Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 205/2016-T
Data da decisão: 2016-11-25  IRS  
Valor do pedido: € 6.661,45
Tema: IRS – Revisão ao abrigo do artigo 78.º da LGT
Versão em PDF


 

 

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A…, contribuinte n.º …, residente na Av.ª …, …, …, …, …-… Braga, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativos aos anos de 2011 e de 2012, a que respeita a decisão de indeferimento de pedido de revisão formulado ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), proferida em 21-12-2015 sobre a informação n.º …/15, da Direção de Serviços do IRS.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 01-04-2016, o Requerente alega, em síntese, discordar da referida decisão, por entender que, com referência aos referidos atos de liquidação, se mostram preenchidos os pressupostos da requerida revisão, designadamente, a existência de injustiça grave ou notória a que se referem os n.ºs 4 e 5 daquele preceito.

 

3. Em resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, por não reunir, nos termos fundamentados na decisão impugnada, as condições legais para a sua apreciação, mantendo-se na ordem jurídica os atos impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade Requerida.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-04-2016.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 02-06-2016.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 20-06-2016.

 

8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

11. Assim, atento o conhecimento que decorre das peças processuais, designadamente do processo administrativo e documentos apresentados pelo Requerente, que se julga suficiente, o Tribunal, de acordo com o que vem requerido pelas Partes, decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais que, com base nos documentos que integram o presente processo, se consideram provados:

 

12.1. Ao Requerente, por atestado médico de incapacidade multiuso emitido pela Delegação Regional de Saúde do Norte (DRSN) em 01-08-2006, foi reconhecido um grau de incapacidade temporária, por 4 anos, de 80%, reportando-se esta situação de incapacidade ao ano de 2005.

 

12.2. O grau de incapacidade atribuído ao Requerente, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23/10, foi determinado de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30/09, constando do respetivo certificado médico que o mesmo era “susceptível de avaliações futuras, devendo ser reavaliado ao fim de 4 anos”

 

12.3. Nas declarações de rendimentos modelo 3 do IRS relativas aos anos de 2007 a 2010, o Requerente declarou a deficiência fiscalmente relevante de 80%, tal como reconhecida ao abrigo da legislação aplicável, o que, nas correspondentes liquidações, lhe permitiu beneficiar das deduções previstas no artigo 87.º do CIRS.

 

12.4. Decorridos os quatro anos referidos no certificado multiuso emitido em 01-08-2006, foi reavaliada a incapacidade do Requerente, sendo-lhe atribuída uma deficiência permanente global de 51%, determinada em conformidade com o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23/10, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12/10, sendo a incapacidade calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10.

 

12.5. Não podendo, assim, considerar-se como pessoa com deficiência fiscalmente relevante, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 87.º, do CIRS, o Requerente, nas declarações de rendimentos relativas aos anos de 2011 a 2013 não mencionou qualquer deficiência.

 

12.6. Das referidas declarações resultaram liquidações que determinaram reembolsos nos montantes de € 685,84 (2011), € 942,92 (2012) e de €208,71 (2013), sendo esta última resultante de declaração de substituição oportunamente entregue.

 

12.7. Em 10-02-2015 o Requerente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS respeitantes aos anos de 2011, 2012 e 2013, invocando a injustiça grave ou notória decorrente da tributação “de forma manifestamente desproporcional à sua condição”.

 

12.8. O pedido de revisão das referidas liquidações vem fundamentado no entendimento, divulgado pela AT através do Ofício-Circulado n.º 20 162, de 11-05-2012, de que “Nas situações de revisão ou reavaliação da incapacidade, sempre que resulte desse procedimento a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente certificado, mantém-se inalterado esse outro, mais favorável ao sujeito passivo, desde que respeite à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade em questão”.

 

12.9. Por despacho de 21-12-2015, notificado à Requerente em 12-01-2016, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa com o fundamento de, no caso, não se mostrarem preenchidos os pressupostos da revisão prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, designadamente a circunstância de o erro na liquidação não ser imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

13. Não existem factos relevantes para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

14. No pedido de pronúncia arbitral o Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade dos atos de liquidação de IRS, relativos aos anos de 2011 e de 2012, excluindo, contudo, do âmbito do presente processo a liquidação relativa ao ano de 2013, abrangida pelo pedido de revisão objeto de indeferimento expresso, por considerar que a situação a que a mesmo respeita se encontra regularizada pela AT.

 

15. Dos factos dados como provados decorre que o Requerente, considerado portador de deficiência fiscalmente relevante para efeitos de beneficiar da dedução a que se refere o artigo 87.º do CIRS com referência aos anos de 2007 a 2010 deixou de o ser relativamente aos anos seguintes, em virtude de a incapacidade de que é portador ter sido reavaliada em 2010, sendo-lhe então atribuído um grau de deficiência inferior ao previsto no n.º 6 daquele preceito.

 

16. Consequentemente, e com referência aos rendimentos auferidos nos anos de 2011 e de 2012, a que respeitam as liquidações em apreciação no presente processo, o Requerente não declarou qualquer deficiência, processando-se as correspondentes liquidações de acordo com o declarado, não sendo, assim, consideradas as deduções a que têm direito as pessoas portadoras de deficiência fiscalmente relevante nos termos do artigo 87.º do CIRS.

 

17. Verificando, porém, que, caso beneficiasse das referidas deduções, os valores de IRS a reembolsar seriam de montante superior aquele que resultou das liquidações em causa, atingindo a diferença global de € 6 661,45 a seu favor, o Requerente, em 10 de Fevereiro de 2015, apresentou um pedido de revisão oficiosa, invocando n.º 4 do artigo 78.º da LGT e, quanto à tempestividade do pedido, a circunstância de apenas nesse ano ter tido conhecimento do teor do ofício-circulado n.º 20162, de 11-05-2012.

 

18. Fundamentando o pedido de revisão oficiosa, refere o Requerente que relativamente aos anos de 2011 e de 2012 deveria ser considerada, para efeitos de liquidação do IRS o grau de incapacidade de 80% que lhe havia sido atribuído em 2006, calculado nos termos do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23/10 e Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30/09 e não o de 51% resultante da reavaliação efetuada em 2010, ao abrigo daquele diploma, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12/10, calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10.

 

19. Alega, ainda, o Requerente que, relativamente aos anos de 2011 e de 2012 não mencionou nas suas declarações de rendimentos a deficiência de 80% que lhe havia sido atribuída em 2006 por desconhecer o teor do oficio-circulado n.º 20161, de 11-05-2012 de que só tomou conhecimento em finais de Janeiro de 2015.

 

20. O citado ofício-circulado divulga o entendimento da AT relativo às alterações introduzidas ao Decreto-Lei n.º 202/96 pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12/10, homologado por Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 187/2012-XIX, de 28/03.

 

21. Sobre as implicações do referido diploma no que concerne à aplicação do regime de deduções de IRS de que beneficiam as pessoas portadoras de deficiência, refere o n.º 3 do referido ofício-circulado que:

 

“3 - Nas situações de revisão ou reavaliação da incapacidade, sempre que resulte desse procedimento a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente certificado, mantém-se inalterado esse outro, mais favorável ao sujeito passivo, desde que respeite á mesma patologia clinica que determinou a atribuição da incapacidade em questão.

 

22. É, pois, com base neste entendimento que o Requerente solicitou a revisão oficiosa das liquidações de IRS relativas aos anos de 2011 e 2012, por forma a que fossem as mesmas efetuadas tendo em consideração o grau de incapacidade de 80% que lhe havia sido atribuído em 2006 e, consequentemente, tomadas em linha de conta as deduções previstas no artigo 87.º do respetivo Código.

 

23. Considerando que a norma do n.º 4 do artigo 78.º, em que se fundamenta o pedido de revisão apresentado, pressupõe, para além do reconhecimento da injustiça grave ou notória na tributação, que “o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”, foi aquele indeferido, após audição prévia, por despacho de 21-12-2015.

 

24. Como bem assinala o Requerente, a entidade competente decidiu pelo indeferimento do pedido com “o ÚNICO argumento de que tinha havido negligência do Requerente no não conhecimento do ofício-circulado atrás indicado”.

 

25. Segundo a referida decisão, a circunstância de o contribuinte ter apresentado o pedido de revisão oficiosa das liquidações em 10-02-2015, cerca de três anos após a divulgação do ofício-circulado que invoca como fundamento do pedido, constitui indício de negligência, que afasta a possibilidade da requerida revisão.

 

26. Com efeito, o n.º 4 do artigo 78.º da LGT, na redação conferida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, consagra um regime excecional de revisão sempre que na tributação de verifique injustiça grave ou notória, “desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

 

27. Na situação em análise, verifica-se que o entendimento veiculado através do ofício-circulado nº 20161, de 11-05-2012, cujo desconhecimento atempado é invocado pelo Requerente como fundamento do pedido de revisão das liquidações de IRS dos anos de 2011 e de 2012, é o que resulta das normas dos n.ºs 7 a 9 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23/10, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12/10, cuja redação é a seguinte:

 

“7 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado.

 

8 - Para os efeitos do número anterior, considera-se que o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a alteração do grau de incapacidade resultante de revisão ou reavaliação implique a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.

 

9 - No processo de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação.”

 

28. De acordo com a decisão impugnada, poderia, pois, o contribuinte, considerando a data de emissão do ofício-circulado que invoca, ter apresentado declaração de substituição da que havia entregue relativa aos rendimentos auferidos em 2011 e a relativa a 2012, fazendo menção ao grau de deficiência que lhe foi atribuído em 2006, caso entendesse estar abrangido pelas disposições acima transcritas.

 

29. Acompanhando-se a decisão em causa, conclui-se, pois, que a simples alegação de desconhecimento da orientação administrativa firmada com referência às referidas normas legais - cuja ignorância não poderia ser alegada, conforme, de resto, o Requerente não deixa de reconhecer - não constitui prova de ausência da sua responsabilidade no que concerne às liquidações impugnadas.

 

30. Conforme decorre do artigo 78.º, n.º 4, da LGT, o regime excecional de revisão a que o mesmo se refere tem como pressupostos, para além da injustiça grave ou notória da tributação, que a mesma se tenha na sua origem erro que não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, o que, face aos factos que se dão como provados, se não verifica no presente caso.

 

IV. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedentes os pedidos formulados pelo Requerente, decidindo-se manter na ordem jurídica as liquidações de 2011 e de 2012, por não enfermarem de qualquer ilegalidade.

 

Valor do processo: € 6 661,45.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 612,00, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 25 de novembro de 2016,

 

 

O árbitro, Álvaro Caneira.