Acordam os Árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Árbitro Presidente), António Alberto Franco e Paulo Nogueira da Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A…, Lda., NIPC…, com sede na Rua …, n.º…, …-… Lisboa (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 07-03-2016, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o art. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) do ano de 2016, com os n.º…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, com o consequente reembolso do imposto indevidamente pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.
3. Em 08-03-2016 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 04-05-2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 23-05-2016-.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) No exercício da sua actividade comercial adquiriu, no âmbito de processos de insolvência de diversos sujeitos passivos, vários imóveis, não tendo liquidado imposto relativamente àquelas operações, por lhe ter sido reconhecido automaticamente a isenção de IMT prevista no artigo 270º do CIRE.
b) Veio, entretanto, a ser notificada do entendimento da AT quanto à alegada incorrecta aplicação da referida isenção em IMT, no âmbito daquelas operações, considerando que a Requerente terá beneficiado “indevidamente” da isenção em referência, porquanto, nas aquisições dos imóveis em apreço, não estariam verificados os pressupostos necessários para a aplicação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
c) Neste sentido, alegou a AT que a isenção de IMT não poderia ter sido aplicada face à inobservância da transmissão de uma “universalidade dos imóveis da empresa insolvente” e, por conseguinte, cominou a Requerente à liquidação de IMT relativamente às operações de aquisição dos bens imóveis em análise.
d) Defende a Requerente que, nos termos do artigo 270º, n.º 1 do CIRE, o legislador determinou a aplicação da isenção de IMT a operações de transmissão de imóveis efectuadas no âmbito de qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, desde que:
i. se destinem à constituição de nova sociedade, ou sociedades, e à realização do seu capital;
ii. se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora; ou
iii. decorram de actos de dação em cumprimento de bens da empresa, bem como da cessão dos bens aos credores.
e) Pese embora o legislador tenha sido claro quanto ao alcance pretendido na norma supra citada, o aditamento aposto no seu n.º 2 passou a incluir no âmbito da norma de isenção outras realidades de facto, passando a dispor que “Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.
f) Da análise à redacção da disposição normativa transcrita, conclui-se que, paralelamente às situações vertidas no n.º 1, estão também isentas de IMT as aquisições onerosas de bens imóveis que se consubstanciem em qualquer um dos seguintes actos:
1. Venda;
2. Permuta;
3. Cessão
da empresa ou de estabelecimentos desta, desde que o acto em apreço:
a. se encontre integrado num plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação; ou
b. seja praticado no âmbito da liquidação da massa insolvente.
g) Deste modo, a isenção de IMT sub judice é concedida, por um lado, no âmbito de operações de aquisição integral ou parcial da empresa objecto do processo de insolvência, e, por outro, a meros actos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do activo da mesma.
h) Tal interpretação parece ser a única consentânea com as palavras consignadas pelo legislador no Preâmbulo que antecede o CIRE, bem como com a moldura legal prevista pelo seu antecessor CPEREF, relativamente à presente matéria jurídico-tributária.
i) Resulta evidente que as operações de bens imóveis em análise no presente Pedido, realizadas pela Requerente, se encontram abrangidas pelo âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que, como tal, beneficiaram as mesmas legitimamente da isenção de IMT ali consagrada, não podendo proceder o entendimento da AT e as consequentes liquidações de imposto sub judice.
j) No que respeita a jurisprudência nacional, o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) já se pronunciou sobre a matéria em análise, perfilhando um entendimento convergente com o aqui propugnado pela Requerente e, como tal, contrário ao entendimento da AT que esteve na génese das liquidações de IMT sub judice, designadamente, nos processos n.º 01085/13, de 17 de Dezembro, 0949/11, de 30 de Maio, 0765/13, de 3 de Julho, 0866/13, de 25 de Setembro e 01067/15, de 18 de Novembro.
k) No mesmo sentido, invoca as decisões arbitrais n.º 764/2014-T, 95/2015-T e 123/2015-T.
l) Conclui, por isso, a Requerente pela ilegalidade das liquidações objecto do pedido arbitral.
5. A autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:
a) A alegação da Requerente de que, tendo a aquisição dos prédios sido efetuada no âmbito da liquidação de determinada massa insolvente, está a mesma abrangida pela isenção de IMT prevista no n.º 2 do 270º do CIRE, não tem qualquer suporte legal.
b) A isenção prevista no n.º 2 do art. 270º do CIRE, que já estava anteriormente prevista, abrange todos os actos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva, no entanto, de, caso o objecto da transmissão isenta ser a empresa ou o estabelecimento e não, um ou dois bens do seu activo.
c) A redacção anterior do n.º 2 do artigo 270 º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) previa assim:
«2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.»
d) Do confronto, pode-se perfeitamente aceitar que, na interpretação do espírito do legislador, apesar da autorização legislativa ter sido mais permissiva, o legislador quanto à situação em causa apenas pretendeu manter a isenção no caso da transmissão da universalidade de bens associados ao exercício da actividade económica da empresa.
e) Se o legislador tivesse pretendido alterar o sentido da lei assim o poderia ter expressamente concretizado no art.º 234º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12 que alterou a referida norma; se não o fez, tal significa que o legislador não pretendeu atribuir mais isenções do que a que foi incluída na actual redacção.
f) Da análise das duas redacções do n.º 2 do referido artigo, verifica-se que o legislador apenas acrescentou a isenção referente às transmissões da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de recuperação de empresas.
g) A maioria dos benefícios fiscais do CPEREF foi, na verdade, mantida pelo CIRE, mas, nessa medida, não pode inferir-se que a utilização, no Preâmbulo do diploma, da expressão “essencialmente”, ainda que se entendesse, o que não se concede, que tem força normativa directa, sobrepondo-se ao teor literal dos diferentes artigos do código, como se tivesse carácter dispositivo, a ideia de que o CIRE teria pretendido manter a totalidade dos benefícios fiscais do CPEREF.
h) O que o legislador quis dizer, foi que a maioria dos benefícios fiscais consagrados no CPEREF, ou se se quiser, o seu núcleo fundamental, foi mantida pelo CIRE e não que todos os benefícios fiscais do CPEREF foram mantidos pelo CIRE.
i) Aliás, o legislador do CIRE estaria vinculado a utilizar a totalidade da autorização legislativa concedida pelo art. 9º da Lei nº 39/2003 e seria incompatível com o teor dessa autorização legislativa o Governo utilizar uma parte dessa autorização legislativa, na medida em que o Governo apenas poderia utilizar em bloco a autorização legislativa concedida e não apenas uma parcela.
j) A adquirente e ora Requerente “A… S.A.” desenvolve a sua atividade com o CAE … - Compra e venda de bens imobiliários, enquanto que a B…, S.A. tem o CAE … e desenvolve a atividade de Construção de edifícios (residenciais e não residenciais), pelo que é evidente que a aquisição não teve como finalidade prosseguir a mesma actividade, nem a aquisição envolveu a compra da universalidade de todos os bens afetos à actividade da empresa insolvente, ou seja a venda de imóveis.
k) A venda de imóveis da empresa, isoladamente, não está abrangida pela isenção disposta no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, estando por consequência, sujeita a IMT nos termos gerais.
l) Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação de IMT contestados pela Requerente que deverão, assim, ser mantidos.
6. Por despacho de 27-06-2016, foi dispensada a reunião do art. 18.º do RJAT e fixado o dia 23 de Novembro como data limite para a prolação da decisão arbitral.
7. Foi a Requerida notificada, por despacho de 26-10-2016, para juntar aos autos o processo administrativo, o que esta cumpriu.
8. As Partes não produziram alegações.
II. Saneamento
8. 1. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. A cumulação de pedidos é legal.
8.5. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. Decisão
III.1. Matéria de facto
9.1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Atendendo às posições assumidas pelas Partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) No exercício da sua actividade, a Requerente adquiriu, no âmbito de processos de insolvência de diversos sujeitos passivos, agindo na qualidade de credor dos mesmos, os bens imóveis a que se reportam as liquidações objecto do pedido arbitral;
b) A Requerente beneficiou, aquando da concretização daquelas aquisições, da isenção de IMT, não tendo, então, liquidado tal imposto;
c) A AT procedeu à liquidação oficiosa de IMT relativamente àquelas operações, invocando, em suma, a inobservância do requisito da “transmissão da universalidade dos imóveis da empresa insolvente”;
d) A Requerente procedeu ao pagamento dos impostos liquidados;
e) O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 07-03-2016.
9.2. Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada, bem como no procedimento administrativo junto pela Requerida.
9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos actos de liquidação oficiosa de IMT identificados supra. Em conexão com a questão principal suscitam-se ainda as questões que se prendem com saber se a Requerente tem direito a ser reembolsada do montante do imposto pago relativamente às liquidações impugnadas, e se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, calculados sobre esse montante, à taxa legal, até à decisão final da presente acção arbitral.
A questão aqui em causa consiste em determinar se se verificou um vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito de que depende a liquidação, pela não aplicação do disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE à aquisição dos imóveis descritos supra.
Ora, o artigo 270.º do CIRE prevê o seguinte:
1. Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;
b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;
c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.
2. Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
A redacção supra transcrita é a que se encontra actualmente em vigor, tendo sido introduzida pelo artigo 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013).
A questão aqui subjacente advém, portanto, de uma dúvida interpretativa relacionada com o texto do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE. Em concreto, a questão subjacente é a de saber se a referência a “atos de venda” deverá ser entendida como referindo-se a qualquer “ato de venda”, desde que inserido no âmbito de um plano de insolvência, de recuperação ou da liquidação da massa insolvente, ou se, pelo contrário, se deverá reportar apenas à “venda da empresa” ou à “venda dos estabelecimentos” nela integrados.
Esta questão tem vindo a ser objecto de diversas decisões judiciais, tendo o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciado sobre a mesma por diversas vezes, nomeadamente no Acórdão de 30/05/2012, processo n.º 0949/11, no Acórdão de 17/12/2014, processo n.º 01085/13 e no Acórdão de 18/11/2015, processo n.º 01067/15, onde se decidiu que «estão isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».
E mais decidiu o STA, no identificado processo:
«Os bens que integram a massa insolvente são os bens do património da empresa declarada insolvente e nenhuns outros pertencentes a outra pessoa singular ou colectiva. Por definição, os bens que são vendidos em processo de insolvência são bens do insolvente ou que, pelo menos, que foram tidos como tal. Não há qualquer venda de bens diversos dos que integravam o património do insolvente.
O legislador para garantir que assim é prevê mesmo um procedimento de reclamação para a restituição e separação de bens destinado a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos, ou aqueles de que o insolvente não seja pleno e exclusivo proprietário, ou sejam estranhos à massa ou insusceptíveis de apreensão para a massa – artº 141º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Além disso no capítulo da liquidação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas encontram-se indicações claras e precisas dos bens que podem ser vendidos nessa liquidação e daqueles que deverão ser temporária ou definitivamente excluídos da venda, só se liquidando no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre bens de que é contitular – artº 159º -, não se procedendo à venda dos bens de titularidade controversa até ao transito em julgado da sentença que defina a titularidade do direito de propriedade relativamente a esses bens – artº 160º.
O processo de insolvência é – artº 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – um processo de execução universal cujo fim é a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência destinado a promover a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não for possível, a liquidar o património do devedor insolvente com a subsequente repartição do produto obtido pelos credores. A massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo e ainda aqueles cuja impenhorabilidade não seja absoluta e sejam voluntariamente apresentados pelo devedor – artº 46º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - pelo que se não consegue conceber que haja bens que integrando a massa insolvente de uma empresa declarada insolvente possam ser integrados numa categoria de bens sem qualquer relação com essa empresa ou estabelecimento.»
Com efeito, o elemento literal do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE determina que a isenção de IMT é aplicável quer à venda, quer à permuta, quer à cessão, sendo que apenas quanto a esta última se exige a transmissão de empresa ou universalidade.
De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, “mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, bem como à indiciação de infracção penal” (§49).
Nos termos do diploma que aprovou o CPEREF (DL nº 123/93, de 23 de Abril), «além de um tratamento bastante favorecido dos dois processos abrangidos pelo diploma no domínio das custas judiciais, adopta-se ainda neste decreto-lei um conjunto de incentivos de natureza fiscal, através dos quais se procura especialmente evitar penalizações indevidas ou graves inconvenientes para as operações jurídicas, económicas ou financeiras em que pode desdobrar-se o processo de recuperação».
Ainda segundo este diploma, «[a]fastaram-se com essa intenção alguns encargos de carácter fiscal ou parafiscal relacionados com os negócios jurídicos susceptíveis de constituírem o meio de recuperação aprovado pelos credores, tendo nomeadamente em vista o imposto do selo, a contribuição autárquica, o imposto municipal de sisa e os próprios emolumentos devidos pelos actos».
Assim sendo, revela-se contrário ao fim pretendido pelo legislador – manutenção no essencial dos regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais – o entendimento de que estariam excluídas de isenção do IMT as vendas de elementos do activo da empresa, ainda que integradas no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou praticadas no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Nas palavras do Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 30/5/2012 (Processo n.º 0949/11):
«Esta interpretação [seguida pela Autoridade Tributária in casu] choca, contudo - como bem observado na sentença recorrida -, com aquilo que o legislador consignou no n.º 49 do preâmbulo do CIRE no que respeita aos benefícios fiscais, onde se afirma que: “mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais” sendo certo que a alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF isentava de imposto municipal de sisa as transmissões de bens imóveis».
Subscreve-se ainda o entendimento expresso pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 17/12/2014 (Processo n.º 01085/14), segundo o qual:
«Tendo em conta o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, - fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando «um bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente – compre estes bens que compra mais barato porque não tem de pagar o IMT que seria devido na aquisição de um imóvel similar fora do processo de insolvência – e que serão vendidos em fase de liquidação, o ambíguo texto do n.º 2 do artº 270º pode ser objecto de uma leitura mais clara e inequívoca sem recurso a qualquer interpretação extensiva. Basta que nos interroguemos se para alcançar o fim antes definido faz qualquer diferença que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, que se esteja a vender bens que integravam o seu património mas não eram utilizados no seu giro comercial – por exemplo um imóvel recebido em pagamento de uma dívida de que a empresa insolvente era credora – para que se esteja perante uma venda que é praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente? E, se nas mesmas situações se tratar não de vendas mas de permutas ou cessões – sendo que esta palavra há-de ter sido utilizada em sentido impróprio na medida em que associada ao mundo empresarial se costuma reportar a cessão de exploração, cessão do estabelecimento comercial, próximos da locação e não da alienação, e no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas se mostra utilizada também quanto à aquisição de bens pelos credores? Cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa».
Uma interpretação do disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE em conformidade com a Constituição da República Portuguesa, aponta no mesmo sentido.
Com efeito, tal como é afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30/5/2012 (Processo n.º 0949/11):
«O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, deve ser interpretado em conformidade com a alínea c) do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, pois que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à constituição) [assim] deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».
No mesmo sentido pronunciou-se, ainda, o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 3/7/2013 (Processo n.º 0765/13) no qual foi decidido que:
«O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, poderá, quando muito, interpretar-se como abrangendo não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidade de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».
O entendimento deste tribunal é, assim, totalmente consonante com jurisprudência recorrente do Supremo Tribunal Administrativo, sendo também aquele que vem sendo sufragado pela mais recente jurisprudência arbitral tributária, designadamente a decorrente dos processos n.ºs 95/2015-T, 99/2015-T e 123/2015-T.
Assim, reitera-se aqui o entendimento segundo o qual não estão sujeitos a IMT os actos de venda de imóveis realizados no âmbito de planos de insolvência ou de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, ainda que se tratem de “meros” elementos do activo da empresa e não de bens imóveis integrados no todo da empresa ou na transmissão global e completa de um dos seus estabelecimentos.
Pelo exposto, conclui-se, pois, que os actos tributários de liquidação oficiosa de IMT contestados no presente processo são ilegais, por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT e artigo 2.º, alínea c) da LGT.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral.
A Requerente pede ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:
[…]
b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido
[…]».
No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Assim, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, há lugar a reembolso do imposto pago na sequência dos atos de liquidação ilegais que são objeto do presente processo.
Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso sub judice, as liquidações enfermam de erro sobre os pressupostos de direito imputável à Requerida – errada interpretação e aplicação do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.
Nestes termos, o Tribunal julga procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto, até integral reembolso.
V. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Declarar a ilegalidade dos actos tributários de liquidação oficiosa de IMT que são objecto do presente processo;
c) Anular as liquidações oficiosas de IMT contestadas;
d) Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto, até integral reembolso, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €460.091,97, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €7.344,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 07 de Novembro de 2016.
O Árbitro Presidente
(Fernanda Maçãs)
O Árbitro Vogal
(António Alberto Franco)
O Árbitro Vogal
(Paulo Nogueira da Costa)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária