DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1.A…, na qualidade de cabeça de cabeça de casal da herança aberta por óbito de B…, contribuinte n.º … (doravante designada por Requerente), apresentou em 19/05/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita, a anulação de actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2015, no valor global de € 10 118,30 por erro nos pressupostos de facto e de direito.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 08/07/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 09/08/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 16/08/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o Processo Administrativo (PA) aos autos.
1.5.Em 28/09/2016 a Requerida apresentou a sua resposta na qual invoca a incompetência do tribunal e a inimpugnabilidade dos actos e, subsidiariamente, sustenta que as liquidações em crise devem ser mantidas na ordem jurídica, visto que aplicam correctamente a verba 28. 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).
1.6.O tribunal determinou em 28/09/2016, perante a matéria de excepção alegada pela Requerida, que a Requerente, querendo, se pronunciasse quanto à mesma.
1.7.A Requerente em 11/10/2016 apresentou articulado no qual defende que a matéria de excepção invocada é manifestamente improcedente, na medida em que foram impugnados os actos de liquidação.
1.8.O tribunal em 11/10/2016, considerando que a matéria de excepção invocada pode ser conhecida na decisão arbitral, decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo de 10 dias para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e agendou como data limite para proferir a decisão arbitral o dia 16/11/2016.
1.9.As partes não apresentaram alegações finais escritas.
2. POSIÇÃO DAS PARTES
A Requerente entende que as liquidações de Imposto do Selo com fonte na verba 28.1 da TGIS respeitantes aos andares: 1.º D, 1.º E, 1.º F, 2.º D, 2.º E, 2.º F, 3.º D, 3.º E, 3.º F, 4.º D, 4.º E, 4.º F, 5.º D.º, 5.º E, 5.º F, 6.º D, 6.º E, 6.º F, 7.º D.º, 7.º E e 7.º F do prédio inscrito sob o n.º … (proveniente do art. …) da freguesia de … e respeitantes ao ano de 2015 são ilegais.
Mais concretamente, defende que as liquidações em crise corporizam uma errada interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) da verba 28.1 da TGIS, visto que têm por base o entendimento de que o valor patrimonial tributário (VPT) relevante para a imposição tributária será o que resulta da soma do VPT das divisões susceptíveis de utilização independente e afectas a habitação.
Na verdade, conclui que o prédio objecto de incidência da verba 28.1 da TGIS é, in casu, cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente e o VPT a atender é o de cada uma dessas divisões, não se verificando, no caso concreto, a existência de qualquer uma com valor superior € 1 000 000 e destinadas a habitação.
Adita ainda à sua argumentação que também se alcança a conclusão supra referida quando se recorre à ratio legis que esteve na génese da previsão legislativa da verba 28.1 da TGIS. Ou, dito de outro modo, criar uma tributação especial sobre as propriedades de elevado valor, incidindo «…sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros».
Finalmente, refere também a Requerente que a interpretação que conclui que a incidência da verba 28.1 da TGIS, no caso da propriedade vertical, é determinada pelo somatório dos valores patrimoniais tributários dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente colide com a Constituição da República Portuguesa (CRP), mais concretamente, com o princípio da igualdade e da proporcionalidade em matéria fiscal, na medida em que legitimaria a AT a tratar situações iguais de forma diferente.
Por seu turno, a Requerida começa por se defender por excepção, invocando que a Requerente não impugna actos tributários, mas as notas de cobrança para o pagamento do imposto, matéria, que no seu juízo não consta no art. 2.º do RJAT. Circunstância que determinaria a incompetência do tribunal arbitral.
De igual modo, advoga que a Requerente não impugna actos de liquidação de um imposto, mas as primeiras prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto e, como tal, conclui pela inimpugnabilidade dos actos.
Por outro lado, a Requerida também se defende por impugnação quando sustenta que o prédio objecto destes autos no regime de propriedade total ou vertical, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio. Consequentemente, a Requerente não seria proprietária de 21 fracções autónomas, mas de um único prédio.
Acrescenta ainda na sua resposta que a Requerente pretende que exista analogia entre o regime da propriedade vertical e o da propriedade horizontal, quando não existe qualquer lacuna. Por isso, defende que, não se pode aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal. Na verdade, na sua opinião, encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a tal materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do art. 12.º, n.º 3 do CIMI.
Deste modo, pugna que o facto determinante para a aplicação da verba 28.1 da TGIS é o VPT total do prédio e não o de cada uma das unidades (andares ou divisões).
Assim, observa que interpretação diversa violaria a letra e o espírito da verba 28.1 da TGIS e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP.
Para além do mais, conclui que não se verifica a imputada violação do princípio da igualdade constitucional, visto que a propriedade horizontal e a propriedade vertical constituem realidades distintas e valoradas pelo legislador de forma diferente.
Em resumo, pugna pela improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral.
Deste modo, o tribunal tem de conhecer a seguinte questão: se as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito.
3. QUESTÕES PRÉVIAS E SANEAMENTO
A Requerida, na sua resposta, defende-se por excepção, invocando a incompetência do tribunal, visto que, no seu juízo, a Requerente não impugna actos tributários, mas notas de cobrança de imposto e adicionalmente sustenta que a impugnação empreendida por via do pedido de pronúncia arbitral não respeita a actos de liquidação, mas à 1.ª prestação de um valor unitário de imposto.
Nesta linha, o tribunal deve oficiosamente conhecer as excepções dilatórias previstas no art. 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 577.º, al. a) e 578.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
Assim, constitui um imperativo conhecer, desde logo, a competência do tribunal para apreciar a pretensão da Requerente.
A este respeito e em anotação ao art. 16.º do CPPT sustenta a doutrina que: «As questões de competência absoluta são de conhecimento oficioso e o seu conhecimento precede o de qualquer outra questão (…) Assim, as incompetências em razão da matéria e em razão da hierarquia, em processos judiciais, devem ser conhecidas oficiosamente, precedendo o conhecimento de quaisquer outras questões e podem ser arguidas pelos interessados…»[1].
Consequentemente, é necessário mobilizar o enquadramento normativo pertinente, isto é, o RJAT. Mais concretamente o art. 2.º, n. 1 do RJAT dispõe que: «A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; ».
Mais, o art. 97.º, n.º 1 do CPPT estatui que: «O processo judicial tributário compreende: a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;”.
A primeira conclusão a retirar consiste no facto da pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação poder ser objecto de impugnação judicial ou, em alternativa, de pedido de pronúncia arbitral.
Assim, a questão da excepção de inimpugnabilidade dos actos deve ser conhecida na dependência de saber se a Requerente impugna actos de liquidação, ou circunscreve o seu pedido à anulação da 1.ª prestação de Imposto do Selo. Isto é, terá a Requerida razão, quando afirma: i) que o objecto deste pedido de pronúncia arbitral são as notas de cobrança? e ii) que in casu se impugnam as primeiras prestações respeitantes à liquidação de um valor unitário de imposto?
Para responder a tais questões, importa, desde logo, recortar o conceito de liquidação para aferir da competência do tribunal.
Em concretização de tal conceito ensinava VÍTOR FAVEIRO[2]: «…trata-se de um acto administrativo, de aplicação de norma de incidência e da respectiva taxa de quotidade, à matéria colectável prévia ou supostamente determinada; da expressão aritmética do valor pecuniário da obrigação tributária correspondente, e sua imputação à pessoa do contribuinte; e da declaração, substantiva e formal, de tal operação e sua notificação ao contribuinte, com efeitos definitivos e executórios de efectiva obrigação do contribuinte e direito subjectivo de crédito do Estado». Nesta linha, acrescenta ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA: «É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por actos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efectuar-se periodicamente, não devido a uma prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação».[3]
Ora, tais definições partilham de um denominador comum, isto é, que existirá uma única liquidação por cada facto tributário, através da qual se apurará o valor da colecta. Consequentemente, se assim o é, cada liquidação pode ser objecto de uma única impugnação.
No âmbito do Código do Imposto do Selo (CIS) é possível vislumbrar o que supra se afirmou no art. 23.º, n.º 7 ao estatuir-se que: «Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações as regras contidas no CIMI». O art. 113.º, n.º 1 do CIMI dispõe que: «O imposto é liquidado anualmente…» e o n.º 2 acrescenta que: «A liquidação referida no número anterior é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte».
Deste modo, o facto de a liquidação poder ser paga em prestações não significa que, por via de regra, tenham sido praticadas várias liquidações. Em bom rigor, a liquidação é una e, se assim o é, apenas pode alicerçar um único pedido de impugnação[4]. Embora, sejam emitidas notas cobrança em diferentes momentos cronológicos do ano, todas respeitam à mesma liquidação.
Revertendo tal interpretação para o caso sub judice importa desde logo apurar qual foi o objecto de impugnação. Em tal âmbito, a Requerente procede à seguinte delimitação: «Em Março de 2016, a Requerente foi notificada pela AT, nos termos e para os efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo das liquidações relativas aos andares ou divisões com utilização independente do prédio urbano identificado supra, que se encontra em propriedade total, e ao ano de 2015, no valor correspondente a 1% do seu Valor Patrimonial Tributário …» e continua «As liquidações emitidas, a pagar em duas prestações perfazem o montante global de € 10 118,30…».
Ora, resulta claro que a Requerente pretende impugnar as liquidações – materializadas nas notas de cobrança – porquanto delimita o objecto da impugnação com: «As liquidações emitidas, a pagar em duas prestações perfazem o montante global de € 10 118,30…». Isto é, pretende inequivocamente atacar as liquidações e não a 1.ª prestação de imposto. Na verdade, se assim não fosse, não tinha feito qualquer referência ao montante da colecta de cada uma das divisões, mas àquele que respeita à 1.ª prestação e o valor económico do pedido seria o correspondente à soma dos valores inscritos nas notas de cobrança da 1.ª prestação. O que, repete-se, não sucedeu.
Consequentemente, os actos subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral constituem «actos de liquidação de tributos» descritos no art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT, razão pela qual, o tribunal é materialmente competente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral.
A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do Selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos que se consideram provados
4.1.1. A Requerente é proprietária do edifício inscrito na matriz predial sob o art. … (proveniente do art . …), urbano, freguesia de …, Lisboa.
4.1.2. Tal edifício compreende, nomeadamente, 21 andares ou divisões com utilização independente, inscritos do seguinte modo:
a) 1.º D, com um VPT de € 48 920,00, habitação;
b) 1.º E, com um VPT de € 48 920,00, habitação;
c) 1.º F, com um VPT de € 46 090,00, habitação;
d) 2.º D, com um VPT de € 48 920,00, habitação;
e) 2.º E, com um VPT de € 48 920,00, habitação;
f) 2.º F, com um VPT de € 46 090,00, habitação;
g) 3.º D, com um VPT de € 48 920,00, habitação;
h) 3.º E, com um VPT de € 48 920,00, habitação;
i) 3.º F, com um VPT de € 46 090,00, habitação;
j) 4.º D, com um VPT de € 48 920,00, habitação;
l) 4.º E, com um VPT de € 48 920,00, habitação;
m) 4.º F, com um VPT de € 46 090,00, habitação;
n) 5.º D, com um VPT de € 49 410,00, habitação;
o) 5.º E, com um VPT de € 49 410,00, habitação;
p) 5.º F, com um VPT de € 46 550,00, habitação;
q) 6.º D, com um VPT de € 49 410,00, habitação;
r) 6.º E, com um VPT de € 49 410,00, habitação;
s) 6.º F, com um VPT de € 46 550,00, habitação;
t) 7.º D, com um VPT de € 49 410,00, habitação;
u) 7.º E, com um VPT de € 49 410,00, habitação;
v) 7.º F, com um VPT de € 46 550,00, habitação.
4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2015, em relação a cada um de tais andares ou divisões, com afectação habitacional, no montante global de € 10 118,30 e que se decompõem da seguinte forma:
a) 1.º D, no montante de € 489,20;
b) 1.º E, no montante de € 489,20;
c) 1.º F, no montante de € 460,90;
d) 1.º D, no montante de € 489,20;
e) 2.º E, no montante de € 489,20;
f) 2.º F, no montante de € 460,90;
g) 3.º D, no montante de € 489,20;
h) 3.º E, no montante de € 489,20;
i) 3.º F, no montante € 460,90;
j) 4.º D, no montante de € 489,20;
l) 4.º E, no montante de € 489,20;
m) 4.º F, no montante € 460,90;
n) 5.º D, no montante de € 494,10;
o) 5.º E, no montante de € 494,10;
p) 5.º F, no montante € 465,50;
q) 6.º D, no montante de € 494,10;
r) 6.º E, no montante de € 494,10;
s) 6.º F, no montante € 465,50;
t) 7.º D, no montante de € 494,10;
u) 7.º E, no montante de € 494,10;
v) 7.º F, no montante € 465,50.
4.1.4. O edifício identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal a 31 de Dezembro de 2015.
4.1.5. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 19/05/2016.
4.2. Factos que não se consideram provados
Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
5. DO DIREITO
A primeira questão que o tribunal tem de conhecer consiste em apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente, ou se, pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais divisões.
Para concretizar tal tarefa há que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.
O art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da TGIS dispõem que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio habitacional (…) – 1 %...».
Deste modo, é necessário perscrutar o conceito de «prédio habitacional» a que alude a norma em interpretação e o de «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 de tal diploma necessário aplicar as normas do CIMI.
Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio».
O conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no art. 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O Imposto do Selo, Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.
No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como «prédio habitacional».
Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[5].
Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2.º, n.º 4, art. 7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3, todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada andar ou divisão objecto de utilização separada.
Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 21 divisões do edifício com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, isto é, 31 de Dezembro de 2015, não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que as mesmas devem ser classificadas como prédios habitacionais de natureza urbana.
Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba do CIS em interpretação, ou seja, o «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».
A este respeito, como já se descreveu, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado «…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado)…» e o documento de cobrança deve conter a «…discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta…», tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto de inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como «prédio habitacional» de andares ou divisões com utilização independente.
Ora, se nenhuma das divisões com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000,00, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Repete-se, relevante é, para recortar o âmbito de tal norma, que as partes dissentem na sua interpretação: i) que o andar ou divisão susceptível de utilização independente tenha um VPT superior a € 1 000 000,00 e ii) que tenha uma afectação habitacional.
É esta também a conclusão da jurisprudência estadual relativamente à delimitação da incidência da verba 28.1 da TGIS quando observa que: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação», conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/09/2015, proferido no âmbito do processo n.º 047/15 e em que foi Relator o Conselheiro FRANCISCO ROTHES.
Tal interpretação também se encontra plasmada no seguinte: «I – A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55–A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros...», Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0166/16 e em que foi Relatora a Conselheira ANA PAULA LOBO.
Deste modo, as liquidações objecto destes autos padecem do vício de violação de lei e, como tal, não podem subsistir na ordem jurídica, o que se declara.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação dos actos objecto de pronúncia, com todas as consequências legais.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 10 118,30 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia), nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a cargo da Requerida, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, na medida em que o pedido procedeu integralmente.
Notifique.
Lisboa, 15 de Novembro de 2016
O árbitro,
Francisco Nicolau Domingos
[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado, 4.ª edição, Vislis Editores, 2003, pág. 141.
[2] O estatuto do contribuinte. A pessoa do contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra Editora, 2002, pág. 683.
[3] Princípios de Direito Fiscal, volume I, 3.ª edição, Almedina, 1993, pág. 244, nota de rodapé 3.
[4] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 346/2015-T, no qual assumiu a função de árbitro a Mestre MARIANA VARGAS e a respeitante ao processo n.º 736/2014-T, na qual assumiu a função de árbitro o Mestre MARCOLINO PISÃO PEDREIRO.
[5] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, na qual assumiu as funções de árbitro a Dra. MARIA DO ROSÁRIO ANJOS.