DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A…, S.A., com sede na Avenida …, n.º…, em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva … (doravante, a “Requerente”), requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 22 de março de 2016, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativos ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesa de …, Município de …, referentes aos anos de 2012 e 2013, no valor de €54.387,87 (cinquenta e quatro mil trezentos e oitenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos), na sequência do ato de indeferimento tácito de recurso hierárquico apresentado sobre ato de indeferimento expresso de reclamação graciosa que sobre tais liquidações foi apresentada pela Requerente.
A Requerente optou por não designar árbitro.
O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 23 de março de 2016 e automaticamente notificado à AT na mesma data.
A Signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, tendo comunicado a aceitação do encargo, no prazo legal, de acordo com o artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.
As Partes foram notificadas da designação da Signatária, em 18 de maio de 2016, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.
O tribunal arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 3 de junho de 2016, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT.
A AT foi notificada do despacho arbitral de 3 de junho de 2016, para apresentar resposta no prazo de 30 (trinta) dias.
A AT apresentou a sua resposta em 7 de julho de 2016.
Por despacho arbitral de 20 de julho de 2016, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerente para, em 10 dias, e considerando o disposto no artigo 17.ºA do RJAT, se pronunciar sobre o indicado pela Requerida nos pontos 47.º a 56.º da sua Resposta, nos termos dos quais, essencialmente, a Requerida sustenta que os autos deveriam ser suspensos.
A Requerente pronunciou-se em 12 de setembro de 2016, tendo alegado que os autos deveriam prosseguir os seus termos até final.
Por despacho de 1 de novembro de 2016, o Tribunal Arbitral considerou, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT. Considerou ainda que o processo estava pronto para decisão, ao abrigo dos princípios da celeridade processual e da autonomia do tribunal na condução do processo.
A Requerente apresentou alegações escritas em 14 de novembro de 2016, tendo a Requerida prescindo de apresentar as mesmas.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
II. Pedido da Requerente
A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativos ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesa de …, Município de …, referentes aos anos de 2012 e 2013, no valor de €54.387,87 (cinquenta e quatro mil trezentos e oitenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos), na sequência do ato de indeferimento tácito de recurso hierárquico apresentado sobre ato de indeferimento expresso de reclamação graciosa que sobre tais liquidações foi apresentada pela Requerente.
A Requerente apresentou o presente pedido, de acordo com a fundamentação que sucintamente se indica:
1. As liquidações de IMI referem-se ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, Município de … .
2. O prédio em questão é, de acordo com a respetiva descrição matricial, uma barragem.
3. Através dessa barragem, a Requerente opera um aproveitamento hidroelétrico, o aproveitamento hidroelétrico de … .
4. Tal aproveitamento é realizado ao abrigo de “Contrato de concessão relativo à utilização dos recursos hídricos para captação de águas superficiais destinadas à produção de energia hidroelétrica – aproveitamento hidroelétrico de …”.
5. O aproveitamento elétrico em questão é dotado de utilidade pública pela sua própria natureza e por reconhecimento aquando da respetiva concessão inicial, cfr. Diário do Governo n.º…, II série, de … de dezembro de 1944.
6. O referido contrato de concessão permite à Requerente a utilização privativa de bens do domínio público hídrico afetos ao aproveitamento hidroelétrico em causa, para a produção de energia elétrica, ou seja, o aproveitamento hidroelétrico é composto e encontra-se instalado em domínio público.
7. O próprio contrato de concessão indica que os equipamentos e infraestruturas que compõem o aproveitamento hidroelétrico integram o domínio público do Estado.
8. O aproveitamento hidroelétrico consubstancia um centro produtor de energia hidroelétrica que é transportada e distribuída pela Rede Elétrica de Serviço Público e entregue aos comercializadores para abastecimento aos consumidores, tendo ainda outras funções, designadamente, captação de águas para o abastecimento público das populações, controlo de cheias e secas, combate aos incêndios, sendo o topo da barragem utilizado pela rede viária nacional/local.
9. O uso efetuado pela Requerente do domínio público em causa é conciliado com vários outros fins e entidades, estando sujeita a várias condicionantes e restrições, considerando a específica natureza da albufeira criada pela barragem, que constitui uma albufeira de águas públicas de serviço público, nos termos do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de maio e Portaria n.º 522/2009, de 15 de maio.
10. O artigo matricial em causa nunca foi objeto de Contribuição Autárquica ou de IMI, por ser entendimento da AT, constante das Informações DGCI n.º …/90, de 17 de junho de 1990, e n.º …/91, de 28 de novembro de 1991, que a realidade relevante não pode ser qualificada como prédio.
11. Consequentemente, o artigo matricial em causa foi sempre considerado isento.
12. Não houve qualquer alteração relevante no regime legal aplicável ou na realidade em causa que sustentasse a alteração de tal entendimento por parte da AT.
13. A Requerente foi notificada de avaliação geral do artigo matricial, em 2013 e 2014, através de procedimento que foi pela Requerente contestado, tendo o Tribunal Tributário de Lisboa anulado o ato de segunda avaliação (de 2014), em decisão que foi recorrida pela AT.
14. Em dezembro de 2014, a Requerente foi notificada de duas liquidações adicionais de IMI, referentes a 2012 e 2013, tendo procedido ao seu pagamento.
15. A Requerente apresentou reclamação graciosa requerendo a anulação daquelas liquidações de IMI, com fundamento em: a) falta de fundamentação das liquidações, b) a não sujeição do aproveitamento hidroelétrico a IMI, por não se verificarem os pressupostos de incidência subjetiva ou objetiva, c) impossibilidade de revogação da isenção da barragem ou a impossibilidade de à mesma serem atribuídos efeitos retroativos, d) erro de cálculo do IMI.
16. A AT indeferiu tal reclamação graciosa, alegando que a isenção deixou de vigorar por força do facto de a Requerente ter deixado de ser, com efeitos a 2012, uma entidade pública, não podendo assim mais beneficiar da isenção constante do artigo 11.º do CIMI.
17. A Requerente interpôs recurso hierárquico, sem resposta até ao momento.
18. A barragem em questão assume utilidade pública, como foi expressamente reconhecido aquando da concessão da respetiva construção, tendo também utilidades que beneficiam o público em geral.
19. Em termos gerais, de acordo com o artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), do Decreto-Lei n.º 477/80 de 15 de outubro, e da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, as barragens de utilidade pública integram o domínio público do Estado.
20. Tal facto, aliás, consta expressamente do contrato de concessão celebrado com a Requerente.
21. Ora, os bens do domínio público não podem considerar-se abrangidos pela definição de prédio constante do artigo 2.º do CIMI. São bens excluídos do comércio jurídico, não podendo ser objeto de direitos privados. Não são, portanto, bens patrimoniais.
22. O artigo 2.º do CIMI determina que é prédio aquele que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e que tenha valor económico, particularidades que, no caso, não se verificam: a barragem é bem do domínio público.
23. Nestes termos, a Requerente não compreende a alegação da AT relativa ao facto de apenas ter sido isenta de IMI por força da sua suposta qualidade de entidade pública. É que não há qualquer possibilidade de sustentar que a Requerente beneficiasse de tal qualidade, pois não é “Estado”, “Região Autónoma” ou qualquer serviço, estabelecimento ou organismo destas entidades.
24. E tanto assim é que procede ao pagamento de IMI com referência aos prédios de que é efetivamente titular.
25. Mais, a situação em apreço viola fragrantemente as exigências do princípio da legalidade fiscal: por um lado, os atos praticados contrariaram a prática administrativa anterior, por outro, os fundamentos invocados em nada legitimam a sua prática, não permitindo afastar a interpretação de “prédio” até agora seguida.
26. Não existem no CIMI elementos suficientes que permitam concluir que as barragens se subsumem ao conceito de prédio urbano e nessa medida sujeitas a tributação.
27. Consequentemente, os atos praticados violam o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º n.º 2 da CRP, na sua vertente material de efetiva limitação da margem de livre apreciação da Administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, bem como a limitação do uso de conceitos indeterminados na definição de tais elementos.
28. Sem prescindir, o contrato de concessão confere à Requerente meramente a titularidade do direito de uso privativo de bens do domínio público.
29. Ora, o IMI é devido pelo proprietário, usufrutuário ou superficiário do prédio, não sendo aqui incluídos outros titulares de direitos reais.
30. Não tendo o legislador incluído outros direitos reais na norma constante do artigo 8.º do CIMI, resulta claro que o mesmo pretendeu construir uma previsão taxativa ao nível da incidência subjetiva, ficando assim afastada a possibilidade de incidência subjetiva do imposto.
31. Sobre os bens do domínio público, como é o caso, apenas pode haver lugar a aquisição de direitos de uso privativo através de concessão ou licença. Direitos esses que não podem ser qualificados como de natureza real, seja de propriedade, usufruto ou superfície.
32. Consequentemente, as liquidações em crise nunca poderiam subsistir, devendo ser anuladas por vício de violação de lei.
33. Ainda sem prescindir: desde a respetiva inscrição matricial que a barragem em questão beneficiou de isenção, primeiro de Contribuição Autárquica, depois de IMI, expressamente reconhecida e declarada pela AT.
34. O reconhecimento daquela isenção decorreria, nomeadamente, das Informações DGCI n.º ....8/90, de 17 de junho de 1990, e n.º ....9/91, de 28 de novembro de 1991, em que a própria AT declarou que os bens que se integram na rede elétrica nacional, como as barragens, fazem parte do domínio público do Estado e não são sujeitas a IMI.
35. Agora, sem mais, a AT deu sem efeito a isenção em 2014, com efeitos reportados a 2012 e 2013, o que não se compreende e não se aceita.
36. O artigo 14.º n.º4 do Estatuto dos Benefícios Fiscal indica que o ato administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável nem pode rescindir-se o respetivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por ato unilateral, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que o ato pode ser revogado.
37. Aquelas exceções apenas podem operar dentro do prazo pelo qual os atos constitutivos de direitos podem ser revogados.
38. E pelo disposto no artigo 141.º do CPA, esse prazo há muito que se esgotou.
39. Pelo que os atos de liquidação de IMI em crise, concretizando a destruição com efeitos retroativos de isenção de IMI anteriormente vigente, mostram-se ilegais por violação do artigo 141.º do CPA.
40. E ainda que fosse possível tal revogação, nunca a AT lhe poderia conferir efeitos retroativos, sendo, portanto, tais atos ilegais.
41. Por fim, não compreende a Requerente os cálculos que estiveram na base do IMI liquidado, não tendo sequer sido aplicada a respetiva cláusula de salvaguarda de IMI, pelo que também por este facto deverão ser anuladas as liquidações contestadas.
42. Adicionalmente, as liquidações em crise padecem claramente de vício de falta de fundamentação, não sendo possível à Requerente compreender o iter volitivo e cognoscitivo que subjazem às mesmas.
43. Não esclarecem quais os prédios em causa, qual a razão da revogação da isenção de IMI, qual a razão da revogação com efeitos retroativos ou qual o cálculo efetuado para apuramento do imposto.
44. Assim, nos termos do artigo 77.º da Lei Geral Tributária e 268.º n.º3 da CRP, os atos devem ser anulados por falta de fundamentação clara, suficiente e congruente, de facto e de direito.
45. Termos em que deverão as liquidações adicionais de IMI em crise ser anuladas, condenando-se a Requerida ao reembolso dos montantes pagos e ao pagamento de juros indemnizatórios.
III. Resposta da Requerida
A Requerida apresentou a sua Resposta, que fundamenta nos termos seguintes:
1. A reclamação graciosa da Requerente foi indeferida por se considerar que a mesma foi privatizada através da Resolução do Conselho de Ministros n.º .../2012, de 12 de Novembro, tendo sido alterada a sua natureza jurídica de entidade pública, uma vez que implicou a sua desafetação, por cessação da utilidade pública da Barragem de … .
2. A operação de privatização total da Requerente, operada pela Resolução do Conselho de Ministros indicada, com produção de efeitos a 31.10.2012, alterou a sua natureza jurídica de entidade pública.
2.
3. Conclui-se, assim, que já não é possível à Requerente continuar a beneficiar da isenção prevista no artigo 11.º do CIMI, uma vez que implicou a sua desafetação, por cessação da utilidade pública da Barragem de … .
4. Para justificar esta conclusão fez-se apelo na informação que conduziu ao indeferimento das reclamações, ao Manual de Direito Fiscal do Professor Freitas do Amaral, de acordo com o qual a dominialidade pode cessar, como consequência do desaparecimento da utilidade pública que esses bens desempenhavam ou pelo facto de surgir um fim de interesse geral que seja mais convenientemente preenchido noutro regime. Ou seja, cessa a dominialidade quando o direito de propriedade pública se extingue com a falta de objeto.
5. Assume-se nestes autos uma mudança de paradigma na questão tributária das barragens verificando-se a obrigatoriedade da inscrição matricial e consequente sujeição a IMI, inclusive das barragens de utilidade pública, com o fundamento de as barragens de utilidade pública caberem no conceito de prédio desenhado no artigo 2º do Código do IMI, por constituírem bens integrados no comércio jurídico privado.
5.
6. Logo, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem procedido à respetiva inscrição matricial, a liquidações adicionais de IMI às empresas concessionárias, sendo este o objeto do presente pedido.
7. Na verdade, a AT seguiu, até à implementação do procedimento de avaliação geral da propriedade urbana, o entendimento sancionado superiormente a 28 de Novembro de 1991, ao qual a requerente faz alusão, no sentido dos bens que integrem a chamada Rede … são do domínio público, da titularidade do Estado e dos municípios e enquanto bens do domínio público, tais bens estão fora do comércio jurídico privado, só sendo alienáveis nos termos do direito público, não tendo, por consequência, valor de troca e, portanto, valor de mercado, não sendo, assim, prédios, insuscetíveis, portanto, de inscrição matricial, para efeitos do disposto no artigo 11º do Decreto-lei nº 441-C/88, de 30 de Novembro, e não estavam sujeitos à contribuição autárquica.
8. Faz-se notar que esta condição de ausência de valor de troca para considerar o bem pertencente ao domínio público não é, atualmente, inteiramente válido, porquanto os bens do domínio público, salvo, como é óbvio, os bens do domínio público natural, podem eventualmente, em abstrato, ser contabilizados como ativo das entidades públicas que os administram e controlam, Estado, municípios ou regiões autónomas.
8.
9. Mas a não verificação deste requisito, ou seja, a existência de um valor de mercado, não implica, necessariamente qualquer tributação em sede de IMI desses bens, na maioria dos casos propriedade de entidades públicas subjetivamente isentas de IMI.
10. As barragens de utilidade pública não fazem parte do elenco dos bens que constitucionalmente integram o domínio público nos termos do n.º 1 do artigo 84.º da CRP. Assim, apenas ao legislador ordinário competiria, respeitados os limites constitucionais, incluí-las ou não no domínio público.
10.
11. Por outro lado, não interfere com a qualificação do imóvel como bem do domínio público a sua exploração por entidades privadas, em regime de licença ou concessão.
12. A doutrina é clara quanto à cedência do uso privativo dos bens dominiais não implicar a sua desafetação do domínio público. E é o que, resulta, nomeadamente, dos artigos 27º, nº 1, e 30º, nº 1, da Lei nº 180/2007, de 7 de Agosto, que contém o chamado Regime Jurídico do Património Imobiliário Público.
13. Tais normas legais preveem que os particulares podem adquirir direitos de uso privativo dos bens do domínio público, incluindo o direito à sua gestão e exploração, por licença ou concessão, sem que o facto determine que esses bens deixem de pertencer ao domínio público.
14. No contrato de concessão, o objeto de aquisição não é, na verdade, qualquer direito de propriedade sobre o bem imóvel integrante do domínio público – a qual seria, aliás, nula por os bens do domínio público estarem subtraídos ao comércio jurídico – mas um direito meramente obrigacional à utilização privativa, incluindo a gestão e exploração do bem do domínio público, o que, nos termos do artigo 8º, nºs 1 e 2, do CIMI, não é, na verdade, suficiente para que os concessionários sejam sujeitos passivos do IMI.
15. As barragens, entendidas, “grosso modo”, como qualquer barreira artificial, feita em cursos de água, sobretudo para abastecimento de zonas residenciais, agrícolas, industriais, produção de energia elétrica ou regularização de caudais, integram, quando declaradas de utilidade pública e por mero efeito dessa declaração, o domínio público do Estado.
16. Para esse efeito, o artigo 4º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de outubro, integra no domínio público as barragens de utilidade pública e dessa classificação não depende, do facto das barragens de utilidade pública serem ou não exploradas por entidades privadas.
17. Embora, nos termos do artigo 1º, nº 1, do Decreto-lei nº 156/2012, de 18 de Julho, seja a Direção-geral do Tesouro e Finanças (DGTF) a entidade legalmente incumbida de assegurar a gestão integrada do património do Estado, a verdade é que resulta do artigo 3º, nº 3, alíneas a), b) e d), do Decreto-lei nº 56/2012, de 12 de Março, serem atribuições da Agência Portuguesa do Ambiente, Instituto Público (APA, IP) a gestão dos recursos hídricos do domínio público ou privativo do Estado, emitir os respetivos títulos de utilização e fiscalizar o cumprimento das obrigações legais aí estabelecidas.
18. A tributação das barragens com o fundamento no facto de, por não serem imóveis do domínio público e não estarem subtraídas ao comércio jurídico privado, depende de não estarem legalmente classificadas pela APA, IP como bens do domínio público, seja por não terem sido objeto de classificação, seja por, tendo sido legalmente classificadas como bens do domínio público, terem sido posteriormente desclassificadas, “maxime” através da revogação da utilidade pública.
19. A titularidade do direito de utilização privativa, caso ainda subsista, dos bens do domínio público, não implica, no entanto, pelos motivos anteriormente expostos, desafetação do domínio público dos bens objeto desses direitos de utilização.
19.
20. Tal desafetação depende, conforme os casos, de um ato normativo ou administrativo a fazer cessar o estatuto de utilidade pública das barragens, matéria para a qual a AT carece de qualquer competência. Não cabe, pois, à AT mas sim à APA, IP, esclarecer, caso a caso, sobre o estatuto dominial das barragens de utilidade pública.
21. A AT requereu já àquela entidade esclarecimento sobre a questão em apreço. Mas considerandos os autos, requer-se, que seja a Requerente, uma vez que alega que a Barragem de … pertence ao domínio público, a juntar aos autos prova documental, colhida junto daquela entidade, uma vez que a prova deste facto jurídico, face ao exposto, a AT considera imprescindível para encontrar a boa solução do presente litígio.
22. Caso assim, não se entenda, dever-se-á, então suspender, a presente instância arbitral, aguardando-se a resposta ao pedido já formulado pela AT à Agência Portuguesa do Ambiente IP.
23. Caso o tribunal opte pelo seguimento dos autos, na situação atual, a posição da AT será de peticionar no sentido de que devem ser mantidas as liquidações adicionais de IMI, porque resultam da interpretação e aplicação que a AT está a fazer dos artigos 2.º e 8.º do CIMI, devendo, em consequência, serem desatendidos os pedidos formulados pela Requerente.
IV. Requerimento superveniente
A Requerente juntou aos autos, em 31 de outubro de 2016, requerimento com documento emitido pela Agência Portuguesa do Ambiente, Instituto Público, atestando que a barragem em questão tem utilidade pública.
V. Questões a decidir
Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a resposta da Requerida, a questão controvertida a decidir pelo Tribunal Arbitral é de saber se as liquidações adicionais de IMI em crise foram ou não corretamente emitidas em face da natureza do prédio em questão.
Sem prejuízo, antes do mais, o Tribunal Arbitral conheceria do pedido da Requerida quanto à determinação, pelo Tribunal, de ordenar à Requerente a junção aos autos de prova documental, colhida junto Agência Portuguesa do Ambiente, Instituto Público, e da suspensão da presente instância arbitral até resposta ao pedido já formulado pela AT à Agência Portuguesa do Ambiente IP.
VI. Matéria de Facto
Com relevância para a apreciação do pedido da Requerente, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base no alegado pelas Partes e não contestado, e nos documentos juntos ao processo:
1. As liquidações de IMI em crise referem-se ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesa de…, Município de… .
2. O prédio em questão é, de acordo com a respetiva descrição matricial, uma barragem.
3. Através dessa barragem, a Requerente opera um aproveitamento hidroelétrico, o aproveitamento hidroelétrico de … .
4. Tal aproveitamento é realizado ao abrigo de “Contrato de concessão relativo à utilização dos recursos hídricos para captação de águas superficiais destinadas à produção de energia hidroelétrica – aproveitamento hidroelétrico de…”.
5. O aproveitamento elétrico em questão é dotado de utilidade pública pela sua própria natureza e por reconhecimento aquando da respetiva concessão inicial, cfr. Diário do Governo n.º…, II série, de … de dezembro de 1944.
6. O referido contrato de concessão permite à Requerente a utilização privativa de bens do domínio público hídrico afetos ao aproveitamento hidroelétrico em causa, para a produção de energia elétrica, ou seja, o aproveitamento hidroelétrico é composto e encontra-se instalado em domínio público.
7. O contrato de concessão expressamente indica que os equipamentos e infraestruturas que compõem o aproveitamento hidroelétrico integram o domínio público do Estado.
8. O aproveitamento hidroelétrico consubstancia um centro produtor de energia hidroelétrica que é transportada e distribuída pela Rede Elétrica de Serviço Público e entregue aos comercializadores para abastecimento aos consumidores, tendo ainda outras funções, designadamente, captação de águas para o abastecimento público das populações, controlo de cheias e secas, combate aos incêndios, sendo o topo da barragem utilizado pela rede viária nacional/local.
9. O uso efetuado pela Requerente do domínio público em causa é conciliado com vários outros fins e entidades, estando sujeita a várias condicionantes e restrições, considerando a específica natureza da albufeira criada pela barragem, que constitui uma albufeira de águas públicas de serviço público, nos termos do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de maio e Portaria n.º 522/2009, de 15 de maio.
10. O aproveitamento hidroelétrico tem utilidade pública, atestada pela Agência Portuguesa do Ambiente, em 25 de outubro de 2016.
11. O artigo matricial em causa nunca foi objeto de Contribuição Autárquica ou de IMI, por ser entendimento da AT, constante das Informações DGCI n.º ....8/90, de 17 de junho de 1990, e n.º ....9/91, de 28 de novembro de 1991, que a realidade relevante não pode ser qualificada como prédio.
12. Consequentemente, o artigo matricial em causa foi sempre considerado isento.
13. Não houve qualquer alteração relevante no regime legal aplicável ou na realidade em causa.
14. A Requerente foi notificada de avaliação geral do artigo matricial, em 2013 e 2014, através de procedimento que foi pela Requerente contestado, tendo o Tribunal Tributário de Lisboa anulado o ato de segunda avaliação (de 2014), em decisão que foi recorrida pela AT.
15. Em dezembro de 2014, a Requerente foi notificada de duas liquidações adicionais de IMI, referentes a 2012 e 2013, tendo procedido ao seu pagamento.
16. A Requerente apresentou reclamação graciosa requerendo a anulação daquelas liquidações de IMI, com fundamento em: a) falta de fundamentação das liquidações, b) a não sujeição do aproveitamento hidroelétrico a IMI, por não se verificarem os pressupostos de incidência subjetiva ou objetiva, c) impossibilidade de revogação da isenção da barragem ou a impossibilidade de à mesma serem atribuídos efeitos retroativos, d) erro de cálculo do IMI.
17. A AT indeferiu tal reclamação graciosa, alegando que a isenção deixou de vigorar por força do facto de a Requerente ter deixado de ser, com efeitos a 2012, uma entidade pública, não podendo assim mais beneficiar da isenção constante do artigo 11.º do CIMI.
18. A Requerente interpôs recurso hierárquico, sem resposta até ao momento.
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta e não contestada pelas Partes.
Não existem, com relevância para o processo, outros factos que não se considerem provados.
VII. Matéria de Direito
Como resulta da matéria de facto, estão em causa liquidações de IMI relativas aos anos de 2012 e 2013.
Salvo o devido respeito, e adiantando desde logo o sentido da presente decisão arbitral, a própria Requerida demonstra, na sua Resposta, não lhe caber razão para manter na ordem jurídica as liquidações impugnadas.
Apreciando o seu pedido, constante da sua Resposta:
a. Quanto ao pedido para que seja a Requerente a demonstrar, mediante prova documental proveniente da Agência Portuguesa do Ambiente, Instituto Público ou de outra entidade, que a barragem de que é concessionária integra o domínio público, o mesmo não é, naturalmente, sustentado. A Requerente demonstrou documentalmente, por quanto se encontra disponível na ordem jurídica e na sua esfera, enquanto concessionária, que a barragem tem utilidade pública e que, como tal, se encontra afeta ao domínio público. Tal consta, como se pode verificar supra, da matéria dada como provada. O suporte e acervo documental que o atestam é amplo e suficiente para o efeito, e não é, em momento algum, contestado pela Requerida, pelo contrário, é por si reconhecido.
Na verdade, independentemente da entidade que, atualmente, tenha competência para decretar se um bem integra ou não o domínio público, o facto incontestado é que o contrato de concessão, outorgado por entidade pública com competência para o efeito, é expresso ao definir a barragem em questão como integrando o domínio público.
Consequentemente, tem razão a Requerida: não tem competência para se pronunciar sobre essa afetação. Por isso mesmo, a Requerente não tem que produzir outra prova – para além daquela que já juntou aos autos – que ateste quanto se encontra já demonstrado. É, portando, indeferido o pedido da Requerida.
Sem prejuízo, e por força do Requerimento da Requerente em que juntou aos autos declaração da Agência Portuguesa do Ambiente atestando a utilidade pública do aproveitamento hidroelétrico, sempre seria inútil a apreciação do pedido da Requerida nesta sede.
b. Quanto à suspensão da instância, não se afigura que tal seja, por qualquer forma necessário ou adequado. Em primeiro lugar, os autos estão instruídos com prova documental suficiente e adequada para a prolação de decisão. Em segundo lugar, mesmo que a resposta da Agência Portuguesa do Ambiente, Instituto Público viesse, por qualquer forma, alterar a qualidade de domínio público da barragem em questão, tal teria apenas, apenas assim se pode configurar, efeitos para o futuro. Ora, apreciando-se no presente atos de liquidação de imposto referentes a 2012 e 2013, ao Tribunal Arbitral cabe apenas apreciar se os mesmos foram validamente emitidos em função dos elementos existentes e válidos à data dos factos tributários.
Consequentemente, não pode também ser atendido o pedido da Requerida para que os presentes autos sejam suspensos, que assim prosseguem os seus termos normais.
Sem prejuízo, e por força do Requerimento da Requerente em que juntou aos autos declaração da Agência Portuguesa do Ambiente atestando a utilidade pública do aproveitamento hidroelétrico, sempre seria inútil a apreciação do pedido da Requerida nesta sede.
Atento o exposto, e considerando-se provado que a barragem que constitui o artigo matricial em apreço é um bem que integra um acervo com utilidade pública, e que, por isso mesmo, se encontra integrado no domínio público, então haverá que decidir se o mesmo está ou não sujeito a IMI.
Como resulta dos factos provados, alegados pela Requerente e reconhecidos e aceites pela Requerida na sua Resposta, e comprovados adicionalmente pela declaração da Agência Portuguesa do Ambiente, a barragem de … assume utilidade pública, facto expressamente reconhecido aquando da concessão da respetiva construção e recentemente confirmado.
O artigo 84.º da CRP dispõe que pertencem ao domínio público as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos e outros bens classificados por lei.
O Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de outubro, que cria o inventário geral do património do Estado determina, no artigo 4.º alíneas b) e d) que integram o domínio público do Estado, designadamente, as barragens de utilidade pública.
Basta o exposto para concluir que a barragem em questão é um bem que integra o domínio público do Estado, sendo o facto de se encontrar concessionada a sua exploração irrelevante para o retirar de tal domínio público, como bem esclarece a própria Requerida: a cedência do uso privativo dos bens dominiais não implica a sua desafetação do domínio público. E é o que resulta, nomeadamente, dos artigos 27.º, nº 1 e 30.º, nº 1 da Lei n.º 180/2007, de 7 de Agosto. Os particulares podem adquirir direitos de uso privativo dos bens do domínio público, incluindo o direito à sua gestão e exploração, por licença ou concessão, sem que o facto determine que esses bens deixem de pertencer ao domínio público.
O artigo 2.º n.º 1 do CIMI estabelece que “Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”.
Como se sabe, os bens do domínio público estão excluídos do comércio jurídico, designadamente por força do disposto no Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto. O seu artigo 18.º estabelece que “Os imóveis do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objeto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado.” O artigo 19.º refere mesmo que “Os imóveis do domínio público não são suscetíveis de aquisição por usucapião”.
Como bem refere a Requerente, o facto de os bens pertencentes ao domínio público se encontrarem fora do comércio jurídico-privado – e como tal insuscetíveis de apropriação privada – leva a que não tenham valor de troca atual e, consequentemente, não sejam avaliáveis em dinheiro.
Facto que é reconhecido pelo próprio legislador, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 477/80 de 15 de outubro, que cria o inventário geral do património do Estado: “Relativamente ao problema da consistência do inventário, optou-se por uma solução que pode traduzir-se pela fórmula segundo a qual ao património que no plano do direito privado é geralmente designado por «património global» se acrescentaram os bens do domínio público.
Não se ignora como esta opção é suscetível de originar críticas, especialmente da parte dos civilistas, já que, por definição, os bens do domínio público, porque se encontram excluídos do comércio privado, não têm valor atual de troca. Daí que a tais bens seja normalmente oposto o conjunto de bens patrimoniais.
Assim, quando se fala do património do Estado e nessa expressão se incluem os bens do domínio público, poderá dizer-se que se comete uma infração científica para a qual, todavia, uma das justificações é tratar-se de uma aceção de património já tradicional no nosso direito público (cf. preâmbulo do citado Decreto-Lei 22728).” (sublinhado nosso).
Pelo exposto, para integrar o conceito de prédio constante do artigo 2.º do CIMI, o mesmo deverá, cumulativamente:
a. fazer parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e,
b. em circunstâncias normais, ter valor económico.
Como ficou demonstrado, o bem em questão, a barragem, apesar de fazer parte do património de uma pessoa coletiva (pública), não tem, em circunstâncias normais, valor económico.
Como bem cita a Requerente, J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, in “Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo – Anotados e Comentados”, Lisboa, 2005, p. 102, esclarecem que:
“No plano jurídico, a relevância é atribuída à patrimonialidade. O bem, no sentido físico, deve ser suscetível de integração no património de uma pessoa singular ou coletiva. Por falta destes requisito da patrimonialidade, não integram o conceito fiscal de prédio os bens do domínio público – como sejam os bens do domínio hídrico, as estradas […]. Por isso, os bens do domínio público não são suscetíveis de inscrição matricial, além de que não têm valor patrimonial”.
Também António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, in “Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados), Almedina, Coimbra, 2015, p. 26, defendem que:
Em todo o caso, é imperativo que o prédio a tributar em IMI faça parte do património de uma pessoa, singular ou coletiva, o que afasta da tributação os bens que não possam ser alvo de “…direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual”, como se refere no artigo 202.º/2 CC.
Como bens de domínio público que, por essa razão, são insuscetíveis de ser tributados em sede de IMI, são de considerar, para além daqueles que, por lei específica, assim sejam considerados, os referidos pelo art. 84.º CRP.”
Pelo exposto, dúvidas não restam de que bens que integram o domínio público do Estado, como é o caso da barragem em apreço, não são suscetíveis de integrar a definição de prédio constante do artigo 2.º do CIMI, não podendo ser, consequentemente, incluídos no respetivo âmbito de tributação.
E bem sabe a Requerida que assim é, pois i) não defende sequer a posição da AT constante do indeferimento da reclamação graciosa da Requerente, quanto à alegada isenção anterior por força do seu também alegado estatuto de entidade pública e, com maior relevância, ii) não contesta qualquer interpretação das normas supra citadas no sentido da presente decisão constante, que é, essencialmente, o vertido pela Requerente no seu pedido arbitral. E mais, saberá também que não poderá relegar uma posição sobre as liquidações em crise para um documento que há-de ser emitido por entidade terceira quando, na realidade, a AT estava e esteve em posse de todos os elementos e informação necessários para que pudesse conhecer, ab initio, da natureza de domínio público da barragem em questão e da sua consequente não sujeição a IMI.
Não existe qualquer ato conhecido nos presentes autos, apresentado pela Requerente ou pela Requerida, que altere ou seja suscetível de alterar esse facto com relevância tributária em 2012 e 2013.
E caso venha a existir, deverá sempre fundamentar a sua possível aplicação tributária retroativamente, ao abrigo do princípio da legalidade tributária.
E ainda que assim se considere, nunca poderia ser esse eventual ato (desconhecido na presente data, reitera-se), capaz de fundamentar as liquidações adicionais de IMI realizadas e notificadas à Requerente, simplesmente pelo facto de ser desconhecido da AT no momento da respetiva liquidação. Sendo desconhecido, seria impossível ser, por qualquer forma, a causa ou fundamento de tais atos.
Perante quanto se expôs, não resta se não mostrar-se procedente o entendimento da Requerente quanto à questão objeto dos presentes autos, e ficar prejudicado, em face do disposto no artigo 124.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações da Requerente (não havendo, em face desta decisão, qualquer prejuízo para a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da mesma).
Juros Indemnizatórios
De acordo com o artigo 43.º da Lei Geral Tributária, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Conforme decorre de quanto se concluiu anteriormente, houve, no caso, erro imputável aos serviços, na medida em que as liquidações em crise não foram emitidas ao abrigo das disposições legais aplicáveis. De facto, a Requerida, bem sabendo que os bens que integram o domínio público não preenchem o conceito de prédio constante do CIMI, sujeitaram na mesma a barragem de utilidade pública explorada pela Requerente ao abrigo de um contrato de concessão a IMI. Consequentemente, não poderia ter emitido as liquidações de imposto que, como se concluiu, são ilegais.
Existindo, manifestamente, erro imputável aos serviços é também, e sem mais, procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.
VIII. Decisão
Nestes termos, e com base nos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, e em consequência, anular as liquidações de IMI em causa, determinando-se a devolução dos montantes indevidamente cobrados; e
b. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.
Valor do processo: €54.387,87 (cinquenta e quatro mil trezentos e oitenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos)
Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerida.
Lisboa, 18 de novembro 2016
O árbitro
Ana Pedrosa Augusto