Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 615/2015-T
Data da decisão: 2016-03-17  IRS  
Valor do pedido: € 31.887,16
Tema: IRS - Mais-valias - 2011
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Decisão Arbitral

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

1 -  A… CF[1]…, com domicílio fiscal na Rua…, nº … – 2º Esqº, …-… - AVEIRO, apresentou em 25/09/2015 pedido de constituição de Tribunal Arbitral com vista à apreciação da ilegalidade do cálculo da mais-valia apurada à requerente na liquidação de IRS[2] do ano de 2011e juros compensatórios conforme nota documento de cobrança 2015… no valor de € 31 887,16, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, do nº1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10, todos do DL 10/2011 de 20 de Janeiro (RJAT)[3], sendo requerida a AT[4].

2 - O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 28/09/2015.

3 - Nos termos e para efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

4 - O Tribunal foi constituído em 09/12/2015 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro e, em 10/12/2015, foi proferido o Despacho a que alude o artigo 17ºnº1 do RJAT.

5 – A requerente considera que o cálculo da mais-valia apurada em sede de IRS do ano 2011 está ferido de ilegalidade, invocando, em síntese, o seguinte:

5.1 – A mais valia recaiu sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo …-F, que veio à sua posse por óbito do seu marido B…, ocorrido em 05/08/2011, que ao tempo tinha o VPT[6] inscrito na respetiva matriz de € 5 856,38 e foi alienado em 09/11/2011 por € 220 000,00

5.2 –O VPT constante na matriz à data do óbito havia sido determinado com base no Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola e do Código da Contribuição Autárquica

5.3 – Só em 31/12/2012 foi o imóvel avaliado nos termos do CIMI[7] e fixado o VPT de € 99 550,00,pelo que o cálculo da mais-valia apurada está errado uma vez que utilizou o VPT de € 5 856,38 e não o VPT de € 99 550,00, contrariando, com este procedimento, o disposto no artigo 45º nº 1 do CIRS[8].

5.4 – Uma vez que a liquidação de IRS aqui colocada em crise foi paga pela requerente, deverá a mesma ser anulada acrescida de juros indemnizatórios legais, focando ainda que a AT já terá reconhecido o erro em procedimento idêntico respeitante a sua filha.

6 – Por sua vez a AT, na resposta apresentada ao abrigo do artigo 17º nº1 do RJAT a AT entende que à requerente não assiste razão, dizendo, em síntese o seguinte:

6.1 – Segundo o artigo 45º do CIRS, alínea a) nº1 o valor a considerar para a aquisição, no caso de aquisição a título gratuito é o valor que tenha sido considerado para efeitos de IS[9]

6.2 – De acordo com as disposições contidas na alínea p) do artigo 5º e artigo 26º do CIS[10], o VPT a considerar para efeitos de liquidação do IS é o constante na matriz à data do óbito (abertura de sucessão artigo 2031 do CC[11]).

6.3 – Refere que a requerente apesar de concordar que o VPT constante na matriz à data do óbito era de € 5 856,38, sustenta sem suporte legal que tal valor não pode ser considerado por não ter sido determinado com base no CIMI.

6.4 – Que se acaso o tribunal assim não entenda e venha a considerar que o VPT a considerar na aquisição seja o de € 99 550,00, apurado em avaliação promovida pela primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do CIMI, que se determine a anulação parcial da liquidação e não a sua anulação total, como pretende a requerente.

 

II- SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas (artigos 4º e 10, nº2 do RJAT e artº1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).

Em 05/02/2016, o tribunal proferiu o seguinte despacho: “Vistos os autos, verifica-se que foi oferecida prova testemunhal pela requerente, vindo a requerida a solicitar a sua dispensa por apenas estarem em causa questões de direito. Nesta perspetiva, não se  vê necessidade de realizar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT nem de haver lugar a alegações. 

Assim, se as Partes, nada opuserem, no prazo de 10 dias, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a produção da prova testemunhal oferecida, realização da reunião prevista no artigo 18.º e alegações, prosseguindo o processo para decisão final.

Indica-se o dia17-03-2016 para prolação da decisão arbitral. Até essa data, a requerente deverá fazer prova do pagamento da taxa arbitral subsequente, junto do CAAD”.

Decorrido o prazo concedido as partes nada disseram e, não padecendo o processo de nulidades, consideramos reunidas as condições para ser proferida decisão.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – Questões a dirimir nos presentes autos

1.1  Saber se no cálculo da mais-valia o VPT de aquisição a considerar será o constante na matriz à data do óbito, ou VPT da avaliação do imóvel levada a efeito pela AT, dado se estar em presença da primeira transmissão do imóvel na vigência do CIMI.

1.2  No caso de anulação de imposto, uma vez que ocorreu o seu pagamento haverá ou não lugar ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

2        – Matéria de facto

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)      A requerente adquiriu por herança em consequência do óbito, ocorrido em cinco de Agosto de dois mil e onze, do seu marido B…, a fração F do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo… .

b)      Na data do óbito o VPT inscrito na matriz respeitante à aludida fração era de € 5 856,38, que havia sido determinado ao abrigo das normas anteriores à publicação do CIMI.

c)      Em nove de Novembro de dois mil e onze a referida fração foi alienada por € 220 000,00, conforme escritura pública de compra e venda da mesma data celebrada em Cartório de Cascais a cargo do Notário C… .

d)      A referida fração foi avaliada pela AT, nos termos do CIMI, a 31 de Dezembro de 2012, tendo resultado da avaliação um VPT de € 99 550,00.

e)      O valor de aquisição da fração em questão, para efeitos do apuramento da mais-valia, que está aqui a ser posta em crise, foi o constante na matriz à data do óbito (€ 5 856,38)

f)       A requerente apresentou em 21 de Maio de 2012 a declaração modelo 3 de IRS respeitante a 2011, na qual no anexo G declarou a alienação da fração, fazendo constar o valor da realização de € 165 000,00, o valor da aquisição de € 2 493,99 e despesas no valor de 6 515,00, correspondentes à sua quota hereditária, fazendo ainda constar a sua intenção de reinvestir o valor da realização, suspendendo assim a tributação da mais-valia.

g)      Não concretizando o reinvestimento no prazo legalmente previsto (36 meses), a AT procedeu à respetiva tributação, emitindo a liquidação nº 2015… .

 

 

3        – Do Direito

 

3.1  Quanto ao valor da aquisição a considerar no apuramento da mais-valia

 

a)      O valor considerado na liquidação aqui posta em crise foi o correspondente à quota hereditária, relativamente ao VPT, inscrito na matriz à data do óbito.

b)      Analisando o quadro legal aplicável, verificamos que as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 45º do CIRS, estabelecem: “ que na determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se o valor de aquisição, no caso de bens e direitos adquiridos a título gratuito, o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo ou que lhe serviria caso fosse devido”.

c)      Por sua vez o artigo 13º do CIS diz-nos “que o valor tributável dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão…”

d)      O artigo 7º do CIMI no seu nº 1 estabelece que o VPT dos prédios é determinado nos termos nele previsto.

e)      O DL[12] 287/2003 de 12 de Novembro que procedeu à reforma do património e que entrou em vigor em 01 de Dezembro de 2003, estabelecia no nº 1 do seu artigo 15º que ” Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor.

f)       Daqui resulta que o valor considerado para efeitos do IS, só poderá ser o determinado nos termos do CIMI, no caso concreto o resultante da avaliação promovida pela AT, independentemente do tempo em que ela se iniciou ou terminou.

g)      Nem se diga que a requerente bem considerou o valor inscrito na matriz à data do óbito, na verdade, seria o que lá constaria, mas a AT bem sabia que esse valor não tinha sido apurado nos temos do CIMI e como tal não poderia servir para a liquidação do IS, caso fosse devido e consequentemente também não poderia ser considerado para valor de aquisição no cálculo das mais-valias.

h)      Também não se invoque a constituição da obrigação tributária ou da abertura da sucessão, para se pretender que o valor a considerar para efeitos do IS é o constante na matriz nessa data, será assim, sempre que, o mesmo tenha sido determinado de acordo com as regras previstas no CIMI como determina o artigo 13º do CIS.

i)       No caso concreto o valor constante da matriz à data do óbito tinha sido determinado pelas codificações anteriores ao CIMI e como tal não poderia servir de base para a tributação em IS e consequente também não poderia ser considerado como valor de aquisição para feitos de cálculo da mais-valia.

j)       Nesta perspetiva concluímos que a liquidação aqui posta em crise, embora possa ter observado as normas legais aplicáveis, utilizou erradamente os valores, digamos que, enferma de erro aritmético.

k)      Na verdade, há lugar ao apuramento das mais valias, só que o valor de aquisição do imóvel em causa terá de ser o apurado nos termos do CIMI, no caso concreto de €99 550,00 e não o constante da liquidação 2015…, pelo que a mesma deverá ser corrigida.

 

 

3.2- Juros indemnizatórios

 

·         a) Do exposto resulta que a liquidação aqui posta em crise irá sofrer correções aritméticas, favoráveis à requerente, ficando a AT obrigada a reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido cometido o erro que conduziu ao apuramento errado do valor das mais valias.

·         b) Assim, em obediência às disposições contidas nos artigos 100º e, 43º nº 1 ambos da LGT[13] e artigo 61º do CPPT[14], aplicáveis por força do nº 1 alíneas a),b) e c) do artigo 29º do RJAT, comprovado o pagamento, tem a requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios, relativamente ao IRS pago indevidamente.

 

 

III- DISPOSITIVO

 

Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:

 

 

a)      Que o VPT a considerar como valor de aquisição para feitos de apuramento da mais valia, é o apurado nos termos do CIMI ou seja € 99 550,00 e não o constante na matriz à data do óbito, considerando, como se compreende, a respetiva percentagem que cabe à requerente na herança.

b)      Que a liquidação de IRS 2015…, referente ao ano de 2011, deverá ser corrigida relativamente ao apuramento da mais valia ficando a constar no quadro 4 do anexo G da referida declaração o VPT de € 62 218,75 como valor de aquisição do imóvel que corresponde ao direito que a requerente tem no mesmo em consequência do óbito do seu cônjuge.

c)      Declarar a obrigatoriedade da AT reembolsar o IRS indevidamente pago pela requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, desde a data em que ocorreu o pagamento e a data em que ocorra o reembolso.

d)      Fixar o valor do processo em 31 887,16, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº1 do CPC[15], 97-A do CPPT e artigo 3º nº 2 do RCPAT[16].

e)      Fixar o montante das custas em €1 836,00, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT e tabela I do RCPAT, que ficam a cargo da requerida, nos termos da 1ª parte do nº1 do artigo 527º do CPC, aplicável ex vi nº 1 alínea e) do artigo 29º do RJAT.

 

 

Notifique

 

 

 

Lisboa,17 de Março 2016

 

 

 

  Texto elaborado em computador, nos termos do artº 131º,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artº 29,nº1,alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro,

 

 

Arlindo José Francisco

 



[1] Acrónimo de Contribuinte Fiscal

[2] Acrónimo de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas singulares

[3] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[4] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[7] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

[8] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares

[9] Acrónimo de Imposto do Selo

[10] Acrónimo de Código de Imposto do Selo

[11] Acrónimo de Código Civil

[12] Acrónimo de Decreto-Lei

[13] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[14]  Acrónimo de Procedimento e de Processo Tributário

[15] Acrónimo de Código de Processo Civil

[16] Acrónimo de Regulamento de Custas Nos Processos de Arbitragem Tributária