DESPACHO
Nas suas alegações escritas, o Requerente, para além do mais, vem, nos termos do artigo 146.º, n.º 1, do CPC, e do artigo 29.º, n,º 1, alínea e), do RJAT, pedir a retificação de erros de escrita e de cálculo, alegando:
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ter incorrido em erro de escrita e de cálculo nos artigos 20.º, 21.º, 22.º e 23.º da petição inicial apresentada, quando alega que no ano de 2007 entrou um novo sócio para a Sociedade de Advogados;
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no ano de 2007 entraram dois novos sócios para a Sociedade: o Dr. J…e o Dr. F…;
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tal circunstância prejudica a consideração de apenas cinco sócios no ano de 2007, cada um titular de uma quota representativa de 20% do capital social da Sociedade, atendendo a que com a entrada de dois novos sócios no ano de 2007, o número de sócios ascendeu a 6, cada um com uma quota representativa de 16,67%.
Dispõe o referido artigo 146.º/1 do Código de Processo Civil: “É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.”.
No caso, é evidente, e o Requerente não alega sequer o contrário, que os supostos “erros” não são revelados no contexto da peça processual apresentada.
Com efeito, o Requerente, no seu requerimento inicial, fez constar aquilo que efetivamente pretendeu, não existindo qualquer divergência perceptível entre a sua vontade, e aquilo que declarou.
Deste modo, não se verificando os pressupostos da norma legal invocada, nem de outra susceptível de suprir o requerido, deverá ser indeferido o peticionado, o que se determina.
Posto isto, cumpre proferir,
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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A…, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante designado “RJAT”, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, tendo por objeto o despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares ("IRS") n.º 2011…, relativa ao ano de 2007, parcialmente anulada e corrigida pela liquidação adicional de IRS n.º 2013….
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É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por ATA ou Requerida), que sucedeu à Direção–Geral dos Impostos.
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O pedido de constituição de tribunal arbitral foi validado e aceite em 08 de maio de 2013 pelo Exm.º Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”), tendo sido a ATA notificada da apresentação do aludido pedido na mesma data.
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Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro singular no presente tribunal arbitral, tendo aceite a designação nos termos legalmente previstos.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 12 de julho de 2013 para apreciar e decidir o objeto do presente processo.
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Em síntese, o Requerente sustenta a sua pretensão no seguinte:
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Incumbe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos requisitos legais das decisões desfavoráveis ao contribuinte contrárias aos elementos declarados, como sejam a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação.
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A Administração Tributária continua a não explicar onde reside agora a razão das divergências detectadas - após desconsideração dos valores declarados pela Sociedade de Advogados, e porque razão persiste a necessidade de corrigir os elementos declarados pelo Requerente, e, bem assim, não prova não serem os elementos declarados pelo Requerente fidedignos, não tendo reunido qualquer documentação consistente que lhe permitisse desconsiderar o valor de rendimentos declarado pelo Requerente na respectiva Declaração de IRS.
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Afigura-se assim ao Requerente totalmente desconforme com a realidade dos factos, e sem qualquer justificação plausível, a percentagem de 20% dos lucros da sociedade de advogados, que lhe é imputada pela Administração Tributária.
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Não entende o Requerente por que razão a Administração Tributária argumenta no sentido da aplicação da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 3, do CIRC, desconsiderando de forma ilegal a presunção de veracidade e boa fé da declaração de IRS por si apresentada, nem sequer se dando ao trabalho de ilidir tal presunção, já que no caso em apreço existem, de facto, elementos declarados que deverão ser devidamente analisados e ponderados pela Administração Tributária, nos termos supra expostos, devendo ser dado a conhecer ao Requerente os motivos que legitimamente justificam a sua não aceitação.
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Acresce que mesmo a presunção estabelecida na falta de elementos para aferir a matéria colectável imputada aos sócios, poderá ser ilidida.
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Assim, não tendo a Administração Tributária ponderado devidamente todos os elementos de facto e de direito que lhe permitiriam fundamentar nos termos legais a Liquidação adicional de IRS em apreço, verifica-se falta de fundamentação substancial nos termos previstos no artigo 77.º da LGT e 125.º do CPA.
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Refere, ainda, o Requerente que a Administração Tributária usou, ao longo do processo, de uma conduta tendente a dificultar, tanto quanto possível, a resolução da questão substantiva em apreço, imputando àquela variados subterfúgios processuais imprópria e ilegalmente utilizados pela Administração Tributária para cercear as suas garantias enquanto contribuinte e o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva, tal como se encontra garantido constitucionalmente no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
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Tal forma de exercício das competências da Administração Tributária tendo resultado manifestamente em prejuízo para o Requerente, dificilmente se compaginará com os ditames do princípio da boa fé previsto no artigo 6.º-A do CPA, entendendo ainda o Requerente que que no âmbito da sua actuação, a Administração Tributária nem sempre observou o cumprimento dos princípios da legalidade e da decisão a que se encontra legalmente vinculada, nos termos previstos nos artigos 55.º e 56.º da LGT, evitando confrontar-se com as consequências dos seus erros na liquidação adicional de IRS em apreço, sendo por isso inválida a liquidação impugnada e insusceptível de gerar, na esfera jurídica do Requerente, um dever de proceder ao pagamento do alegado imposto em dívida.
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Entende ainda o Requerente que a conduta da Administração Tributária não cumpre com os ditames da boa fé, razão pela qual sempre deverá a liquidação adicional de IRS corretiva em apreço e respectivos juros compensatórios ser anulados por manifesta violação de lei, o que desde já se requer nos termos do artigo 99.º, alínea d), do CPPT, e artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
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Termina o Requerente pedindo:
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Anulação do ato de tributação de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativa ao ano de 2007 e respetivos juros compensatórios melhor identificados no pedido de pronúncia arbitral, por as correções propostas pela Requerida não se encontrarem devidamente fundamentadas nos termos legais, padecendo do vício de violação de lei por falta de fundamentação substancial, nos termos dos artigos 74.º, n.º 1, e 77.º da LGT e artigo 125.º do CPA;
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A título subsidiário, a anulação do ato de tributação de liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2007 e respetivos juros compensatórios melhor identificados no pedido de pronúncia arbitral, por ilegalidade decorrente do vício de violação da lei por não cumprimento pela Requerida dos princípios a que se encontra vinculada, nos termos dos artigos 55.º e 56.º da LGT, designadamente do princípio geral da boa fé previsto no artigo 6.º-A do CPA;
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A condenação da Requerida a pagar ao Requerente indemnização por prestação de garantia indevida nos termos do artigo 53.º da LGT, no valor até ao momento apurado de € 712,32, e a indemnizar o ora Requerente, a título de responsabilidade civil extracontratual do Estado, pelos prejuízos que excedem a mencionada indemnização, que deverão ser devidamente contabilizados quando se encontrar decidido o presente pedido de pronúncia arbitral.
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Na sua resposta, a AT, após se pronunciar especificadamente acerca do alegado pelo Requerente vem tecer, em síntese, as seguintes considerações:
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Inexiste qualquer vício de violação de lei, por falta de fundamentação substancial do Relatório Final da Inspeção Tributária.
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Será de manter a liquidação adicional decorrente daquelas correcções à matéria colectável do Requerente, na parte em que as mesmas não foram anuladas pela decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, consubstanciada na liquidação corretiva nº 2013…, de 08/02/2013.
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Sobre o vício de violação de lei, a ATA entende que o Requerente incorre em erro na interpretação e aplicação do direito ao pretender que as diligências efectuadas pela inspeção tributária, e posteriormente em sede de reclamação graciosa, não foram as necessárias e suficientes à descoberta da verdade material, de acordo com o ónus da prova e o princípio do inquisitório que lhe incumbe, e ainda que a AT teria procedido em violação do princípio da boa fé ao preterir os esclarecimentos prestados pelo Requerente a favor dos elementos apresentados pela Sociedade.
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Decorre do art. 6º do CIRC que o critério de imputação da matéria colectável aos sócios há-de resultar do pacto social e de outros elementos que comprovem o ajustamento efectuado quanto ao seu direito a participar nos lucros da Sociedade, sendo que a fixação desse critério não se confunde com a deliberação dos sócios sobre a distribuição e pagamento dos lucros aos sócios, sob pena de distorcer o regime de transparência fiscal e os fins que este pretende alcançar.
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Consequentemente, no que aos presentes autos interessa, a AT efetuou as diligências adequadas e suficientes com vista ao esclarecimento que se impunha, obtendo junto da Sociedade com a apresentação da aludida acto nº 8, documento este que, em complemento com estatuído no pacto social se afigurava perfeitamente idóneo à prova pretendida, prova esta que nada tinha a ver com as importâncias efetivamente recebidas pelo Requerente da Sociedade no ano de 2007, pois a distribuição de lucros referente àquele exercício, para além de, em regra, não se concluir naquele período, poderá ainda não coincidir com o direito do sócio aos lucros da Sociedade.
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Assim, em sede de acção inspectiva, a ATA cumpriu com o ónus da prova que sobre ela impendia com vista à correcção da matéria tributável declarada pela Requerente em sede de IRS, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT e artigo 6º do CIRC, inexistindo qualquer base legal para a AT poder desconsiderar o teor da referida acta nº 8, tanto mais que, à data, a mesma não se encontravam impugnada, não sendo a sua validade questionada em sede judicial.
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Realizou-se no dia 29 de outubro de 2013, pelas 11.00 horas, a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada a respectiva acta que se encontra junta aos autos.
Em tal reunião procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelo Requerente.
O Requerente procedeu, ainda, à formulação nos autos de requerimento de índole probatória.
Pelo Tribunal foi decidido:
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conceder prazo e aguardar por 10 dias a pronúncia da Autoridade Tributária sobre o requerimento efetuado pelo Requerente;
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Após tal prazo, proferir decisão sobre o mesmo requerimento.
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Decidido o requerimento apresentado, no sentido do seu indeferimento, foram as partes notificadas para, sucessivamente e em 10 dias, alegarem por escrito o que tivessem por conveniente, o que fizeram.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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No ano de 2007, o Requerente foi sócio da … & Associados – Sociedade de Advogados, com o NIPC …, sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6º do CIRC.
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A 1 de janeiro desse ano, a referida sociedade tinha um capital social de €150.000,00, dividido de forma igual por 4 sócios, um dos quais era o Requerente.
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Com referência a 02 de Janeiro de 2007, foi aumentado o capital social da sociedade de €150.000,00 para €187.500,00, e admitido um novo sócio (Dr. F…) com uma participação idêntica à dos restantes quatro (€37.500,00), participação essa que se manteve durante o resto do ano.
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Com referência a 30 de março de 2007, foi aumentado o capital social da referida sociedade de advogados em mais €37.500,00, correspondendo à participação de um outro sócio (Dr. J…).
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Com referência a essa mesma data, 30 de março de 2007, foi aquela participação (Dr. J…) amortizada e, consequentemente, reduzido no respectivo montante (€37.500,00) o capital social da referida sociedade de advogados.
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A 31/12/2007 o Requerente exonerou-se da referida sociedade de advogados.
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Os Estatutos da Sociedade determinavam, à data, no seu artigo 5º que “os sócios participam na sociedade com a sua indústria e também com participações de capital e quinhoam nos ganhos e perdas da sociedade conforme for deliberado em Assembleia Geral”.
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O Regulamento de admissões, remunerações e de participação nos resultados de Setembro de 2003 determina, quanto à participação dos sócios no resultado da Sociedade, conforme cláusula 2ª, o seguinte:
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No referido ano de 2007, em termos de repartição dos lucros, foi pela sociedade de advogados referida decidido não aplicar o Regulamento de Remunerações e de Participações nos Resultados, até então vigente.
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De acordo com extractos bancários, juntos pelo Requerente os valores pagos pela Sociedade de Advogados com referência ao ano de 2007, totalizaram quantia não inferior a €77.050,40.
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Ao Requerente, no ano de 2007, foram reembolsadas, pelo menos, despesas que perfizeram o montante total de €14.396,14.
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Os restantes sócios, à data, da Sociedade de Advogados que o Requerente integrou, intentaram contra este, em Julho de 2008 uma ação judicial que correu os seus termos pela ….ª Secção da …ª Vara Cível de Lisboa, sob o n.º …/…TVLSB, e que terminou com a absolvição dos réus da instância na sequência da procedência da exceção de preterição de tribunal arbitral.
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Na contestação-reconvenção que o Requerente apresentou no âmbito daquele processo, o mesmo defendeu que, para além do valor que lhe foi pago e imputado pela Sociedade de Advogados, teria ainda direito a mais €6.962,00, por conta dos lucros do seu Núcleo correspondentes ao 2.º semestre de 2007.
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O Requerente entregou a sua declaração modelo 3 de IRS de 2007, declarando, a título de rendimento tributável imputado pela Sociedade, o montante de €54.784,97, o que originou a liquidação de IRS nº 2008…, de 03/11/2008, e uma percentagem de imputação correspondente a 15%.
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Os valores que o Requerente fez constar da referida declaração resultaram de uma “estimativa” por si feita.
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A Sociedade entregou a declaração anual de rendimentos modelo 22 e a declaração anual de informação empresarial simplificada, a 30/05/2008 e a 21/07/2010, declarando matéria colectável no montante total de € 536,611,85, a imputar aos sócios pelos seguintes montantes: ao Requerente €184.058,02 (34,30%), €201.223,59 ao contribuinte n.º … (35,70%), € 38.660,47 ao contribuinte n.º … (7,20%), €26.484,85 ao contribuinte n.º … (4,94%) e €86.184,94 ao contribuinte n.º … (16,06%).
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No âmbito da acção inspectiva efectuada ao abrigo da OI nº 012010…, por ofício n.º …, de 20/08/2010, foi o Requerente notificado da omissão de rendimentos com origem na Sociedade, calculando-se a sua parte em € 184.057,86, correspondente a 34,30% da matéria colectável declarada pela Sociedade.
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Da ata nº 8, da referida sociedade, datada de 01 de Abril de 2009, consta que foi aprovado por unanimidade de todos os sócios à data o Relatório de Gestão, o Balanço e as Contas do exercício, refletindo um resultado líquido positivo de €519.881,18, mais se deliberando por unanimidade que o montante a que o Requerente teria direito com referência aos lucros seria de €184.057,86.
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O Requerente foi notificado, para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projecto de Relatório.
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Subsequentemente, aquele projecto foi convolado em definitivo, concluindo-se pela correcção da matéria tributável correspondente ao direito do Requerente nos ganhos da Sociedade com referência à Sociedade para o montante de €188.350,76, acrescendo €133.565,79 ao montante de €54.784,97 inicialmente declarado.
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O que originou a liquidação de IRS nº 2011 ….
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O Requerente deduziu reclamação graciosa, por requerimento de 22/05/2012, contra aquela liquidação adicional, autuada no Serviço de Finanças de Lisboa … com o nº …2012….
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Apresentando como anexo à sua reclamação, como documento nº 20, correspondência remetida à Sociedade, de 05/04/2012, onde refere que a sua quota-parte nos lucros relativos ao exercício de 2007, “se inclui o valor de serviços por nós prestados durante o segundo semestre de 2007 e cujo pagamento foi indevidamente retido pela V. sociedade, e ainda o valor dos serviços já prestados e ainda não facturados em 31 de Dezembro desse ano”, mais referindo que “para além dos adiantamentos por conta de lucros que fomos recebendo ao longo do ano de 2007, nada mais nos foi liquidado pela sociedade, que assim se encontra em avultado débito para connosco”. Por fim, refere-se ali a instauração da competente acção em Tribunal Arbitral com vista, para além do mais, a resolver o litígio quanto à imputação de lucros daquele exercício.
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Ainda em sede de reclamação graciosa, por requerimento de 28/07/2012, o Requerente requereu a junção de documento assinado pelos então sócios da Sociedade, e não datado, onde consta que “tendo em consideração que se encontra pendente uma acção tendo por objecto, entre outros aspectos, a determinação da imputação dos resultados do exercício de 2007, a cada um dos então sócios (…), acordam em dar sem efeito a deliberação contida na acta nº 8 da sociedade, datada de 1de Abril de 2009, na parte em que, referente ao exercício de 2007, procede à imputação a cada um dos então sócios”.
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Notificada para prestar esclarecimentos sobre a situação objecto de reclamação graciosa, a Sociedade apresentou a 21/11/2012 uma exposição onde refere que “a soma dos valores pagos pela sociedade a todos os sócios é bastante inferior ao resultado da sociedade porquanto grande parte das facturas emitidas por serviços prestados em 2007 apenas foram pagas pelos clientes em 2008 sendo que só nessa data é que a sociedade estaria em condições de pagar”, prosseguindo que “a partir do início do segundo semestre de 2007 os então sócios A… e L…passaram a emitir e receber directamente o valor das facturas dos clientes que trabalhavam” tendo para o efeito aberto “uma conta bancária nova (…) na qual os clientes que trabalhavam pagavam os valores das facturas,”, concluindo “porque as partes não concordam com a imputação dos resultados é que o assunto é objecto de litígio judicial entre os sócios”. Deste documento consta ainda que “a partir de 1 de Julho de 2007, os sócios da sociedade acordaram que a sociedade passaria a funcionar em moldes diferentes daqueles que havia, até então, funcionado” e “passariam a haver dois núcleos autónomos na sociedade, sendo que um deles seria constituído pelos sócios A… e L….”
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No projecto de deferimento parcial da reclamação, concluiu-se que a análise aos esclarecimentos e documentação da Sociedade demonstra que não são fidedignos os valores de imputação fornecidos pela Sociedade, e, em consequência, por um deferimento parcial da reclamação, com a imputação ao Requerente de 20% da matéria colectável, ou seja, o montante de €107.322,27 (536.611,85 x 20%).
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O Requerente foi notificado por ofício nº …, de 05/12/2012, da Direcção de Finanças de Lisboa, com registo nos CTT nº RC …PT, de 06/12/2012, para exercer o seu direito de audição prévia, o que fez através de exposição que foi considerada na informação definitiva, a qual manteve a decisão de deferimento parcial inicialmente proposta, que foi notificada ao Requerente, por despacho de 29/01/2013, originando a liquidação corretiva supra identificada.
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No seguimento de tal decisão foi o Requerente notificado da liquidação adicional de IRS corretiva n.º 2013 …, bem como da demonstração de liquidação de juros corretiva e da demonstração de acerto de contas, que resulta num saldo a pagar no valor de €22.564,51.
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O Requerente. foi citado no dia 2 de Março de 2012 da instauração de processo de execução fiscal n.º …2012… para cobrança coerciva da dívida fiscal.
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No referido processo e no mês de Agosto de 2012, o Requerente prestou garantia consistente em hipoteca voluntária sobre imóvel, no valor de €80.386,50, com vista à suspensão do processo de execução fiscal.
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Até à apresentação do Requerimento Inicial, o Requerente incorreu em custos no valor de €712,32 (€482,32 de imposto de selo, e €230,00 de emolumentos de registo predial) pela prestação de tal garantia.
A.2. Factos dados como não provados
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Foi ajustado pelos sócios da sociedade de advogados então integrada pelo Requerente, para o ano de 2007, a repartição de lucros de acordo com as seguintes percentagens:
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1.º semestre do ano de 2007:
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L…34%;
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F…21%;
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P…15%;
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L…15%;
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A…15%;
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2.º semestre do ano de 2007: os lucros a atribuir a cada sócio resultariam do lucro apurado nos serviços prestados aos respectivos clientes.
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Em cumprimento do regime de distribuição de lucros descrito no número anterior, a Sociedade de Advogados pagou e imputou ao Requerente no ano de 2007 o valor de €62.654,26, que corresponde a uma percentagem de imputação de cerca de 11,68% da respectiva matéria colectável.
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O Requerente declarou na respectiva Declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2007 um valor inferior (€54.784,97), devido à forma como decorreu a sua exoneração da Sociedade de Advogados.
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Fruto de divergências com os anteriores sócios, não teve o Requerente acesso a quaisquer elementos contabilísticos e fiscais da Sociedade de Advogados desde a sua saída com efeitos a 31 de Dezembro de 2007.
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O valor de €77.050,40, resultante dos extractos bancários juntos pelo Requerente, corresponde a todos os valores pagos pela Sociedade de Advogados com referência ao ano de 2007.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Os factos dados como provados nos pontos 1 a 6, resultam da certidão do registo da sociedade de advogados na respectiva ordem, junta como documento 7 do Requerimento inicial.
O facto dado como provado no ponto 9 foi confessado pelo Requerente, no artigo 22.º do requerimento inicial.
Os factos dados como provados nos pontos 10 e 11 resultam da documentação bancária junta pelo Requerente, que, demonstrando que as quantias aí referidas foram recebidas, não demonstra que não existiram outros recebimentos.
O facto dado como provado no ponto 13 foi confessado pelo Requerente no artigo 49.º do requerimento inicial.
O facto dado como provado no ponto 15 foi confessado pelo Requerente nos artigos 25.º a 31.º do requerimento inicial, de onde decorre que o Requerente declarou como recebido um valor inferior (€54.784,97) ao que resultava (de pelo menos alguns) dos seus próprios extractos bancários (€77.050,40), deduzido de um valor “estimado” de despesas (artigo 31.º do requerimento inicial).
A parte restante da matéria de facto dada como provada, é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, e assenta na prova documental apresentada.
Os pontos 1 e 2 dos factos dados como não provados decorrem da ausência de prova suficiente que os corrobore, ou seja, que demonstrasse que foi efetivamente fixado o critério de distribuição de lucros ali discriminado. De facto, não apresentou o Requerente qualquer tipo prova capaz de lograr convencer o Tribunal a tal respeito, sendo certo que as testemunhas inquiridas, ligadas à Administração Tributária, nada sabiam a tal respeito. Para além disso, verifica-se que o próprio posicionamento processual do Requerente, na matéria em causa, é muito pouco coerente, variando quer na quantificação das percentagens a distribuir, quer mesmo no número de sujeitos participantes na distribuição, como acontece com a posição assumida nas respectivas alegações escritas, onde vem dizer que, afinal, não seriam aqueles cinco por si identificados, mas seis, os sujeitos com direito a quinhoar nos lucros.
Deste modo, gerando-se manifestamente uma situação de dúvida numa matéria cujo ónus da prova notoriamente competia ao Requerente, terão os factos em causa de ser dados como não provados.
Os pontos 3 e 4 dos factos dados como não provados decorrem da inexistência de prova apresentada a seu respeito.
Já o ponto 5, decorre da circunstância, já aludida, de a documentação bancária junta pelo Requerente ser apta a demonstrar que as quantias aí referidas foram recebidas, mas, só por si, não demonstrar que não existiram outros recebimentos.
B. DO DIREITO
São, essencialmente, três as questões colocadas pelo Requerente nos presentes autos, que se podem sintetizar da seguinte forma:
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Ocorrência, ou não, do vício de violação de lei, na liquidação impugnada;
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Ocorrência, ou não, de falta de fundamentação na liquidação impugnada; e
-
Violação do princípio da boa fé pela Administração Tributária (“e demais princípios a que se encontra vinculada” – ponto IV.2 do requerimento inicial);
Vejamos cada uma delas.
*
Começa o Requerente por alegar que o acto impugnado enferma do vício de violação de lei, decorrente da “falta de fundamentação substancial” daquele.
A este respeito, na respectiva argumentação, mistura o Requerente argumentação que se reporta ao dever de fundamentação dos actos da administração (artigos 77.º/1 da LGT, 125.º do CPA, 268.º/3 da CRP), cuja violação integra um vício de forma do acto, com argumentação relativa à (alegada) falta de pressupostos (de facto e de direito) daquele[1], esta sim, reconduzível ao suscitado vício de violação de lei. Por razões de clareza na exposição abordar-se-á, por ora, esta última parte, deixando-se a apreciação da outra, para a parte seguinte desta sentença.
Assenta o Requerente o essencial da sua argumentação, na parte que neste momento importa, na circunstância de, na sua opinião, a Administração Tributária não fazer qualquer prova da falta de veracidade dos elementos por si (Requerente) declarados, na declaração de rendimentos correspondente ao ano a que se reporta a liquidação impugnada, assumindo o Requerente que o ónus da prova de tal demonstração assistia àquela (cfr. artigos 152.º e 164.º do requerimento inicial).
Deste modo, e antes de prosseguir, cumpre esclarecer devidamente o quadro legal aplicável a esta questão.
A tal respeito, dispõe o artigo 75º da LGT:
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;...”
Nos termos do número 1 deste artigo, verifica-se que, efetivamente, as declarações dos contribuintes, gozam de uma presunção de veracidade. Tal presunção, contudo, não é –obviamente – incondicional, e como resulta da conjugação das disposições transcritas, está condicionada, para além do mais, a que:
-
As declarações apresentadas o tenham sido nos termos previstos na lei; e
-
Tais declarações não revelem omissões, erros, ou inexatidões.
Ora, no caso, e como se verá de seguida, nenhuma destas duas situações se verifica, ou seja:
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a declaração apresentada pelo Requerente não o foi nos termos da lei; e
-
tal declaração apresenta omissões, erros e inexatidões.
De facto, e desde logo, a declaração apresentada pelo Requerente não se revela conforme ao disposto no artigo 6.º, n.ºs 1 e 3 do CIRC. Com efeito, e como Requerente reconhece recorrentemente nos autos, o mesmo procurou declarar as quantias que entendeu por si efetivamente recebidas da sociedade de advogados que integrou, no ano de 2007, deduzidas das despesas por si estimadas (cfr. p. ex. artigo 32.º do requerimento inicial).
Por outro lado, e conforme se evidencia na matéria de facto dada como provada, a declaração apresentada pelo requerente apresente omissões, erros e inexatidões. Com efeito, não obstante ter efetivamente recebido, pelo menos, €77.050,40, o Requerente apenas fez constar da sua declaração de rendimentos o valor de €54.784,97, resultante, assumidamente, de estimativa – não documentada – por si levada a cabo, sendo certo que tal valor, contraditoriamente, não correspondeu, sequer, à percentagem por si indicada na sua declaração de rendimentos (15%).
Neste quadro, e face ao indicado, manifestamente que a presunção de veracidade que, nos termos do artigo 75.º/1 da LGT, poderia assistir aos dados constantes da declaração de rendimentos para o ano de 2007 apresentada pelo Requerente, não opera, desfalecendo, deste modo, pela base, a argumentação do Requerente que assenta na referida presunção.
Posto isto, cumpriria aferir se a liquidação efectuada, já não com base na declaração do Requerente (cuja veracidade é, nos termos já expostos, infirmada), é ou não conforme às normas legais aplicáveis.
Tendo em conta que os mesmos são alegados pelo requerente e aceites pela ATA, foram dados como provados, para além do mais, os seguintes factos:
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No ano de 2007, o Requerente foi sócio da … & Associados – Sociedade de Advogados, com o NIPC …, sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6º do CIRC.
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A 1 de janeiro desse ano, a referida sociedade tinha um capital social de €150.000,00, dividido de forma igual por 4 sócios, um dos quais era o Requerente.
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Com referência a 02 de Janeiro de 2007, foi aumentado o capital social da sociedade de €150.000,00 para €187.500,00, e admitido um novo sócio (Dr. F…) com uma participação idêntica à dos restantes quatro (€37.500,00), participação essa que se manteve durante o resto do ano.
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A 31/12/2007 o Requerente exonerou-se da referida sociedade de advogados.
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Os Estatutos da Sociedade determinavam, à data, no seu artigo 5º que “os sócios participam na sociedade com a sua indústria e também com participações de capital e quinhoam nos ganhos e perdas da sociedade conforme for deliberado em Assembleia Geral”.
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No referido ano de 2007, em termos de repartição dos lucros, foi pela sociedade de advogados referida decidido não aplicar o Regulamento de Remunerações e de Participações nos Resultados, até então vigente.
Face aos factos elencados, dúvidas não haverá que a liquidação impugnada aderiu ao critério legalmente prescrito para tal situação.
Com efeito, uma vez que o critério de repartição dos lucros da sociedade de advogados resultante do respectivo estatuto terá sido afastado, haveria que se verificar se foi ou não estatuído um outro.
A prova de tal facto – a estatuição de um outro critério de repartição dos lucros, incumbiria à parte que do mesmo se pretendesse prevalecer, nos termos resultantes do artigo 74.º/1 da LGT. Ou seja, se a AT pretendesse efectuar uma liquidação com base num critério que entendesse ser o validamente estatuído pela sociedade de advogados, deveria a AT fazer a demonstração da válida estatuição de tal critério. Sendo o Requerente a pretender ser tributado com base num critério que entende ser o validamente estatuído pela sociedade de advogados, deverá ser o mesmo Requerente a fazer a demonstração da válida estatuição de tal critério.
Ora, sendo este o caso, verifica-se, face aos factos dados como provados e, sobretudo, não provados, que o Requerente não logrou tal demonstração. De facto, nem a argumentação sustentada em sede de alegações escritas, assente na declaração da Sociedade de Advogados recebida pela Direcção de Finanças a 21-11-2012, segundo a qual “a partir de 1 de Julho de 2007, os sócios da sociedade acordaram que a sociedade passaria a funcionar em moldes diferentes daqueles que havia, até então, funcionado” e “passariam a haver dois núcleos autónomos na sociedade, sendo que um deles seria constituído pelos sócios A… e L….”, cumpre suficientemente o ónus que impendia sobre o Requerente.
Efetivamente, tal declaração, para além de inconsistente com outras alegações do Requerente, segundo as quais lhe caberiam diferentes percentagens do lucro da sociedade de advogados (11,68%, 12,97%, 15%...), não esclarece, por qualquer forma, as dúvidas justificativas da aplicação da parte final do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC, designadamente qual a concreta parte do lucro de €536,611,85, consensualmente auferido pela sociedade de advogados, que cabia ao Requerente.
Acresce ainda que, tratando-se de um facto de que o Requerente deveria ter conhecimento pessoal, não poderá o mesmo alegar o seu desconhecimento, conforme decorre do atual artigo 574.º/3 do Código de Processo Civil (anterior artigo 490.º/3).
Assim, assentando-se em que o critério de repartição resultante do acto constitutivo da sociedade de advogados não se aplica, e que nenhum outro critério de repartição foi demonstrado como tendo sido validamente estatuído, queda-se, necessariamente, uma situação de dúvida em relação à forma de imputação dos lucros da sociedade (no caso, de advogados) transparente, legitimadora da aplicação do critério resultante da parte final do artigo 6.º, n.º 3 do CIRC, ou seja, “em partes iguais”.
Sendo isso que a AT fez na liquidação impugnada nada haverá a censurar àquela, já que, conforme se encontra igualmente provado, a sociedade entregou a declaração anual de rendimentos modelo 22 e a declaração anual de informação empresarial simplificada, declarando matéria colectável no montante total de €536,611,85, valor este que não foi, em momento algum, contestado pelo Requerente.
Deste modo, verifica-se ter sido legal quer o critério (partes iguais) utilizado na liquidação impugnada para imputação ao Requerente do lucro tributável da sociedade transparente por si integrada, quer o valor (€536,611,85) a que aquele critério foi aplicado.
Não obsta, ao que vem de se dizer, a circunstância de, eventualmente, o Requerente não ter efetivamente recebido o valor resultante daquela imputação, já que o lucro da sociedade é considerado, na parte imputada, como tendo ocorrido desde logo na esfera jurídica daquele, por força do regime de transparência fiscal.
A este propósito, pode ler-se no Ac. do STA de 29-02-2012, proferido no processo 0441/11, disponível em www.dgsi.pt, que:
“5.5. Por razões de «neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios» o CIRC adoptou, em relação a certas sociedades, um regime de transparência fiscal, que se caracteriza pela «imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição» (cfr. segmento final do Nº 3 do Preâmbulo do CIRC, bem como, entre outros, o ac. deste STA, de 3/10/2001, rec. nº 026353, in Ap. DR, de 13/10/2003, pp. 2183 a 2188).
Ou seja, do que decorre do art. 5º do CIRC e do art. 19º do CIRS supra transcritos, neste regime de transparência fiscal a lei vê os rendimentos da sociedade sujeitas a tal regime como sendo rendimentos próprios dos seus sócios, imputando-se a cada um a parte do lucro que lhes corresponda. Considerando embora a matéria colectável gerada no âmbito da actividade da sociedade, a lei abstrai da personalidade colectiva desta e procede à imputação dessa matéria colectável à esfera patrimonial dos respectivos sócios ou membros (integrando-a, portanto, na respectiva matéria colectável destes em sede de IRS, no que aos autos interessa, por se tratar de pessoas singulares).
Reportando-se à definição legal das sociedades de profissionais constante deste art. 5º (actual art. 6º) do CIRC, salienta Rui Morais (Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, 2008, p. 210) que «Parece ainda resultar da lei que todos os sócios têm que exercer (ainda que não em exclusivo) actividade profissional na sociedade (o que afasta a existência de sócios cuja contribuição seja apenas de capital)», acrescentando, ainda, reportando-se à regra de imputação constante do nº 3 daquele art. 5º do CIRC (conjugada com o disposto no art. 19º do CIRS ― actual art. 20º) que «A obrigação de imputação existe independentemente de qualquer distribuição efectiva (429) o que, reconheça-se, pode originar dificuldades aos sujeitos passivos (sócios) que podem ter de pagar imposto por um rendimento que não receberam, p. ex. por a maioria, em assembleia geral, ter decidido não haver lugar a qualquer distribuição de lucros (ou uma distribuição em montante inferior ao necessário para o pagamento do imposto).» - Ibidem, pp. 214 e 215.
Como também parece decorrer do referido Nº 3 do preâmbulo do CIRC: «imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição».”
E mais adiante, no mesmo aresto:
“Não sofre dúvida que a imputação da matéria colectável aos sócios da sociedade sujeita ao regime de transparência, há-de ser feita de acordo com o regime decorrente do citado art. 5º (actual art. 6º) do CIRC, sendo, assim, irrelevante, nesse âmbito e para tais efeitos e na parte em que colide com tal regime, a deliberação da assembleia-geral aqui questionada.
Com efeito, daquele preceito resulta claramente que o legislador não pretendeu deixar a imputação da matéria colectável na disponibilidade dos sócios e que tal imputação só pode ocorrer de acordo com as regras estabelecidas no pacto constitutivo da sociedade, ou, na ausência delas ou de outros elementos, em partes iguais.
Ora, mesmo considerando que a «a imputação não se confunde com a distribuição de lucros» - estes podem não ser distribuídos, ou podem ser distribuídos em quantia inferior - (daí que a imputação de rendimentos deva efectuar-se no ano a que respeitam e não no ano seguinte – cfr. Brás Carlos, Sociedades de Profissionais - Notas Sobre a Circular nº 8/90 da DGCI, in Fisco nº 19, Abril 1990, p. 10),(...)”
Na decisão em causa, conclui-se, como na presente, que “tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (cfr. nº 1 do art. 103º da CRP), aquela imputação de matéria colectável «nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais» se há-de reconduzir, ainda assim, a uma ficção legal, rectius, a uma presunção legal que, face ao disposto no art. 73º da LGT (que afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis) deverá ter-se por ilidível(...)”, sendo, contudo, que, in casu e como se viu, o Requerente não o logrou fazer.
Não assume relevância quanto à questão ora em discussão, a circunstância apontada pelo Requerente nas suas alegações escritas, de este ter sido exonerado da Sociedade com efeitos a 31 de dezembro de 2007 (artigos 79.º e ss. das alegações escritas). Efetivamente, o que está aqui em causa é saber qual a parte do referido montante de €536,611,85 é que será imputável ao Requerente, e não se, para além daquela parte, este terá ou não alguma quantia adicional a receber.
No artigo 192.º do seu requerimento inicial, o Requerente convoca, ainda, o disposto no artigo 62.º do CIRS. Não se verificam, todavia, o pressupostos de tal norma, na medida em que quer o titular (que é o requerente), quer o valor (1/5 de €536,611,85) dos rendimentos se encontra determinado nos termos legais, como acima se viu.
Por fim, e relativamente à questão suscitada pelo Requerente em sede de alegações finais, segundo a qual a capitação teria de ser revista, por serem, afinal, seis, e não cinco, os sócios da sociedade de advogados em causa, resulta do documento junto aos autos, correspondente ao registo da sociedade de advogados em questão no registo da Ordem do Advogados, que:
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Com referência a 30 de março de 2007, foi aumentado o capital social da referida sociedade de advogados em mais €37.500,00, correspondendo à participação de um outro sócio (Dr. J…).
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Com referência a essa mesma data, 30 de março de 2007, foi aquela participação (Dr. J…) amortizada e, consequentemente, reduzido no respectivo montante (€37.500,00) o capital social da referida sociedade de advogados.
Deste modo, tendo a quota em questão – por razões não apuradas, mas irrelevantes – criada e extinta no mesmo dia, e não se demonstrando que a operação em causa tenha tido qualquer impacto nos rendimentos ou custos da sociedade em questão, entende-se que não terá a o facto em causa qualquer impacto na capitação dos lucros por aquela auferidos.
Também não se demonstra que a amortização da participação do referido Dr. J…haja sido devida a exoneração, e que, por isso ou por qualquer outra circunstância, só tenha produzido efeitos no final de 2007, ao contrário do que é alegado pelo Requerente nas suas alegações escritas (artigos 121.º e ss.), sendo certo que, como se expôs já, era àquele que assistia o ónus de efectuar cabalmente tal demonstração, não sendo, como tal, de acolher as suas considerações, segundo as quais a indefinição seria imputável à AT.
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Como atrás se viu, concomitantemente com alegações relativas à falta de verificação dos pressupostos de facto e de direito do acto impugnado, o Requerente expende alegações relativas ao vício de falta de fundamentação.
Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
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Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
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Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido;
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Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos.
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Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.
O artigo 77.º/1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.
Paralelamente, artigo 66.º/2 do CIRS dispõe que “A fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação.”.
Compulsada a decisão da reclamação graciosa, conjugada com os demais elementos do processo, verifica-se que a o Requerente percepcionou devidamente as razões da AT ter decidido como decidiu, ou seja, que tomou como base do cálculo do lucro da sociedade transparente imputável ao Requerente o valor declarado por aquela (€536,611,85), que não foi contestado pelo Requerente, o qual foi imputado a este em função da sua capitação na referida sociedade (1/5), em obediência ao disposto no artigo 6.º, n.ºs 1 e 3, do CIRC.
Esta fundamentação, de resto, foi compreendida, embora não aceite, pelo Requerente, como bem transparece das peças processuais dos presentes autos.
Assim, e deste modo, nada haverá a censurar, na perspectiva do dever de fundamentação que lhe assiste, à Administração Tributária.
***
Alega por fim o Requerente a violação do princípio da boa fé pela Administração Tributária, “e demais princípios a que se encontra vinculada” (ponto IV.2 do requerimento inicial).
Relativamente a estes “demais princípios”, alude o Requerente, na sua peça inicial, ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 196.º), bem como aos princípios da legalidade e da decisão (artigo 211.º).
Assenta, fundamentalmente, o Requerente a sua alegação, no que a estas matérias diz respeito, nas alegadas circunstâncias de a AT ter procedido com dualidade de critérios relativamente a outros sócios da sociedade e a esta (artigos 199.º e ss.), de a AT não lhe ter fornecido certidão da correspondência trocada com a sociedade de advogados outrora integrada pelo Requerente (artigo 209.º), bem como em a AT “não provar a falta de veracidade dos elementos por si declarados”, “insistir numa dualidade de critérios” e “não fundamentar materialmente a liquidação adicional de IRS correctiva em apreço.” (artigo 227.º).
Entende-se, contudo, não assistir, também aqui, razão ao requerente.
Com efeito, a alegada dualidade de critérios, a verificar-se (e face aos factos dados como provados nada se poderá a esse respeito concluir), a mesma será autónoma e independente em relação à questão subjacente aos presentes autos, ou seja, de saber qual o imposto que, legalmente, está o Requerente obrigado a pagar.
É que, mesmo que a AT não haja diligenciado por cobrar aos restantes sócios da sociedade de advogados que o Requerente integrou o imposto por aqueles legalmente devido, tal nunca poderia sustentar a pretensão de o Requerente pagar, igualmente, menos imposto do que aquele que resulta da lei. Poderá tal conduta da AT, a confirmar-se, constituir fonte de responsabilidade disciplinar, ou mesmo criminal, para aqueles a quem tal conduta possa, eventualmente, ser imputável, e o Requerente poderá, mesmo, ter impulso nesse sentido. Não pode é o Requerente querer ver diminuídas, por tal circunstância, ainda que demonstrada, as suas obrigações fiscais.
Também se entende não assistir razão ao Requerente na relevância que pretende atribuir à circunstância de inicialmente a AT ter conferido credibilidade a alguns elementos apresentados pela sociedade de advogados, tendo, posteriormente os ter reconhecido como não fidedignos. Trata-se, evidentemente, do normal funcionamento da tutela graciosa dos contribuintes, tendo, nessa parte, a AT dado oportunamente razão às alegações do Requerente, e não decorrendo daí qualquer obrigação para aquela de, a contrario, aceitar as restantes alegações do Requerente, nomeadamente quanto ao critério de repartição dos lucros da sociedade de advogados, na medida em que, e como atrás se viu acontece, não se apresentem devidamente fundamentadas.
No que diz respeito à actuação da AT no procedimento de Reclamação Graciosa, alegada pelo Requerente, aquela está, nos termos legais (artigo 69.º/e)), vinculada à “Limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material;”.
Neste quadro, apenas seriam relevantes as alegações do Requerente na medida em que demonstrasse que tivesse sido omitida alguma diligência manifestamente indispensável à descoberta da verdade material. Não tendo sido esse o caso, nenhuma invalidade procedimental será de declarar, mostrando-se correspondentemente inafetado o acto impugnado.
As alegadas circunstâncias de a AT “não provar a falta de veracidade dos elementos por si declarados”, e “não fundamentar materialmente a liquidação adicional de IRS correctiva em apreço.”, foram já objecto de análise nesta sentença, não havendo qualquer motivo adicional para, na perspectiva dos princípios invocados pelo Requerente, se concluir de maneira distinta da já apontada.
***
Face a todo o exposto, e em conclusão, nada haverá que censurar à liquidação impugnada que, por legal, se deve manter na ordem jurídica, improcedendo, consequentemente, os pedidos indemnizatórios formulados pelo Requerente.
C. Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, não declarar ilegal a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares ("IRS") n.º 2011…, relativa ao ano de 2007, parcialmente anulada e corrigida pela liquidação adicional de IRS n.º 2013…;
b) Absolver a Requerida dos pedidos; e
c) Condenar o Requerente nas custas do processo, no montante de €1.224,00, devendo ter-se em conta os pagamentos entretanto efetuados.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €22.564,51, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pelo Requerente, uma vez que o seu pedido foi integralmente indeferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 07 de janeiro de 2014.
O Árbitro
(José Pedro Carvalho)
A decisão arbitral foi redigida em conformidade com as regras do Acordo Ortográfico de 1990.
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo
Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária.
[1] Nas palavras do Prof. José Carlos Vieira de Andrade, citadas pelo Requerente “existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem um decisão legítima quanto ao fundo.”. Nas palavras do Ac. do STA de 28-09-2011, proferido no processo 494/11, igualmente citado pelo Requerente, “falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários”.