Decisão Arbitral
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Dr. Paulo Lourenço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25-05-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, LDA, NIPC…, com sede no …, …, Piso…, …-… Porto, (doravante designada por «A…» ou REQUERENTE), veio, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Colectivo tendo em vista, a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, no valor global de€ 143.928,94 a seguir indicadas:
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PERÍODO
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N. LIQUIDAÇÃO
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DATA LIQUIDAÇÃO
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MONTANTE
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IVA
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1206T
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2015 …
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20-10-2015
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128.777,86€
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IVA
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1209T
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2015…
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20-10-2015
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1.374,68€
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IVA
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1212T
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2015 …
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20-10-2015
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10.836,09€
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PERÍODO
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N. LIQUIDAÇÃO
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DATA LIQUIDAÇÃO
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MONTANTE
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DATA LIMITE PAGAMENTO
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JC
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1209T
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2015…
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20-10-2015
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1.539,65€
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JC
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1212T
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2015 …
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20-10-2015
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1.400,66€
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 24-03-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10-05-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 25-05-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu suscitando a excepção da incompetência material por estar em causa o reconhecimento de um direito em matéria tributária e defendendo que deve improceder o pedido de pronúncia arbitral.
A Requerente pronunciou-se por escrito sobre a excepção, defendendo que ela improcede.
Por despacho de 26-09-2016 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar prioritariamente a excepção da incompetência.
2. Questão da incompetência material deste Tribunal Arbitral por estar em causa o reconhecimento de um direito em matéria tributária
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral por, em suma, para apreciar a legalidade das liquidações, ser necessário, previamente, decidir sobre a legalidade dos pressupostos do direito de renúncia à isenção que a Requerente exerceu, ao abrigo do previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, pelo que «os actos de liquidação adicional de IVA efectuados deverão ser qualificados como actos consequentes».
A Autoridade Tributária e Aduaneira diz que «devem ser qualificados como actos consequentes os que foram produzidos, ou dotados de certo conteúdo, em razão da existência de actos anteriores supostamente válidos que lhes servem de causa, base ou pressuposto» e entende que «os actos de liquidação adicional de IVA, pendentes de apreciação nesta instância arbitral, estão numa relação de dependência do reconhecimento ou não do direito por parte da ora Requerente à renúncia da isenção de IVA, nos termos do artigo 12.º, nº 1, alínea b), do Código do IVA».
Por isso, entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que «a presente instância arbitral é materialmente incompetente para conhecer dos presentes autos, nomeadamente, para aferir se a ora Requerente tem ou não direito à renúncia à isenção prevista no artigo 9º do Código do IVA».
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
A Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos actos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.
É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria n.º 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do RJAT.
Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto das pretensões dos contribuintes e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se os actos são legais ou ilegais.
Não há, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas à verificação dos pressupostos do direito de renúncia à isenção de IVA ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção ou de uma renúncia a isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a pretensão de apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração subjacente a um acto de liquidação não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, em que se materializa essa desconsideração.
Assim, no processo arbitral, à semelhança do que sucede no processo de impugnação judicial, pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.
Só não será assim nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, sendo só nessa medida que fica afastada a apreciação da legalidade dos actos de liquidação em todas as vertentes. Mas, para haver essa impugnabilidade autónoma, é necessário que haja algum acto administrativo em matéria tributária, pois a impugnabilidade reporta-se a actos e não a posições jurídicas assumidas explícita ou implicitamente como pressupostos dos actos de liquidação, mas não materializadas em actos tributários autónomos.
Os actos consequentes, de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira, são consequentes de outros actos tributários ou administrativos anteriores e, no caso em apreço, não há notícia de que tenha sido praticado qualquer acto administrativo apreciando se a Requerente tem ou não direito a renunciar à isenção de IVA.
Isto é, para haver limitação à impugnabilidade dos actos de liquidação impugnados, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto destes actos de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.
Por isso, sendo os actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente e sendo os únicos actos praticado pela administração tributária sobre a situação neles apreciada, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.
Por outro lado, quando não há qualquer acto autonomamente impugnável anterior a um acto de liquidação versando sobre os seus pressupostos, pode «ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida» (parte final do artigo 54.º do CPPT), pelo que todas as questões relativas à legalidade dos actos de liquidação podem ser apreciadas nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º e do artigo 99.º do mesmo Código.
Na verdade, nos tribunais tributários, mesmo quando, tendo sido praticados actos de liquidação, se estiver perante uma situação em que poderia ser mais útil para o contribuinte o uso da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (por possibilitar, para além da apreciação da legalidade de actos a definição para o futuro dos direitos do contribuinte), o uso da acção em vez da impugnação judicial é uma mera faculdade, como decorre do próprio texto do artigo 145.º, n.º 3, do CPPT, ao dizer que «as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido». Isto é, o que se prevê nesta norma é limitação ao uso da acção e não limitação ao uso do processo de impugnação judicial.
Com efeito, é manifesto que o processo de impugnação judicial inclui a possibilidade de reconhecimento de direitos em matéria tributária, como o são o direito à anulação ou declaração de nulidade de liquidações, o direito a juros indemnizatórios e o direito a indemnização por garantia indevida, pelo que o facto de estar em causa o reconhecimento de direitos não é obstáculo à utilização do processo de impugnação judicial.
Assim, tendo o processo arbitral tributário sido criado como alternativa ao processo de impugnação judicial, é de concluir que não há obstáculo a que a legalidade dos actos de liquidação em causa neste processo seja apreciada por este Tribunal Arbitral, pois nos tribunais tributários essa legalidade poderia ser apreciada em processo de impugnação judicial.
Por isso, improcede a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente foi constituída em 1 de Março de 2002 sob a forma de sociedade por quotas, com a denominação social B…, Lda;
b) Em 2006, a Requerente passou a designar-se C…, Lda e, em 2013, passou a usar a firma A…, Lda.;
c) A Requerente iniciou actividade em 06-01-1978, encontrando-se colectada para o exercício de “Laboratórios de Análises Clínicas” (CAE…);
d) A Requerente dedica-se à actividade de imagiologia, através de vários estabelecimentos a que se deslocam os seus clientes e em que procede à recolha e processamento de imagens, não havendo hospitalização ou internamento;
e) Em 17-03-2008, a Requerente renunciou à isenção de IVA, passando a liquidá-lo aos seus clientes e a deduzi-lo, até 01-01-2014, data em que optou pelo regime de isenção;
f) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, determinada pela Ordem de Serviço n.º OI2014…, em que elaborado o Relatório que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
3.1. Enquadramento Tributário
O sujeito passivo está coletado para o exercício da atividade de "Act. Prática Médica Clínica Especializada, Ambulatório" (CAE…), tendo iniciado atividade em 01/03/2002.
Para efeitos de IVA, o sujeito passivo, à data do início da atividade, ficou enquadrado no regime de isenção consagrado no artº 3º do Código do IVA (CIVA), tendo, em 17/03/2008, optado pelo regime normal de tributação, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 12º do mesmo Código, através da entrega da declaração de alterações ao início de atividade, prevista no art.º 32º do CIVA.
O contribuinte ficou abrangido pelo regime normal de periodicidade trimestral, até 01/01/2014, data em que se enquadrou novamente no regime de isenção consagrado no artº 9.º do CIVA, através da entrega da declaração de alterações ao início de atividade.
(...)
3.2. Atividade Efetiva e Enquadramento em IVA
No decurso do procedimento inspetivo concluiu-se que a atividade do sujeito passivo consistia na prestação de serviços de saúde na área da imagiologia, designadamente ressonância magnética (RMN), TAC, ecografias, ecodopler, RX e densiometria.
A prestação de serviços de saúde de imagiologia beneficia de isenção de IVA consagrada no artigo 9.º do Código do IVA.
3.3. Renúncia à Isenção de IVA
Em 01/03/2002, o sujeito passivo ficou enquadrado no regime de isenção consagrado no artº 9º do Código do IVA (CIVA), tendo em 17/03/2008 optado pelo regime normal de tributação, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 12º do mesmo Código, através da entrega da declaração de alterações ao início de atividade, prevista no artº 32º do CIVA. Em consequência, e desde então, o sujeito passivo passou a sujeitar a IVA os serviços de imagiologia.
Efetivamente, no período em análise, o sujeito passivo sujeitou a IVA as operações efetuadas no âmbito das atividades desenvolvidas e descritas no ponto anterior e deduziu a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços.
Conforme se demonstrará no Capitulo III do presente relatório, a referida renúncia à isenção do IVA não se poderia ter concretizado por falta de cabimento legal, devendo o sujeito passivo no período em análise estar enquadrado no regime de isenção previsto no art. 9º do CIVA.
(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL E AO IMPOSTO EM FALTA
Imposto sobre o Valor Acrescentado
1. Enquadramento Legislativo da Atividade de Imagiologia na Saúde
A exposição que se segue visa proceder ao enquadramento da atividade de Imagiologia na Saúde, em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
1.1. Art. 9º, Nº 1,do CIVA
Nos termos do nº 1 do artº 9º do ClVA estão isentas de imposto "As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".
Contudo, atendendo a que o CIVA não contempla nenhuma definição no que respeita às atividades paramédicas, mostra-se necessário recorrer ao Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei nº 320/99, de 11 de agosto, uma vez que são estes diplomas que contêm os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.
De referir que a lista anexa ao Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, prevê no seu item 1, a atividade de Radiologia. De acordo com a descrição aí apresentada, esta atividade traduz-se na "realização de todos os exames da área de radiologia de diagnóstico médico; programação, execução e avaliação de todas as técnicas radiológicas que intervêm na prevenção e promoção da saúde;...".
Os diferentes exames são executados por médicos ou outros técnicos/profissionais de saúde regulados peio Decreto-Lei nº 261/93.
Refira-se, por fim, que a isenção prevista no referido nº 1 do artº 9º do CIVA opera independentemente da natureza jurídica do prestador de serviços e, nomeadamente, do facto de se tratar de uma pessoa singular ou coletiva.
1.2. Art. 9º, Nº 2, do CIVA
Nos termos do artº 9º, nº 2, do CIVA, estão isentas "As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares".
O nº 2 do artº 9º do CIVA transpõe para a ordem jurídica interna a alínea b) do nº 1 do artº 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, prevendo que estão isentas de imposto as seguintes atividades: "A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos".
Pelo que, se pode concluir que esta isenção abrange as prestações de serviços médicos e sanitários (atos de saúde) que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças ou quaisquer anomalias de saúde e as operações com elas conexas, efetuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma ou por estabelecimentos similares (hospitalização/internamento).
Por outro lado, consideram-se estabelecimentos similares, para efeitos da isenção referida, os estabelecimentos, públicos ou privados, que diagnostiquem e tratem doenças ou qualquer outra anomalia de saúde, ou seja, os estabelecimentos que efetivamente realizem operações que revistam a natureza de serviços de saúde.
1.3. Acórdão do TJCE - Âmbitos dos Nºs 1 e 2 do Artº 9º do CIVA
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no Processo C-141/00, referente ao caso Kugler (nº 36), evidenciou que as alíneas b) e c) do nº 1 do artº 132º da Diretiva do IVA, embora visem regular as isenções que são aplicáveis aos serviços de assistência médica, têm âmbitos distintos.
Enquanto a alínea b) - que corresponde ao nº 2 do artº 9º do CIVA - isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) – que corresponde ao nº 1 do artº 9º do CIVA — destina-se a isentar as prestações de serviços de caráter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar.
2. Situação do Contribuinte
2.1. Atividade Efetivamente Exercida
O sujeito passivo iniciou a atividade de prestação de serviços de saúde na área da imagiologia, designadamente ressonância magnética (RMN), TAC, ecografias, ecodopler, RX e densiometria, em 01/03/2002.
A atividade efetivamente exercida pelo sujeito passivo que beneficia de isenção de IVA, ao abrigo do artigo 9º do Código do IVA, e para a qual renunciou à isenção, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 12º do Código do IVA, consiste, essencialmente, na prestação de serviços de saúde na área da imagiologia (exames). Os diversos exames médicos são realizados nas instalações do sujeito passivo, situadas no …, pois a sua execução envolve a utilização de diversos equipamentos, alguns dos quais de grandes dimensões. Posteriormente, são analisadas as diversas imagens recolhidas e emitidos os competentes relatórios de exames.
Realça-se que, em caso algum os serviços prestados envolveram a hospitalização ou o internamento dos pacientes, bem como, pelo exposto no parágrafo anterior, se verifica que não são efetuados em meio hospitalar.
Os diferentes exames são executados por médicos ou técnicos/profissionais de saúde cuja atividade é regulada pelo Decreto-Lei nº 261/93 (Atividades Paramédicas).
2.2. Enquadramento em Sede do IVA
Conforme decorre do exposto no ponto 1., deste capítulo do relatório, o sujeito passivo não podia ser considerado isento de imposto por enquadramento no nº 2 do art 9º do CIVA, mas somente por invocação do disposto no nº 1 do mesmo articulado.
Assim, ao estar enquadrado no nº 1 do art 9º do CIVA, o sujeito passivo não poderia renunciar à isenção, por inexistência de norma legal que o permitisse fazer, por quanto a renúncia à isenção prevista na alínea b) do nº 1 do art. 12º do CIVA só se aplica à isenção do nº 2 do artº 9º do CIVA.
2.3. Consequências Fiscais
O sujeito passivo não podendo ter efetuado a renúncia à isenção deveria ter continuado enquadrado no regime de isenção previsto no artº 9º do CIVA, o que implica a não aceitação da totalidade do IVA deduzido, conforme o previsto no nº 1 do artº 20º do CIVA.
No quadro seguinte transcrevem-se os valores inscritos nas declarações periódicas (DP) do IVA entregues pelo sujeito passivo, designadamente os valores constantes dos campos do IVA dedutível (valores em euros):
Note-se que, não releva para a determinação do montante deduzido indevidamente o IVA que rói regularizado a favor do sujeito passivo (campo 40 das DP do IVA), dado que respeita essencialmente a correções ao imposto anteriormente liquidado. Porém, o valor de € 8.840,58, reconhecido na conta 243413 - Iva regularizações -, através do registo nº … do diário de operações diversas de agosto de 2011, e que contribuiu para o valor inscrito no campo 40 da DP, do 3º trimestre de 2011 (201109T), releva para o montante do IVA deduzido indevidamente por se reportar a dedução de IVA suportado na aquisição de serviços.
Do mesmo modo, nas operações passivas, para determinação do valor de IVA que globalmente se mostra em falta, devem ser corrigidos os montantes das regularizações de IVA a favor do Estado (campo 41 da DP) quando as aquisições de bens ou serviços que lhes deram origem foram contabilizadas e o respetivo IVA deduzido.
Consequentemente, os valores de IVA indevidamente deduzido, de acordo com as declarações periódicas (DP) de IVA entregues pelo sujeito passivo, nos anos de 2011 e 2012, ascendem a €197.726,92, e a € 129.042,46, respetivamente, repartidos pelos diferentes períodos de imposto, conforme quadro seguinte (valores em euros):
Importa salientar que os montantes considerados nos quadros anteriores de IVA deduzido e de regularizações a favor do Estado correspondem aos inscritos nas declarações periódicas do IVA entregues pelo sujeito passivo com referência àqueles períodos, após as substituições resultantes das regularizações voluntárias descritas no capítulo VI.
g) Na sequência da inspecção foram efectuadas as seguintes liquidações de IVA:
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PERÍODO
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N. LIQUIDAÇÃO
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DATA LIQUIDAÇÃO
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MONTANTE
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IVA
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1206T
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2015 …
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20-10-2015
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128.777,86€
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IVA
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1209T
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2015 …
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20-10-2015
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1.374,68€
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IVA
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1212T
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2015…
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20-10-2015
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10.836,09€
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h) Na sequência da inspecção foram efectuadas as seguintes liquidações de juros compensatórios:
PERÍODO
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N. LIQUIDAÇÃO
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DATA LIQUIDAÇÃO
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MONTANTE
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DATA LIMITE PAGAMENTO
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JC
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1209T
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2015 …
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20-10-2015
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1.539,65€
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JC
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1212T
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2015 …
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20-10-2015
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1.400,66€
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i) Em 16-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados
Não e provou que a Requerente tivesse prestado garantia para suspender alguma execução fiscal para cobrança coerciva das quantias liquidadas.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
4. Matéria de direito
4.1. Âmbito do contencioso tributário dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e questão que é objecto do processo
O regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º.
Por isso, tem de se aferir da legalidade dos actos impugnados tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.
Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos e deixar de declarar a ilegalidade do concreto acto praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstracta um hipotético acto com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado. ( [1] )
Por isso, está para além dos poderes de cognição deste Tribunal Arbitral apreciar se os actos impugnados se poderia basear em outros fundamentos jurídicos, para além dos que são invocados na sua fundamentação, que consta do Relatório da Inspecção Tributária.
A Requerente presta serviços de imagiologia que não envolvem hospitalização daqueles a quem os serviços são prestados.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária subjacente às liquidações impugnadas, entendeu, em suma, que:
– «O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no Processo C-141/00, referente ao caso Kugler (nº 36), evidenciou que as alíneas b) e c) do nº 1 do artº 132º da Diretiva do IVA, embora visem regular as isenções que são aplicáveis aos serviços de assistência médica, têm âmbitos distintos»;
– «Enquanto a alínea b) - que corresponde ao nº 2 do artº 9º do CIVA - isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) – que corresponde ao nº 1 do artº 9º do CIVA — destina-se a isentar as prestações de serviços de caráter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar»;
– «O sujeito passivo não podia ser considerado isento de imposto por enquadramento no nº 2 do art 9º do CIVA, mas somente por invocação do disposto no nº 1 do mesmo articulado» e que, por a sua situação ter esse enquadramento, «não poderia renunciar à isenção, por inexistência de norma legal que o permitisse fazer, por quanto a renúncia à isenção prevista na alínea b) do nº 1 do art. 12º do CIVA só se aplica à isenção do nº 2 do artº 9º do CIVA».
Nestes termos, a questão a apreciar consiste, em primeira linha, em saber se é correcta a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao considerar que só a actividade exercida em meio hospitalar se enquadra no n.º 2 do artigo 9.º e que a actividade da Requerente não é exercida nesse meio, por ser desenvolvida em instalações próprias, sem que os serviços prestados tenham envolvido a hospitalização ou internamento dos pacientes.
Isto é, não releva para aferir da legalidade das correcções efectuadas o que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere na Resposta e nas alegações apresentadas no presente processo, sobre, no caso de se entender que a situação da Requerente se enquadra no n.º 2 do artigo 9.º, ser necessário aferir se é possível a renúncia à isenção à face do princípio da neutralidade, «situação que não chegou a ser apreciada pela AT visto que ficou prejudicada face ao enquadramento da actividade da Requerente» (artigo 61.º e seguintes da Resposta). Na verdade, os fundamentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira não apreciou ao praticar o acto, não são fundamentos do acto praticado, consubstanciando a sua invocação fundamentação a posteriori.
Por isso, só relevando a fundamentação contemporânea do acto, se se concluir que a situação da Requerente se enquadra naquela artigo 9.º, n.º 2, do CIVA, será forçoso concluir pela ilegalidade do acto por erro sobre os pressupostos de direito.
4.2. Regime legal aplicável
Os artigos 9.º e 12.º do CIVA estabelecem o seguinte, no que aqui interessa, nas redacções anteriores à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, vigente nos períodos em que ocorreram os factos tributários:
Artigo 9.º
Isenções nas operações internas
Estão isentas do imposto:
1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;
2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;
(...)
Artigo 12.º
Renúncia à isenção
1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:
(...)
b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas;
(...)
2 - O direito de opção é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação.
3 - Tendo exercido o direito de opção nos termos dos números anteriores, o sujeito passivo é obrigado a permanecer no regime por que optou durante um período de, pelo menos, cinco anos, devendo, findo tal prazo, no caso de desejar voltar ao regime de isenção:
a) Apresentar, durante o mês de Janeiro de um dos anos seguintes àquele em que se tiver completado o prazo do regime de opção, a declaração a que se refere o artigo 32.º, a qual produz efeitos a partir de 1 de Janeiro do ano da sua apresentação;
b) Sujeitar a tributação as existências remanescentes e proceder, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, à regularização da dedução quanto a bens do activo imobilizado.
Estas isenções estão conexionadas com o artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, de 28-11-2006, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:
(...)
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa;
4.3. Possibilidade de renúncia à isenção
A referida alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA, na redacção anterior à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, permite a renúncia à isenção de IVA a «estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas».
O artigo 9.º, n.º 2) do CIVA prevê a isenção das «prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares», pelo que, em face da correspondência textual, tem de se concluir que apenas estas entidades enquadradas neste n.º 2) podem renunciar à isenção e não também as que beneficiam da isenção ao abrigo do n.º 1).
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os campos de aplicação das alíneas b) e c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE correspondem aos campos de aplicação dos n.ºs 2) e 1), respectivamente, do artigo 9.º do CIVA.
Com esse pressuposto, na esteira de jurisprudência do TJUE sobre o campo de aplicação da norma das alíneas b) e c) do artigo 13.º- A, n.º 1, da Sexta Directiva [literalmente correspondentes às alíneas b) e c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE] ( [2] ), entendeu que que aquela alínea c) e, consequentemente, o n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, abrange prestações de serviços de saúde efectuadas por pessoas colectivas e que a alínea b) – que corresponde ao n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA – isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) – que corresponde ao n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA – destina-se a isentar as prestações de serviços de carácter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar.
No entanto, o TJUE, no acórdão L.u.P. ( [3] ), posterior ao acórdão Kügler, esclareceu que
«O artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, (...) deve ser interpretado no sentido de que análises clínicas que tenham por objecto a observação e o exame dos pacientes a título preventivo, que sejam efectuadas, como as que estão em causa no processo principal, por um laboratório de direito privado externo a um estabelecimento de assistência médica sob prescrição de médicos generalistas, são susceptíveis de ser abrangidas pela isenção prevista por essa disposição enquanto cuidados médicos dispensados por outro».
Neste acórdão L.u.P., TJUE entendeu que «uma vez que as análises clínicas são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica» previsto no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Directiva, um laboratório como o que está em causa no processo principal deve ser considerado um estabelecimento da «mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na acepção dessa disposição» (ponto 35).
Em recente acórdão, o TJUE reafirmou «que um laboratório de direito privado que efetua análises clínicas deve ser considerado um estabelecimento «da mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na aceção dessa disposição, uma vez que essas análises são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica» previsto na referida disposição (ponto 35 do acórdão De Fruytier, de 02-07-2015, proferido no processo n.º C-334/14, em que se citam os acórdãos L.u.P., C-106/05, pontos 18 e 35 e CopyGene, C-262/08, ponto 60).
O tipo de exames de diagnóstico que a Requerente realiza é essencialmente idêntico às análises clínicas, para este efeito, pois, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, se englobam no conceito de «assistência médica» previsto na referida disposição.
Por isso, os estabelecimentos da Requerente devem considerar-se como sendo «da mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» para efeitos na acepção dessa disposição.
Assim, tem de se concluir que, à face da jurisprudência do TJUE, a isenção prevista na alínea b) do artigo 132.º abrange os serviços prestados por entidades dos tipos que presta a Requerente, mesmo que a prestação não ocorra em meio hospitalar, interpretação que está em manifesta sintonia com o texto desta norma, ao fazer referência à isenção das operações estreitamente relacionadas com a hospitalização e a assistência médica asseguradas aos «centros de assistência médica e de diagnóstico».
No que concerne ao artigo 9.º do CIVA, o texto do seu n.º 2), não fornece também suporte explícito para a tese da defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que apenas a actividade exercida em meio hospitalar nele se enquadra e, designadamente, que está fora da sua previsão a prestação de serviços de análises clínicas e de diagnóstico conexos com actividades hospitalares.
Na verdade, neste n.º 2) do artigo 9.º faz-se referência, para além dos estabelecimentos hospitalares, também a «clínicas, dispensários e similares».
A referência a «dispensários» abrange inequivocamente prestação de serviços de saúde fora desse meio hospitalar, pois o significado de «dispensário» é o de «estabelecimento de beneficência, para tratamento de doentes com dificuldades económicas, dando-lhes acesso a consultas e medicamentos gratuitos» ( [4] ), ou «estabelecimento para dar, gratuitamente, cuidados e medicamentos aos doentes pobres que podem ser tratados no domicílio» ( [5] ).
Por outro lado, a referência a «similares», interpretada em consonância com a norma paralela da alínea c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que faz referência a «centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza», permite concluir que caberão também nesse conceito entidades do tipo da Requerente, que presta serviços de saúde de diagnóstico.
Assim, não tem suporte textual a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que a isenção aplicável aos estabelecimentos do tipo da Requerente não está prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.
Pelo exposto, a Requerente tinha direito à isenção ao abrigo desta norma e, consequentemente tinha direito a renunciar a ela, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do CIVA.
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as liquidações de IVA, em que se integram (artigo 35.º, n.º 8 da LGT), pelo que enfermam do mesmo vício.
Pelo exposto, conclui-se que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação.
4.4. Indemnização por garantia indevida
A Requerente faz referência a um pedido de indemnização por garantia indevida, se viesse a prestá-la.
Não se provou que a Requerente tivesse prestado qualquer garantia conexionado com as liquidações impugnadas, pelo improcede este pedido.
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelas Requerentes, designadamente o da impossibilidade de desconsideração da renúncia à isenção com efeitos retroactivos e da consequente requalificação do sujeito passivo com efeitos retroactivos.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral principal e anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios
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PERÍODO
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N. LIQUIDAÇÃO
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DATA LIQUIDAÇÃO
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MONTANTE
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IVA
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1206T
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2015 ...,
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20-10-2015
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128.777,86€
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IVA
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1209T
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2015 …
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20-10-2015
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1.374,68€
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IVA
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1212T
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2015…
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20-10-2015
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10.836,09€
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PERÍODO
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N. LIQUIDAÇÃO
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DATA LIQUIDAÇÃO
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MONTANTE
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DATA LIMITE PAGAMENTO
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JC
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1209T
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2015 …
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20-10-2015
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1.539,65€
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JC
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1212T
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2015…
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20-10-2015
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1.400,66€
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c) Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 143.928,94.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 31-10-2016
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(José Nunes Barata)
(Paulo Lourenço)
[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;
– de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289;
– de 09/10/2002, processo n.º 600/02;
– de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».
[2] Ponto 36 do acórdão Kügler, de 10-09-2002, proferido no processo n.º C-141/00.
[3] De 08-06-2006, proferido no processo n.º C-106/05
[4] Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 5.ª edição, página 483, também disponível em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/dispensários.