Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
1 A…, SA NIPC[1] … com sede na Rua …, nº … –…, …, … … e … andar, …-…Lisboa, apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de imposto do selo sobre a propriedade de um imóvel inscrito na matriz sob o artigo urbano nº … da freguesia da …, concelho de Lisboa, respeitante a um terreno para construção, conforme documentos de cobrança 2012… no montante global de € 32 365,40, atos contra os quais apresentou reclamação graciosa e recurso hierárquico, ambos indeferidos, e, não se conformando com tal tributação e decisões deduziu o presente pedido.
2 Que foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à AT em 18/04/2016.
3 Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 14/06/2016, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.
4 O tribunal foi constituído em 29/06/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 Com o seu pedido, visa a requerente, a anulação do ato de liquidação de imposto do selo em causa, por o considerar manifestamente ilegal, com todas as consequências legais daí advindas, nomeadamente a devolução das quantias indevidamente pagas e de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT[5]
6 Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no entendimento de que os terrenos para construção de forma alguma poderão ser considerados prédios com afetação habitacional, não possuindo nem podendo possuir licença de utilização para a habitação, enquanto nele não for implantada qualquer construção suscetível de utilização habitacional.
7 Não aceita a interpretação que a AT faz da Lei, para o indeferimento da reclamação e recurso hierárquico, ao considerar que a expressão “prédio com afetação habitacional” engloba os prédios habitacionais propriamente ditos e também os terrenos para construção, atribuindo mero caracter interpretativo à Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro ao dar nova redação à verba 28.1 da TGIS.
8 Na resposta, a requerida, considera que a verba 28.1 da TGIS na redação da Lei 55-A/2012 determina a tributação dos terrenos para construção, uma vez que estes têm natureza jurídica de prédios com afetação habitacional considerando que na determinação do seu VPT[6] se tem em conta o coeficiente de afetação de habitação, previsto no artigo 41º do CIMI[7],citando Acórdão nº 04950/11 de 14/02/2012 do TCA[8] do Sul.
9 Que o legislador não fala em prédios destinados à habitação, mas em afetação habitacional, expressão bem mais ampla, com vista a integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, nº1 alínea a) do CIMI.
10 Nesta perspetiva, entende que a liquidação posta em crise deve ser mantida por consubstanciar uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não sendo violadora da Lei, pelo que deverá ser julgada improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a requerida do pedido.
II - SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Por despacho de 10/10/2016 o tribunal entendeu desnecessária a realização da reunião do artigo 18º do RJAT, da produção de alegações orais ou escritas e considerou que as peças processuais dão plenamente a conhecer a posição das partes, fixando o dia 11 de Novembro para a prolação da decisão.
O processo não enferma de nulidades cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
a) Saber se os terrenos para construção, que na determinação do seu VPT lhe foi aplicado o coeficiente de afetação habitacional e apurado um valor igual ou superior a € 1 000 000,00, caem no âmbito da sujeição a IS[9] previsto na verba 28.1 da TGIS[10], aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.
b) Se, em caso negativo, a liquidação do IS em causa nos presentes autos deverá ser anulada por estar ferida de ilegalidade e, consequentemente serem devolvidas as quantias indevidamente pagas acrescidas de juros indemnizatórios, conforme prescreve o artigo 43º da LGT.
2 – Matéria de Facto
A matéria de facto considerada relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) A requerente era, no ano de 2012, proprietária do artigo urbano nº… da freguesia da …, concelho de Lisboa, respeitante a um terreno para construção.
b) Sobre o seu VPT de € 3 236 540,00, incidiu o IS prevista na verba 28.1 da TGIS conforme documento de cobrança 2012… no montante global de € 32 365,40.
c) Foi notificada para proceder ao pagamento do IS aqui em questão em 3 prestações, sendo a 1ª de € 10 7888,48 e as restantes duas de € 10 788,46, cada, oportunamente pagas, respetivamente em 30/04, 23/07 e 29/11 de 2013.
d) Contra a referida liquidação apresentou reclamação graciosa e recurso hierárquico que vieram a ser indeferidos, notificados a 30/09/2013 e a 14/01/206, respetivamente.
Não existe factualidade dada como não provada que seja relevante para a decisão.
3 – Matéria de Direito
3.1 - Quanto ao IS:
a) A requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral considera, em primeira linha e em síntese, a inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro, aos terrenos para construção.
b) Sustenta que os terrenos para construção não poderão ser considerados prédios com afetação habitacional, socorrendo-se da respetiva norma de incidência (verba 28º da TGIS), na redação da Lei 55-A/2012, já referida.
c) O facto do terreno para construção em causa ter um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, falta-lhe o requisito essencial para a tributação a afetação habitacional
d) Remete para decisões já proferidas quer pelo tribunal arbitral quer pelos tribunais administrativos, para concluir tal como nas correspondentes doutas decisões que os terrenos para construção não podem ser considerados prédios urbanos com afetação habitacional.
e) Salienta ainda que o próprio legislador teve esse entendimento, ao vir estabelecer a tributação em IS dos terrenos para construção, através do artigo 194º da Lei 83-C C/2013 de 31 Dezembro, alterando, a redação da verba 28.1 da TGIS, que lhe havia sido dada pela Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro.
f) Por sua vez, a requerida entende que os terrenos para construção têm natureza jurídica de prédios com “ afetação habitacional” uma vez que na determinação do seu VPT se tem em conta o coeficiente de afetação de habitação, previsto no artigo 41º do CIMI e cita, neste sentido, o Acórdão 04950/11 de 14/02/2012 do TCA Sul que considera que o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45º do CIMI, sendo igual à dos edifícios construídos, embora partindo do edifício a construir, tendo por base o projeto.
g) Entende que a expressão “afetação habitacional” da verba 28 da TGIS apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies de prédios urbanos previstas no nº 1 do artigo 6º do CIMI e que o legislador ao utilizá-la pretendeu integrar outras realidades para além das mencionadas no normativo do CIMI, concluindo que as liquidações em causa devem ser mantidas e a AT ser absolvida do pedido.
h) Considera que a alteração legislativa operada na redação da verba 28.1 da TGIS tem caráter meramente interpretativo e que apenas vem reforçar o seu ponto de vista
i) Sintetizadas as posições da requerente e da requerida, procederemos de seguida a uma análise da norma de incidência do IS sobre prédios urbanos com afetação habitacional.
j) A verba 28 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, sujeita a IS os prédios urbanos com afetação habitacional cujo VPT, apurado nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
k) O CIS[11] remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (ver nº6 do artigo 1º e nº 2 do artigo 67º ambos do CIS).
l) Se atentarmos ao artigo 6º do CIMI, nele se estabelece que os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
m) Do seu nº 2 retira-se que prédios urbanos habitacionais “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou na falta de licença, que tenham como destino tal fim” e o seu nº 3 diz-nos que terrenos para construção “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo…”.
n) Destes conceitos poderemos desde já concluir pela existência de autonomia entre prédios urbanos “habitacionais” e prédios urbanos “terrenos para construção”.
o) O legislador do IS, ao estabelecer a tributação dos prédios urbanos “com afetação habitacional”, não concretizou o conceito, pelo que teremos, por força da remissão, de ir ao CIMI e este, como já se viu, autonomiza-os, relativamente aos terrenos para construção.
p) A expressão “afetação habitacional” não é de forma alguma patente nos terrenos para construção, nem poderá, como pretende a requerida, ser entendida como expressão integradora de outras realidades.
q) Nem se diga que alteração da redação da verba 28.1TGIS, introduzida pela Lei 83-C/2013 tem caráter meramente interpretativo e que reforça o ponto de vista da AT, antes pelo contrário, o legislador veio declarar que pretendia também tributar os terrenos para construção a partir de 2014, o que até então não acontecia.
r) Acompanhamos a posição preconizada no processo 49/2013 que se transcreve: “A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos nos arts. 9º do Código Civil e 11º da Lei Geral Tributária.Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art.6º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da requerida no sentido de que o conceito de “afectação habitacional” decorre da norma do artigo 45º do CIMI. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Segundo a requerida, na fixação dos valores das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 1.º daquele Código. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão "prédios com afectação habitacional" apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. [...]. Nestes termos, resultando do art. 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".»
s) Como já se viu, o legislador ao pretender tributar em IS os terrenos para construção revisitou a verba 28 da TGIS, através da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e lá os introduziu, o que vem provar que na formulação da Lei nº 55-A/2012, os terrenos para construção estavam excluídos da tributação em IS pela verba 28 da TGIS e agora, através da Lei nº 83-C/2013, passaram a ser tributados, pelo que nos parece claro que o legislador considera que a expressão “afetação habitacional” não incluía os terrenos para construção.
t) Nem se diga ainda que o facto do artigo 45º do CIMI prever a aplicação de um coeficiente de afetação habitacional na determinação do VPT dos terrenos para construção, será condição suficiente, por si só, para permitir incluí-los na norma de incidência da verba 28 aditada pela Lei nº 55-A/2012,nem tão pouco alterar a sua natureza de terreno para construção, dado que o que está aqui em causa é somente apurar o VPT que será influenciado pelo tipo das edificações a levar a efeito (que, diga-se, nem sempre são concretizadas).
u) O Acórdão 04950/11 de 14/02/2012 do TCA Sul citado pela AT que considera que o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artigo 45º do CIMI, sendo igual à dos edifícios construídos, embora partindo do edifício a construir, tendo por base o projeto, trata-se de uma constatação, que se circunscreve à determinação do VPT e não mais que isso.
v) Ora, como já se viu, resulta do artigo 6º do CIMI uma distinção inconfundível entre prédios habitacionais e terrenos para construção, que impede que estes sejam tributados em IS nos termos pretendidos pela requerida.
w) Neste sentido foram já proferidas diversas decisões arbitrais e pelo STA que a AT bem conhece e que a requerente enumerou na sua petição pelo que nos dispensamos de enumerar os respetivos processos.
x) A tributação aqui posta em crise só ocorreu por erro imputável aos serviços da AT, uma vez que a verba 28 da TGIS, na redação da Lei 55-A/2012, não permitia a tributação em IS dos terrenos para construção, pelo que deverá ser anulada com todas as consequências legais daí advindas.
3.2 – Quanto à devolução das importâncias indevidamente pagas, acrescidas de Juros indemnizatórios
a) Sendo declarada a ilegalidade da dívida e a consequente anulação a AT fica obrigada a reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, de harmonia com as disposições contidas no artigo 100º da LGT.
b) Neste sentido se pronuncia Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa em anotação ao já referido artigo 100º da LGT 2ª edição.
c) Deste modo, verificando-se a ilegalidade dos atos de liquidação do IS imputáveis à AT, dado os ter praticado sem o adequado suporte legal, e face ao comprovado pagamento, tem a requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos precisos termos do nº1 do artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT[12].
IV – DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar que os terrenos para construção estão excluídos da tributação em IS prevista na verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro.
b) Consequentemente declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, por ter havido erro imputável aos serviços, anulando-se o ato de liquidação do Imposto do selo relativo ao ano de 2012 no montante global de € 32 365,40.
c) Declarar a obrigatoriedade da AT reembolsar o imposto comprovadamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data em que ocorreram os pagamentos das prestações e a data em que ocorra o seu reembolso.
d) Fixar o valor do processo € 32 365,40 (não se tem em conta os juros indemnizatórios apurados na petição) de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[13], artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT[14].
e) Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 1 836,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, a cargo da requerida
Notifique.
Lisboa, 11 de Novembro de 2016
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
O árbitro
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[5] Acrónimo de Lei Geral Tributária
[6] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[7] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[8] Acrónimo de Tribunal Central Administrativo
[9] Acrónimo de Imposto do Selo
[10] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[11] Acrónimo de Código do Imposto do Selo
[12] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[13] Acrónimo de Código de Processo Civil
[14] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária