Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 361/2016-T
Data da decisão: 2016-11-04  Selo  
Valor do pedido: € 32.970,49
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, B…, C…, D…, E…, F…, G…, doravante Requerentes, apresentaram um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano 2015, no valor total de €32.970,49.

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 22.07.2016 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 21.09.2016.

 

A AT respondeu, defendendo a incompetência do Tribunal Arbitral e a improcedência do pedido.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos.

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    Os Requerentes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo …;

 

B)    O referido imóvel é um prédio em propriedade total e é composto por 39 andares e divisões independentes, descrito como prédio urbano composto por sub-cave com rés-do-chão e 8 andares com 3 vãos no r/c e 4 vãos nos andares frente a evinel e cantaria, cobertura a lage de betão, soco em granito polido;

 

C)    Os Requerentes foram notificados, no montante total de €32.970,49 (trinta e dois mil, novecentos e setenta Euros e quarenta e nove cêntimos), dos actos de liquidação de IS, referentes ao prédio identificado, relativos ao ano 2015, que constam do documento n.º 2 junto aos autos pelos Requerentes;

 

 

D)    Os andares e divisões independentes, objecto de liquidação de IS acima identificadas, são afectas a habitação, sendo o VPT global superior a €1.000.000 (um milhão de euros);

 

E)    O Valor Patrimonial Tributário (VPT) dos andares e divisões identificados foi determinado separadamente, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis;

 

F)     Os Requerentes apresentaram um pedido de pronúncia arbitral do acto de liquidação de IS relativo ao ano 2015, no valor total de €32.970,49.

 

Não existem factos com relevo para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber qual é o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de aplicação da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente ao prédio urbano habitacional constituído em regime de propriedade vertical, que integra andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

 

A este propósito, os Requerentes alegam no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:

  1. A interpretação efectuada pela AT não é conforme à lei, nem à Constituição, por violação do princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como do disposto no n.º 3 do artigo 104.º da CRP que determina que “A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.”;
  2. A interpretação da AT da verba 28.1. da TGIS, para além de não ter base legal, gera distinções de tratamento ostensivamente violadoras do princípio da igualdade;
  3. Como nota a decisão arbitral n.º 132/2014-T, “como justificar, inclusive à luz de princípios de equidade social e justiça fiscal defendidos pelo legislador – note-se, a este respeito, que o comunicado do Conselho de Ministros de 20/09/2012 referia que a medida, entre outras, era fundamental para “reforçar o princípio da equidade social na austeridade”,- que esta tributação incida apenas sobre o património imobiliário habitacional e não sobre o património imobiliário não habitacional?
  4. É sabido que muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, factores que necessariamente devem ser tidos em conta. E, certamente tendo em conta toda essa realidade social e económica, o próprio legislador fiscal no Código do IMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios. Não pode a AT não distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP e, ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
  5. As liquidações em crise - porque incidem sobre andares e divisões com utilização independente com VPT inferior a €1.000.000,00 – estão feridas de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS e vício de violação de lei constitucional, mais concretamente dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, devendo, consequentemente, ser anuladas nos termos do artigo 135.º do CPA, com o consequente reembolso dos montantes já pagos acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 100.º e 53.º da Lei Geral Tributária e 61.º do CPPT.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. Os Requerentes não impugnam um acto tributário, mas impugnam, antes, o pagamento de um acto tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança, sendo, por isso, o Tribunal Arbitral incompetente para a apreciação do pedido formulado, qual seja o da legalidade de uma mera nota de cobrança;
  2. Os Requerentes impugnam não os actos de liquidação mas a prestação – única relativa ao pagamento de um valor unitário de imposto;
  3. Os presentes documentos de cobrança não são impugnáveis de per si, razão pela qual deve a excepção invocada ser procedente e a AT ser absolvida do pedido;
  4. Se assim se não entender, e por mera cautela, os ora requerentes são proprietários de um prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo … prédio, este, constituído em regime de propriedade total, também designada de vertical;
  5. O valor patrimonial tributário foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo o valor patrimonial tributário na sua totalidade no montante de €4.602.254,17;
  6. A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao Código do IS resulta da conjugação de dois factos, a saber, a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a €1.000.000,00;
  7. Encontrando-se o prédio de que são proprietários, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio.
  8. Determina o Código do IMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.
  9. O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral;
  10. É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.
  11. O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a €1.000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente;
  12. E esta interpretação da norma de incidência a imposto de selo resulta da conjugação da outra norma de incidência do IMI que é o artigo 1.º, segundo a qual o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, atendendo à noção de prédio do artigo 2.º e de prédio urbano constante do artigo 4.º e ainda das espécies de prédios urbanos descritas no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

A – Das excepções invocadas pela AT

 

Na resposta apresentada, vem a AT defender-se por excepção, alegando por um lado que o presente Tribunal é incompetente para a apreciação do pedido formulado, que é, no seu entender, uma nota de cobrança e, por outro lado, que os documentos de cobrança de IS sub judice não são impugnáveis.

Sobre a competência do Tribunal Arbitral prescreve a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Por seu turno, quanto à vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do citado regime que esta depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.

A competência da instância arbitral encontra-se, assim, delimitada, pela portaria de vinculação da Administração Tributária à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Nos termos do disposto no artigo 2.º da indicada Portaria, a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), nas quais expressamente se incluem as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Conclui-se, assim, que o processo arbitral tributário tem por objecto, mediato ou imediato, o acto tributário de liquidação, enquanto acto de determinação do quantitativo do imposto a pagar (colecta), por aplicação de uma taxa à matéria colectável.

A apreciação das excepções suscitadas depende, por isso, da questão de saber se os Requerentes impugnam o acto de liquidação de Imposto do Selo (IS) ou se, ao invés disso, se limitam a impugnar cada uma das prestações de IS de per si.

Ora, nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação.

A este respeito, elucida o ilustre Professor José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 3ª Edição, Almedina, 2005 “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”.

Para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar.

Nestes termos, dispõe o n.º 7 do artigo 23.º do Código do Imposto do Selo que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.

No mesmo sentido, dispõe ainda o n.º 5 do artigo 44.º do CIS que “havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.

Ou seja, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do CIMI, “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”, devendo o imposto ser pago, em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, atento o seu quantitativo – cfr. al. c), n.º 1 do artigo 120.º do CIMI.

Da conjugação das disposições legais supra citadas retira-se que o IS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial, tal como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 408/2014-T, disponível em www.dgsi.pt, citada pela AT.

Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado.

Dito isto, da análise do requerimento inicial resulta que os Requerentes requerem a constituição do tribunal arbitral singular com vista “à declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de imposto de selo emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira” .Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de IS, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.

Do exposto resulta que, ao contrário do que refere a AT, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de IS individualmente consideradas.

Tanto assim é que os próprios Requerentes, na delimitação do objecto da acção arbitral, circunscrevem a instauração do respectivo processo à anulação do acto de liquidação de IS relativo ao ano de 2015, indicando como valor da utilidade económica do pedido o valor global da liquidação de IS.

Assim, muito embora os Requerentes associem o acto tributário de liquidação às prestações de IS, procedendo à sua junção e identificação, o certo é que aqueles não circunscrevem o objecto do pedido de pronúncia arbitral a nenhuma das prestações de IS em particular, mas sim à liquidação anual do IS.

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, bem como à inimpugnabilidade dos actos, alicerçada na alegada impugnação por parte dos Requerentes de meras notas de cobrança e não do próprio acto tributário de liquidação.

Em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgam-se improcedentes as excepções de incompetência material do tribunal arbitral e de inimpugnabilidade dos actos.

 

B – Da interpretação da Verba 28.1 da TGIS

 

Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso
.


3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Atendendo às regras de interpretação da Lei, importa saber que a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio aditar à TGIS a verba 28 e 28.1, criando a taxa de IS sobre prédios urbanos de elevado valor patrimonial.

 

A criação deste novo facto tributário ocorreu no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.

 

A taxa especial de IS sobre os prédios de valor superior a €1.000.000,00, também conhecida como “taxa de luxo”, visou garantir a repartição dos sacrifícios por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.

 

Nestas circunstâncias, fixou a verba 28 e 28.1, a incidência de IS nos seguintes termos:

Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…… 1%.”

 

Resulta, portanto, da letra da lei que a taxa prevista na verba 28.1 é aplicável ao direito de propriedade sobre prédio com afectação habitacional, cujo VPT utilizado para efeito de IMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.

 

De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 6 do Código do IS, “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).”

 

 

 

Por sua vez, o Código do IMI determina no seu artigo 2.º, o seguinte:

 

Conceito de prédio

1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial. 



2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios. 



3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano. 


4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

 

Tendo em conta o conceito de prédio estabelecido na Lei, é claro que os prédios constituídos em propriedade vertical constituem prédios, para efeitos da verba 28.1 da TGIS.

 

Na medida em que o prédio em análise (doravante Prédio) constitui um Prédio, nos termos previstos no artigo 2.º do Código do IMI, este encontra-se literalmente abrangido pela verba 28 e 28.1.

 

Na verdade, a lei não distingue, em momento algum, entre prédio em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical, limitando-se o n.º 4 do artigo 2.º a estabelecer que no regime da propriedade horizontal cada fracção autónoma é havida como prédio.

 

Do referido no n.º 4 do artigo 2.º não resulta, contrariamente ao defendido pela Requerida na resposta apresentada, que só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios.

 

Não obstante, a taxa especial de IS fixada na verba em questão apenas se aplica caso o Prédio constitua um prédio habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000.

 

Uma vez que o Código do IS não estabelece o que se entende por “habitacional”, por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do referido Código, são, também, aqui aplicáveis as regras previstas no Código do IMI, nomeadamente as estabelecidas nos artigos 6.º e no artigo 41.º desse Código.

 

Da análise das referidas regras, resulta, também, claro que, o Prédio está abrangido pela verba 28.1, enquanto prédio urbano com afectação habitacional.

 

Resta, portanto, averiguar se o VPT constante da matriz do Prédio, nos termos do Código IMI, é igual ou superior a €1.000.000.

 

Ora, conforme decorre da letra da Lei, o VPT do Prédio será aquele que for utilizado para efeito de IMI.

 

A este propósito, determina-se no n.º 1 do artigo 7.º, do Código do IMI, aplicável ex vi do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do IS, que “O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos presente Código.”.

 

Por sua vez nos n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI, estabelecem-se as regras para a determinação do VPT dos prédios com duas ou mais classificações.

 

Uma vez que a taxa prevista na verba 28 e 28.1 da TGIS apenas se aplica a prédios de afectação habitacional, as regras estabelecidas no n.º 2 e 3 do artigo 7.º do Código do IMI não são aplicáveis à determinação do VPT relevante no âmbito da referida verba.

 

Na verdade, o VPT dos prédios de afectação habitacional, previstos na verba 28 e 28.1., tem de ser determinado tendo em conta o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, segundo o qual:

Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”

 

Assim, tendo em conta que o legislador não atribui qualquer relevância ao facto de o prédio estar constituído em regime de propriedade vertical, o VPT deve ser imputado a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

 

De facto, não se encontra no Código do IMI nenhuma norma que permita concluir no sentido de que o VPT de prédio em regime de propriedade vertical deve ser obtido pela soma dos VPT que foram atribuídos isoladamente às partes que o constituem (Vide, entre outras, as decisões arbitrais proferidas no Processo 50/2013-T, 131/2013-T, 177/2014-T, 396/2014-T).

 

Tendo em conta que as normas de incidência estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária (Cfr. Artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 8.º da LGT), parece inexistir base legal à liquidação de IS com base na soma dos VPT de cada uma das partes do Prédio.

 

De facto, a AT não pode realizar uma operação de liquidação com base numa norma de incidência, que não prevê expressamente a base de incidência do imposto nos termos liquidados, pois, que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do proc. 7648/14, de 10.07.2014).

 

Entende-se, assim, que não existe base legal que permita à AT adicionar os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de €1.000.000,00, previsto na verba 28 da TGIS.

 

Em face do exposto, não tendo nenhum dos andares, susceptíveis de utilização independente valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00, não há lugar a incidência da taxa prevista na verba 28 da TGIS.

 

Em consequência, impõe-se a anulação do acto de liquidação de IS sub judice, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios dos Requerentes relativamente às prestações de IS já pagas, uma vez que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável a erro da Requerida, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

 

 

IV.             DECISÂO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

 

A)    Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do acto de liquidação de IS referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia do … sob o número …, relativo ao ano 2015;

 

B)    Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir aos Requerentes o montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais;

 

C)    Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

 

 

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €32.970,49.

 

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Novembro de 2016

 

A Árbitro

 

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990).