Decisão Arbitral
A - Relatório
A…, contribuinte fiscal n.º…, residente na Rua …, n.º…, …, em …, na Amadora, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º e n.º 1 do artigo 6.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, veio:
requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COM ÁRBITRO SINGULAR com vista à obtenção de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), correspondente à liquidação do ano de 2011, com o n.º 2015 … e no valor de EUR 18.652,75 (dezoito mil, seiscentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), incluindo sobretaxa extraordinária e juros compensatórios.
Esse pedido deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 24 de fevereiro de 2016.
É Requerida a Administração Tributária e Aduaneira (AT).
O Requerente não procedeu à designação de Árbitro. Para o efeito, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou, então, o signatário, que expressamente aceitou essa nomeação. As partes foram devidamente notificadas da mesma, não tendo manifestado vontade de a recusar.
O tribunal arbitral foi assim constituído em 6 de maio de 2016.
A AT juntou o processo administrativo e apresentou tempestivamente a sua resposta, tendo impugnado o pedido e sustentado a legalidade do ato tributário em crise, com a correspondente improcedência total daquele e a consequente absolvição da Requerida.
Foi oportunamente dispensada a reunião a que alude o art. 18º do RJAT, bem como a produção de alegações, tudo com a concordância de ambas as partes.
O Requerente veio oferecer a decisão proferida no arbitral tributário que correu termos no CAAD com o n.º 155-16-T, a qual se encontra publicada e acessível no sítio de internet do CAAD.
O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade jurídica, capacidade judiciária e são legítimas.
O processo não enferma de nulidades.
Pedido
Como se disse, o Requerente vem contestar o ato tributário correspondente à liquidação de IRS relativa ao ano de 2011, com o n.º 2015…, no valor total de € 18.652,75 (incluindo sobretaxa extraordinária e juros compensatórios) e com data limite de pagamento em 20 de Janeiro de 2016. Nessa contestação requer a anulação do ato tributário, em síntese, por vícios de errónea qualificação e quantificação dos factos e rendimentos tributários, bem como preterição de formalidades legais.
Mais desenvolvidamente, o Requerente imputa os seguintes vícios ao ato em crise:
a) violação de lei;
b) inexistência de fundamento bastante, porquanto a norma invocada não constitui uma norma de incidência mas estipula uma mera obrigação acessória;
c) preterição do princípio da descoberta da verdade material (art 58º da LGT e 6º do RCPIT);
d) presunção de veracidade das declarações do sujeito passivo (art. 75, nº1 da LGT);
e) existência de dúvida fundada (art. 100, nº1 do CPPT).
B - Matéria de facto
Nos presentes autos considera-se encontrar-se provada, com relevância para a decisão da causa, a factualidade a seguir descrita.
A liquidação adicional em crise tem subjacente um procedimento de inspeção externa, aos exercícios de 2011 e 2012, relativo a IRS e a IVA.
Nele a AT veio a concluir que o Requerente não tinha na sua posse os documentos comprovativos de suporte das importâncias recebidas do seu cliente B…, alegadamente, a título de adiantamento de despesas em nome e por conta do cliente, nos termos do artigo 116.º do CIRS.
Este é o fundamento do ato em crise.
E de facto o Requerente não tinha na sua posse tais documentos, nem nunca os exibiu.
Essas importâncias foram auferidas pelo Requerente no âmbito da sua atividade liberal de perito avaliador (código … da Tabela Atividades do art.º 115º do CIRS.
Em 2011 o Requerente encontrava-se enquadrado pelo regime simplificado de quantificação de rendimentos da Categoria B de IRS (cfr. artigo 31.º do CIRS).
Relativamente a esse ano, o Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS devida, incluindo o correspondente anexo B.
Nele declarou como outras prestações de serviços e outros rendimentos (incluindo mais-valias) o valor de 14.278,38€.
Declarou ainda como adiantamento para pagamento de despesas por conta e em nome de clientes o montante de 71.113,71€, valor que inclui IVA.
Aquando da inspeção tributária o Requerente não tinha na sua posse qualquer documento relativo aos adiantamentos ou reembolsos de despesas suportadas por conta e em nome do cliente que titulasse aquela verba.
A AT notificou o Requerente para, no prazo de oito dias, apresentar documentos comprovativos ou justificativos das despesas pagas por conta e em nome do cliente e relativas às quais haviam sido emitidos os recibos verdes em causa.
O Requerente veio esclarecer, por escrito, que “Apesar do esforço, no sentido de conseguir obter os documentos/meios de prova referentes aos montantes recebidos como adiantamento de despesas pagas por conta e em nome do cliente, B…, até à presente data não foi possível obtê-los. No entanto aguarda-se a obtenção dos mesmos, que na altura faremos chegar aos serviços da Autoridade Tributária”.
O Requerente ofereceu a declaração anual emitida pelo B… e datada de 20 de Janeiro de 2012, de onde consta como valor de honorários pagos em 2011 o montante de 14.278,38€, igual portanto ao somatório dos valores de honorários constantes dos recibos verdes por si emitidos no ano de 2011 (14.278,38€).
Dessa declaração não consta qualquer menção ao somatório dos valores de recibos relativos às despesas controvertidas (71.113,71€).
Por ofício de 20-11-2015, entregue em mão, foi o Requerente notificado para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de quinze dias.
O Requerente não exerceu esse direito.
A liquidação de IRS tem por base o valor de 71.113,71€, expurgado posteriormente do IVA correspondente e, subsequentemente, deduzido ainda de 30% do valor resultante.
Foi a verba líquida de IVA e de 30% de despesas presumidas que deu lugar á quantificação de IRS e sobretaxa adicionais e juros compensatórios.
Esta dedução decorre da opção do Requerente pela tributação de acordo com o regime simplificado de IRS.
20 de janeiro de 2016 era data limite para pagamento da liquidação adicional controvertida.
O pedido arbitral deu entrada no CAAD em 24 de fevereiro de 2016.
Inexistem factos relevantes para a boa decisão da causa que se devam considerar não provados.
A matéria de facto dada como provada decorre dos documentos juntos aos autos e das declarações das partes, as quais não são controvertidas.
C - Do Direito
Posição das Partes - Requerente
O Requerente reconhece que o ato tributário em crise decorre da não exibição dos documentos comprovativos das despesas alegadamente suportadas em nome e por conta do cliente e por este reembolsadas. Bem vistas as coisas, e em síntese de traço largo, o Requerente contesta que da falência dessa obrigatoriedade possa decorrer uma liquidação de imposto, daí decorrendo errónea qualificação e quantificação dos rendimentos e dos factos tributários e ainda preterição de formalidades legais.
A decisão do Tribunal arbitral singular que funcionou no CAAD acima aludida e já publicada, respeita a factos em tudo idênticos aos dos presentes autos, mas aí relativos ao ano de 2012 e não ao de 2011. Aí se decidiu a favor da pretensão do Requente, por se entender que a AT não deu cumprimento ao princípio da busca da verdade material, ao não ter contactado o B… para procurar obter a documentação em falta.
Posição das Partes – Requerida
A AT, por sua vez, pugna pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado, por entender corresponder a uma correta aplicação do direito à realidade material controvertida, considerando não lhe competir promover a obtenção da documentação solicitada e em falta, pois que cabia ao Requerente, nos termos da lei, ter a mesma em seu poder, para poder, legitimamente, atribuir às verbas em causa o tratamento fiscal que lhes conferiu em IRS. E que ao não ter exibido esses documentos, não superou o ónus da prova que sobre si impendia.
Na sua resposta a AT refere um número e montante de liquidação de imposto diversos, o que se releva como erro manifesto, provavelmente respeitante à referência e aos valores de 2012.
Fundamentação
Tudo visto cumpre decidir.
Da documentação
Recapitulando, a liquidação controvertida decorre de um procedimento de inspeção externa, no termo do qual a AT veio a concluir que o Requerente não tinha na sua posse evidência dos documentos comprovativos das importâncias recebidas do seu cliente B… no âmbito da sua atividade de perito avaliador, e cujos recibos verdes diziam respeitar a adiantamento (ou reembolso) de despesas suportadas por si mas em nome e por conta do seu cliente, nos termos do artigo 116.º do CIRS. Sendo que como se viu, esta matéria de facto não é controvertida e constitui o fundamento do ato tributário.
Assim e no que diz respeito ao ano de 2011, determinaram os serviços que: “Da análise efectuada aos registos do sujeito passivo e ao sistema informático da AT, verificou-se que no período de 2011 foram emitidos recibos verdes/recibos verdes electrónicos referentes a importâncias recebidas a título de adiantamento para pagamento de despesas por conta e em nome do cliente, no montante de 71.113,71€ (valores com IVA). Porque segundo se verifica, não foram recebidos outros valores para além dos indicados nos recibos, então estes incluem IVA que será de expurgar, apurando-se assim o valor sujeito a tributação, no montante de 57.816,02€ (71.113,71€ /1.23). Conclui-se que os rendimentos omitidos sujeitos a tributação em sede de IRS e de IVA são no montante de 57.816,02€”; mas que “O sujeito passivo, conforme referido II.3.1, encontra-se enquadrado em IRS, pelos rendimentos da Categoria B – Rendimentos Empresarias, no regime simplificado de tributação, pelo que o rendimento da categoria B será apurado de acordo com as regras do regime simplificado, nos termos do estipulado no nº 2, do artº 31 do CIRS, aplicando-se aos rendimentos omitidos, o coeficiente …. de 0,70 ….”, apurando assim um valor a tributar adicionalmente de 40.471,21€, “resultante da aplicação do coeficiente (0,70) previsto no artº 31 do CIRS ao valor de 57.816,02€”.
Vemos, pois, que a AT, ainda que não tendo os documentos na sua posse, estima que as despesas foram sujeitas a IVA à taxa normal, facto que só pode beneficiar o Requerente (já que aquelas poderão ter sido sujeitas a IVA a taxa inferior ou mesmo isentas de IVA).
Já o Requerente alega que não poderia ter os documentos em sua posse, pois os mesmos foram emitidos em nome do B… e que ele, sujeito passivo, realizou o que seria possível para demonstrar a veracidade dos factos, ao solicitar esclarecimentos ao B… no decurso do procedimento de inspeção e ao exibir a declaração anual emitida pelo B… .
Ora, não se pode nesta parte concordar com a tese do Requerente. Ele manifestamente “não fez tudo quanto estaria ao seu alcance” para cumprimento da disposição legal acima citada, nem sequer adotou o comportamento que seria expectável de um profissional normalmente diligente: conservar cópias simples desses documentos, para se necessário demonstrar a natureza não retributiva das verbas auferidas e a sua natureza de mero reembolso das significativas despesas suportadas numa relação profissional. Com efeito o curial seria que tivesse conservado cópias desses documentos, precisamente para os entregar à AT em caso de procedimento inspetivo, já que eram a causa de consideração das verbas auferidas como excluídas da base tributável. Isto, quando tais verbas excedem 70 mil euros e mais do triplo dos honorários auferidos (ou seja do volume de negócios anual), sendo pois materiais, quer em termos absolutos, quer em termos relativos.
Art 116º do CIRS – Evidenciação e documentação
E dúvidas não restam que a isso estava o Requerente obrigado, ainda que lance dúvidas sobre essa obrigação. Vejamos então.
Sob a epígrafe “Livros de registo”, o Artigo 116.º do CIRS vem estipular que:
“1. Os titulares dos rendimentos da categoria B são obrigados:
a) A escriturar os livros a que se referem as alíneas a), b), e c) do n.º 1 do artigo 50.º do Código do IVA, no caso de não possuírem contabilidade organizada; e
b) A evidenciar em separado no respectivo livro de registo as importâncias respeitantes a reembolsos de despesas efectuadas em nome e por conta do cliente, as quais, quando devidamente documentadas, não influenciam a determinação do rendimento, quando não possuam contabilidade organizada.”
Como o reconhecem pacificamente, quer o Requerente, quer a Requerida, o livro de registo de rendimentos auferidos deve, pois, evidenciar, em separado, de um lado os rendimentos propriamente ditos – provenientes de prestações de serviços, e do outro, os demais rendimentos auferidos pelo sujeito passivo – que se destinam a reembolsar despesas efetuadas em nome e por conta de clientes.
Estas despesas, quando devidamente documentadas, não influenciam a determinação do rendimento global do sujeito passivo. Entendem ainda as partes, igualmente sem contestação, que a lei obriga a que tais outros recebimentos, auferidos pelo sujeito passivo para o reembolso de despesas efetuadas em nome e por conta do cliente, estejam devidamente documentados (isto é, estejam suportados por recibos emitidos em forma legal, onde expressamente se evidencie tratarem-se de quantias recebidas para reembolso de despesas), sob pena de esses recebimentos serem considerados, também eles, verdadeiras contraprestações por serviços prestados, concorrendo portanto para a determinação do rendimento global do sujeito passivo.
E com efeito assim nos diz a alínea em causa (art. 116º, nº1, alínea b): as despesas, registadas em separado, quando devidamente documentadas, não influenciam o cômputo do rendimento tributável.
Mas o Requerente sustenta ter observado plenamente este comando ao emitir recibos com a menção de se tratarem de valores correspondentes a despesas por conta do cliente (e, consequentemente, não dizendo respeito a honorários). A AT entende que esse procedimento não é bastante, devendo o sujeito passivo, para cumprimento da norma, conservar ainda os documentos externos subjacentes.
Ora, “devidamente documentados”, não pode ter o alcance de mera emissão de recibo que qualifique o montante como reembolso (justificação a jusante, relativa aos outputs, de natureza interna portanto, porque emitida pelo sujeito passivo). Essa locução tem antes de se reportar, necessariamente, aos documentos comprovativos das despesas imputadas (por terceiros) ao cliente beneficiário do serviço prestado pelo profissional sujeito passivo (justificação a montante, relativa aos inputs, de natureza externa, porque emitida por terceiro, no caso o fornecedor do sujeito passivo em benefício do cliente deste). É isto que decorre da letra da lei e do princípio que, salvo exceções, postula a documentação de gastos com documentação externa.
Aliás como decorre também do Código do IVA e se analisou na decisão tirada no processo que correu termos no CAAD com o nº 29/2015-T.
E é essa precisamente a censura da AT ao Requerente: o facto de não possuir os documentos que titulem tais despesas, fundamentando assim o ato tributário precisamente nessa ausência de documentação devida. Do que decorre ter o Requerente incumprido o disposto no artigo invocado pela AT para fundamentar o ato tributário.
Art. 120, nº1 do RGIT- Obrigações acessórias
Como se viu o Requerente não comprova que as importâncias recebidas e aqui controvertidas, o foram a título de adiantamento por conta e em nome do cliente, quando o deveria fazer.
Não obstante, para o Requerente, dessa ausência de prova não decorreria fundamento bastante para o ato em causa, por ausência de norma de incidência que permita tributar aquelas verbas. Do que decorreria vício de violação de lei e erro na fundamentação.
No entanto, julga-se que não pode proceder esta tese do Requerente, nos termos da qual, o recálculo do rendimento sujeito a imposto seria inviável, mas tão só a mera aplicação de uma coima por violação de mera obrigação acessória (não havendo norma de incidência habilitante da tributação pretendida). Com efeito, para o Requerente, apenas haveria lugar a liquidação adicional de imposto em caso de falta de pagamento da divida tributária (não previamente liquidada ou auto-liquidada, presume-se, sob pena de se confundir liquidação adicional com execução). Mas, em seu entender, já não seria possível proceder a liquidação adicional de imposto nos casos de violação de meras obrigações acessórias para apuramento do quantum da obrigação de imposto, nomeada e precisamente, a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita e a prestação de informações (n.º 2 do artigo 31.º da LGT, citado pela Requerida). Assim, para o Requerente, o incumprimento daquele comando corresponde à violação de uma mera obrigação acessória, o que conduziria à aplicação de uma coima, mas nunca à legítima alteração do rendimento tributável, exatamente porque o artigo em causa não teria natureza de norma de incidência. Ou seja, o seu incumprimento não teria por virtualidade tornar uma verba não sujeita a imposto num rendimento a incluir na base tributável.
Ora, não é este manifestamente o sentido da norma, não tendo razão o Requerente. As verbas recebidas de clientes são componentes positivas do rendimento. A estas há que deduzir os gastos e as despesas suportadas para o exercício da atividade (em caso de contabilidade organizada), ou 30% das verbas auferidas (em caso de opção pelo regime simplificado de rendimentos). Ainda assim, excecionalmente, verbas incorridas em nome e por conta do cliente, mas só estas, não serão incluídas na componente positiva do rendimento, caso, mas apenas, se, observada a disciplina do art. 116 do CIRS.
Corresponde isto a dizer que há uma compressão da base tributável, observado que seja um ónus incidente sobre o sujeito passivo. Não se trata, pois, de tributar o que de outro modo não o seria, mas antes de subtrair das componentes positivas do rendimento sujeito a imposto certas verbas de caracter não remuneratório, verificados que sejam os pressupostos legais, em especial a demonstração da sua de natureza de exclusivo reembolso de despesas concretamente incorridas em nome e por conta de terceiro, tal como ocorre no regime do IVA e se analisou na decisão acima referida.
Trata-se pois, antes de mais, de matéria de prova e não de norma de incidência.
Repartição do ónus da prova
Ora, o ónus da prova cabe a quem invoca o facto (mero reembolso de despesas e não contrapartida por serviços prestados) em seu benefício (não inclusão nos rendimentos tributáveis), pelo que caberia ao Requerente a prova dos factos que alega (reembolso) – ver a este propósito as decisões tomadas nos processos que correram termos no CAAD sob os números 840/2014-T, 82-2015-T e 568/2015-T.
A isto acresce a clareza do art. 116 do CIRS (havendo comprovativo das verbas auferidas constituírem mero reembolso de despesas incorridas em nome e por conta do cliente, não será o valor recebido considerado no cálculo dos proveitos auferidos e sujeitos a imposto).
Não se vê que tenha aqui relevância um argumento histórico, segundo o qual haveria uma nova norma de incidência para sujeitos passivos sem contabilidade organizada, correspondente ao novo nº 7 do art. 3º do CIRS, o qual não teve natureza interpretativa, e que agora considera como rendimento os valores adiantados para despesas, caso até final do ano seguinte não seja apresentada a conta final relativa ao serviço prestado. A factualidade visada pelo novo número corresponde a adiantamentos do cliente sobre os quais não sejam prestadas contas, visando evitar que se mantenha eternamente indefina a natureza das prestações pecuniárias auferidas. Mas não foi isso que in casu ocorreu, pois os serviços foram prestados e as contas encerradas. Com efeito, no caso presente há sim reembolso pelo cliente de adiantamentos feitos pelo prestador do serviço, dos quais foram prestadas contas, mas não foram conservados os demonstrativos dessas mesmas contas (cópias ou originais das despesas alegadamente incorridas).
Improcede, pois, o argumento que este artigo não é fundamento bastante para a liquidação controvertida porque não constitui uma norma de incidência e impõe apenas uma mera obrigação acessória. Até porque se situa no âmbito do ónus da prova e o sujeito passivo não supera essa prova.
Art. 6º do RCPIT
O Requerente invoca ainda a aplicação do artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), para alegar que bastaria à AT, para se certificar da veracidade das declarações fiscais emitidas por ambos os contribuintes (B… e Requerente, reportando-se por isso quer à sua modelo 3, quer á declaração anual daquele), solicitar os documentos de suporte aos movimentos a crédito registados no extrato contabilístico do B… .
Trata-se, pois, aqui de saber se a AT teria o ónus de proceder á superação da ausência de prova bastante por parte do Requerente, quando este podia e devia ter essa prova em seu poder, ou pelo menos um início de prova (cópias da documentação em causa).
Ora, não tendo o requerente sequer aquelas cópias, parece haver culpa por parte deste na inobservância do disposto no art. 116. E cabia ao Requerente demonstrar que não era por causa que lhe fosse imputável, ou ao menos que não lhe fosse imputável a título de culpa, que se encontrava nessa situação de impossibilidade de exibição da documentação legalmente exigida.
É que a entender-se de outro modo, não só haveria imposição de um ónus exagerado e desproporcionado sobre a AT, como, dir-se-ia, seria essa conclusão insustentável nos termos da máxima kantiana: imagine-se que todos os sujeitos passivos omitem o cumprimento das suas obrigações acessórias, tendo a AT de tomar a iniciativa de as observar em substituição de todos eles para superar essa inércia coletiva. Paralisada ficaria a máquina fiscal, como é óbvio. Mais, não tendo o Requerente demonstrado que o facto não lhe é imputável (ónus da prova mais uma vez), a imposição desta exigência à AT constituiria até um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao procurar-se imputar a outro as consequências da inércia própria.
Neste sentido, a Requerida vem invocar, o teor do Ac. do TCA Sul, proferido no processo 06418/13 de 05/07/2013: “Por outras palavras, conforme jurisprudência com a qual concordamos, não competirá à A. Fiscal o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, antes cabendo ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Perante a prova dos elementos indiciários que levem a concluir pela simulação das operações descritas na factura, passa a recair sobre o contribuinte a prova dos pressupostos de que depende o direito à dedução (do I.V.A. pago a montante), ou seja, da existência da transacção e sua expressão quantitativa. Nestes termos, quando o acto de liquidação do I.V.A. se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à Administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do artº.82, nº.1, do C.I.V.A., e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artº.19, do mesmo diploma”.
Ainda que correspondente a factos não totalmente semelhantes há que reconhecer que o Acórdão faz alusão a um princípio central do sistema: o da repartição do ónus da prova, matéria analisada nas decisões acima referidas e que correram termos em tribunais arbitrais funcionando no âmbito do CAAD. Ao Requerente competia provar que as importâncias auferidas não correspondiam a remuneração por serviços prestados. E, para o efeito, carecia de observar um conjunto de obrigações acessórias, em especial a de poder demonstrar, ou ao menos fazer início de prova, de que efetivamente incorreu em despesas em nome e por conta do seu cliente e que as verbas que pretende subtrair à tributação decorrem de reembolso dessas concretas despesas.
E, na verdade, a obrigação de comprovar os elementos das declarações recai sobre os sujeitos passivos, como decorre do artigo 128.º do CIRS que sob a epígrafe “Obrigação de comprovar os elementos das declarações”, estabelecia ao tempo que:
“1 - As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija.
2 - A obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.
3 - O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos”.
Ou seja, a lei impõe ao sujeito passivo um ónus de prova, prova essa que deverá ser documental, só sendo admitida prova alternativa se aquela não for possível por motivo não imputável ao sujeito passivo. E como vimos, o sujeito passivo também não alega, nem demonstra, que foi por um motivo que não lhe seja imputável que se encontrou impedido de exibir à AT os documentos a que estava legalmente vinculado. Claro que o sujeito passivo poderia não ter os originais dos documentos. Mas sempre deveria ter conservado cópias dos mesmos. Sobretudo para valores tão elevados, quer em termos absolutos, quer em termos proporcionais, quando comparados com os honorários auferidos. Se assim fosse, teria o Requerente feito princípio de prova, podendo então com legitimidade e sem abuso, procurar impor à AT o ónus de contrariar essa prova, exigindo-lhe legitimamente uma investigação adicional com vista á descoberta da verdade material. Princípio a que se reconhece que a AT está efetivamente vinculada, pois essa verdade material constitui o objetivo último do procedimento tributário, já que só essa verdade material permite recortar com precisão a capacidade contributiva individual.
Mas da inércia do contribuinte não pode decorrer para a AT um ónus de substituição, totalmente inviável num quadro de administração de massas, até porquanto no caso se admitiram meios alternativos, não tendo o Requerente logrado sucesso nessas diligências, tendo-se limitado a oferecer a declaração do B…, manifestamente inclusiva.
Neste quadro, impõem-se como claro que num contexto de justa repartição do ónus de documentação da quantificação do imposto, num ambiente de administração de massas, não seja exigível à AT que se substitua à ação do sujeito passivo, para superar o ónus que lhe competia e que este não observou, tendo por isso incumprido uma obrigação acessória especificamente imposta por lei. Sobretudo quando não invoca, nem se demonstra, que essa não exibição decorra de uma impossibilidade que não decorra de culpa sua, ou mesmo que não lhe seja objetivamente imputável.
Verdade material e ónus da prova
Tem pois razão a AT quando sustenta improceder “qualquer alegada violação do princípio da verdade material”, por competir “ao sujeito passivo, fornecer à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária”, correspondendo este ónus a uma “componente fundamental para o equilíbrio do sistema”, razão pela qual “nas situações em que as declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, a presunção não se verifica”, como decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, incumbindo pois ao Requerente, nos termos do art. 74º da LGT, o ónus de demonstrar que a declaração havia sido efetuada “nos termos da lei” e, portanto, era na realidade verdadeira”.
Para essa conclusão cita Anselmo de Castro: “O ónus da prova pode ser entendido num sentido subjectivo e num sentido objectivo. Na primeira acepção, o ónus da prova refere-se à exigência que é imposta às partes de provarem os factos em que assenta a sua pretensão ou a sua defesa, e que será definida, em cada caso, segundo os critérios de repartição do ónus da prova que se encontram estabelecidos nos artigos 342º e seguintes do Código Civil. O ónus da prova objectivo, por sua vez, respeita às consequências da não realização da prova pela parte que com ela está onerada, permitindo determinar qual o sentido ou conteúdo da decisão a proferir pelo juiz quando, finda instrução do processo, se chega a uma situação de incerteza ou de non liquet sobre os factos relevantes. (…) verificando-se uma situação de falta ou insuficiência da prova relativamente a algum ou alguns dos factos alegados indispensáveis para a decisão da causa, estes devem ter-se como inexistentes, na medida em que não podem ser considerados como provados nem como não provados” (in, Lições de Processo Civil, 4º vol. (policopiadas), pág. 114). Para o mesmo efeito cita ainda Carlos Alberto Fernandes Cadilha (que por sua vez citava o autor anterior): “A solução pode estar, neste tipo de processos, em distribuir o ónus da prova, não em função da posição que as partes ocupam na relação processual, mas antes por referência às posições que lhes correspondem na relação jurídica material que está subjacente ao processo. Assim haveria que distinguir essencialmente entre os actos de conteúdo positivo em que a Administração impõe comandos, proibições e ablações, em que se justifica que seja a entidade administrativa a provar a existência dos pressupostos legais da sua actuação, e os actos de conteúdo negativo, pelos quais a Administração nega um interesse pretensivo do administrado, e em que competiria já a este demonstrar, em sede jurisdicional, que preenche os requisitos legais da autorização ou benefício que pretende obter.” - in Dicionário de Contencioso Administrativo, Coimbra, Almedina, 2006.
E para a mesma conclusão cita ainda o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (em anotação ao art. 100º do CPPT): “Trata-se da concretização prática da eliminação no domínio do contencioso tributário da presunção de legalidade dos actos da administração tributária, substituída por uma presunção de veracidade dos actos do cidadão-contribuinte, que foi anunciado no ponto 1 do preâmbulo do CPT. Esta regra consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre ónus da prova no procedimento tributário enunciada no art. 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário”; pelo que “será de impor ao contribuinte, no processo judicial, o ónus da prova de factos quando ele lhe é imposto no procedimento tributário, (…) harmonizando-a com a regra do nº 1 do art. 100º do CPPT, será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº 1, justificarem a anulação do acto impugnado” - cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Lisboa, Áreas Editora, 6ª Ed., 2011.
Para o efeito a AT refere ainda o Ac. do STA, proferido no proc. 0338-07, em 31 de julho de 2007: “tem sido entendimento pacífico da jurisprudência de que “à Administração Tributária cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artº 342º do CC, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação. Ao contribuinte cabe provar a existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, isto é, a efectiva existência das alegadas transacções” (acórdão desta Secção do STA de 23/5/07, in rec. nº 128/07). Como se escreveu no Acórdão desta Secção do STA de 17/4/02, in rec. nº 26.635, “cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja,… da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido”, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua a sua actividade. O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, 2ª edição, p. 269: “há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos”. Assim “quando o acto da Administração se traduza na afirmação positiva da prática, pelo contribuinte, do facto tributário e da sua expansão quantitativa, é a ela que incumbe a prova da sua verificação, devendo a dúvida ser resolvida pelo tribunal contra ela”” (acórdão citado de 23/5/07)”.
O que implica, neste caso, dever-se emitir uma pronúncia desfavorável à parte (Requerente, in casu) a quem incumbia fazer a prova desses factos (mero reembolso de despesas e não verdadeira remuneração), não competindo à AT o ónus de indagar sobre a veracidade das despesas junto de um terceiro (B…), pois esse ónus seria desproporcionado. E cabia ao Requerente proceder à prova dos factos alegados, não o tendo feito, quando convidado para o efeito. Isto porque, recuperando a terminologia acima, o Requerente procura um ato de conteúdo negativo: a AT procede á quantificação do rendimento tributável, pretendendo o Requerente proceder a um recorte negativo da base de incidência, para o que carece de demonstrar os pressupostos desse recorte.
A alegação de que seria irrazoável pretender a AT que o Requerente não tivesse desembolsado qualquer euro em despesas, e.g., para pagar uma certidão de registo de um bem, ou para pagar uma cópia certificada de um qualquer documento, por conta do seu cliente B…, improcede porquanto o Requerente era tributado pelo regime simplificado (essas despesas estavam já presuntivamente quantificadas em 30% do valor dos rendimentos brutos por opção do sujeito passivo). Assim, mais uma vez, competia ao Requerente, e só a este, demonstrar a qualificação dos gastos (despesas em nome e por conta de terceiro, i.e. outras despesas que não as suas despesas correntes) e a sua quantificação. Ora como vimos, o Requerente não supera qualquer destes ónus. Mais, não poderia a Requerida, sob pena de violação do princípio da legalidade, alvitrar arbitrariamente um valor supostamente razoável, ainda que inferior ao valor pretendido pelo Requerente. Assim, no caso, ou o Requerente demonstra a natureza das despesas e demonstra a quantificação do valor, ou não pode a autoridade tributária, discricionariamente, estimar um valor que de acordo com as regras da experiência, seja público e notório ser um mínimo que o sujeito passivo sempre incorreria (isto, porquanto, para além da aludida vinculação ao princípio da legalidade, inexiste um valor que pudesse ser razoavelmente alvitrado). A questão, está, pois, como se vem referindo, na repartição do ónus da prova. E da não superação desse ónus não decorre qualquer dúvida fundada sobre a veracidade, natureza e valor do facto tributário.
Assim, como decorre do exposto, entende-se não ter razão o Requerente quando invoca a favor da anulação do ato tributário a vinculação da AT à descoberta da verdade material, ainda que neste sentido vá a decisão tirada no processo que correu termos no CAAD sob o n.º 155-16-T. Para o Requerente esse dever concretizar-se-ia, no caso concreto, na obrigação da AT em encetar, oficiosamente, as iniciativas necessárias à descoberta da verdade material, em especial, a de notificar o B… para obter um extrato de conta, para então concluir se lá constavam as despesas adiantadas pelo Requerente. Mas, como se viu, entende-se que a vinculação à descoberta da verdade material terá de concretizar-se num limite de razoabilidade, de medida do esforço legitimamente exigível à administração, num contexto de incumprimento por parte do sujeito passivo. O que equivale a reconduzir-nos de novo à repartição do ónus da prova e não ao princípio da verdade material. E como se viu já, o Requerente incumpriu o ónus da prova que sobre si impendia.
Ainda assim poderá perguntar-se, mais uma vez, se há um início de prova relevante na declaração anual do B… . O que conduziria à imputação de um ónus subsequente à AT, nomeadamente, por invocação da aderência desta à descoberta da verdade material. O Requerente sustenta que sim, nomeadamente por entender que caso a AT fizesse uso do art. 59º, nº4 da LGT, o B… teria de responder, algo que ele Requerente não tem legitimidade para exigir do seu cliente, acrescendo que não poderia nunca ter em sua posse os originais dos documentos.
Ora, o certo é que o sujeito passivo deveria ter guardado cópia dos mesmos, o que poderia constituir então um princípio de prova bastante – sendo meras cópias, poderiam não constituir prova plena ou bastante da veracidade dos factos alegados, mas sim mero princípio de prova, com a virtualidade, porém, de inverter o correspondente ónus, impondo-o então á AT. No entanto não foi desse modo diligente que procedeu o Requerente. E a lei só em caso de ausência de responsabilidade admite prova alternativa. Acresce que a declaração do B… não permite extrair a conclusão pretendida pelo Requerente (apenas se diz que houve um montante pago a título de honorários, e silencia-se quanto á matéria controvertida).
Não procede assim, com este argumento, a pretensão do Requerente.
Art. 75, nº1 da LGT
As declarações dos sujeitos passivos presumem-se verdadeiras, caso sejam cumpridas as regras emanadas da legislação contabilística e da legislação fiscal e sem prejuízo das normas sobre a dedutibilidade de gastos.
Ora já se viu que as normas fiscais não foram observadas, razão pela qual aquela presunção não se verifica, conduzindo-nos ao instituto da repartição do ónus da prova.
A invocada auditoria realizada às contas do B… pela C… não releva para essa presunção, até porque: o valor das despesas é manifestamente imaterial para efeitos de auditoria, o gasto sempre estaria contabilisticamente documentado de modo válido pelo recibo emitido pelo Requerente e manifestamente a C… não se pronúncia sobre a inconclusiva declaração do B… junta aos autos, sendo que não teria de o fazer.
Também não se vê como a suposta (mas já refutada) inexistência de norma de incidência que inclua o reembolso de despesas (já que para o Requerente o art. 116º teria o alcance de mera obrigação acessória, cujo incumprimento seria sancionado com coima, mas não tendo impacto na determinação do quantum tributário – entendimento do qual se discorda, pelos motivos expostos), poderia ter relação com a presunção de veracidade (75º, nº1 da LGT), neutralizando a repartição do ónus da prova, ou mesmo invertendo essa presunção (art. 116 do CIRS).
Ou seja, mais uma vez, posicionando-nos no campo da repartição o ónus da prova, há que concluir pela improcedência do argumento do Requerente.
Art. 100, nº1 do CPPT
Pretende o Requerente, como acima se viu já, ser facto público e notório que um avaliador incorre em despesas e que a AT não considera um único euro como despesa na sua relação profissional com o B…, o que conduziria a fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário.
Mas como se viu também aqui não tem o Requerente razão. O legislador considera que 30% das verbas correspondem a despesas. E assim fez a AT que apenas considerou 70% do montante como sujeito a IRS (após dedução de um IVA presumido e, eventualmente, superior ao incorrido). Logo, não pode a AT alvitrar qualquer outro montante.
Trata-se, mais uma vez, outrossim, de saber se foi ou não cumprida a disciplina do art. 116 do CIRS e como se reparte o ónus da prova. Mas isso foi já analisado, em desfavor do Requerente.
Improcede pois, igualmente, o fundamento conexo com dúvida fundada.
D –Decisão e sua motivação
Tudo visto cumpre decidir.
Em síntese, há que decidir sobre a improcedência do pedido, por não se encontrar provado pelo Requerente, quando tal lhe competia, a natureza de despesas em nome e por conta de terceiros dos montantes auferidos em 2011 no exercício da sua atividade de profissional liberal, razão pela qual essas verbas são de qualificar como rendimento em sede de categoria B, com as demais consequências, como bem se entendeu no ato tributário em causa, que assim não merece qualquer censura.
E - Dispositivo
Em resultado do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de anulação do ato tributário de IRS.
F - Valor
O valor da cobrança controvertida e objeto do pedido (IRS, sobretaxa extraordinária e juros compensatórios) ascende ao valor total de € 18.652,75 (dezoito mil, seiscentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), sendo, pois, este o valor da ação e do pedido.
Assim e de harmonia com o disposto nos art.s 306.º, nºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o citado valor de € 18.652,75.
G - Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 € (mil, duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo do Requerente.
Lisboa, 4 de novembro de 2016
Texto elaborado em computador, nos termos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco, revisto e assinado pelo árbitro signatário.
O Árbitro
(Jaime Carvalho Esteves)