiva, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo), nessa parte (correcção à matéria tributável de € 1.279.687,00 e tributação autónoma de € 447.890,45).

3.2. Questão do pagamento de royalties relativos às marcas associadas à denominação “C…”  

 

Resulta da matéria de facto que as marcas associadas à denominação “C…” encontravam-se, no ano de 2006, registadas no INPI em nome da D…: Registos Nacionais n.ºs …, quanto à “C2…”; n.º …, quanto à “C3…”; n.º … quanto à “C4…”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se provou que tivessem sido pagos à H… os royalties relativos às marcas associadas à denominação “C…”, dizendo que é a D… que suporta os respectivos custos inerentes promoção e desenvolvimento das respectivas marcas (C…) e que não se comprovou a sua titularidade pela H…. Por isso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os encargos de royalties respectivos, no valor de € 114.556,82, não correspondem a operações comprovadamente realizadas, pelo que, face ao que dispõe o n.º 1, do Artigo 59.º (actual Artigo 65.º), do Código do IRC não são dedutíveis tais custos para efeitos da determinação do lucro tributável relativo ao exercício de 2006, havendo lugar ainda a tributação autónoma em sede de IRC de acordo com o disposto no n.º 8 do Artigo 81.º (actual Artigo 88.º) igualmente do Código do IRC no montante de € 40.094,89 (€ 114.556,82 x 35%).

A Requerente apresentou os documentos n.ºs 45 e 46, juntos com a petição inicial, que mostram que, em 3-1-2002, foi celebrado entre a H… e a D… o contrato de sub-licenciamento de marcas associadas à denominação «C…» e que as marcas referidas, em 2006, estavam na titularidade da empresa «P… – COMÉRCIO GESTÃO E SERVIÇOS, LDA».

No Relatório da Inspecção refere-se que o documento de sub-licenciamento é meramente particular, mas, como defende a Requerente, não é exigível documento de outro tipo para actos de licenciamento, pois o artigo 32.º, n.º 3, do Código da Propriedade Industrial estabelece que «o contrato de licença está sujeito a forma escrita». Por isso, não tendo sido questionada a autenticidade do referido documento, nem a correspondência da cópia junta ao seu teor, deve considerar-se provado que tal sub-licenciamento ocorreu.

Quanto a ser a D… a suportar os encargos com a promoção e desenvolvimento, já atrás se referiu que resultou da prova produzida que é normal ser a empresa comercializadora a suportá-los, no seu próprio interesse.

No que concerne à marcas “C2…”, “C3…” e “C4…”, que estão registadas no INPI em nome da D…, a Requerente refere que são as únicas associadas à denominação «C…» que não estão registadas em nome da empresa «P… – COMÉRCIO GESTÃO E SERVIÇOS, LDA», juntando com a petição inicial o n.º 45, em que se referem vários registos de marcas em nome desta empresa.

Resulta dos documentos n.ºs 45 e 46 que há marcas associadas à denominação «C…» que estão registadas em nome da P… – COMÉRCIO GESTÃO E SERVIÇOS, LDA, que esta as licenciou à H… e, por outro lado, constata-se pelo documento n.º 30 junto com a petição inicial, que no ano de 2006 foram efectuadas pela D… vendas de produtos com marcas de que esta empresa é titular.

Por isso, é crível que tenham sido pagos royalties à H…, relativos a produtos com denominações associadas à marca «C…» e, designadamente, as transferências bancárias globais relativas ao pagamento de direitos em função dos valores das vendas levam a concluir que eles foram efectivamente pagos, não se vendo, a nível da prova dessas transferências, qualquer distinção entre a parte que se refere aos produtos associados à marca “C…” e a que se refere a royalties relativos a outras marcas. Nomeadamente, a testemunha R… referiu serem efectuados os pagamentos de royalties calculados em função das vendas, sem qualquer exclusão relativamente a alguma das marcas associadas à denominação “C…” e está provado que a D… comercializou em 2006 produtos com marcas pertencentes à P… – COMÉRCIO GESTÃO E SERVIÇOS, LDA, que esta havia licenciado à H…, situação em que é normal que haja pagamento de royalties.

É certo que o facto de algumas dessas marcas, designadamente as marcas “C2…”, “C3…” e “C4…”, estarem registadas no INPI em nome da D…, poderia justificar uma conclusão no sentido da não se provar a necessidade de pagamento de royalties relativamente a tais marcas para efeito de obtenção dos proveitos, já que o registo da marca «confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina» (artigo 224.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial). Designadamente, embora a Requerente refira que o registo destas marcas só pode ter sido efectuado com autorização da P… – COMÉRCIO GESTÃO E SERVIÇOS, LDA (artigo 438.º do pedido de pronúncia arbitral), o certo é que não refere nem comprova que tenha havido qualquer autorização.

No entanto, não foi com fundamento em desnecessidade do pagamento de royalties relativamente a tais marcas que foi efectuada a correcção da matéria tributável, mas com base no entendimento de que eles não foram pagos, pelo que, considerando-se como provado que tais pagamentos foram efectuados, tem de se concluir que a referida correcção enferma de erro sobre os pressupostos de facto na sua globalidade. 

Por isso, o acto de liquidação impugnado, ao assentar no pressuposto de que não foram pagos royalties no valor de € 114.556,82, contabilizados relativamente ao uso das marcas associadas à denominação “C…”, enferma de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a anulação da correcção da matéria tributável desse montante nem como da tributação autónoma de € 40.094,89.

Consequentemente, procede o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte, tendo de ser anulado o acto de liquidação impugnado na parte correspondente.

3.3. Questão do pagamento de royalties relativos às marcas associadas à denominação “L…”

 

A D… inscreveu na sua contabilidade do ano de 2006, a quantia de € 101.810,80 relativa a pagamento de royalties à empresa “N… Marketing e Trading, S.A.” (doravante “N…”), com sede na Zona Franca da Madeira.

A D… informou que tais royalties se referem a utilização de marcas associadas à denominação “L…”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o pagamento da quantia referida à N… não podia ser considerado indispensável para a realização dos proveitos da D…, por a transmissão das marcas para a N… ter sido efectuado pelo valor contabilístico zero e não existirem custos suportados pela N… relativos às respectivas marcas.

Não é clara a fundamentação desta conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido da não indispensabilidade dos custos com royalties pagos à N…, uma vez que nem o custo de aquisição das marcas pelo seu titular nem a existência de despesas realizadas por este com as marcas são condições necessárias para exigir o pagamento de royalties e para a existência do correlativo dever de os respectivos utilizadores os pagarem.

Por outro lado, a transmissão das marcas para a N… ocorreu em 2002 [alínea q) da matéria de facto fixada], elas mantinham-se na sua titularidade em 2006 e neste ano a D… vendeu produtos com marcas associadas à denominação “L…”.

Por isso, não havendo qualquer elemento que permita concluir que a utilização das marcas referidas foi gratuita ou estas podiam ser utilizadas sem autorização do respectivo titular, não se vislumbra qualquer razão para não considerar que o pagamento dos royalties era indispensável para a obtenção dos proveitos.

Assim, também neste ponto, o acto impugnado enferma de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação, na parte correspondente à correcção da matéria tributável no valor de € 101.810,60.

3.4. Questão dos preços de transferência

3.4.1. Os termos do litígio

No ano de 2006, a D… efectuou vendas no valor de € 1.223.135,00 à empresa O… STOCKHOLDERS LTD que tem sede no mesmo local em que a tem a Requerente, sendo que o telefone e o telefax comuns a ambas as sociedades.

As vendas efectuadas pela D… à O… consubstanciam-se em … de “” e “” (categorias especiais de … de qualidade superior de várias denominações, unicamente, do grupo B…).

No seu dossier de preços de transferência, a D… entendeu que a aplicabilidade do método do preço comparável de mercado (MPCM) às operações em análise fica totalmente impossibilitada, uma vez que a D… não vende mercadorias similares a entidades independentes, no seio do Grupo B… não existem transacções similares efectuadas com entidades independentes e não foi possível a obtenção de informação pública sobre transacções que envolvam produtos similares, realizadas entre duas entidades independentes.

Assim, a Requerente entendeu aplicar o que denominou ser o Método do Custo Majorado conjugado com o Método da Margem Líquida da Operação, mas que, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira é o Método do Preço de Revenda Minorado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a correcção da matéria tributável da D… relativamente às transacções da D… com a O…, por entender que foram praticados preços substancialmente inferiores aos praticados com clientes independentes em operações comparáveis.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu dever aplicar nesta matéria o Método do Preço Comparável do Mercado”, previsto na alínea a) do n.º 3 do Artigo 58.º do Código do IRC (comparação entre as operações vinculadas e as respectivas operações efectuadas com entidades independentes), apurando um valor global de € 931.803,29 para as transacções efectuadas no ano de 2006, resultante dos preços praticados serem substancialmente inferiores para as entidades relacionadas, em comparação com preços praticados para entidades independentes.

3.4.2. Quadro normativo

O regime geral de preços de transferência estava previsto, em 2008, no art. 58.º do CIRC, que tinha a seguinte redacção:

 

Artigo 58.º

Preços de transferência

1 – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 – O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

3 – Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 – Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;

g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:

1) O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know-how detidos pela outra;

2) O aprovisionamento em matérias-primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra;

3) Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;

4) O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transaccionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de acto jurídico, na titularidade da outra;

5) Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional.

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro de Estado e das Finanças.

5 – Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indirecta no capital ou nos direitos de voto a que se refere o número anterior, nas situações em que não há regras especiais definidas, são aplicáveis os critérios previstos no n.º 2 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais.

6 – O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121.º, a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.

7 – O sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 113.º, a existência ou inexistência, no exercício a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:

a) Identificar as entidades em causa;

b) Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma;

c) Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados.

8 – Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 112.º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância.

9 – Nas operações realizadas entre entidade não residente e um seu estabelecimento estável situado em território português, ou entre este e outros estabelecimentos estáveis daquela situados fora deste território, aplicam-se as regras constantes dos números anteriores.

10 – O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente às pessoas que exerçam simultaneamente actividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral de IRC.

11 – Quando a Direcção-Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.

12 – Pode a Direcção-Geral dos Impostos proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstos.

13 – A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças.

 

Ao abrigo deste n.º 13 foi aprovada a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, em que se estabelece, além do mais o seguinte:

 

Artigo 4.º

Determinação do método mais apropriado

1 – O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 – Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 – Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 – Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 – Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.

 

Artigo 5.º

Factores de comparabilidade

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a)  As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b)  As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d)  As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

 

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

1 – A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 – Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transacção da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 – Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.

 

3.4.3. Análise da posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Estando-se num meio contencioso de mera legalidade, como se referiu, interessa apenas apreciar se é adequado à situação o método preferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que aplicou no acto impugnado. Se o método escolhido for o mais adequado o acto será mantido na ordem jurídica. Se o não for, o acto terá de ser anulado independentemente de o método escolhido pela Requerente ser ou não o adequado.

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira escolheu o método que exige condições mais exigentes para sua aplicação.

«A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (art. 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001).

Como resulta do texto desta norma, só é legal a utilização deste método quando existir o grau mais elevado de comparabilidade e esta tem de incidir cumulativamente no objecto, termos e condições da operação, para além da análise funcional das entidades intervenientes. Com efeito, aquela palavra «tanto», incluída no referido n.º 1 do artigo 6.º, evidencia que não se está perante um arrolamento alternativo de requisitos, mas sim cumulativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou o MPCM nos seguintes termos:

(i) Identificou todos os "" e "" que, no ano de 2006, foram objecto de facturação para as entidades relacionadas (designadamente a O…) e, igualmente, objecto de facturação para clientes independentes da D…;

(ii) Identificados os respectivos "" e os "", procedeu, conforme mapa elaborado, para cada um dos …, às seguintes determinações:

a) Do "Preço Médio de Venda", por …, para as entidades relacionadas;

b) Do "Preço Médio de Venda", por …, para clientes independentes;

c) Calculados os "Preços Médios de Venda", procedeu, com vista a determinar se os mesmos são substancialmente idênticos aos estabelecidos com os demais clientes independentes, à comparação dos mesmos;

d) Essa comparação levou a Autoridade Tributária e Aduaneira a concluir que os preços praticados nas facturas emitidas às entidades relacionadas (designadamente a O…) são substancialmente inferiores aos praticados para clientes independentes.

No Anexo V ao Relatório da Inspecção indicam-se os preços considerados nesta análise nos seguintes termos:

 

 
 

 

 

 

Como se vê pelos quadros que antecedem, a comparação entre as vendas facturadas pela D… a clientes de “territórios com regime fiscal mais favorável” e as facturadas a “clientes independentes” foi feita globalmente, relativamente a cada um dos tipos de produtos vendidos, sem qualquer ponderação das específicas características de cada um deles, designadamente no que concerne à suas qualidades de grossistas ou retalhistas ou consumidores finais, ao volume das vendas, às formas de pagamento e ao risco associado as transacções.

Ora, no dossier de preços de transferência da D… são salientadas as características especiais que rodeavam as vendas a O…, potencialmente justificadoras de em relação a ela serem praticados preços inferiores aos praticados em relação a outros clientes, designadamente:

– o maior v0lume de vendas dos produtos especiais “….” e “…” efectuadas à O…, superior às relativas a qualquer outro cliente independente, que garante à D… o escoamento de uma parte significativa da sua oferta daquelas categorias, de preços mais elevados, transferindo para a  O… a responsabilidade de comercialização dessas tipologias de produtos;

– o facto de a O… ser grossista, que vende a outros distribuidores, e que, face aos volumes que adquire à D…, retira a esta a responsabilidade da comercialização dessas tipologias de produtos, i.e., os riscos de mercado, de perdas e danos (de stock) de câmbio e de crédito dos produtos transaccionados, enquanto as entidades independentes são, maioritariamente, retalhistas, que adquirem quantidades pouco significativas e vendem ao público em geral, não retirando à D… qualquer tipo de risco;

– para as mesmas mercadorias vendidas à O…, não existe qualquer outro cliente (independente) representativo localizado no Reino Unido que, como é do conhecimento público, constitui um mercado tradicional e o principal mercado de destino das categorias especiais das empresas de …;

– o mercado do Reino Unido, para além de ser o principal consumidor de categorias especiais, é a localização para a qual o preço médio por … das referidas categorias especiais é o mais baixo;

– a O… é um cliente âncora da D…, que em virtude dos seus próprios canais de distribuição, assegura à D… que o mercado do Reino Unido, o principal mercado para o …., represente uma quota bastante significativa das respectivas vendas de categorias especiais, bem como uma presença constante e de realce naquele mercado;

– a O… paga with order (no acto de encomenda), sendo as facturas emitidas posteriormente, enquanto que os outros clientes pagam a prazo.

Estas circunstâncias especiais das vendas à O… referidas no dossier de preços de transferência são confirmadas, na generalidade, pelos depoimentos as testemunhas R… e S…, e a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao fixar a matéria tributável da D…, não alegou nem provou que eles não correspondessem à realidade, pelo que se devem considerar provadas.

Para além disso, como se considerou provado nas alíneas yy), zz) e aaa) da matéria de facto fixada a O… era manifestamente o maior cliente da D… no ano de 2006, no que concerne às categorias especiais, tendo o volume das compras que efectuou atingido 60,88% do volume de … de … vendidos dessas categorias, enquanto os volumes de vendas de … de categorias especiais a entidades independentes só em dois casos ultrapassaram 3%.

O facto de serem referidas no dossier de preços de transferência estas circunstâncias potencialmente justificadoras da prática de preços para as vendas à O… inferiores aos praticados em relação aos restantes clientes, impede que, na aplicação do MPCM, se possam considerar como comparáveis as médias dos preços praticados para os mesmos produtos em relação à generalidade dos clientes independentes, pois o artigo 58.º, n.º 2, do CIRC e o artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, exigem, para aplicação de tal método, «o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes».

Assim, designadamente, sendo a O… um grossista que adquire produtos pagando no acto da encomenda, é manifesto que para existir grau mais elevado de comparabilidade quanto a «termos e condições», exigido por aquele artigo 6.º, os preços praticados em relação a esta empresa apenas poderiam ser comparados com os praticados em relação a grossistas independentes que pagassem a pronto e não com a média dos preços praticados em relação a todas as entidades independentes, inclusivamente, retalhistas que pagam a prazo.

Para além disso, o facto de a O… ser o maior cliente da D… no ano de 2006, com um volume de compras em … quase 20 vezes superior a qualquer dos clientes independentes com maiores volumes de compra, e que comparticipava anualmente nos custos que a D… suportava com a promoção dos produtos das marcas vendidas pela O… (com uma quantia que no ano de 2006 atingiu o avultado valor de € 80.246,83), leva a concluir que não existiria suporte para comparação de preços com qualquer desses clientes independentes, pois a dimensão do volume de compras e a comparticipação nas despesas de promoção dos produtos tem potencialidade para justificar o estabelecimento de preços mais favoráveis, como meio de fidelizar um cliente de grande importância. Por isso, uma comparação do grau mais elevado teria de ser feita quanto a preços praticados em relação a clientes de idêntica relevância para a empresa vendedora ou, pelo menos, em situação em que não existisse uma tão grande dimensão da sua importância para essa empresa.

Pelo exposto, tem de se concluir que a fixação da matéria tributável da D… com fundamento no regime de preços de transferência enferma de erro sobre os pressupostos de direito, ao aplicar o Método do Preço Comparável de Mercado sem observância dos requisitos legalmente exigidos para sua aplicação.

Por isso, o acto de liquidação, que assentou em tal fixação da matéria tributável, enferma do mesmo vício, na parte respectiva, o que justifica a sua anulação (artigo 135.º do CPA).

3.5. Questão da correcção relativa à criação líquida de postos de trabalho

 

A D…, relativamente ao exercício de 2006, deduziu o valor de € 230.866,66 ao Resultado Líquido do Exercício, incluindo-se naquela quantia o valor de € 69.611,09, o qual é relativo à majoração dos encargos suportados em 2006 com os empregados cuja criação líquida de postos de trabalho ocorreu em 2001.

A D…, no exercício de 2006, considerou para efeitos do benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho, os seguintes encargos, após majoração, suportados com o trabalhador a seguir identificado:

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a D…, no exercício de 2006, considerou indevidamente como benefício fiscal o valor de € 18.773,64, que deduziu ao valor do resultado líquido do exercício.

                A Requerente defende que, respeitando a majoração dos encargos suportados em 2006 a empregados relativamente aos quais a criação líquida do posto de trabalho ocorreu em 2001, devem ser aplicadas as regras que neste último ano estavam em vigor e, de qualquer modo, quer na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, quer na redacção deste diploma, o limite imposto deverá ser verificado por referência aos valores dos encargos suportados pela entidade patronal e não aos encargos suportados pela entidade patronal majorados, como entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que, até à redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, ao artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, «o benefício atribuído aos empregadores podia corresponder, no máximo, a 14 vezes o salário mínimo nacional acrescido de 50% desse valor» e que, com a redacção dada por aquela Lei foi estabelecido um montante máximo da majoração anual e já não um montante máximo de encargos anuais, passando o limite do benefício fiscal a ser de 14 vezes o salário mínimo nacional: isto é, por cada posto fiscal, os encargos seriam majorados em 50%, tendo como limite máximo 14 vezes o salário mínimo nacional e, se da majoração dos encargos resultasse um montante superior a 14 vezes o salário mínimo nacional seria este limite a ser considerado (artigos 189.º a 196.º da resposta).

                Antes de mais, há que esclarecer qual o regime legal aplicável.

                O artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção dada pelo DL n.º 198/2001, de 3 de Julho, estabelece o seguinte:

 

Artigo 17.º

Criação de empregos para jovens

1 – Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.

3 – A majoração referida no n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.

 

                Esta redacção corresponde ao texto do anterior artigo 48.º-A, com a alteração introduzida no n.º 3 pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, pelo que era este o regime que vigorou em todo o ano de 2001.

                A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, veio alterar o n.º 2 deste artigo, dando-lhe a seguinte redacção:

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.

                 Com esta Lei n.º 32-B/2002, o benefício fiscal foi reduzido, passando o valor de 14 vezes o salário mínimo nacional a ser o limite máximo da majoração anual, em vez de ser permitida uma majoração mensal de 50% daquele valor, como resultava da redacção inicial.     No entanto, consubstanciando o regime desta nova Lei uma redução do benefício fiscal atribuído à criação líquida de postos de trabalho ocorrida em 2001, ele não poderá ser aplicado às situações originadas nesse ano, como é o caso dos autos.

                Na verdade, o artigo 11.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais enuncia os princípios gerais sobre a «Aplicação no tempo das normas sobre benefícios fiscais» estabelecendo que «as normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário».

                No caso em apreço, está-se perante um benefício fiscal temporário, já que a lei associa ao facto que gera o benefício (criação líquida de postos de trabalho nas circunstâncias previstas), um desagravamento fiscal durante cinco anos.

                Por isso, implicando a nova redacção dada ao n.º 2 daquele artigo 17.º uma redução do benefício fiscal, será necessariamente aplicável a redacção vigente no momento do facto que gera o benefício, durante todo o período de cinco anos durante o qual este é reconhecido.

                Por outro lado, mas conduzindo à mesma conclusão, o artigo 14.º, n.º 1, da LGT, na redacção inicial (que se manteve até à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), estabelecia que «sem prejuízo dos direitos adquiridos, as normas que prevêem benefícios fiscais vigoram durante um período de cinco anos, se não tiverem previsto outro, salvo quando, por natureza, os benefícios fiscais tiverem carácter estrutural».

                Neste caso, a norma que criou o benefício fiscal não prevê qualquer prazo diferente do de cinco anos, pelo que também por esta via se tem de concluir que a Requerente, ao criar em 2001 postos de trabalho nas condições previstas naquele artigo 17.º, n.º 1, obteve o direito de usufruir o benefício durante os cinco anos subsequentes, nos termos em que ele então estava previsto, que dependiam da evolução do salário mínimo nacional.

Por outro lado, o limite previsto no artigo 17.º, n.º 2, na redacção vigente em 2001, aplica-se por referência ao montante dos encargos suportados com os trabalhadores majorados em 50%, não se aplicando o limite em apreço se aplica aos encargos já majorados, como a Autoridade Tributária e Aduaneira defende no artigo 196.º da resposta (ao que parece, apenas para a redacção de 2002).

O n.º 2 do artigo 17.º, na redacção vigente em 2001, estabelece o seguinte:

«Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado».

 

Conforme resulta da leitura do preceito em apreço, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira não tem qualquer correspondência com a letra da lei, a qual é clara ao estabelecer que são os «encargos mensais» cujo montante máximo não poderá exceder «14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado».

De resto, são esses mesmos «encargos» que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º, «são levados a custo em valor correspondente a 150%», pelo que assumir como correcto o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, seria admitir que a expressão «encargos» utilizada no n.º 2 do artigo 17.º teria um sentido diferente daquele que lhe foi atribuído no n.º 1 do mesmo artigo.  

                Sendo assim, tem de se concluir que não tem fundamento legal a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a este benefício fiscal.

Na verdade, em 2006, o salário mínimo nacional era € 385,90, nos termos do de Decreto-Lei n.º 238/2005, de 30 de Dezembro, pelo que 14 vezes esse valor é € 5.402,60, sendo este «o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho» a atender para efeitos do benefício fiscal, como resulta do n.º 2 do artigo 17.º na redacção inicial, que são considerados como custos com acréscimo de 50%.

Isto é, desde que a remuneração mensal não ultrapasse € 5.402,60, por posto de trabalho, é considerada como custo para efeitos de IRC com acréscimo de 50%, não havendo qualquer benefício na parte da remuneração mensal que ultrapassar aquele valor.

Aplicando esta regra ao quadro de remuneração do trabalhador X…, constata-se que nos meses de Janeiro, Fevereiro (em que a remuneração mensal foi de € 4.797,08) e Abril, Maio, Julho, Agosto e Setembro (em que a remuneração mensal foi de € 4.907,36), não auferiu remunerações superiores a € 5.402,60, pelo que, sendo declaradas como custo pela D… as respectivas remunerações acrescidas de 50% de majoração (€ 2.397,54, nos meses de Janeiro e Fevereiro e € 2.453,68 nos meses de Abril, Maio, Julho, Agosto e Setembro), não há qualquer valor a corrigir.

No que concerne aos meses de Março (em que a remuneração foi de € 18.347,36) e Junho (em que a remuneração foi de € 9.810,30), o referido trabalhador auferiu remunerações superiores a € 5.402,60, pelo que se aplica a majoração máxima de € 2.701,30, sendo de considerar como custo a soma destas quantias (€ 8.103,90), acrescida das partes das referidas remunerações que excedem € 5.402,60, isto é, € 12.944,76 relativamente ao mês de Março e € 4.407,70, quanto ao mês de Junho. Isto é, considera-se como custo no mês de Março a quantia de € 21.048,66 (€ 8.103,90 + € 12.944,76) e no mês de Junho a quantia de € 12.511,60 (€ 8.103,90 + € 4.407,70).

Foram precisamente estes os valores que foram considerados como custos, pelo que o benefício fiscal foi adequadamente aplicado, sendo consequentemente ilegais as correcções efectuadas, por violação do referido artigo 17.º, n.º s 1 e 2, do EBF na redacção vigente em 2001.

Por isso, nesta parte, o acto impugnado tem de ser anulado por enfermar de vício de erro sobre os pressupostos de direito 

4.Indemnização por garantia indevida

    A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

 

    1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

    2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

    3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

No caso em apreço, os erros nas correcções da matéria tributável da D… subjacentes ao acto de liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções que efectuou foram da sua iniciativa e nem a Requerente nem a D… contribuíram para que esses erros fossem praticados.

Por outro lado, esses erros das correcções efectuadas repercutiram-se na liquidação impugnada, pelo que a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos derivados da garantia prestada para suspender a execução fiscal n.º … 2010 …, instaurada para cobrança da quantia liquidada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 661.º do Código de Processo Civil de 1961, a que corresponde o artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013, e artigo 565.º do Código Civil).

5.Decisão

    De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, na totalidade;

b) Anular a liquidação de IRC n.º 2010 …, no valor de € 1.309.646,93, bem como as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que a mantiveram;

c) Julgar procedente o pedido de pagamento de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão, relativa às despesas com a garantia prestada para suspender a execução fiscal n.º … 2010 ….

6.Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.309.646,93.

7.Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 17.748.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2014

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

 

 

 

(António Américo Coelho)

 



( [1] ) Ou feita de modo manifestamente insuficiente.

( [2] ) Isto é, podendo beneficiar de um regime de tributação mais favorável, de uma maior confidencialidade (pelos serviços fiduciários admitidos no common law, e pelo sigilo bancário) e, porventura, da não obrigatoriedade de ter contabilidade organizada (vide o então artigo 59.º n.º 1 do Código do IRC).

( [3] ) Um nominee é uma pessoa singular ou colectiva, que actua em nome de um beneficiário (beneficial owner). Na maioria das vezes, o nominee surge agindo como dono de uma entidade, activos ou transacção, para assegurar o sigilo quanto à identidade e participação do beneficiário (afinal, o verdadeiro dono). Sendo que, nos regimes de common law, muitas entidades prestam os serviços (fiduciários) de nominee, actuando apenas por instruções do beneficiário.

( [4] ) Com sede na Zona Franca da Madeira (com isenção de IRC nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

( [5] ) Apenas complementado com as consequências da decisão anulatória a nível de atribuição de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida, se for caso disso.

( [6] ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

–  de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;

–  de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289;

–  de 09/10/2002, processo n.º 600/02;

–  de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

         Em sentido idêntico, podem ver-se:

–  MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;  

–  MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

( [7] ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: de 11-2-93, do Pleno, processo n.º 26389, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-10-95, página 103; de 4-11-93, processo n.º 31798, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 6007; e de 3-2-94, processo n.º 32325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 20-12-96, página 791.    

No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-1999, processo n.º 23720; e 19-12-2007, recurso n.º 874/07.