Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 151/2016-T
Data da decisão: 2016-11-30  IVA  
Valor do pedido: € 154.114,10
Tema: IVA – Factura.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Clotilde Celorico Palma e Emanuel Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 14 de Março de 2016, A… S.A., pessoa colectiva de direito suíço, com sede na Rue…, …, …, Suíça, matriculada no Registo Comercial do …, sob o n.º CH-…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA n.º 2015…, no valor de € 138.660,15 e de Juros compensatórios n.º 2015…, no valor de € 15.453,95, praticados por referência ao quarto trimestre de 2011 de (à data) A… S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, contribuinte n.º … .

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
  2. o documento que “serviu de base” às liquidações em crise era única e exclusivamente um draft, um documento interno da Requerente, entregue por mero lapso em sede de inspecção tributária;
  3. as normas de determinação da localização dos serviços, decorrentes da Directiva IVA e respectivo Regulamento de Execução são normas que não estão sujeitas a derrogações, decorrentes (i) quer da vontade ou incapacidade dos sujeitos passivos na emissão das facturas ou na elaboração dos seus elementos contabilísticos quer, de igual modo, (ii) quer da vontade da Administração Tributária na escolha dos normativos internos aplicáveis;
  4. a Administração Tributária não logrou provar que a operação em causa estivesse sujeita a IVA Português;
  5. do acervo normativo aplicável, atendendo aos elementos de conexão relevantes, e aos factos conhecidos tanto à Requerente como à Administração Tributária, resulta clara a tributação das operações em causa no presente Pedido de Pronúncia Arbitral no Reino Unido, autoliquidado pelo adquirente;
  6. no caso se verificou e isso mesmo se provou, foi uma prestação de serviços entre dois sujeitos passivos de IVA, em que o adquirente é para estes efeitos estabelecido no Reino Unido, aí sendo o IVA devido, e autoliquidado pelo adquirente;
  7. nada mais existe que um erro da Requerente na sua relação com a Inspecção Tributária – materializado pelo envio de um documento que não foi o solicitado por aquela entidade –, e o erro da Administração Tributária na liquidação de IVA nacional a uma operação a ele não sujeita, porque fora da competência tributária do Estado Português.

 

  1. No dia 15-03-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 10-05-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 25-05-2015.

 

  1. No dia 29-06-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Atendendo a que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A ora Requerente é uma sociedade de direito suíço, com sede e direcção efectiva nesse país, que tem como objecto social a prestação de serviços – nomeadamente através da internet – no sector turístico e imobiliário, em particular o arrendamento a curto prazo e a manutenção de imóveis, assim como os respectivos produtos e serviços, na Suíça bem como no estrangeiro.

2-      A ora Requerente exerceu a sua actividade em Portugal, durante os anos de 2011 a 2013, através de uma representação permanente (sucursal), a A… S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, tendo como representante o Sr. B…, contribuinte n.º…, com domicílio fiscal no Reino Unido.

3-      Esta Sucursal exercia em Portugal uma actividade de help-desk, através da qual a Requerente prestava, a várias entidades do Grupo, serviços de apoio aos respectivos clientes, através do emprego em Portugal de equipas multilingues para prestação de esclarecimentos e auxílio daqueles, através de callcenter e email.

4-      O esquema remuneratório da Sucursal portuguesa assentava num sistema de compensação integral pelos custos suportados por esta, acrescido de uma comissão remuneratória, sendo os serviços facturados a cada uma das entidades do Grupo a quem os clientes pertencessem.

5-      A sucursal da Requerente encontrava-se enquadrada no regime geral de IVA de periodicidade trimestral.

6-      A 14 de Janeiro de 2013, a ora Requerente encerrou a referida sucursal.

7-      Em cumprimento das Ordens de Serviço n ºOI2013… e nº OI2014…, foi realizada acção inspectiva à sociedade “A…, S.A. Sucursal em Portugal”, de âmbito parcial – IVA - e incidente sobre os exercícios de 2011 e 2013.

8-      O respectivo procedimento de inspecção foi realizado na sequência da análise interna do pedido de reembolso de IVA efectuado pela Requerente, relativo ao período 13.03T, no valor de € 37.002,80.

9-      Resultaram da acção inspectiva correcções em sede de IVA, no período 11.12T.

10-   A correcção efectuada originou imposto em falta, no valor total de € 148.636,12 (646.244,00 x 23%), quanto ao período 11.12T.

11-  Esta correcção resultou da análise interna do pedido de reembolso de IVA, referente ao período 13.03T, no valor de € 37.002,80, tendo sido solicitado ao Requerente pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) a factura de valor mais elevado emitida no ano de 2011.

12-  Em resposta, a Requerente remeteu o seguinte documento:

13-   Concluindo os SIT que o referido documento titulava uma operação sujeita a IVA em território nacional, nos termos da alínea b) do n.º 6 do art. 6.º do Código do IVA (CIVA), tendo em consideração que da mencionada factura não constavam todos os elementos exigidos no n.º 5 do art. 36.º do CIVA. 

14-  Do RIT, para além do mais, consta o seguinte:

“Da análise aos documentos enviados pelo sujeito passivo, verificou-se que o mesmo procedeu à emissão da factura n.º…, de 31/12/2011, no valor de € 646.244,00 (sem IVA), com a indicação de “This supply is subject to the reversecharge,”, respeitante a “2011 Service Fee per Agreement Cost + 6%”, emitida à A… S.A., (London), sem indicação do NIF do cliente, conforme fotocópia da referida factura. Esta operação encontra-se sujeita a IVA em território nacional, nos termos da alínea b) do nº 6 do artº 6 do CIVA, dado o adquirente do serviço não estar identificado como sujeito passivo de imposto (sem NIF do cliente) na mencionada factura, não contendo esta todos os elementos referidos no nº 5 do Artº 35 do CIVA.”

15-  Das correcções efectuadas decorreu a liquidação adicional de IVA relativa ao período de 2011-12-T, com o n.º 2015…, bem como a dos correspondentes juros compensatórios (com o n.º 2015…), num valor total de € 154.114,10.

16-  Em 27-07-2015, a ora Requerente reclamou das respectivas liquidações, nos termos previstos nos artigos 97º do CIVA e dos artigos 68 e ss. do CPPT.

17-  A reclamação graciosa, com o n.º …2015…, foi indeferida por despacho de 7-12-2015, da Chefe de Divisão da Justiça Administrativa em substituição (que entendeu manter nos seus precisos termos as liquidações reclamadas).

18-  Notificada desse despacho veio a Requerente intentar a presente impugnação arbitral.

19-  O documento constante do ponto 12, não foi emitido através de software certificado, e a Requerente não procedeu à comunicação, por via electrónica, de qualquer ficheiro SAFT a ele relativo, ou do próprio documento.

20-  Pela Requerente foram ainda emitidos os seguintes documentos:

a.       Factura n.º…, de 31 de Julho de 2012 – que não apresentava a sede da sociedade no reino Unido à qual a sucursal da Requerente havia prestado o serviço em 2011, mas apenas o país e cidade;

b.      Nota de crédito n.º 1, de 31 de Julho de 2012 – que anulou a referida Factura n.º 1, de 31 de Julho de 2012;

c.       Factura n.º…, de 31 de Julho de 2012 – que apresentava a morada do cliente incompleta;

d.      Nota de crédito n.º…, de 31 de Julho de 2012 – que anulou a referida Factura n.º…, de 31 de Julho de 2012;

e.       Factura n.º…, de 31 de Julho de 2012 –com todos os elementos correctos.

21-  A Requerente inscreveu o montante de € 646.244,00, na conta 2721.1 – acréscimo de proveitos - e, correspondentemente na conta 7213.1 – rendimentos de prestações de serviços próprios dos objectivos ou finalidades principais da entidade.

22-  A Requerente não registou qualquer proveito correspondente ao referido montante na Conta 21 – Clientes.

23-  No Diário 90, a Requerente efectuou o lançamento …, correspondente àquele acréscimo de proveitos.

24-  Nos lançamentos contabilísticos efectuados em 2012, em consequência da emissão da factura n.º…, de 31 de Julho de 2012, a Requerente anulou o referido acréscimo de proveitos nas contas 2721.1 e 21112.1, e no Diário 70, onde se efectuou o referido lançamento … .

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Como bem enuncia a Requerente, a primeira questão que se apresenta a decidir nos autos é se o documento a que se reporta o ponto 12 dos factos dados como provados constitui, ou não uma factura.

            Com efeito, conforme resulta da matéria de facto supra, a correcção operada pela AT, na liquidação objecto da presente acção arbitral, funda-se no seguinte:

“Da análise aos documentos enviados pelo sujeito passivo, verificou-se que o mesmo procedeu à emissão da factura n.º…, de 31/12/2011, no valor de € 646.244,00 (sem IVA), com a indicação de “This supply is subject to the reversecharge,”, respeitante a “2011 Service Fee per Agreement Cost + 6%”, emitida à A… S.A., (London), sem indicação do NIF do cliente, conforme fotocópia da referida factura. Esta operação encontra-se sujeita a IVA em território nacional, nos termos da alínea b) do nº 6 do artº 6 do CIVA, dado o adquirente do serviço não estar identificado como sujeito passivo de imposto (sem NIF do cliente) na mencionada factura, não contendo esta todos os elementos referidos no nº 5 do Artº 35 do CIVA.”

            Assim, será aqui que cumprirá buscar os fundamentos de facto e de direito do acto tributário em crise, tendo-se vindo a firmar jurisprudência no sentido de que:

“No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso.”[1].

            Conforme decorre da fundamentação supra, a AT assentou a sua exigência de imposto na alínea b) do nº 6 do art.º 6 do CIVA, que dispõe que:

“6 - São tributáveis as prestações de serviços efetuadas a: (...)

b) Uma pessoa que não seja sujeito passivo, quando o prestador tenha no território nacional a sede da sua atividade, um estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, a partir do qual os serviços são prestados.”.

            Tendo em conta o disposto no artigo 74.º/1 da LGT, que “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) [2].

            Deste modo, para que seja legal a pretensão tributadora da AT, será necessário que se considere demonstrada uma prestação de serviço efectuada pela Requerente, a “Uma pessoa que não seja sujeito passivo”, no valor de € 646.244,00, sendo pacífico que a Requerente tinha “no território nacional ... um estabelecimento estável”.

            Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a correcção operada pela AT, e em causa no presente processo arbitral, incorreu em erro sobre os respectivos pressuposto de facto.

            Com efeito, o único elemento de prova que a AT recolheu e no qual pretende fundar a exigência tributária formulada na liquidação objecto da presente acção arbitral, é o documento constante do ponto 12 da matéria de facto dada como provada.

Todavia, tal documento tem de se reputar insuficiente para dar devido suprimento ao ónus probatório que, in casu, assistia à AT.

Efectivamente, o documento em causa – apesar de apresentado, inicialmente, pela própria requerente à AT como tal – não pode ser considerado uma factura, ao contrário do que a AT assume.

É que, e desde logo, como a própria AT reconhece, ao mesmo faltam demasiados elementos próprios de tal tipo de documento, para que se possa, com a mínima segurança, afirmar que se trata de uma factura.

Por outro lado, compulsada a matéria de facto provada, verifica-se que o proveito mencionado no documento em questão foi contabilizado como tal, debitando-se a conta 2721.1 – Acréscimo de proveitos (em que o cliente não aparece identificado), em contrapartida de um crédito na conta 7213.1 – Rendimentos de prestações de serviços -, conforme se prova através dos documentos anexos ao processo, que integram o Processo Administrativo a págs. 111, 113, 117 e 184.

Apenas quando a Requerente, em 2012, emitiu a factura definitiva (factura n.º…, de 31 de Julho de 2012), acabou por traduzir confirmação dos proveitos contabilizados na conta 7213.1, sendo que em tal factura o cliente está devidamente identificado, e que o respectivo valor  não foi contabilizado como proveito uma vez que a prestação de serviços é respeitante a 2011, e assim foi devidamente tratada nesse exercício de 2011, como referido.

O mesmo é comprovado pela contabilização efectuada em 2012: um débito na conta 21, permitindo a identificação completa do verdadeiro cliente (a empresa do Grupo com sede no Reino Unido), em contrapartida de um crédito na conta 2721.1, permitindo a regularização desta conta (fica saldada), conforme está patente através dos documentos anexos ao processo, que integram o Processo Administrativo a págs. 185 e 186.

Deste modo, conclui-se que com o documento emitido em 2011 (Invoice 0001) a Requerente pretendeu retratar a prestação de serviços realizada nesse ano e que teve de ser imputada ao exercício a que diz respeito – 2011 e que tal documento emitido em 2011 apenas serviu de suporte à contabilização como proveito do valor das prestações de serviços efectuadas em 2011, como retratam os elementos da contabilidade da Requerente.

Não se encontra, assim, provado, face à matéria de facto apurada, como era necessário para que se pudesse confirmar a legalidade da liquidação efectuada, que tenha sido prestado pela Requerente, em 2011, qualquer outro serviço pela Requerente, que não o titulado pela sua factura n.º 3, de 31 de Julho de 2012, nem, muito menos, qualquer serviço a “Uma pessoa que não seja sujeito passivo”.

            Não obsta a tal conclusão, a objecção formulada pela AT, em sede arbitral, segundo a qual, referindo-se ao documento que consta do ponto 12 da matéria de facto, “a ora Requerente não logrou provar que o aludido documento não entrou na contabilidade, nem que não foi alvo de utilização pelo titular do mesmo.”.

            Com efeito, e sem necessidade de maiores considerações, o documento em questão é, objectiva e notoriamente, insusceptível de utilização fiscal, tendo desde logo em conta as manifestas carências que a própria AT lhe aponta, e, em especial, dada a ausência de menção do número de identificação fiscal do designado pela AT, “titular do mesmo”.

            Carece igualmente de fundamento a objecção, igualmente levantada pela AT em sede arbitral, relativamente à factura n.º…, de 31 de Julho de 2012, segundo a qual, “não consta qualquer elemento que revele e permita identificar que a mesma se refere ou alude à mesma prestação de serviços do denominado documento interno, i.e, prestações de serviços efectuadas no ano de 2011, ainda mais tratando-se de um acordo de prestação de serviços intragrupo, outrossim mantém a mesma referência vaga e imprecisa do anterior documento “service fee per agreement”.

            Com efeito, e na senda do recente Acórdão do TJUE de 15 de Setembro de 2016, Processo C 516/14 (Caso Barlis)[3], citado pela própria Requerida, é manifesto que, no caso, pela documentação e esclarecimentos prestados pela Requerente, e até pelas especificidades próprias da actividade da Sucursal daquela, descritas nos pontos 3 e 4 dos factos dados como provados, a AT dispõe dos elementos necessários para, a partir das menções constantes da referida factura n.º…, de 31 de Julho de 2012, chegar à materialidade da prestação de serviços em questão.

            Como se referiu naquele Acórdão:

quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo”.

            Note-se, aliás, que nas conclusões da Advogada Geral de tal processo, citadas abundantemente pela AT, consta também que:

Antes de mais, não é possível descrever uma prestação numa fatura de uma forma tão detalhada que a sua natureza privada ou económica resulte logo da própria descrição da prestação. Tratando se, por exemplo, de um lápis, mesmo a descrição mais detalhada do fabricante, tipo, características e do estado do lápis não responde à questão de saber se ele é efetivamente utilizado a título privado ou no contexto de uma actividade económica. Nesta medida, o direito à dedução não pode ser controlado com base numa fatura, dado que, em princípio, qualquer objeto de uma prestação pode ser utilizado quer para fins privados quer para fins económicos. Isto é válido mesmo para prestações de serviços que parecem ter carácter manifestamente privado, como, por exemplo, no caso de uma ida ao cinema que, em certos casos, podem destinar-se ao exercício de determinadas atividades económicas.”.

            E, mais adiante, que:

Precisamente porque o exercício do direito à dedução, nos termos do artigo 178. °, alínea a), da diretiva IVA, depende, em princípio, da posse de uma fatura que preencha as condições do artigo 226. ° da mesma diretiva, as exigências relativas ao conteúdo de uma fatura não devem ser exageradas e devem respeitar o princípio da segurança jurídica. Com efeito, em especial quando as normas do direito da União têm consequências financeiras – como neste caso o reconhecimento ou a negação do direito à dedução –, a jurisprudência exige que a sua aplicação seja previsível para os interessados (25). 57. Assim, do ponto de vista do controlo do direito à dedução do destinatário da factura, não se afigura que existam mais requisitos quanto às menções na fatura sobre a natureza de uma prestação de serviços.”.

            Assim, e face ao exposto, padecendo os actos tributários impugnados de erro nos seus pressupostos de facto, devem os mesmos ser anulados.         

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular os actos de liquidação de IVA n.º 2015…, no valor de € 138.660,15 e de Juros compensatórios n.º 2015…, no valor de € 15.453,95;

b)      Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €3.672,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €154.114,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 30 de Novembro de 2016

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Emanuel Vidal Lima)

 



[1] Cfr. a título de exemplo, Ac. do STA de 26-02-2104, proferido no processo 0951/11, disponível em www. dgsi.pt.

[2] Cfr. Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt.