Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 183/2016-T
Data da decisão: 2016-11-30  IRS  
Valor do pedido: € 11.164,33
Tema: IRS – Rendimentos Profissionais – Competência do Tribunal Arbitral. Art.º 2.º do RJAT
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Decisão Arbitral

 

I.                   RELATÓRIO

 

A - PARTES E CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

A… e B…, casados em regime de comunhão de adquiridos, contribuintes número … e …, respectivamente, com residência na Rua …, nº…, …, …-…, em …, doravante designados “Requerentes”,

 

AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 28 de Junho de 2016, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, conforme consta da respectiva acta.

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-­B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular ficou regularmente constituído em 28 de Junho de 2016, tendo sido, posteriormente, proferido despacho arbitral notificando a AT para apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

Em 16 de Setembro de 2016, na sequência da apresentação de defesa por excepção na Resposta da AT, foi proferido despacho arbitral, notificando os Requerentes para, no prazo de dez dias, se pronunciarem sobre a invocada excepção, o que fizeram em 26 de Setembro de 2016.

Em 30 de Setembro de 2016, foi proferido despacho arbitral, onde se estipulou que a excepção invocada seria conhecida na decisão final e, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que, documentalmente, já se encontrava incorporada nos autos e, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respectivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para a prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição de actos inúteis, o Tribunal entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

Nenhuma das partes veio manifestar dissonância quanto à posição do Tribunal, pelo que não se procedeu à realização da reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT acima referida, nem as partes apresentaram alegações.

 

B – PEDIDO

 

 

Os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade das liquidações em sede de IRS, referente ao ano de 2014, com as demais consequências legais, conforme consta dos documentos juntos com o pedido arbitral, sendo elas:

 

- Liquidação nº 2016…, referente à liquidação de IRS do ano de 2014;

- Liquidação nº 2016…, referente à demonstração de liquidação de juros compensatórios;

- Notificação nº2016…, referente à demonstração de acerto de contas,

 

que fixou um imposto global a pagar de 11.164,33 (onze mil cento e sessenta e quatro euros e trinta e três cêntimos).

 

As liquidações de imposto impugnadas são referentes ao ano de 2014, tendo os Requerentes sido notificados, em 15 de Fevereiro de 2016, do teor da Demonstração de Liquidação e para procederem ao pagamento voluntário da quantia de 11.164,33 (onze mil cento e sessenta e quatro euros e trinta e três cêntimos) até 16 de Março de 2016.

 

C – CAUSA DE PEDIR

 

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes alegaram, com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de IRS, em síntese, o seguinte:

 

1-                 O acto de liquidação em crise é manifestamente ilegal por enfermar de erro nos pressupostos de facto e de direito, que tem origem na errada qualificação da sua situação de contribuintes, pelo que deve ser declarada a sua anulação.

 

2-                 Os Requerentes submeteram, em 27 de Maio de 2015, a declaração do Modelo 3 de IRS, referente ao exercício de 2014, onde juntaram cópia da factura …/12, na qual consta a descrição de “Serviços administrativos/Cobranças e avaliação de créditos e trabalhos administrativos indiferenciados/Mês de Dez de 2014”.

 

3-                 No seguimento dessa submissão, foi emitida a nota de liquidação nº 2015…, que apurou o valor de € 20.237,42 (vinte mil duzentos e trinta e sete euros e quarenta e dois cêntimos).

 

4-                 A 23 de Outubro de 2015, os Requerentes foram notificados, por carta registada que, no decurso da análise da declaração de IRS entregue, deveriam substituir a declaração de IRS, alterando o campo 443 do quadro 4A do Anexo B para o campo 440 do mesmo Anexo, apurando-se um novo valor de € 11.164,33 (onze mil cento e sessenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), que acresce aos € 20.237,42 (vinte mil duzentos e trinta e sete euros e quarenta e dois cêntimos), já liquidados.

 

5-                 Por não concordarem com a substituição, os Requerentes não o fizeram voluntariamente e foram novamente notificados, para se pronunciarem, no âmbito do direito de audição prévia presente no art. 60.º da Lei Geral Tributária, sobre a proposta de substituição da inscrição, do campo 443, dos rendimentos auferidos no valor de € 35.000,00, para o campo 440 do quadro 4A do Anexo B, da respectiva declaração de IRS.

 

6-                 Em síntese, para fundamentar o seu pedido, alega a Requerente que é ilegal a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e que não deve haver a substituição da inscrição já que, de acordo com o art. 31.º do Código Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), no que respeita ao regime simplificado dos rendimentos empresariais e profissionais, a determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnica-científica para os diferentes sectores da actividade económica.

 

7-                 Segundo os Requerentes, a introdução da expressão “especificamente” na alínea b) do art. 31.º do CIRS vem clarificar que a aplicação do coeficiente 0,75 se restringe apenas e tão só às actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o art.º 151.º do CIRS.

 

8-                 As prestações de serviços em causa não derivam das actividades constantes na Tabela do art. 151.º do CIRS e, por isso, o coeficiente a aplicar deverá ser o de 0,10, nos termos do art. 31.º, nº 2, alínea e) do CIRS.

 

9-                 Peticionam a anulação das liquidações de imposto impugnadas, com referência ao ano de 2014, com fundamento em vício de lei por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzido na não aplicação do coeficiente de 0,10 a que se refere a alínea e) do nº 2 do art. 31.º do CIRS (na redacção anterior à data dos factos) e reclamam o reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

10-              Os Requerentes sustentam, por fim, a anulabilidade dos actos de liquidação em sede IRS, com base no contexto da violação das normas referentes à interpretação fiscal.

 

11-             Em 29 de Outubro de 2015, os Requerentes receberam o Ofício nº … do Serviço de Finanças de …, que os notificou para exerceram o seu direito de audição e que os informou que deveriam substituir a declaração de IRS e alterar a inscrição dos rendimentos mencionados no Anexo B, no campo 443 para o campo 440.

 

12-             Em 17 de Novembro de 2015, os Requerentes optaram por exercer esse direito.

 

13-             Os Requerentes não concordam com o entendimento da AT, reforçando que a própria AT identificou claramente como objecto do presente pedido a impugnação da liquidação de IRS referente ao exercício de 2014, “os requerentes interpõem o presente pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação de IRS…”.

 

14-              Os Requerentes reagem contra o acto das liquidações em si mesmas.

 

15-             Os Requerentes consideram que a argumentação da AT enferma de uma contradição pois, por um lado, reconhece que o pedido é directamente dirigido à declaração da ilegalidade da liquidação e, por outro lado, alega que os Requerentes pretendem impugnar a decisão da AT de alteração do enquadramento dos rendimentos da categoria B.

 

16-             Os Requerentes defendem que a competência do Tribunal é definida pelo pedido e, assim sendo, não há incompetência face ao art. 2.º, nº 1, alínea a) do RJAT.

 

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

 

17 - Invoca a excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia, com base no art. 13.º do CPTA, conjugado com o art. 18.º do CPPT e com o art. 101.º e seguintes do CPC.

 

18 – A incompetência absoluta do Tribunal pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada pelo Tribunal em qualquer estado do processo, desde que não haja sentença com trânsito em julgado. (ponto 10.º da Resposta)

 

19 – A competência do Tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir, expressos na petição inicial, não dependendo da legitimidade das partes, nem da procedência da acção. (ponto 13.º da Resposta)

 

20 – Assim, o acto objecto do litígio não pode ser qualificado como acto de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo para efeitos do art. 2.º, nº 1, alínea b) do RJAT pois, o que aqui se confronta é o enquadramento dos rendimentos da categoria B no campo 440 e não no campo 443. (ponto 15.º e 16.º da Resposta)

 

21 – Para a AT, o procedimento de “enquadramento fiscal”, sendo prejudicial relativamente ao “acto de liquidação” propriamente dito, não se confunde com o acto de fixação da matéria tributável. (ponto 19.º da Resposta)

 

22 – O pedido concretiza a declaração de erro da AT no enquadramento dos rendimentos no campo 440 e não no campo 443, o que, na sua interpretação, não é susceptível de resolução por via arbitral, mas sim através de uma acção administrativa especial, conforme o art. 97.º, nº1, alínea p) do CPPT e art. 37.º e seguintes do CPTA. (ponto 21.º e 22.º da Resposta)

 

23 – Na sua defesa por impugnação, a Requerida invoca que as actividades exercidas pela Requerente esposa são “Actividades de cobrança e avaliação de crédito” CAE … e “Exec. De Fotocópias, prep. De Docs e out. esp. Apoio Adm” CAE… .

 

24 – O quadro 4A destina-se a rendimentos brutos decorrentes do exercício de actividades profissionais, comerciais e industriais ou de actos isolados dessa natureza, tal como definidos nos artigos 3.º e 4.º do CIRS.

 

25 – O campo 443 destina-se à indicação dos restantes rendimentos da categoria B, nomeadamente, prestações de serviços que, por força do art. 4.º do CIRS, sejam enquadráveis no art. 3.º, nº 1, alínea a) do CIRS, ou seja, destina-se a “rendimentos decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária.

 

26 – Entende a AT que não é esta a situação da Requerente B, uma vez que esta exerce duas actividades de prestações de serviços, previstas no CAE.

 

27- A situação em voga enquadra-se no campo 440, que se destina à indicação de rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços que se enquadre no art. 3.º, nº1, alínea b) do CIRS.

 

28 – A Circular 5/2014 estabelece que o coeficiente de 0,75, previsto no art. 31.º, nº 2, alínea b) se aplica às prestações de serviço que se enquadrem no art. 3.º, nº 1, alínea b) do CIRS.

 

29 – O direito a juros indemnizatórios depende de ficar demonstrado o erro de facto e de direito e, como a AT fez a aplicação correcta da lei, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no art. 43.º da LGT, não havendo, por isso, direito a juros indemnizatórios.

 

E – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, como se explicará adiante, nos termos dos art.º 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.º 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

A – FACTOS PROVADOS

Antes de entrar na apreciação das questões controvertidas no presente processo, apresentar-se-á a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, com base na prova documental e tendo em conta os factos alegados.

 

Os factos provados supra descritos foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo.

 

No que toca à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes. Cabe-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão de discriminar a matéria provada da não provada, conforme referem os artigos 123.º nº 2 do CPPT e o art.º 607.º nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi art.º 29.º nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito. (Cfr. art.º 596.º CPC, aplicável ex vi art.º 29.º nº1, alíneas a) e e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os seguintes factos, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes:

 

1.                  Os Requerentes submeteram, em 27 de Maio de 2015, a Declaração de Modelo 3 de IRS, referente ao exercício de 2014.

 

2.                  A Requerente B preencheu, no Anexo B, no quadro 4A, o campo 443, com o valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).

 

3.                  A Requerente preencheu, também no Anexo B, no quadro 1, o campo 1, relativo ao regime simplificado de tributação e o campo 3, relativo aos rendimentos profissionais, comerciais e industriais.

 

4.                  O campo 10 – “Código das Tabelas de Actividades Art. 151.º do CIRS” – não foi preenchido.

 

5.                  Esta Declaração deu origem à nota de liquidação nº 2015 … e apurou o valor de € 20.237,42 (vinte mil duzentos e trinta e sete euros e quarenta e dois cêntimos) a título de imposto a pagar.

 

6.                  Os Requerentes efectuaram o pagamento da liquidação em causa no prazo do pagamento voluntário, no dia 7 de Agosto de 2015.

 

7.                  A 23 de Outubro de 2015, foram notificados pelo Serviço de Finanças de … para procederem à substituição da Declaração Modelo 3 de IRS, ano de 2014, alterando o campo 443 para o campo 440, o que os Requerentes não fizeram.

 

8.                  Da demonstração de acerto de contas, ou seja, do documento onde surge a segunda nota de liquidação (nº2016…), resultou o apuramento de um novo valor a pagar de 11.164,33 (onze mil cento e sessenta e quatro euros e trinta e três cêntimos).

 

9.                  Os Requerentes efectuaram o pagamento da liquidação em causa no prazo do pagamento voluntário, no dia 29 de Fevereiro de 2016.

 

10.              Os Requerentes pretendem, nestes autos, anular a liquidação nº 2016…, referente à liquidação de IRS do ano de 2014 e a liquidação nº 2016…, referente à demonstração de liquidação de juros compensatórios.

 

B – FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem factos que devam considerar-se como não provados com relevo para decisão em causa.

 

III.            O DIREITO APLICÁVEL: FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE MÉRITO

 

Fixada a matéria de facto, nos termos sobreditos, importa conhecer da questão de Direito suscitada pela Requerente e, atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

 

A – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL

Entre as questões de natureza exceptiva susceptíveis, se procedentes, de obstar a que o tribunal conheça do mérito da causa e de dar lugar à absolvição da instância, a questão da incompetência do tribunal precede logicamente sobre todas as restantes e deve, por isso, ser conhecida em primeiro lugar (art.º 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi do artigo 29º, n.º 1, al. c) do RJAT).

 

Invoca a AT, nos artigos 7.º e seguintes da sua Resposta, uma defesa por excepção, defendendo a incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia.

 

Defende a AT que “a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada pelo Tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa e que o âmbito da jurisdição arbitral tributária se encontra delimitado pelo disposto no art. 2.º do RJAT que, no seu nº1, estabelece os critérios de repartição material.” (ponto 10.º e 11.º da Resposta)

 

Por outro lado, os Requerentes não concordam com o entendimento da AT e consideram que o Tribunal é competente, nos termos do art.º 2.º do RJAT, reforçando que a própria AT identificou claramente como objecto do presente pedido a impugnação da liquidação de IRS referente ao exercício de 2014, “os requerentes interpõem o presente pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação de IRS…”.

 

Os Requerentes consideram que a argumentação da AT enferma de uma contradição pois, por um lado, reconhece que o pedido é directamente dirigido à declaração da ilegalidade da liquidação e, por outro lado, alega que os Requerentes pretendem impugnar a decisão da AT de alteração do enquadramento dos rendimentos da categoria B.

 

Vejamos,

 

A competência surge como um pressuposto processual elementar. Como refere Menezes Cordeiro[1], “Um mínimo de consistência na aplicação da justiça requer que os Tribunais Arbitrais se ocupem da matéria que lhes compete. Pela positiva, não podem recusar casos que lhes caiba a competência ou existiria denegação de justiça. Pela negativa, não devem aceitar questões que assistam a outros tribunais.

 

A competência do Tribunal Arbitral deve ser vista sob o ponto de vista material. “O tribunal arbitral não tem hierarquia relativamente a qualquer tribunal, não tem alçada nem competência territorial. Por isso, a competência do árbitro encontra-se definida e delimitada por duas vertentes: as convenções arbitrais e a lei.”[2] A convenção da arbitragem define o litígio em concreto, actual e a lei admite ou não a arbitragem de um litígio.

 

Em qualquer dos casos, quer por não caber no objecto da convenção de arbitragem, quer por a lei não admitir a arbitrabilidade do litígio, a consequência é a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer o litígio. Na verdade, se há matérias em que o critério de atribuição da não arbitrabilidade pode assentar em razões de política legislativa sem brigar com o interesse público, há outras em que assim não sucede, como são os casos relativos a direitos patrimoniais indisponíveis ou certos direitos laborais, sendo a sua sentença nula.

 

“A competência do árbitro é exercida em relação a dois momentos e matérias”[3]: Num momento prévio, em que o árbitro aprecia a existência e a validade da convenção de arbitragem. Se concluir pela existência e pela validade, a competência do árbitro é, então, por ele exercida num segundo momento e relativamente às restantes condições de que depende a determinação dos seus poderes para resolver o litígio.

 

Comecemos pelo princípio da competência-competência. “É o poder dos tribunais arbitrais decidirem da sua própria competência com força vinculativa geral.[4] Este princípio está relacionado com o princípio da autonomia das convenções da arbitragem, mas os dois não se confundem. “O árbitro tem o poder de decidir se tem ou não competência (princípio da competência-competência) e pode declarar-se competente mesmo que a principal relação jurídica seja nula ou tenha cessado (princípio da autonomia).”[5]

 

Como afirma Manuel Barrocas[6], “A apreciação da matéria da competência do tribunal arbitral incide, pois, sobre: -A existência de convenção de arbitragem; - Capacidade das partes para celebrar convenção de arbitragem; - Arbitrabilidade do litígio; - Forma da convenção de arbitragem; -Licitude do objecto; -Inclusão do litígio no objecto; -Constituição do tribunal arbitral.”

 

O âmbito da jurisdição arbitral tributária encontra-se delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material.

 

Assim, nos termos do artigo 2.º do RJAT, a competência desta “espécie” de tribunais, tribunais arbitrais, seria a de proceder à apreciação das pretensões dos contribuintes, relativas:

 

- À declaração da ilegalidade de actos tributários (de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta) – artigo 2.º, n.º 1, alínea a);

- À declaração da ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de determinação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais – artigo 2.º, n.º 1, alínea b);

 

De forma a verificar a competência do Tribunal, há necessidade de saber qual o acto administrativo tributário que é objecto do processo arbitral ou cuja declaração de ilegalidade os Requerentes pretendem.

 

A AT considera que “no caso em apreciação, o acto objecto do litígio não pode ser qualificado como um acto de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo para efeitos da alínea b), do nº1 do art. 2.º do RJAT. O que se confronta aqui é o enquadramento dos rendimentos da categoria B no campo 440 e não no campo 443 (…)” (ponto 15.º e 16.º da Resposta)

 

The jurisdiction of the arbitration courts operating under de Centre for Administrative Arbitration (CAAD) it’s expressly defined by the LRTA and is legally limited, in the first place, to the matters set out in tis article 2 (1). Thus, this article, tax arbitration courts have subject matter jurisdiction to decide on “a) the declaration of the illegality of tax assessments, self-assessments, tax withholdings and payments on account; b) the declaration of the illegality of acts determining the tax base when it does not give rise to the assessment of any tax, of acts determining the tax base and of acts defining property values. (…)

It is worth mentioning that although paragraphs a) and b) of article 2 of the LRTA use the phrase “declaration of the illegality” to define the jurisdiction of the arbitration courts operating under the CAAD and do not referring to the adjudicatory decisions, arbitration courts have been considering that their jurisdiction includes the same powers assigned to tax courts in process of judicial review.” [7] [8]

 

Considera-se que a tese defendida pela AT não pode vingar. A AT defende que “O acto sindicado não integra o elenco potencial dos actos de fixação de matéria tributável ou matéria colectável na medida em que não aplica um conjunto de factores, objectivos ou subjectivos, que conduzam à liquidação do correspondente tributo, localizando-se, antes, a “montante”, da fixação da matéria tributável.” (ponto 17.º da Resposta)

 

Para a AT, “o pedido tão só concretiza a declaração de erro da Administração Tributária no enquadramento dos rendimentos no campo 440 e não no campo 443, o que, tendo em conta a matéria a sindicar, não é susceptível de resolução por via arbitral (…) mas sim a acção administrativa especial (alínea p), do nº1 do art. 97.º do CPPT e art. 37.º e seguintes do CPTA.” (ponto 20.º e 21.º da Resposta)

 

Como refere Paula Rosado Pereira, “Arbitration courts have the power to decide claims relating to declaration os illegality of tax assessment. Tax assessment is de the administrative acto by which AT carries out an assessment of taxes due and may be one of three types, namely: Administrative assessment, ex officio assessment and additional assessment.”[9] Continua a autora, referindo-se ao último conceito, “this type of assessment takes place of the other acts administrative assessment when the amount initially determined by simple administrative assessment is incorrect.”[10] [11]

 

Ora, nos presentes autos é formulado um pedido de declaração de ilegalidade de acto de fixação da matéria tributável que origina, em primeiro lugar, uma matéria colectável com um valor diferente e, consequentemente, a liquidação de um tributo com um valor diferente. É certo que a origem do valor diferente do tributo é o enquadramento dos rendimentos no campo 440 ou 443, mas o preenchimento de cada um deles tem, como consequência, um tributo diferente e com valor diferente.

 

Ainda que assim não se entendesse e, por mera tese académica se admitisse, sem condescender, não se tivesse a certeza da tese defendida, que se tem, “além das situações em que impugnabilidade do acto está expressamente prevista na lei, é ainda de admitir a impugnação nos casos daqueles actos que, mesmo não sendo actos finais do procedimento, se mostrem de imediato lesivos da esfera jurídica do particular. Mais do que uma necessidade prática, esta previsão decorre essencialmente do imperativo constitucional resultante do art. 268.º nº4 da CRP.”[12]

 

Em termos de âmbito de autorização legislativa, foi estabelecido que o regime jurídico da arbitragem tributária compreende a delimitação do objecto do processo arbitral tributário, “nele podendo incluir os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamento por conta, de fixação de matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária. Além disso, a definição do fundamento do processo arbitral tributário inclui a ilegalidade ou a lesão ou o risco de lesão de direitos ou interesses legítimos.”[13]

 

Assim sendo, não restam dúvidas que o Tribunal é competente, pelo que se deverá considerar improcedente a excepção invocada pela Requerida.

 

B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber qual dos campos previstos no quadro 4A, do Anexo B, deve ser preenchido pela Requerente B e, consequentemente, saber qual dos coeficientes previstos no art. 31.º nº 2 é que deve ser aplicado aos rendimentos obtidos pela Requerente com as prestações de serviços nas actividades com a CAE “Actividades de cobrança e avaliação de crédito – CAE…” e “Exec. De fotocópias, prep, de Docs e out. esp. Apoio adm -  CAE…”.

 

A Declaração Modelo 3 referente ao exercício de 2014 foi preenchida e entregue pelos Requerentes que, entre outros, preencheram o Anexo B. Nesse anexo B, declararam, no quadro 4A, “rendimentos da Categoria B não incluídos nos campos anteriores”, no valor de € 35.000,00.

 

No ano de 2014, a redacção do art.31.º do CIRS era a seguinte[14]:

“1- A determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica.

2- Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua falta, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efectuadas pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes:

a)      0,15 das vendas de mercadorias e produtos, bem como às prestações de serviços efectuadas no âmbito de actividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas;

b)      0,75 dos rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º:

c)      0,95 aos rendimentos provenientes de contractos que tenham por objecto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, dos rendimentos de capitais imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, ao resultado positivo de rendimentos prediais ao saldo positivo das mais e menos-valias e dos restantes incrementos patrimoniais;

d)      0,30 aos subsídios ou subvenções não destinados à exploração;

e)      0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.”

 

A declaração do montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) no campo 443 determinava, automaticamente, a aplicação ao mesmo do coeficiente de 0,10 para efeitos de apuramento do rendimento tributável.

 

Os Requerentes vêm alegar que a alínea b) em questão e que conduz à aplicação de um coeficiente de 0,75, apenas pode ser aplicada às actividades taxativamente indicadas em sede do art. 151.º e da respectiva tabela. De acordo com a qual, as actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas para efeitos deste imposto e, também, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

Na interpretação dos Requerentes, esta classificação de actividades tem carácter taxativo e só as actividades constantes da tabela podem ser integradas no contexto da alínea b), do nº 2 do art. 31.º do CIRS. Assim, os Requerentes pretendem que seja anulada a liquidação em questão no que se refere ao rendimento tributável obtido por aplicação do coeficiente de 0,75 ao valor declarado das prestações de serviços realizadas no ano em causa.

 

Trata-se, portanto, de interpretar a norma prevista no enunciado jurídico constante da alínea b) do nº 2 do art. 31.º do CIRS em vigor no ano de 2014 para, dessa forma, determinar se os rendimentos de prestações de serviços obtidos no ano de 2014 pela Requerente B se enquadram, ou não, no seu âmbito de aplicação.

 

Sobre a questão fundamental em apreço, dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei. “A determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica.”[15]

 

Segundo a regra geral do art. 31.º, nº 2 do CIRS (na versão dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2014), no que às prestações de serviços diz respeito, o rendimento tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,75, quando ele derive de actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o art. 151.º do CIRS e de 0,10 aos restantes rendimentos provenientes da categoria B (alíneas b) e e) do nº2 do art. 31.º do CIRS).

 

Mas o elemento literal não é o único a ter em consideração. A tarefa interpretativa exige outros elementos, ou seja, a partir do texto da norma, impõe-se a descoberta da ratio legis subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.[16]

 

Sobre a interpretação das normas tributárias em geral e para o caso em apreço, o artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece regras essenciais da interpretação das leis tributárias:

Artigo 11.º - Interpretação

1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2- Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. (Negrito nosso)

4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”

 

Consideramos que a delimitação do alcance da norma de incidência deste imposto tem de seguir a orientação da letra, do espírito e do fim da lei! Ora, utilizando os vários elementos da interpretação, chega-se à conclusão de que o coeficiente de 0,75 é aplicável a rendimentos das actividades profissionais constantes da tabela a que se refere o art. 151.º.

 

A tabela de actividades referida no art. 151.º, aprovada pela Portaria 1011/2001, de 21 de Agosto, engloba, no parágrafo 15, “Outras actividades exclusivamente de prestação de serviços”, que inclui o código … referente a “Outros prestadores de serviços”.

 

A Circular 5/2014 contém uma interpretação com a qual concordamos e esclarece que “O campo 440 destina-se à indicação dos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestações de serviços que tinha enquadramento na alínea b) do art. 3.º do CIRS, independentemente de a actividade exercida estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de actividades aprovada pela Portaria nº 1011/2001, de 21 de Agosto, incluindo a actividade com o código … – Outros prestadores de serviços.” (Negrito nosso)

 

Cabe, então, apreciar quais as prestações de serviço que têm enquadramento no art. 3.º do CIRS. A categoria B, em específico este art. 3.º, abrange os rendimentos de trabalho independente e quando auferidos por conta própria no exercício de actividades de natureza científica, artística e técnica.

 

Estabelece, para o que nos interessa, o art. 3.º:

Artigo 3.º - Rendimentos da categoria B

1 – Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:

a) os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;

b) os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de caráter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior;

c) os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.

2 – Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:

a) os rendimentos prediais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais;

b) os rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais;

c) as mais-valias apuradas no âmbito das atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artigo 46.º do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afetos ao ativo da empresa e, bem assim, os outros ganhos ou perdas que, não se encontrando nessas condições, decorram das operações referidas no n.º 1 do artigo 10.º, quando imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais;

d) as importâncias auferidas, a título de indemnização, conexas com a atividade exercida, nomeadamente a sua redução, suspensão e cessação, assim como pela mudança do local do respetivo exercício;

e) as importâncias relativas à cessão temporária de exploração de estabelecimento;

f) os subsídios ou subvenções no âmbito do exercício de atividade abrangida na alínea a) do n.º 1;

g) os subsídios ou subvenções no âmbito do exercício de atividade abrangida na alínea b) do n.º 1;

h) os provenientes da prática de atos isolados referentes a atividade abrangida na alínea a) do n.º 1;

i) os provenientes da prática de atos isolados referentes a atividade abrangida na alínea b) do n.º 1.

3 – Para efeitos do disposto nas alíneas h) e i) do número anterior, consideram-se rendimentos provenientes de atos isolados os que não resultem de uma prática previsível ou reiterada.

4 – São excluídos de tributação os rendimentos resultantes de atividades agrícolas, silvícolas e pecuárias quando o valor dos proveitos ou das receitas, isoladamente ou em cumulação com os rendimentos ilíquidos sujeitos, ainda que isentos, desta ou doutras categorias que devam ser ou tenham sido englobados, não exceda por agregado familiar quatro vezes e meia o valor anual do IAS. (…)”

 

Quanto ao conceito de trabalho independente, pode defender-se que qualquer actividade de carácter científico, artístico ou técnico, que seja exercida remuneradamente sem dependência de entidade patronal ou sem empregados ou colaboradores, está sob a previsão do art. 3.º.

 

No que toca ao contrato de prestação de serviços, é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, conforme prevê o art. 1154.º do Código Civil.

 

As actividades de “Actividades de cobrança e avaliação de crédito” CAE … e “Exec. De Fotocópias, prep. De Docs e out. esp. Apoio Adm” CAE … exercidas pela Requerente B não estão especificamente designadas nas actividades que constam expressamente da tabela mas contêm todas as características dos rendimentos abrangidos pelo art. 3.º do CIRS e podem ser consideradas como prestações de serviços abrangidas pelo código… .

 

Assim, assiste razão à Requerida quando refere que “desde que a actividade exercida conste da tabela do art.151.º ou conste da lista da CAE, os rendimentos devem ser inscritos no campo 440, tal como consta da descrição desse campo.” (ponto 43.º da Resposta)

 

O campo 443, segundo a Circular 5/2014, “destina-se à indicação dos restantes rendimentos da categoria B, designadamente, as prestações de serviços que, por força do art. 4.º do CIRS sejam enquadráveis na alínea a) do nº 1 do art. 3.º do referido código, desde que não previstos nas alíneas a) e d) e primeira parte da alínea e) do nº 2 do art. 31.º deste código e, assim, não incluídos nos campos anteriores deste quadro.”

 

Estipula o art. 4.º:

“Artigo 4.º - Actividades comerciais e industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias

1 - Consideram-se actividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:

a) Compra e venda;

b) Fabricação;

c) Pesca;

d) Explorações mineiras e outras indústrias extractivas;

e) Transportes;

f) Construção civil;

g) Urbanísticas e exploração de loteamentos;

h) Actividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como venda ou exploração do direito real de habitação periódica;

i) Agências de viagens e de turismo;

j) Artesanato;

l) As actividades agrícolas e pecuárias não conexas com a exploração da terra ou em que esta tenha carácter manifestamente acessório;

m) As actividades agrícolas, silvícolas e pecuárias integradas noutras de natureza comercial ou industrial.”

 

Como se constacta, a Requerente B não exerce nenhuma destas actividades. Não se vê, portanto, como é possível incluir no âmbito do campo 443 os rendimentos provenientes das actividades exercidas pela Requerente B, nem se vê como possam ser incluídas nos “restantes rendimentos da categoria B que não estejam previstos nas alíneas anteriores.” As actividades desenvolvidas pela Requerente B não se enquadram no campo 443 e apenas a estas se aplica o coeficiente de 0,10.

Desta forma, os € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) que os Requerente inscreveram no campo 443 deverão ser incluídos no campo 440 aos quais deve ser aplicado o coeficiente de 0,75.

 

Razão pela qual se deve julgar improcedente o pedido arbitral e manter os actos tributários objecto dos presentes autos.

 

IV.             DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O direito a juros indemnizatórios depende de “pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), pelo que, não havendo imposto a restituir, fica prejudicada a apreciação do pedido do pagamento de juros indemnizatórios.

 

V.                DECISÃO

 

Termos em que acordam neste Tribunal Singular:

 

a)      Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter os actos tributários objecto dos presentes autos.

 

b)     Condenar os Requerentes nas custas do processo, no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros).

 

 

 

Valor do Processo

 

Em harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 11.164,33 (onze mil cento e sessenta e quatro euros e trinta e três cêntimos).

 

Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pelos Requerentes.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2016

 

***

O Árbitro

 

 

 

(Jorge Carita)

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no

artigo 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] CORDEIRO, ANTÓNIO MENEZES, Tratado da Arbitragem - Comentário à Lei 63/2011, 14 de Dezembro, Almedina, 2015, p.190

[2] BARROCAS, MANUEL PEREIRA, Manual de Arbitragem, Almedina, 2010, p.401

[3] BARROCAS, MANUEL PEREIRA, Ob. Cit., Almedina, 2010, p.245

[4] CORDEIRO, ANTÓNIO MENEZES, Ob. Cit., Almedina, 2015, p.195

[5] BARROCAS, MANUEL PEREIRA, Ob. Cit., Almedina, 2010, p.401

[6] BARROCAS, MANUEL PEREIRA, Ob. Cit.,, Almedina, 2010, p.247

[7] VILLA-LOBOS, NUNO e PEREIRA, TÂNIA CARVALHAIS, The portuguese Tax arbitration Regime, Almedina, CAAD, 2015, p.58 e 59

[8]Tradução livre: “A competência dos tribunais de arbitragem que operam no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) é expressamente definida pelo RJAT e está legalmente limitada, em primeiro lugar, às matérias previstas no n.º 1 do artigo 2.º. Assim, neste artigo, os tribunais de arbitragem tributária têm competência jurisdicional para decidir sobre "a) declaração da ilegalidade de actos tributários (de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta; b) À declaração da ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de determinação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais. (...)

Cumpre referir que, embora os parágrafos a) e b) do artigo 2.º da RJAT usem a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a jurisdição dos tribunais de arbitragem que operam sob o CAAD e não se referem às decisões judiciais, os tribunais de arbitragem têm considerado que sua jurisdição inclui os mesmos poderes atribuídos aos tribunais de tributação em processo de revisão judicial.”

[9] Tradução Livre: Os tribunais de arbitragem têm competência para decidir os pedidos de declaração de ilegalidade de tributação. A tributação é o acto administrativo pelo qual a AT realiza uma avaliação dos impostos devidos e pode ser de três tipos, a saber: Avaliação administrativa, avaliação ex officio e avaliação adicional.

[10] PEREIRA, PAULA ROSADO, The portuguese Tax arbitration Regime, Almedina, CAAD, 2015, p.88 e 89

[11]Tradução Livre: Este tipo de liquidação ocorre em outros actos de liquidação avaliação administrativa quando o montante inicialmente determinado por simples avaliação/liquidação administrativa é incorrecto.

[12] RIBEIRO, NUNO CERDEIRA, O Controlo Jurisdicional dos Atos da Administração Tributária, Almedina, 2014, p.129

[13] MARTINS, JESUÍNO ALCÂNTARA e ALVES, JOSÉ COSTA, Procedimento e Processo Tributário – Uma Perspectiva Prática, Almedina, 2015, p.209 a 210

[14] Redacção dada pela Lei n.º83.-C/2013, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2014.

[15] MARQUES, RUI, Jus Prático – IRS, Coimbra Editora, 2010, p.213

[16] MACHADO, JOÃO BATISTA, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 181.