DECISÃO ARBITRAL
PARTES
Requerente: A…, Lda., NIPC PT …, com sede em …–…– …-… – …
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
I. RELATÓRIO
a) Em 20-05-2016, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
O PEDIDO
b) A Requerente pede a anulação parcial da liquidação adicional de IRC constante da “demonstração de liquidação de IRC - nº de liquidação 2015 … de 08.01.2015” que indica um valor a pagar de 121 048,10 euros; da “demonstração de acerto de contas – ID Documento 2015 … – Nr. Compensação 2015 … de 12.01.2015” indicando um saldo apurado de 10 361,87 euros e da “demonstração de liquidação de juros - NR. Compensação 2015 … de 12.01.2015” indicando um total de juros de 1 467,69 euros.
c) Concretizando que “… a correção de que se pretende a anulação é relativa à tributação autónoma de IRC no valor de 5.505,99, por se ter considerado que o valor de 110.119,82 de ajudas de custo pagas e consideradas como gasto da requerente, não foram debitadas aos clientes”, conforme linha 24 da “demonstração de liquidação de IRC - nº de liquidação 2015 … de 08.01.2015”.
d) Peticiona ainda a anulação da liquidação de juros compensatórios constante da “demonstração de liquidação de juros - NR. Compensação 2015 … de 12.01.2015” indicando um total de juros de 1 467,69 euros.
e) E tendo pago o IRC e juros em causa em 02.04.2015, pede, além do reembolso, a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios contados até à data da devolução.
f) O pedido de anulação parcial da liquidação de IRC é feito, de forma mediata, uma vez que dessa liquidação tinha interposto a reclamação graciosa nº … que lhe foi indeferida. Desta decisão, apresentou recurso hierárquico em 23.12.2015, do qual até à data do registo do presente pedido de pronúncia no SGP do CAAD, não tinha logrado obter decisão, motivo pelo qual considerou ter ocorrido acto de indeferimento silente (nº 5 do artigo 66º do CPPT), sendo este o acto que numa primeira linha, de forma imediata, pretende ver anulado.
A CAUSA DE PEDIR
g) A Requerente invoca o vício de violação de lei por eventual erro de direito da AT (nº 9 do artigo 81º do Código do IRC, actual artigo 88º do Código do IRC), discordando da leitura da lei que foi levada à prática com a liquidação.
h) Pela razão de que considera que “para que o valor das ajudas de custo seja considerado como gasto, não é necessário que o seu valor seja debitado aos clientes, mas apenas que a entidade patronal possua, por cada pagamento efetuado, um mapa nas condições da alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A (anterior alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC), como resulta (a contrario sensu) da referida norma”.
i) E porque o legislador “… apenas pretendeu, para que os encargos com ajudas de custo não fossem tributados autonomamente, que os mesmos fossem faturados a clientes, conforme resulta do disposto no n.º 9 do artigo 88.º (anterior artigo 81.º) do Código do IRC”. “A condição de que o seu valor constasse expressamente da fatura não consta de qualquer norma”.
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
j) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 06-06-2016.
k) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 29-06-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
l) O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 04-08-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
m) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 04-08-2016 que aqui se dá por reproduzida.
n) Logo em 04-08-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 28.09.2016.
o) A AT, juntamente com a Resposta não juntou PA. O TAS considera não ser necessária sua junção, podendo até considerar-se redundante e inútil a sua junção, uma vez que a Requerente juntou toda a documentação que sustenta a liquidação em causa, incluindo o relatório da Inspecção Tributária que esteve na origem do acto tributário aqui em discussão, documentos cuja genuinidade na reprodução não mereceu qualquer reparo.
p) Por despacho de 28.09.2016 o TAS questionou as partes sobre se prescindiam da reunião do artigo 18º do RJAT e bem assim de alegações escritas. Por requerimento de 30.09.2016 a Requerida veio dizer que não se opunha à dispensa da reunião de partes e à produção de alegações.
q) Uma vez que a Requerente não tinha formulado qualquer posição sobre a matéria, por despacho de 12.10.2016, foi convidada a referir se acompanhava a posição da Requerida. Respondeu em 18.09.2016, não sobre o requerimento da AT de 30.09.2016, mas sobre o teor da resposta da AT apresentada em 28.09.2016, na parte que tange à inutilidade da lide, por ter sido junta a este processo, em 18.07.2016, uma decisão expressa do recurso hierárquico que a Requerente presumiu indeferido em 20.05.2016 (data da entrega do presente pedido de pronúncia no CAAD).
r) Face ao referido na alínea anterior foi fixado prazo para alegações escritas e sucessivas, por despacho de 24.10.2016. No entanto, nenhuma das partes apresentou alegações.
s) Pelo que não se realizou a reunião de partes do artigo 18º do RJAT, nem as partes produziram alegações, muito embora tenham sido convidadas a fazê-lo.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
t) Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
u) Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos do inciso n) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Igualmente quanto à tramitação processual subsequente o TAS seguiu o que resulta da posição expressa ou tácita das partes como se escreve nas alíneas p) a s) supra.
v) Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da Requerente ter apresentado recurso hierárquico (RH) contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº…, deduzida contra a liquidação aqui em causa, em 23.12.2015, invocando a presunção de indeferimento do RH, uma vez que não foi notificada de qualquer decisão 60 dias após a sua entrega, nos termos do 5 do artigo 66º do CPPT. O pedido de pronúncia foi entregue no CAAD em 20.05.2016, logo muito para além do prazo da disposição legal que estabelece um prazo máximo para a adopção de uma decisão em sede de recurso hierárquico.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
w) A Requerente discorda da liquidação adicional de IRC que resultou de várias correcções propostas no relatório da Inspecção Tributária, no cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2012.../… .
x) E sobretudo discorda dos argumentos invocados no referido Relatório de Inspecção, a saber:
· “Que para que se considere que as ajudas de custo não estão sujeitas a tributação autónoma, é necessário que tenham sido debitadas a clientes, e que esse débito venha expressamente mencionado nas faturas emitidas”;
· Com a “… Informação Vinculativa relativa ao Processo n.º 71/08, em cujo n.º 2 se considera que: “Esta é uma norma anti abuso, já que, como é sabido, as despesas com ajudas de custo são de difícil comprovação e correspondem muitas vezes a verdadeiros salários dos trabalhadores, pelo que, o legislador entendeu que estas despesas só seriam aceites como custos fiscais se o respectivo montante fosse imputado aos clientes e expressamente mencionado na facturação emitida”;
· Com o facto de para “demonstrar que as ajudas de custo não foram debitadas aos clientes, o Sr. Inspetor, conforme consta no início da página 22 do relatório” … ter solicitado “… que lhe fossem fornecidos elementos que contivessem a descrição e valorização dos gastos e respetivo suporte documental, bem como a identificação do pessoal que prestou os serviços e indicação do período temporal em que os mesmos ocorreram”;
· Considera, ao contrário do relatório de inspecção, que tendo “… sujeito passivo apenas … mencionado em algumas das faturas emitidas que o valor debitado incluía ajudas de custo, isso é a prova de que nas faturas em que essa referência foi inscrita não significa que as ajudas de custo tivessem de facto sido debitadas aos clientes”, “Apesar de considerar que, os valores das ajudas de custo expressamente constantes da fatura “fazem parte integrante do valor dos serviços prestados, tal como o fazem as restantes despesas como transporte, dormidas, ferramentas, etc””.
y) A Requerente propugna por outra leitura da norma inserta no nº 9 do artigo 81º do Código do IRC (actual artigo 88º do Código do IRC) devendo considerar-se que
· “para que o valor das ajudas de custo seja considerado como gasto, não é necessário que o seu valor seja debitado aos clientes, mas apenas que a entidade patronal possua, por cada pagamento efetuado, uma mapa nas condições da alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A (anterior alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC), como resulta (a contrario sensu) da referida norma”.
· E porque o legislador “… apenas pretendeu, para que os encargos com ajudas de custo não fossem tributados autonomamente, que os mesmos fossem faturados a clientes, conforme resulta do disposto no n.º 9 do artigo 88.º (anterior artigo 81.º) do Código do IRC”.
· Sendo que “A condição de que o seu valor constasse expressamente da fatura não consta de qualquer norma”.
z) Mesmo que assim não fosse entende a Requerente “que fez constar expressamente das suas faturas (ainda que tal não fosse necessário) o montante das ajudas de custo faturadas aos seus clientes”. “Só assim não seria se a reclamante, apenas fizesse constar das suas faturas, uma expressão vaga do género “Os valores debitados incluem ajudas de custo””. “Mas como o relatório refere, nomeadamente da sua página 21, das suas faturas consta a expressão “Inclui ajudas de custo no valor de ----€”, sendo que o respetivo valor é expressamente mencionado”.
aa) E conclui: “… das faturas consta expressamente o valor das ajudas de custo debitadas aos clientes”.
bb) Insurge-se ainda contra o facto de, segundo o Relatório se pretender “… que esse valor contasse, autonomamente, de uma linha própria na fatura”, concluindo “Não faria qualquer sentido debitar numa linha autónoma, ajudas de custo, já que, como se referiu, o que os prestadores de serviços debitam aos seus clientes, é apenas o preço dos seus serviços”.
cc) E refere ainda: “Mas a reclamante poderia apenas ter feito constar das suas faturas que o valor facturado englobava ajudas de custo, sem ter quantificado o seu valor, sem que isso significasse que não estava a debitar ao cliente, os respetivos valores, como foi decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2009.07.15, no Processo n.º 02014/07, in www.dgsi.pt”. “Ou como consta dos n.ºs 1 a 3 das conclusões do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 2015.03.12, no Processo n.º 00005/04.2BEPNF, in www.dgsi.pt”.
dd) Termina pugnando pela anulação das liquidações em causa (imposto e juros). Invoca em defesa do seu ponto de vista a decisão CAAD Processo 85/2012-T de 20.12.2012 e o acórdão do STA no processo n.º 21717, in www.dgsi.pt.
ee) Depois do pedido de pronúncia arbitral ter sido notificado à Requerida em 23.05.2016 veio a AT, em 18.07.2016, juntar uma decisão adoptada pela Direcção de Finanças de Aveiro, com data de 30.06.2016 que revoga o acto que em 2015-11-23 indeferiu a reclamação graciosa nº … 2015 … e substitui-o por outro que a defere na sua totalidade. Face a esta decisão, por requerimento de 18.10.2016 e quanto à posição da AT na Resposta, invocando a inutilidade da lide (com custas pela Requerente) por ter sido dado provimento ao recurso hierárquico (citando o artigo 13º do RJAT) contrapõe a Requerente o seguinte:
· “Na verdade, aquando do Pedido da Constituição do Tribunal Arbitral, a Autoridade Tributária, ainda não tinha tomado posição sobre o Recurso Hierárquico interposto pela Requerente”. “Só o veio a fazer após ter tomado conhecimento do pedido efetuado ao presente Centro de Arbitragem”. “Por esse facto, juntou em 18/07/2016, a sua posição emitindo Despacho sobre o Recurso Hierárquico aos presentes autos”.
· “Sucede, que a posição assumida no Despacho emitida sobre o Recurso Hierárquico não acautela a totalidade do pedido formulado ao CAAD”. “…de forma a ver reposta a legalidade da sua situação tributária, deverá o Centro de Arbitragem Tributária, tomar posição sobre a totalidade do requerido”. E acrescenta: “Destarte não tendo sido dado cumprimento ao reconhecimento de juros de indemnizatórios e tendo os mesmos sido requeridos aquando da constituição do Tribunal Arbitral juntamente com a apreciação da legalidade do ato tributário, terá o Douto Centro de Arbitragem Tributária que tomar conhecimento do Pedido”.
ff) E conclui: “Sucede que em momento algum a Requerente, foi notificada pelo Dirigente Máximo do Serviço da Administração Tributária a conceder-lhe o prazo de 10 dias para se pronunciar”. “Na verdade, a requerente só foi notificada pela Autoridade Tributária no âmbito do Recurso hierárquico, como se não existisse pedido de constituição do tribunal arbitral, sobre o ato tributário revogado”. “Tendo tal Despacho sido proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de …”.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
Inutilidade da lide
gg) A Requerida inicia a Resposta invocando a inutilidade da lide nos seguintes termos: “O presente pedido de pronúncia arbitral vem interposto da presunção de indeferimento do Recurso Hierárquico”. “Todavia este Recurso foi deferido por despacho de 2016/06/30, documento já junto pela AT em 2016/07/18, e devidamente notificado à ora Requerente em 2016/07/09”. “Assim tratando-se da causa de pedir dos presentes autos, verificamos que a pretensão da ora Requerente se encontra satisfeita, verificando-se uma inutilidade da presente lide”.
Das custas processuais
hh) Como corolário do acima referido, quanto à inutilidade da lide, refere a AT na Resposta: “Ora, considerando que o acto aqui em crise foi revogado nos termos do disposto no artigo 13º do RJAT”. “Tendo esta decisão sido, atempadamente, notificada à ora Requerente, e ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa”, concluindo: “A AT não deverá ser responsabilizada pelas custas processuais decorrentes da constituição do Tribunal Arbitral, isto porque foi dado provimento à pretensão da Requerente antes dessa mesma constituição”.
Dos juros indemnizatórios
ii) Propugna a AT pela improcedência do pedido de condenação nos juros indemnizatórios, expressando: “… a actuação da Autoridade Tributária pautou-se pela estrita observância dos preceitos legais a que se encontra vinculada”. “Não se poderá ... considerar que tenha existido erro imputável aos serviços na emissão da liquidação em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios”.
jj) E conclui: “Visando o processo arbitral, nos termos definidos no RJAT, um mero controle de legalidade da liquidação impugnada, não pode, pois, determinar que houve “erro imputável aos serviços” quando através de uma interpretação legalmente sustentada em facto tributário sujeito a IRC se consideraram custos fiscalmente não aceites”. “Assim, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios por não haver erro imputável aos serviços gerador de qualquer obrigação de indemnizar”. “Encontrando-se … afastada a possibilidade de reconhecimento de direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 e nº 2 do artigo 43º da LGT”.
kk) Termina reiterando a procedência da excepção invocada e a improcedência do pedido de condenação nos juros indemnizatórios, com custas pela Requerente.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
As questões a dirimir são as seguintes:
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A inutilidade da lide, tendo em conta a junção pela AT a este processo, em 18/07/2016, da decisão que deu provimento ao Recurso Hierárquico que a Requerente presumiu indeferido quando entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia. E apreciar se esta junção corresponde ao acto a que se alude no nº 1 do artigo 13º do RJAT.
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As custas processuais, face ao referido no ponto anterior.
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O pedido de condenação da AT nos juros indemnizatórios, não satisfeito na decisão da AT que deferiu expressamente o recurso hierárquico.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.
FUNDAMENTAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, de resto não contestados pelas partes, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.
Factos provados
1) A Requerente foi objecto de procedimento de inspecção tributária nos termos do artigo 62º do RCPIT, externo, de âmbito geral de IRC, quanto aos exercícios económicos de 2011 e 2012, ordenado pela OS OI 2012 …/… – Documento nº 7 em anexo ao pedido de pronúncia, artigo 3º do pedido de pronúncia e artigo 4º da resposta.
2) Na sequência do Relatório de Inspecção, devidamente notificado, veio a AT propor alterações ao IRC de 2011, notificando subsequentemente a Requerente da liquidação constante da “demonstração de liquidação de IRC - nº de liquidação 2015 … de 08.01.2015” que indica um valor a pagar de 121 048,10 euros, da “demonstração de acerto de contas – ID Documento 2015 … – NR. Compensação 2015 … de 12.01.2015” indicando um saldo apurado de 10 361,87 euros e da “demonstração de liquidação de juros - Nr. Compensação 2015 … de 12.01.2015” indicando um total de juros de 1 467,69 euros – Documentos nºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia, exórdio do pedido de pronúncia e artigos 2º e 3º da resposta.
3) A Requerente reclamou graciosamente da liquidação, n.º …2015…, que veio a ser indeferida. Do seu decaimento apresentou recurso hierárquico, n.º …2015… em 23.12.2015 – Documentos nºs 4, 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia, artigo 1º do pedido de pronúncia e artigo 6º da resposta.
4) Em 20-05-2016, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia “da presunção de indeferimento do recurso hierárquico” invocando o nº 5 do artigo 66º do CPPT – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia e comunicação da constituição do TAS.
5) Em 06-06-2016 a Requerida foi notificada pelo CAAD, através de notificação electrónica, constando no registo do SGP do CAAD deste processo o seguinte: “nesta data a AT (Serviços Tributários) foi notificada da apresentação do pedido” – Registo de 06.06.2016 no SGP do CAAD - processo 281/2016-T.
6) Em 18.07.2016, a AT registou no SGP do CAAD um documento sob a designação de “comunicação 13º-1 do RJAT”, cujo ficheiro electrónico tem a designação de “despacho de revogação P … –A…”, onde se refere: “propõe-se a revogação do acto que em 2015-11-23 indeferiu a reclamação graciosa nº … 2015 … e a sua substituição por outro que, com os fundamentos acima expostos, a defira na totalidade”, o que foi sancionado por despacho de 30.06.2016 do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de …– Registo de 18.07.2016 no SGP do CAAD – processo 281/2016-T.
7) A Requerente pagou em 02.04.2015, a liquidação de IRC e juros, no âmbito de processo executivo … 2015 … – Documentos nºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia e artigo 99º do pedido de pronúncia.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR
Inutilidade superveniente da lide
O Código de Processo Civil é de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por força da alínea e) do artigo 2º do CPPT e nº 1 do artigo 29º do RJAT.
Nos termos da alínea e) do artigo 277º do CPC é causa de extinção da instância “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
“Julgando-se extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, o juiz não terá que fazer mais do que declarar extinta a instância a instância, sem pronúncia judicial (que até é impedida) sem condenar ou absolver alguma das partes, a não ser no pagamento das custas”. (Acórdão do STJ de 23.11.1982: BMJ 321 – 368).
A AT propugna pela total inutilidade da presente lide em que o pedido é a anulação da liquidação de IRC e a sua condenação no pagamento dos juros indemnizatórios.
No entanto, a Requerente vem referir que a Requerida apenas revogou a decisão adoptada na reclamação graciosa, mas dessa decisão e da posição adoptada pela AT neste processo, não se retira que pretenda pagar-lhe os juros a que entende ter direito.
Afigura-se-nos que assiste razão à Requerente.
De facto, conforme alínea 6) da matéria assente o que a AT decidiu foi tão-só dar provimento ao recurso hierárquico deduzido pela Requerente a que se alude na alínea 3) da matéria dada como provada. Nada se refere, nessa decisão, quanto ao pagamento ou não pagamento dos juros indemnizatórios.
Pelo que procede, parcialmente, a invocada inutilidade superveniente da lide, mas apenas parcialmente, ou seja, apenas no que diz respeito ao pedido anulação do acto de liquidação de IRC e juros compensatórios (e naturalmente da prévia anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa). Trata-se de temática já resolvida.
Já quanto ao pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios é matéria que ao TAS cumpre apreciar, uma vez que o litígio, nesta vertente, não está sanado.
A junção pela AT, em 18.07.2016, de documento com a indicação “comunicação 13º-1 do RJAT”
Conforme alínea 4) da matéria assente: “em 20-05-2016, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia “da presunção de indeferimento do recurso hierárquico” invocando o nº 5 do artigo 66º do CPPT”.
E segundo a alínea 5) “Em 06-06-2016 a Requerida foi notificada pelo CAAD, através de notificação electrónica, constando no registo do SGP do CAAD deste processo o seguinte: “nesta data a AT (Serviços Tributários) foi notificada da apresentação do pedido””.
Por último refere-se na alínea 6) da matéria de facto assente: “em 18.07.2016, a AT registou no SGP do CAAD um documento sob a designação de “comunicação 13º-1 do RJAT”, cujo ficheiro electrónico tem a designação de “despacho de revogação P … –A…”, onde se refere: “propõe-se a revogação do acto que em 2015-11-23 indeferiu a reclamação graciosa nº … 2015 … e a sua substituição por outro que, com os fundamentos acima expostos, a defira na totalidade”, o que foi sancionado por despacho de 30.06.2016 do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de …”.
Referem os nºs 1 e 2 do artigo 13º do RJAT: 1 — Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º
2 - Quando o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último acto se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.
Ora, não só a decisão junta ao presente processo não foi adoptada com base na prévia audição da Requerida nos termos do nº 2 do artigo 13º do RJAT, como ainda a decisão em causa (que deferiu o recurso hierárquico) não foi notificada ao CAAD (junta ao processo) no prazo de 30 dias, conforme determina o nº 1 do artigo 13º do RJAT.
Pelo que a junção ao processo da decisão da AT que deu provimento ao recurso hierárquico depois da Requerente, em 20-05-2016, ter registado no CAAD o presente pedido de pronúncia interposto “da presunção de indeferimento do recurso hierárquico” invocando o nº 5 do artigo 66º do CPPT, não pode integrar o conceito de decisão revogatória da liquidação, prevista no nº 1 do artigo 13º do RJAT, mas sim uma decisão sobre um recurso hierárquico nos termos do artigo 66º do CPPT e do artigo 80º da LGT, até porque a decisão em causa é datada de 30.06.2016 e o pedido de pronúncia foi entregue no CAAD em 20.05.2016, sendo que, em 06.06.2016 foi a AT notificada da apresentação do presente pedido de pronúncia.
O que quer significar que desde 06.06.2016 a AT tinha conhecimento da apresentação do pedido de pronúncia, com base na presunção de indeferimento do recurso hierárquico.
Improcede, pois, a alegação de que o acto tributário objecto do presente pedido de pronúncia foi revogado ao abrigo do regime do artigo 13º nº 1 do RJAT.
Quanto à responsabilidade pelas custas (na parte do pedido configurado como inútil de forma superveniente)
“O Código de Processo Civil manteve, em matéria de custas, o princípio da causalidade: paga as custas a parte que lhes deu causa” … (Acórdão do STJ de 18.11.76 BMJ 261º-153). Este princípio continua expresso nas diversas normas do CPC actual que versam sobre esta matéria.
O Artigo 536.º do actual CPC (artigo 450.º CPC 1961), sobre a epígrafe “repartição das custas”, refere no seu nº 3 “Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.
Ora, como acima se referiu, a Requerente no uso dos direitos que a lei lhe confere, não tendo obtido uma decisão do recurso hierárquico que apresentou em 23.12.2015, no prazo do nº 5 do artigo 66º do CPPT, interpôs o presente pedido de pronúncia em 20.05.2016.
A decisão junta pela AT a este processo foi adoptada (em 30.06.2016) já depois da Requerida ter sido notificada da apresentação do pedido de pronúncia, em 06.06.2016.
Pelo que, teremos de concluir que é à Requerida que a inutilidade da lide é imputável, uma vez que não decidiu o recurso hierárquico no prazo legal máximo do artigo 66º nº 5 do CPPT, o que nos termos do nº 3 do artigo 175º do CPA (velho), do artigo 198º nº 4 do CPA (novo) e do nº 5 do artigo 57º da LGT permitiu à Requerente interpor o presente pedido de pronúncia arbitral.
Pelo que é a Requerida a parte responsável pelas custas processuais quanto ao pedido que se tornou inútil, de forma superveniente, neste processo (revogação da liquidação adicional de IRC e dos juros) nos termos da parte final do nº 3 do artigo 536º do CPC.
Pedido de juros indemnizatórios
Provou-se o seguinte: “A Requerente pagou em 02.04.2015, a liquidação de IRC e juros, no âmbito de processo executivo … 2015 …”. E que “ Em 18.07.2016, a AT registou no SGP do CAAD um documento sob a designação de “comunicação 13º-1 do RJAT”, cujo ficheiro electrónico tem a designação de “despacho de revogação P … –A…”, onde se refere: “propõe-se a revogação do acto que em 2015-11-23 indeferiu a reclamação graciosa nº … 2015 … e a sua substituição por outro que, com os fundamentos acima expostos, a defira na totalidade”, o que foi sancionado por despacho de 30.06.2016 do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de …”.
Significando que a Requerida reconheceu, ao dar provimento ao recurso hierárquico, que tinha como objectivo a anulação da liquidação adicional, que não existia sustentação legal para a prática do acto impugnado.
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Como resulta do teor literal desta norma, o direito a juros indemnizatórios depende de «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso, a Requerente pagou o imposto adicional e os juros indevidamente liquidados, pelo que a anulação da liquidação, para além do dever de reembolso, pode acarretar o pagamento de juros indemnizatórios, caso tenha ocorrido erro imputável aos serviços da AT na liquidação.
O erro na liquidação é imputável à Requerida como resulta da circunstância de ter reconhecido, posteriormente, cumprido o ónus impugnatório do contribuinte, que a mesma estava em dissonância com a lei e por isso, em respeito pelo princípio da legalidade, deu provimento ao recurso hierárquico.
O contribuinte pagou a dívida liquidada de capital e juros, no âmbito de uma notificação que lhe foi feita pela AT (o que é equivalente a uma orientação genérica da AT), em dissonância com a sua posição. Percute-se, liquidação que a AT reconheceu não ter suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, contados nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde a data em que efectuou o pagamento em causa (02-04-2015), até efectivo reembolso.
V. DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos:
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Julga-se parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, na parte do pedido de pronúncia que diz respeito à anulação do acto de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, identificados em b) do Relatório desta decisão arbitral, sendo responsável pelas custas a Requerida (alínea e) do artigo 277º do CPC e parte final do nº 3 do artigo 536º do CPC);
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Julga-se procedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento do IRC e juros (02.04.2015) até à data da restituição.
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 6 973,68 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 29 de Novembro de 2016
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.