DECISÃO ARBITRAL
I – 1. RELATÓRIO
A…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, com o NIPC…, gerido e representado pela B…, S. A., com sede na Avenida …, n.º…, …, em Lisboa e com o NIPC … (doravante designado por Requerente), vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS), referente ao ano de 2015, no valor total de 58 233,11 (cinquenta e oito mil, duzentos e trinta e três euros e onze cêntimos), de que foi notificado através das notas de cobrança n.ºs 2016…, para pagamento voluntário da primeira prestação em abril de 2016; 2016…, para pagamento voluntário da segunda prestação, em julho de 2016 e 2016…, para pagamento voluntário da terceira prestação, em novembro de 2016.
Pede ainda o Requerente a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas ou a pagar relativamente à liquidação impugnada, bem como no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos legais.
I – 2. Síntese da posição das Partes:
a. Do Requerente
Como fundamentos da sua pretensão, invoca o Requerente o seguinte:
1. A liquidação de Imposto do Selo – verba 28.1, da TGIS, que se impugna, respeita ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de … concelho e distrito de Lisboa, descrito como “terreno para construção”;
2. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do IRS, ao Código do IRC, ao Código do Imposto do Selo e à Lei Geral Tributária, visando a instituição de medidas “(…) fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…)”, conforme a Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª apresentada pelo Governo à Assembleia da República;
3. De entre outras alterações, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo, a verba 28, através da qual o Governo pretendeu instituir uma tributação especial sobre os prédios urbanos de valor superior a € 1 000 000,00, índice de elevada capacidade contributiva;
4. Com as alterações introduzidas à verba 28, da TGIS, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, o facto tributário estendeu-se à titularidade dos direitos de “propriedade, usufruto ou direito de superfície” de um terreno para construção de valor patrimonial tributário superior a € 1 000 000,00, que tenha “uma edificação para construção”, “autorizada ou prevista”;
5. Embora o prédio objeto das liquidações de Imposto do Selo sub judice se encontre inscrito na matriz como “terreno para construção”, ele não pode ser subsumível no conceito de “prédios com afetação habitacional” e, por conseguinte, não se encontra incluído no âmbito da incidência objetiva da verba 28, da TGIS, pois “a tributação em análise apenas será aplicável nas situações em que tenha sido autorizada ou prevista a efetiva edificação do “terreno” no caso concreto e que tal edificação se destine a “habitação” (cfr. artigo 25.º, da p. i.);
6. Ora, o prédio em causa não tinha, no ano a que respeita o imposto, nem tem atualmente, qualquer “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”, conforme exigido pela verba 28.1, da TGIS (artigo 34.º, da p. i.);
7. Não tem sequer “qualquer licença/autorização de construção (válidas) ou qualquer projeto (aprovado)” (artigo 35.º, da p. i.), pois o Requerente não tem intenção de afetar o prédio a qualquer tipo de construção ou projeto urbanístico, destinando-se, no âmbito da sua atividade, a ser revendido nos exatos termos em que foi adquirido;
8. Atento o exposto, considera o Requerente resultar evidente que a liquidação de imposto do Selo do ano de 2015 é manifestamente ilegal, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo ser prontamente anulada, tal como tem sido decidido em casos semelhantes, por diversos Acórdãos Arbitrais;
9. A título subsidiário, invoca o Requerente a inconstitucionalidade da verba 28.1, da TGIS, quando aplicada a “terrenos para construção”, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa e dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, consagrados no n.º 3 do artigo 104.º, do texto constitucional (artigos 49.º e seguintes, da p. i.);
10. Que, não obstante o Tribunal Constitucional se tenha já pronunciado, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs 590/2015, de 11 de novembro e 692/2015, de 16 de dezembro, pela não inconstitucionalidade da norma da verba 28.1, da TGIS, tal jurisprudência não tem aplicação ao caso dos autos, porquanto, naqueles processos, estava em causa a aplicação da norma a “prédios habitacionais”, situação distinta da dos “terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00” (artigos 98.º e seguintes, da p. i.).
Termina o Requerente por, manifestando a intenção de não designar árbitro, formular os pedidos de (a) anulação da liquidação impugnada, com (b) a restituição do imposto indevidamente pago (ou a pagar), (c) acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 61.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
b. Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, em que diz entender não assistir razão à Requerente, com os seguintes fundamentos:
1. Por consulta às certidões de teor que estiveram na origem da liquidação impugnada, verifica-se que o prédio de que tratam os autos é um terreno para construção a que foi atribuída a afetação habitacional, quer no âmbito da respetiva avaliação, quer na inscrição matricial, estando, por isso, sujeito a Imposto do Selo;
2. A lei fiscal considera como elemento integrante, para efeitos de avaliação dos terrenos para construção, o valor da área de implantação, o qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, com base no projeto de urbanização e de construção, não se podendo ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas contém, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previsto, nos termos da alínea a) do artigo 77º do RJUE;
3. Com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, a verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, passou a ter a seguinte redação: “28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %”, limitando-se o legislador a definir, “«sem margem para dúvidas», o elemento lógico subjacente à exposição de motivos que serviu de base à Proposta de Lei n.º 96/XII (…)”, de “promover o alargamento da base tributável, exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados…”;
4. A tributação através da verba 28, da TGIS, obedece ao critério da adequação, ao visar a riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de valor elevado, procurando um máximo de eficiência na arrecadação de receita, com um mínimo de lesão para outros interesses relevantes, não sendo violadora do princípio da proporcionalidade;
5. Nem se afigura violadora do princípio da igualdade ou da capacidade contributiva, por ser indistintamente aplicável “a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1 000 000,00”;
6. Ademais, a Administração atua em estrita obediência à lei, dentro dos limites dos poderes que lhe são atribuídos, não dispondo de competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais se suscitem dúvidas de constitucionalidade, tarefa que cabe aos tribunais, nos termos do artigo 204.º, da Constituição da República Portuguesa;
7. O direito a juros indemnizatórios, por anulação judicial de um ato de liquidação, depende da demonstração de o ato resultar de erro imputável aos serviços, de que decorra pagamento do imposto em valor superior ao legalmente devido;
8. A liquidação impugnada foi efetuada com base na lei aplicável e à qual a Administração está vinculada; o erro do qual depende o direito a juros indemnizatórios é apenas o que se concretiza na defeituosa apreciação dos factos ou na errada aplicação das normas legais, não havendo lugar ao seu pagamento quando está em causa a aplicação de uma norma que venha posteriormente a ser julgada inconstitucional.
Termina a AT por requerer a dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, declarando a intenção de não apresentar alegações, dado que a questão a decidir depende exclusivamente da interpretação da norma da verba 28, da TGIS, e não terem sido invocadas exceções que impeçam que se passe diretamente à decisão da causa.
A título de processo administrativo, foi remetido aos autos o e-mail n.º …/2016, da DSIMT – Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais, de 5 de setembro de 2016, com o teor que, em parte, se transcreve: “(…) Informa-se que não existem processos administrativos nesta DS relativamente ao procedimento em causa. O procedimento de liquidação de imposto, decorre do processamento automático das liquidações, com base na informação matricial e da aplicação da lei aos factos, sendo que os elementos subjacentes à liquidação poderão ser obtidos diretamente do sistema informático de liquidação.
Quanto à matéria substantiva – incidência do Imposto do Selo – Verba 28 da TGIS, relativamente aos lotes de terreno para construção com afectação habitacional, mantém esta DS o entendimento, que resulta das normas legais aplicáveis, designadamente, o n.º 6 do art.º 1.º do Código do Imposto do Selo.”.
II – SANEAMENTO
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 28 de julho de 2016, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT;
2. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes;
3. O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 19 de outubro de 2016 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos;
4. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março);
5. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções;
6. As Partes prescindiram da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações, quer orais, quer escritas.
III. FUNDAMENTAÇÃO:
III. 1. MATÉRIA DE FACTO
A) Factos que se consideram provados:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto infra, que se considera provada, resultou da análise crítica da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (cópias da caderneta predial e notas de cobrança das prestações da liquidação do Imposto do Selo de 2015):
1. O Requerente figura como titular na matriz do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia de …, concelho de Lisboa, aí descrito como “terreno para construção”, com a área total de 13 297,0000 m2, sendo a área de implantação do edifício de 5 017,0700 m2, a área bruta de construção de 15 051,2000 m2 e a área bruta dependente de 0,0000 m2;
2. Na avaliação efetuada em 24 de janeiro de 2011 (ficha de avaliação n.º…), com base na declaração modelo 1 de IMI n.º…, entregue em 14 de janeiro do mesmo ano, foi considerado o Ca (coeficiente de afetação a que se refere o artigo 41.º, do Código do IMI) de 1,00 – habitação, constando como tipo de coeficiente de localização, para cálculo da área de implantação, também o de habitação;
3. O valor patrimonial tributário atual do prédio, determinado em 2014, que serviu de base à liquidação impugnada, é de € 5 823 311,33;
4. O Requerente foi notificado para proceder ao pagamento da liquidação de Imposto do Selo – verba 28.1, da Tabela Geral do Impostos do Selo, emitida pela AT, em 05/04/2016, por referência ao ano de 2015 e ao prédio identificado, no valor global de € 58 233,11, em três prestações, a primeira, da quantia de 19 411,05, a pagar em abril de 2016; a segunda e a terceira, da quantia de € 19 411,03 cada uma, a pagar em julho de 2016 e novembro de 2016, respetivamente;
5. O Requerente procedeu ao pagamento da primeira e da segunda prestação do imposto liquidado.
B) Factos não provados
Não se provou a existência de autorização ou licença de edificação para habitação no lote de terreno identificado nos autos, nem que o Requerente tivesse pago a terceira prestação da liquidação do Imposto do Selo impugnada.
III. 2 MATÉRIA DE DIREITO
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As questões a decidir:
As questões a decidir nos presentes autos são as seguintes:
a) A de saber se um prédio urbano inscrito na matriz como “terreno para construção”, em cuja avaliação foram tidos em conta os coeficientes de localização e de afetação para “habitação” e atribuído um valor patrimonial tributário (VPT) superior a € 1 000 000,00, se encontra abrangido pelo âmbito de incidência da verba n.º 28.1, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, ainda que não tivesse, no ano a que respeita o imposto, qualquer “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”, nem “qualquer licença/autorização de construção (válidas) ou qualquer projeto (aprovado) ”;
b) Se, em caso negativo, a liquidação emitida pela AT relativamente a tal prédio, para o ano de 2015, padece do vício de violação, por erro nos pressupostos de facto e de direito ou se a sua ilegalidade assenta na inconstitucionalidade da norma da verba 28.1, da TGIS, conforme o pedido subsidiariamente formulado pelo Requerente e,
c) Se, vindo a liquidação a ser anulada, são devidos juros indemnizatórios sobre os valores que tenham sido indevidamente pagos.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 124.º, do CPPT, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, não existindo vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, deverá o tribunal apreciar os vícios arguidos que determinem a sua anulabilidade, dispondo o n.º 2, alínea b), do mesmo artigo que, quanto a estes últimos, a ordem do seu conhecimento será a indicada pelo impugnante, sempre que seja estabelecida entre eles uma relação de subsidiariedade.
Como decorre do pedido de pronúncia arbitral, a pretensão de anulação da liquidação impugnada, com fundamento na inconstitucionalidade da norma de incidência, tem natureza subsidiária e, como bem nota a Requerida, a Administração deve atuar em obediência à lei, dentro dos limites dos poderes que lhe estão atribuídos, ou seja, em princípio, a Administração, segundo “a solução tradicional (aliás, a mais conforme ao sistema constitucional) (…)” (…) “em princípio (…) está imediatamente subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la a pretexto da sua inconstitucionalidade.”[1].
Assim, por se afigurar que da procedência do vício de violação de lei resultará uma eficaz tutela dos interesses ofendidos, por ser impeditiva da renovação do ato impugnado, passaremos de imediato à sua apreciação.
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Do conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.
A verba 28, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aplicável ao objeto de litígio nos presentes autos, estabelece a sujeição a Imposto do Selo das seguintes situações:
«28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.»
Constituem, assim, requisitos cumulativos de aplicação da norma de incidência da Verba 28.1, da TGIS, na redação em vigor para o ano de 2015 e no que respeita aos terrenos para construção, que para estes exista “uma edificação, autorizada ou prevista”, destinada a “habitação” e que o seu valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.
Embora o Código do Imposto do Selo não contenha a definição do que seja “terreno para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, deverá o intérprete, para a determinação do exato sentido e alcance da expressão contida na norma de incidência e no respeito pela unidade do sistema, recorrer aos chamados “lugares paralelos”, ou seja, haverá que ter em consideração as “disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins”[2].
Tais “lugares paralelos” encontrar-se-ão, necessariamente, no caso em apreço, nas normas do Código do IMI, por remissão genérica do n.º 6 do artigo 1.º, do Código do Imposto do Selo, e específica, quer do n.º 2 do artigo 67.º, do mesmo Código, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, quer, ainda, da própria norma da verba 28.1, da TGIS, que para aquele Código remetem.
O conceito de terreno para construção encontra-se definido no artigo 6.º, do Código do IMI – Espécies de prédios urbanos, de acordo com cujo n.º 1, os prédios urbanos podem ser a) Habitacionais, b) Comerciais, industriais ou para serviços, c) Terrenos para construção e, d) Outros, estatuindo o n.º 3 do mesmo artigo que “3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos”.
Porém, nem todos os terrenos para construção se destinam a ser edificados para fins habitacionais e, mesmo os que se encontrem inscritos na matriz sob aquela classificação, poderão deixar de reunir condições para tal, como bem esclarecem António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, em anotação ao n.º 3 do artigo 6.º, do Código do IMI, quando escrevem que “Os imóveis já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do aludido instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior (…)”.[3]
Até mesmo quanto aos terrenos para construção inscritos na matriz com base nas declarações apresentadas pelos contribuintes, como, de acordo com a caderneta predial junta ao pedido de pronúncia arbitral, terá sido o caso do terreno sobre que incidiu a liquidação de Imposto do Selo impugnada, consideram os Autores antes citados que, não tendo aquelas declarações eficácia constitutiva, se verifica “a necessidade de existência de identificação do documento que autoriza a construção ou o loteamento.”. E que, “Subsistindo a omissão de indicação desse documento, devem os serviços lançar mão do expediente previsto no art. 128.º [do Código do IMI] e contactar o respetivo Município”.[4]
Bem se compreende esta anotação dos Autores, pois são as Câmaras Municipais as entidades emissoras dos alvarás de loteamento, licenças de construção, de demolição e de obras e detentoras dos demais elementos que permitem a correta descrição matricial dos prédios, devendo as matrizes prediais, enquanto registo da caraterização dos mesmos, cujas organização e conservação incumbem aos serviços de finanças onde os prédios se encontram situados (artigo 78.º, n.º 1, do Código do IMI), ser “atualizadas anualmente com referência a 31 de dezembro”, conforme o disposto no n.º 4 do artigo 12.º, do CIMI, por ser esta a data da produção do facto tributário, quer em sede de IMI, quer do Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS.
Se, em 31 de dezembro de cada ano, a matriz se não encontrar atualizada de molde a refletir as exatas caraterísticas do prédio, das quais depende o preenchimento dos pressupostos da norma de incidência, não poderá aquele ser objeto da tributação nela prevista.
3. Do mérito da liquidação impugnada:
No pedido de pronúncia arbitral, invoca o Requerente, como fundamento para o erro sobre os pressupostos de facto em que assenta a liquidação impugnada, que o prédio em causa não tinha, no ano a que respeita o imposto, nem tem atualmente, qualquer “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”, conforme exigido pela verba 28.1, da TGIS.
De acordo com a respetiva caderneta predial, com cópia junta aos autos, o prédio urbano de que o Requerente é proprietário, descrito como terreno para construção com os coeficientes de localização e de afetação relativos a habitação, foi avaliado e inscrito na matriz com base na declaração modelo 1, a que se refere o artigo 13.º, do Código do IMI, apresentada em 14 de janeiro de 2011 (declaração modelo 1 n.º…), não constando dessa caderneta predial a referência a quaisquer outros elementos que permitam a classificação do prédio como “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, caraterísticas que constituem os pressupostos de aplicação da norma da Verba 28.1, da TGIS.
Nem, de resto, o processo administrativo consubstanciado no e-mail n.º 1978/2016, da DSIMT, de 5 de setembro de 2016, anexo à Resposta da AT, de acordo com o qual “O procedimento de liquidação de imposto, decorre do processamento automático das liquidações, com base na informação matricial e da aplicação da lei aos factos, sendo que os elementos subjacentes à liquidação poderão ser obtidos diretamente do sistema informático de liquidação”, constitui meio de prova de que o prédio da Requerente possua os requisitos que permitam a sua inclusão no âmbito daquela norma de incidência.
Efetivamente, a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos em que assenta o direito que se pretende fazer valer, determinando o n.º 1 do artigo 74.º, da Lei Geral Tributária (LGT) – “Ónus da prova” que “1 – O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Como corolário da regra do ónus da prova dos factos constitutivos, a prova dos factos impeditivos do direito da AT à perceção da receita do imposto liquidado, sempre recairia sobre a mesma AT, em consonância com o estabelecido no n.º 2 do artigo 342.º, do Código Civil, pois que tal prova “compete àquele contra quem a invocação é feita”.
Deste modo, tendo o Requerente invocado a inexistência de “licença/autorização de construção (válidas) ou qualquer projeto (aprovado)” e não tendo a AT apresentado ao tribunal arbitral qualquer prova da sua existência, forçoso é concluir-se que não se poderá considerar provado que o terreno em causa tenha “edificação, autorizada ou prevista, para habitação”, nos termos do CIMI.
E, não se tendo demonstrado a efetiva possibilidade de construção para os fins previstos na verba 28.1, da TGIS, outra conclusão não resta senão a de que a liquidação de Imposto do Selo efetuada pela AT é ilegal, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de facto e de direito de que depende a aplicação daquela norma de incidência, erro exclusivamente imputável à Requerida, que emitiu tal liquidação sem habilitação legal para tanto.
Antecipando a decisão, dir-se-á que, pelos motivos expostos, o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado inteiramente procedente, não podendo a liquidação impugnada manter-se na ordem jurídica.
4. Dos pedidos de restituição das quantias pagas e de juros indemnizatórios
Em consonância com o disposto no artigo 24.º, do RJAT, determina o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT, que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
A “imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade” implica, desde logo, a restituição das quantias indevidamente pagas, relativas ao ato tributário total ou parcialmente anulado, seja pela via administrativa, seja pela via judicial, podendo compreender ainda o ressarcimento do contribuinte pelos danos decorrentes do pagamento indevido, através do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos legalmente estabelecidos.
Tendo o processo arbitral tributário sido concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), deverá entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços, fonte da obrigação de indemnizar.
O erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto ou sobre os pressupostos de direito e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”[5].
No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade de liquidação da Imposto do Selo do ano de 2015, justificativa da sua anulação, e demonstrado o erro da AT na aplicação da norma de incidência, terá de reconhecer-se o direito do Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à AT, que praticou o ato tributário sem o necessário suporte legal.
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Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Reconhecida a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo – verba 28.1, da TGIS, por erro nos pressupostos de facto e de direito, fica prejudicada a apreciação das restantes questões colocadas pelas Partes, nomeadamente a da eventual inconstitucionalidade da norma citada.
IV. DECISÃO
Pelos motivos acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:
a. Declarar a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo impugnadas por erro nos pressupostos de facto e de direito, determinando a sua anulação;
b. Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas pelo Requerente a título de Imposto do Selo do ano de 2015, acrescidas de juros indemnizatórios, desde a datas de cada pagamento, até à data da emissão da respetiva nota de crédito.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 58 233,11 (cinquenta e oito mil, duzentos e trinta e três euros e onze cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 15 de dezembro de 2016.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Vol. II – 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 800.
[2] MACHADO, J. Baptista, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 183.
[3] Cfr. os AA citados, “Tributação do Património”, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 46.
5 - CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva, SOUSA, Jorge Lopes de “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, pág. 342.