DECISÃO ARBITRAL
I
1. No dia 27.02.2015, a Requerente A…, S.A., pessoa coletiva nº …, com sede no …, nº ..., Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto de selo, verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2013, que identificou do modo seguinte:
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 7.05.2015.
3. No pedido de pronúncia arbitral apresentado consta o seguinte:
4. No petitório, a Requerente formula a seguinte pretensão:
II-
5. Tendo em consideração que a Requerente vem pedir a declaração de ilegalidade de liquidações de tributos, mas apenas relativamente às segunda e terceira prestações das mesmas e, por outro, alega que noutro processo arbitral pendente, peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações, referentes (também) às prestações que neste processo vem impugnar, afigura-se ao Tribunal ser pertinente ponderar a ocorrência da verificação dos pressupostos que justifiquem o indeferimento liminar do pedido de pronúncia arbitral por ocorrência da exceção litispendência ou, ainda, de inimpugnabilidade dos atos impugnados.
Sobre a possibilidade de indeferimento liminar no processo arbitral citamos Jorge Lopes de Sousa[1], cujo entendimento acompanhamos:
“(…)antes de receber o requerimento, o tribunal arbitral deverá apreciar se ele enferma de deficiência ou irregularidades sanáveis, designadamente se satisfaz os requisitos indicados no nº 2, do art. 10º (…).
Esta possibilidade de intervenção inicial do tribunal arbitral na receção do requerimento, parece implicar também a possibilidade de indeferimento liminar.
Com efeito, a prolação de despachos de indeferimento liminar insere-se no princípio básico de economia processual, que contém a sua expressão máxima na proibição d aprática de actos inúteis (…). Por isso, em matéria de indeferimento liminar, a regra é de que ele só não é possível quando o chamamento ao processo da parte contrária é efetuado oficiosamente pela secretaria e não havendo intervenção inicial do tribunal arbitral (…).
Assim, a coerência valorativa do sistema jurídico, que é o primacial elemento interpretativo (art. 9º, nº 1, do CC), impõe a conclusão de que será admissível o indeferimento liminar da petição de impugnação judicial.[2]
De harmonia com o preceituado no artigo 89º do CPTA, subsidiariamente aplicável, atenta a natureza do caso omisso, a processos de impugnação de actos, o pedido de pronúncia arbitral deve ser liminarmente indeferido quando for manifesto:
(…)
-Que o acto é inimpugnável [art. 89º, nº 1, al. c), do CPTA];
(…).
-Que ocorre litispendência ou existe caso julgado [art. 89, nº 1, al. i), do CPTA].
(…)”
Vejamos.
6.Dispõe o nº 1 do Regime jurídico da arbitragem tributária que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
“a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Este preceito pode ser cotejado com o art. 97º do Código de Procedimento e Processo Tributário onde estão indicados as pretensões objeto do processo judicial tributário, prevendo-se na alínea a) do nº 1 que o processo judicial tributário compreende “A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta”.
Por sua vez, determina o art. 95º da Lei Geral Tributária que:
“1 - O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.
2 - Podem ser lesivos, nomeadamente:
a) A liquidação de tributos, considerando-se também como tal para efeitos da presente lei os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;
(…).
7. Do quadro normativo acima transcrito resulta, indubitavelmente, que a pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação poderá ser objeto, quer de impugnação judicial, quer de pedido de pronúncia arbitral.
A questão que se coloca é de saber se poderão ser objeto de pedido pronuncia arbitral a pretensão de anulação de liquidações circunscritas às segundas e terceiras prestações referentes aos atos tributários em causa, acrescendo que a Requerente alegou que já havia impugnado os atos tributários de liquidação e que o respetivo processo está pendente em Tribunal arbitral no processo.
Aparentemente, a Requerente, embora à cautela, sustenta o entendimento de que podem ser objeto de pedido de pronuncia arbitral, cada uma das prestação de per si, referentes aos atos tributários de liquidação.
8. Para a solução desta questão afigura-se pertinente ter presente o conceito de “liquidação de tributos” (art. 97º, nº 1, al. a) do CPPT) ou “atos de liquidação de tributos” (art. 2º, nº 1, al. a) do RJAT).
Na lição de José Casalta Nabais “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”[3].
9. Como decorre da noção de liquidação que nos é dada pelo ilustre Professor, para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a coleta a pagar. Tal é, aliás, o que decorre do art. 23º, nº 7, do Código do Imposto de Selo ao dispor que “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.
Por sua vez, dispõe o art. 113º, nº 2 do CIMI, aplicável por remissão daquela norma do Código do Imposto de Selo, que “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”.
Da circunstância de, por força da lei, a mesma poder ser paga em várias prestações, não decorre, naturalmente, que tenham ocorrido várias liquidações. A liquidação é só uma e só ela constitui ato lesivo, suscetível de ser impugnado que só pode, evidentemente, ser objeto de uma única impugnação.
Naturalmente, quando a lei prevê o pagamento do valor da liquidação em várias prestações, a anulação do ato tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de as pagar ou impondo a obrigação de restituição (e eventualmente de juros indemnizatórios) a cargo da ATA, em caso de pagamento pelo sujeito passivo.
10. O que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de processo de impugnação judicial é a pretensão anulatória de pagamento de prestações de per si, uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do ato tributário de liquidação que, como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é apenas e tão só um único ato tributário.
11. Por outro lado, os atos tributários que a Requerente vem impugnar (embora com referência apenas às 2ª e 3ª prestações), segundo a própria, já se encontram impugnados noutro processo arbitral.
Assim, face ao art. 89º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), subsidiariamente aplicável (art. 29º, nº 1, al. c), do RJAT), ocorrem, manifestamente, os pressupostos de que dependente o indeferimento liminar da petição.
Na verdade, estando os atos de liquidação identificados no pedido de pronúncia arbitral já impugnados noutro processo, verifica-se a exceção de litispendência (al. f), do nº 1, do art. 89º, do CPTA).
Caso se entendesse que o objeto do presente processo não são os atos de liquidação (que não se entende ser o caso uma vez que, quer na identificação do objeto do pedido de pronúncia arbitral, quer no petitório a Requerente manifesta a pretensão de impugnar e de obter a anulação dos “atos de liquidação de imposto de selo”), por no presente processo apenas se pretender apenas a anulação da segunda e terceiras prestações referentes a tal ato, a conclusão não poderia deixar de ser mesma, com fundamento, nesse caso, em inimpugnabilidade, pelas razões que acima se expuseram (art. 89º, nº 1, al. c) do CPTA).
III-
Assim, com os fundamentos acima indicados, e à luz do princípio da economia processual e da ilicitude da prática de atos inúteis, decide o Tribunal arbitral indeferir liminarmente o pedido de pronúncia arbitral.
Valor da ação: 53.987,26 € (cinquenta e três mil novecentos e oitenta e sete euros e vinte e seis cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerente no valor de 2142 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 25 de Maio de 2015
O Árbitro
(Marcolino Pisão Pedreiro)
[1]Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pag. 202). (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico Da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 193-194)
[2] O autor acrescenta ainda que “Relativamente à situação paralela prevista no artigo 110º, nº 1, do CPPT para o processo de impugnação judicial, o STA tem aceitado pacificamente a possibilidade de indeferimento liminar de petições de impugnação judicial, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
De 10-03-2005, processo nº 1022/04; de 25-05-2005, proc. nº 400/2005; de 22-02-2006, processo nº 1253/05; de 05-04-2006, processo nº 1286/05; e de 27-05-2009, processo nº 76/09” (Ob. cit. pag. 194, nota 90”
[3] DIREITO FISCAL, 3ª Edição, Almedina, 2005, pág. 318.