Decisão Arbitral
RELATÓRIO
1. Em 22 de Dezembro de 2015, A…, Lda, com sede na Rua do…, n.º…, …, …-… …, NIPC…, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. B… e a Requerida é representada pelos juristas, Dr. C… e Dr. D… .
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 4 de Janeiro de 2016.
4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende submeter à apreciação do Tribunal, por um lado, a legalidade do indeferimento (tácito) da reclamação graciosa apresentada, e consequentemente, o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2012, correspondente à não dedução à parte da colecta de IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC, no montante de € 7.671,14 (sete mil seiscentos e setenta e um euros e catorze cêntimos), ou, subsidiariamente, no montante € 15.274,93 (quinze mil, duzentos e setenta e quatro euros e noventa e três cêntimos), na medida em que este valor reflecte tributação autónoma indevida.
5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
6. O signatário aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 2 de Março de 2016, na sede do CAAD, sito na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
7. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 11 de Abril de 2016.
8. Não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição (tácita) manifestada pelas partes, notificadas para o efeito, o Tribunal entendeu, através do despacho que proferiu a 31 de Agosto de 2016, dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, a inquirição de testemunhas, bem como a apresentação de alegações.
9. Nesse mesmo despacho, o Tribunal, em cumprimento com o disposto no n.º 2 do artigo 21.º RJAT, prorrogou o prazo de decisão por um período de dois meses, e nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do mesmo diploma, fixou o dia 2 de Novembro de 2016 como data para a prolação da decisão arbitral, tendo, ainda, advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
10. Não obstante, o decidido quanto à dispensa da apresentação das alegações finais, foram as mesmas apresentadas pelas partes, tendo a Requerente apresentado as suas, no dia 28 de Setembro de 2016, e a Requerida, no dia 17 de Outubro de 2016.
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, e, consequentemente, de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2012, no montante de € 7.671,14 (sete mil, seiscentos e setenta e um euros e catorze cêntimos), ou, subsidiariamente, no montante € 15.274,93 (quinze mil, duzentos e setenta e quatro euros e noventa e três cêntimos), nos seguintes vícios:
a) Inicia, a Requerente, a sua exposição mencionando que, no dia 29.05.2013, entregou «a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 15.274,93.» Afirmando, ainda, que «na declaração referente ao exercício de 2012 apurou-se um montante a pagar (…)» o qual está «abatido de retenções na fonte sofridas, a cujo reembolso [a Requerente] tinha direito. Sucede, no que agora está aqui em causa, que ao imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC, o sistema informático da AT revela anomalias consubstanciadas no assinalar divergências (“erros”) que impedem que a requerente inscreva o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de pagamentos especiais por conta acumulados, o que resultou num excesso de imposto pago por referência ao exercício fiscal de 2012.»
b) Mais refere, a Requerente, que «em sede de pagamentos especiais por conta (PEC) subsiste um montante acumulado por deduzir à colecta do IRC que ascende em 2012 a € 7.671,14», entendendo que «dispõe de PEC´s passíveis de serem deduzidos à colecta das tributações autónomas em IRC do exercício de 2012, colecta esta que (…) ascendeu a € 15.274,93.»
c) Reforça, a Requerente, a sua tese referindo que «o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam para efeitos de apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas o pagamento especial por conta. Aquele sistema não permite, pois, deduzir uma parcela de pagamentos antecipados efectuados por conta do IRC que deverá ser devido a final – os PEC –, a uma parte do IRC final efectivamente apurado – as tributações autónomas.»
d) Continuando a sua posição, afiançando que «a questão que se pretende ver esclarecida é: tem ou não a [Requerente] o direito de proceder à dedução, também à colecta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma dos referidos pagamentos especiais por conta?» Mormente, porque e «tendo em conta a esmagadora jurisprudência arbitral que hoje qualifica as tributações autónomas como IRC, a requerente absolutamente nada vê na lei que afaste o abate dos pagamentos especiais por conta, também à colecta de IRC produzida pelas tributações autónomas.» Com efeito, «no ano de apresentação da declaração de Modelo 22 aqui em causa o sistema informático da AT ainda não pensava assim. E, em sede de reclamação graciosa, a AT optou por provocar o indeferimento tácito do peticionado, sancionando assim o que resulta do seu sistema informático, e contrariando com isso parecer seu anterior sobre este assunto.»
e) Considera, ainda, a Requerente que «do mesmo modo que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC previsto no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1 alínea a) do CIRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC, se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo código uns metros mais à frente (artigo 90.º, n.º 1 e n.º 2 alínea c) do CIRC, na redacção em vigor em 2013 abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC.»
f) Continua, a Requerente, a sua tese no sentido de que «donde a negação da dedução do PEC à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83.º, e desde 2014, passou a ser a alínea d) do referido n.º 2 do artigo 90.º do CIRC).»
g) Conclui, a Requerente a sua exposição, tecendo várias considerações e conclusões abonatórias da sua tese, e citando, complementarmente, decisões arbitrais que considera passíveis de sustentar a sua posição quanto ao facto de, quer o indeferimento tácito da reclamação graciosa, quer a autoliquidação de IRC (incluindo as suas taxas de tributação autónoma) aqui em apreço relativa ao exercício de 2012, padecerem do vício de violação de lei, por considerar que não deve ser vedada a dedução do pagamento especial por conta à parte de colecta de IRC correspondente à taxa de tributações autónomas.
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
Contra a pretensão da Requerente, analisa e caracteriza, a Requerida, por um lado, «a natureza jurídica das tributações autónomas,» articulando-as com as regras gerais em IRC (e em IRS), e por outro, a natureza jurídica do pagamento especial por conta, para concluir que «não merecem censura os actos tributários impugnados pela ora Requerente, devendo os mesmos permanecer válidos na ordem jurídica», pugnando para que o pedido formulado pela Requerente seja «julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências».
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de Facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram as posições expostas pelas partes, os documentos e o processo administrativo juntos aos autos.
a. Factos dados como provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. No dia 29 de Maio de 2013, a ora Requerente procedeu à apresentação da declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) Modelo 22 referente ao exercício de 2012, tendo nesse momento procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano, no montante de € 15.274,93 (quinze mil, duzentos e setenta e quatro euros e noventa e três cêntimos). – cfr. Documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 21 e ss do processo administrativo junto aos autos -;
B. Com a declaração de IRC Modelo 22, respeitante ao exercício de 2012, apurou-se um prejuízo para efeitos fiscais de € 148.800,49 e um montante de valor a pagar de € 15.082,84, o qual se encontra pago, e o qual resultou uma colecta de tributações autónomas no montante de € 15.274,93, deduzida de retenções na fonte suportadas no montante € 192,09. - cfr. Acordo entre as partes, documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 21 e ss do processo administrativo junto aos autos -;
C. Em sede de pagamentos especiais por conta subsiste, quanto ao exercício de 2012, um montante acumulado que ascende a € 7.671,14. - cfr. Documento n.º 1 junto com a petição inicial -;
D. A declaração Modelo 22 do IRC, e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22, os pagamentos por conta ainda por deduzir à colecta de IRS. – cfr. Acordo entre as partes, Documento n.º 1 junto com a petição inicial -;
E. No dia 27 de Maio de 2015, a ora Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação respeitante ao ano de 2012, à qual foi atribuído o processo n.º …2015… – IRC - 2012 (…/2015) – cfr. Documento n.º 2 junto com a petição inicial fls. 7 e ss, 114 do processo administrativo junto aos autos -;
F. No dia 29 de Setembro de 2015, por falta de decisão da reclamação graciosa, presumiu-se o seu indeferimento tácito, nos termos do disposto no n.º 1 e 5 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária – cfr. Acordo entre as partes -;
G. No dia 22 de Dezembro de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, face ao indeferimento tácito da reclamação graciosa indicada em E. supra.
VI. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
VII. Fundamentos de direito
Nos presentes autos, a questão fundamental que se coloca é a de saber se a Requerente tem direito a proceder à dedução, também à colecta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos pagamentos especiais por conta por ela suportados no exercício de 2012.
Ora, a título introdutório entende o presente Tribunal que deve, desde já, referir que se reserva, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Vide Acórdão do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 07.06.1995, Recurso n.º 5239) e artigos 607.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 123.º, 1.ª parte, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), ao direito de apreciar apenas os argumentos formulados pelas partes que entende pertinentes para a apreciação da questão aqui em causa, o que fará depois de ter identificado as partes e o objecto do litígio, ter enunciado as questões decidendas, e, depois de fundamentar a decisão discriminando os factos provados e os não provados, mais, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes e, por fim, apresentando a sua conclusão final (decisão).
Vejamos,
Ora, de uma forma pragmática podemos aferir que a questão que nos prende no presente processo é a de saber se, como pretende a Requerente, os pagamentos especiais por conta podem ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas que a oneram, no exercício de 2012, ou não.
Sucede que, para a correcta resolução da questão em apreço, entende o presente Tribunal arbitral que deverá iniciar a sua apreciação definindo os conceitos de tributação autónoma e de pagamentos especiais por conta, ambos em sede de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas, para depois apreciar a afinidade e relação existente entre estas duas figuras.
Assim,
A. Tributações autónomas
1. A figura das tributações autónomas surgiu, pela primeira vez, no ordenamento fiscal português, na Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro (Lei de Orçamento de Estado para 1988), conferindo uma nova redacção ao artigo 27.º do Decreto – Lei n.º 375/74, visando, a aplicação de uma taxa sobre as despesas confidenciais.
2. Com a entrada em vigor do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/88, de 30 de Novembro, aquela disposição legal foi revogada, surgindo, como que renascida, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de Junho, prevendo, agora, de forma mais específica, que “As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.”.
3. Na verdade, este renascimento decorreu do propósito legislativo de sancionar a tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas, alargando o seu âmbito de aplicação para as despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros, através da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril.
4. Ora, a evolução do regime das tributações autónomas foi sentida ao longo dos anos, não só, quanto às taxas aplicadas como também à sua extensão.
5. No entanto, e porque é isso que importa na matéria em apreço no presente processo, sempre será de relevar que a figura da tributação autónoma tem na sua génese o objectivo maior de evitar práticas de evasão e de fraude fiscal,– através das supra referidas despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros de órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários – , prevenir as chamadas “lavagem de dividendos” (n.º 11 do artigo 88.º do CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (n.º 13 da mesma norma legal). Ou seja, tem como objectivo essencial: tributar em sede de IRC o que não se consegue tributar em sede de IRS e de desincentivar a realização de certas despesas, que segundo o entendimento do legislador tinham como fito a diminuição do rendimento tributável, consolidando uma forma de evasão fiscal.
6. Na verdade, e neste enquadramento, como bem notava o Professor Saldanha Sanches, o intuito legislativo das tributações autónomas era “a de (quanto às despesas não documentadas) penalizar fortemente essas despesas de modo a evitar um leque de comportamentos que pode ir da distribuição oculta de lucros até outras despesas indocumentáveis como subornos. E em segundo lugar, caso elas ainda assim tenham lugar é tributá-las com uma taxa maior que as taxas combinadas do IRC mais IRS”; (cf. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra, p. 289).
7. Por sua vez, o Professor Casalta Nabais, nas suas doutas palavras, qualifica as tributações autónomas como “verdadeiros impostos sobre (certas) despesas realizadas pelas empresas. Tendo começado por incidir sobre despesas não documentadas e confidenciais e, depois, sobre as despesas de representação com viaturas, foram, entretanto, as mesmas alargadas a diversas despesas e, em sede de IRC, a alguns rendimentos como lucros distribuídos e certas indemnizações ou compensações. O que leva a reconhecer que no IRC temos tributações autónomas sobre determinados rendimentos, sobre despesas que não são gastos fiscais e sobre despesas que são consideradas os gastos fiscais.” [cf. Manual de Direito Fiscal]
8. Com efeito, releve-se que a qualificação jurídica da tributação autónoma tem dividido a doutrina e a jurisprudência. Na doutrina, há, por um lado, vozes [Sérgios Vasques] que defendem que, estando as tributações autónomas inseridas no Código do IRC, são uma componente deste imposto, não obstante, a sua característica fundamental: não apresentar qualquer incidência sobre o lucro, ao contrário do próprio IRC, e, por outro, há quem defenda, que a tributação autónoma é um imposto nos mesmos moldes que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), uma vez que tributando a despesas, apresenta uma maior relação com a tributação do consumo.
9. A verdade é que a tributação autónoma encontra a sua previsão no artigo 88.º do CIRC, sob a epígrafe “Taxas”, e tem tal designação por se tratar de uma realidade impar, e como o próprio nome indica “autónoma”, inserida no âmbito do Código do IRC (e IRS), que incide sobre despesas, ao contrário do IRC que incide sobre o lucro da sociedade.
10. No entendimento de Sérgio Vasquez [in Manual de Direito Fiscal, 2013, Almedina] a tributação autónoma é um elemento do IRC com a particularidade de ser uma obrigação única, sem carácter progressivo, não havendo qualquer constrangimento jurídico em um imposto sobre o rendimento – IRC – conter no seu escopo elementos que tributem a despesa.
11. Mais, refere quanto a este aspecto, o Acórdão do CAAD, de 24.02.2014, proferido no processo 209/2013-T, que:
«(…) o regime legal das tributações autónomas (…) apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.»
12. Na verdade, e ainda, na matéria da caracterização das tributações autónomas torna-se útil fazer referência ao aludido no Processo n.º 80/2014-T do CAAD, de 30.06.2014, pela clareza na sua exposição, que «as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é tributar lucros» – daqui se ressalvando o reconhecimento da existência, por um lado, de um regime (especial) das tributações autónomas, e por outro lado, o regime (regra) do IRC. Mais se retira, daquele aresto, o reconhecimento do carácter autónomo destas tributações autónomas decorrente da especial configuração que as mesmas têm na Lei, atendendo aos aspectos material e temporal dos factos em que as mesmas ocorrem, impondo-se, com isto, em determinadas situações, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC, quando defende que «a inclusão das tributações autónomas no respectivo Código (…) tem como corolário lógico a aplicação das normas gerais próprias deste imposto que não contendam com a sua especial forma de incidência.»
13. Ora, continuando esta linha de raciocínio, resgataremos o expendido no Processo n.º 639/2015-T, de 7 de Setembro de 2016, do qual o signatário fez parte do corpo de árbitros que decidiu aquele processo, no qual foi aludido o seguinte:
«Na realidade, a integração das tributações autónomas no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista[1], em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas coletas, por força da obediência a regras diferentes: num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III desse Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88, do CIRC.
Ou seja: ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto vencido da Sr.ª Professora Leonor Ferreira anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 697/2014 T, não há propriamente uma liquidação única de IRC, mas antes dois apuramentos, isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, do mesmo Código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou 88.º do CIRC, às respectivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
E relativamente à admissão das tributações autónomas como custo fiscal, dir-se-á que aceitá-las seria desfazer, afinal, o efeito dissuasor que com aquelas (tributações autónomas) o legislador visou atingir e anular essa mesma tributação autónoma, uma vez que o montante pago seria compensado pela redução do mesmo ao lucro tributável, logo, sobre o IRC a pagar ou sobre os prejuízos a reportar.»
14. Ora, no que respeita à questão da integração das tributações autónomas no Código do IRC, a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, diploma que previa a Reforma da tributação do rendimento, adoptou, como já mencionado supra, medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando, por esse motivo, aquele Código, entre outros. Com efeito, dessa alteração legislativa ressalta que o legislador não terá sentido a necessidade de explicitar, de forma geral, as consequências da coexistência de duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, cingindo-se apenas a acautelar as situações em que a isenção de IRC não se projectava nas tributações autónomas, e.g, artigo 12.º, âmbito das sociedades abrangidas pelo regime da transparência fiscal, as quais não sendo tributadas em IRC, são-no, contudo, no que toca às tributações autónomas.
15. Paralelamente, no que diz respeito às obrigações declarativas, previa o então, n.º 6 do artigo 109.º do CIRC, que as entidades isentas de IRC estavam obrigadas a apresentar a declaração periódica de rendimentos, quando sujeitas a tributações autónomas.
16. Ora, do apanhado destas previsões legais, constata-se que, no que toca às questões das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, ou do cálculo dos pagamentos por conta, o legislador incumbiu ao intérprete e o aplicador da lei a tarefa de identificar a parte relevante de colecta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido profícuo, literalmente possível, que permitisse uma solução coesa e concordante com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto.
17. Na verdade, no que toca à matéria das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, parece defender a Requerente (Vide artigos 38.º e seguintes, 72.º e seguintes da douta petição inicial) que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras previstas nos artigos 15.º e seguintes do CIRC e respectivas taxas previstas no artigo 87.º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.º daquele diploma. Com efeito, uma interpretação resultante de tal raciocínio implicaria que, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do artigo 105.º do Código do IRC, referindo que «Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90 (…)», e à semelhança do previsto no n.º 2 do artigo 90.º do mesmo diploma, fossem incluídas as tributações autónomas.
18. Ora, conforme é explicado no aresto arbitral já referido (Processo n.º 639/2015-T), e nesta sequência:
«(…) para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria coletável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art.º 87.º do respectivo Código.
Ora, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do art.º 33.º da LGT são «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributários.» constituindo uma « (…) forma de aproximação do momento da cobrança ao da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte.»
Portanto, em boa lógica, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria coletável que se identifica como lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.
Assim sendo, a delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior” e no n.º 1 do artigo 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º, “deve ser feita de forma coerente, sendo-lhe consequentemente atribuído (em ambos os preceitos), um sentido unívoco.
O que equivale a dizer que corresponde ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria coletável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do CIRC.
Assinala-se que, esta interpretação da expressão «montante apurado nos termos do número anterior” é também a única consistente com a natureza das deduções referidas nas alíneas do n.º2 do artigo 90.º do CIRC, relativas a:
- créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica [actuais alíneas a) e b)];
- benefícios fiscais [atual alínea c)];
- pagamento especial por conta [atual alínea d)];
- retenções na fonte [atual alínea e)].
E isso em face da interconexão que no plano material, deve ser estabelecida entre as realidades refletidas por essas deduções e a origem do montante do qual são subtraídas.»
19. Na verdade, as realidades previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC dizem respeito a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável, a qual é determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, razão pela qual, entendemos que são alheias às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.
20. Ora, posto isto, o que se pretende no presente processo não é saber se as tributações autónomas são ou não IRC. É pacífico que a liquidação destas tributações autónomas se efectua com base nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do CIRC, no entanto, são aplicadas regras diferentes para o cálculo do imposto. Vejamos,
21. Enquanto que, num caso de liquidação, o cálculo de imposto opera mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras dos artigos 15.º e seguintes do CIRC, no outro caso, tal como previsto no artigo 88.º do CIRC, são apuradas taxas diferenciadas consoantes os casos que originam as tributações autónomas em apreço.
22. Significa isto que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, segundo a qual: «a liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos: a) quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que dela conste», o montante apurado não tem carácter unitário, dado que se suporta em valores calculados segundo regras diferentes, associadas a finalidades diferentes. Assim sendo, temos que as deduções previstas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual tenha uma correspondência directa, de modo a que a coerência da estrutura do regime regra do imposto se mantenha.
23. Ora, a discussão em apreço, segundo a leitura que se fez dos articulados no presente processo, circunscreve-se à forma como a liquidação é efectuada. Por um lado, temos a Requerida que considera que são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas, por outro lado, a Requerente, com entendimento contrário.
24. De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas às declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, daquele diploma, são aplicáveis às tributações autónomas.
25. Conforme refere o Acórdão do CAAD já citado (processo n.º 639/2015-T), e que aqui retomamos:
«(…) é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas prevista no CIRC tem a natureza de IRC.
De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações. Não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.»
26. Deste modo, podemos concluir que existem disparidades entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultado do lucro tributável, as quais se limitam à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, no que toca ao IRC, previstas nos artigos 15 a 88.º do CIRC. Sendo que, para este imposto se prevê como base o lucro tributável, e no artigo 88.º do CIRC, a base é a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
27. No entanto, as formas de liquidação previstas nos artigos 89.º e seguintes do mesmo Código são aplicáveis tanto às tributações autónomas como à matéria tributável em sede de IRC.
28. Contudo, e ponderando a situação da autoliquidação de IRC, efectuada ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 90.º, que poderá conter diferentes cálculos parciais com base em diferentes taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, é de relevar que tal situação não implica que haja mais que uma liquidação. Este entendimento é suportado pela expressão prevista naquela norma - «liquidação» - presente em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria coletável que delas conste». – como é defendido no Acórdão do CAAD, processo 639/2015-T -. Daqui se retira, então, que seja a matéria colectável determinada, por um lado, com base nas regras dos artigos 15.º e seguintes do CIRC, por outro, a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º daquele diploma legal.
29. Convenhamos que, os vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis não se cinge única e exclusivamente às liquidações previstas no artigo 88.º do CIRC, tal situação poderá ocorrer igualmente nas situações previstas nos n.º 4 a 6 do artigo 87.º do mesmo Código, referente às tributações autónomas.
30. Seja como for, independentemente dos cálculos levados a cabo, é só uma a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Administração Tributária deverão efectuar nos termos do disposto na alínea a) do artigo 89.º, alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 90.º e artigos 120.º ou 122.º, sendo com base no produto daí resultante que é calculado o imposto (IRC) global, independentemente das matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
31. Neste contexto, refere o Acórdão supra citado: «Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3 da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
32. Face ao exposto, não se vislumbra ou acolhe qualquer violação da Requerida das regras de procedimento e/ou de forma de liquidação previstas no artigo 90.º do CIRC com a desconsideração, para o efeito, das tributações autónomas liquidadas e pagas pela Requerente, improcedendo desde já o pedido formulado quanto a esta situação.
B. Pagamento especial por conta (artigo 106.º do CIRC)
1. A Requerente na sua douta petição inicial, suscita a questão da dedução ao “montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC »( n.º 1) do pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º do CIRC, tal como previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º, na redacção em vigor à data dos factos. – Vide artigo 38.º da douta petição inicial.
2. Ora, à semelhança do que foi feito para as tributações autónomas, também no que toca aos pagamentos especiais por conta (PECs), iremos abordar a sua origem, evolução, características, previsão, entre outros. E esta abordagem passará por chamar aqui à colação, o já sufragado quanto a esta temática, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/2009, processo n.º 595/06, de 29.09, segundo o qual, caracteriza os PECs, da seguinte forma:
« (…) o regime jurídico do PEC se encontra regulado, nos seus aspectos essenciais, no artigo 98.º do CIRC, o qual está inserido no Capítulo VI, relativo ao Pagamento, e, de forma mais específica, na Secção I, sob a epígrafe “Entidades que exerçam, a título principal, a actividade comercial, industrial ou agrícola”. Além deste preceito, integram também o regime do PEC os artigos 83.º, n.ºs 2 e 7 (relativos ao procedimento e forma de liquidação – o primeiro refere as várias deduções previstas e o segundo estabelece que das deduções realizadas de acordo com o n.º 2 não pode resultar um valor negativo) e 87.º (Pagamento especial por conta), ambos do CIRC.»
3. Na verdade, e segundo aquele aresto do TC, «O PEC é um instrumento tributário que configura uma obrigação fiscal do contribuinte, ao qual é exigido que pague antecipadamente um montante legalmente determinado relativo a um imposto antes do seu apuramento definitivo. No caso em análise, trata-se de um imposto periódico sobre o rendimento, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC).»
4. Mais referindo quanto à finalidade desta figura que:
«(…) (do mesmo modo, do pagamento normal por conta – PNC) é a de, concretizando a máxima “pay as you earn”, aproximar a data do pagamento, neste caso, do IRC, da data da produção ou obtenção dos rendimentos, sendo certo que a obrigação tributária apenas estará efectivamente definida e quantificada no final do respectivo período de imposição, por referência aos factos tributários que fundam a emergência da obrigação do imposto. Imposições deste género correspondem juridicamente, numa perspectiva estrutural, a actos tributários provisórios e, funcionalmente, a actos cautelares ou caucionais.
Sem prejuízo do reconhecimento de uma certa autonomia do pagamento antecipado da dívida tributária, é necessário que se verifique uma relação de instrumentalidade entre o pagamento especial por conta (o seu nascimento e quantificação) e o facto tributário gerador da obrigação fiscal. Essa relação de instrumentalidade é sustentada, entre outros, por Avillez Ogando (“A constitucionalidade do regime do pagamento especial por conta”, in Revista da Ordem dos Advogados, vol. 62, Tomo III, 2002, p. 811), o qual refere que, “dada a função instrumental do pagamento especial por conta de pagamento por conta da colecta que se vier a apurar relativa ao mesmo exercício, não faria qualquer sentido que para efeitos de determinação do quantitativo do pagamento especial por conta fossem relevados proveitos expressamente desconsiderados pelo Legislador para esse efeito”. Do mesmo modo, a doutrina estrangeira chama a atenção para este requisito da instrumentalidade, para esta relação necessária entre a obrigação tributária principal e o pagamento por conta e para a exigência de que a antecipação do pagamento não seja arbitrária, devendo estar justificada por uma relação de probabilidade com o pressuposto indicador da capacidade contributiva em que se baseia o tributo (cfr. García CaracueL, Las prestaciones tributarias a cuenta. Perspectivas de reforma, Granada, 2004, p. 169 e ss esp. 223 e 257 e ss, e Francesco Tesauro, Istituzioni di Diritto Tributario, I, Torino, 2003, p. 244)”.
5. No entanto, a origem e génese desta figura (PECs) foi abordada pelo Acórdão do CAAD de 30.12.2015, proferido no processo n.º 113/2015-T, que aqui parcialmente transcreveremos pela clareza de exposição:
«A génese e evolução do PEC desenvolvem-se em três estádios, designadamente (i) o regime que vai do seu nascimento até ao ano 2000; (ii) o regime aplicável aos exercícios de 2001 e 2002; e o regime subsequente que vigora até hoje.
Na sua versão inicial o PEC foi apresentado como ferramenta de melhoria do sistema, que era e é muito baseado na declaração dos rendimentos pelos contribuintes. A sua introdução no sistema fiscal foi simultânea com a redução da taxa geral do IRC em dois pontos percentuais. A ocorrência dos dois factos não é obviamente coincidência; por um lado reduziu-se a taxa aplicável aos contribuintes pagadores de imposto; através do PEC promoveu-se o pagamento especial de quantia a título de imposto, ainda que a título provisório, pelos sujeitos passivos que apesar de continuarem a desenvolver a sua atividade ano após ano, persistiam em declarar rendimentos negativos ou nulos, escapando à tributação efetiva. É, pois, como medida de combate às “práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos” que o PEC foi justificado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de março que o instituiu.
A provisoriedade do pagamento do imposto residia afinal na possibilidade de deduzir as quantias pagas como PEC ao IRC apurado nos termos gerais, fixados no artigo 71º do CIRC então vigente (do qual ainda não faziam parte as tributações autónomas), embora essa dedução só fosse possível se apesar dessa operação o valor do imposto a pagar fosse positivo (71º-6 CIRC.1998). Não havendo IRC a pagar nos termos gerais, o valor do PEC satisfeito podia ser reportado para o exercício seguinte (74º-A-1) ou reembolsado mais tarde (74º-A-2). Procurava-se assim garantir que a generalidade dos sujeitos passivos satisfizesse valor por conta do IRC, calculado provisoriamente sobre o volume de negócios do exercício anterior (83º-A). No fundo ficcionava-se que todas as empresas teriam por tendência um lucro tributável, calculado de acordo com os parâmetros gerais, equivalente a 1% do seu volume de negócios do ano anterior, acertando-se posteriormente a conta se assim não fosse.
A reforma do IRC operada em 2000-2001 através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro reduziu o caráter de pagamento por conta que o imposto tinha, impedindo o seu reembolso enquanto o contribuinte se mantivesse em atividade e impôs que o reporte das quantias satisfeitas fosse feito apenas até ao quarto exercício subsequente (74º-A-1 CIRC.2001). Desta norma restritiva resulta pela primeira vez a possibilidade do PEC se transformar em coleta mínima (…), quando não fosse possível deduzir as quantias satisfeitas, por esgotamento do período de reporte. Em síntese é possível afirmar que as alterações introduzidas nesta reforma não só mantiveram como acentuaram a tónica de combate à evasão fiscal que tinha animado a introdução do PEC. Apesar de nesta ocasião as “tributações autónomas “terem sido introduzidas no CIRC, não foi previsto qualquer mecanismo de articulação entre os dois instrumentos.
A terceira configuração do PEC é introduzida pela Lei n.º 32-B/2002 de 30 de dezembro (…) que no seu artigo 27º introduziu um novo regime da dedutibilidade do PEC no artigo 87º-3 do CIRC (…), repondo a possibilidade de reembolso das quantias entregues a título de pagamento especial por conta e não abatidas na liquidação anual de IRC. Manteve-se ainda aqui o caráter de medida de perseguição da evasão fiscal, embora se tenha aligeirado, sem o abolir completamente, o cunho de coleta mínima, face aos apertados condicionalismos impostos para o reembolso.»
6. Continua este aresto, com interesse aos presentes autos, mencionando que:
«Na doutrina e na jurisprudência o regime do PEC sempre foi tido como sistema para evitar a evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em atividade. Esta linha de orientação consta nos textos mais indutores da aplicação do regime nos tribunais, designadamente pelo trabalho doutrinário desenvolvido pelo Tribunal Constitucional. Neste sentido pode ver-se na motivação do seu acórdão n.º 494/2009 (…), que o PEC no recorte que que lhe foi dado no CIRC, está “indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais”, procurando garantir que os rendimentos manifestados pelos contribuintes “correspond[i]am ao rendimento tributável realmente auferido”.»
7. Significa isto que, a figura do PEC foi criado com o propósito de garantir uma colecta mínima de imposto, sendo até esta a sua primeira designação na discussão do OE para 1998 – Lei n.º 127-B/97, de 20.12. Na verdade, esta exigência de colecta mínima surgiu – como é referido no Acórdão do CAAD de 30.05.2015, proferido no processo n.º 639/2015-T - «pela constatação de que a grande maioria das empresas não apresentava lucro tributável e/ou que este era na maioria dos casos insignificante.»
8. Segundo este Acórdão do CAAD (Proc. 639/2015-T):
«Tal como a tributação autónoma, o PEC funciona como uma presunção de rendimento e como forma de combate à evasão fiscal, obrigando algumas empresas a pagar pelo menos algum imposto. O PEC é também utilizado como um “mecanismo de anestesia fiscal”, fazendo reduzir o período de tempo entre o facto tributário e o pagamento do imposto. Apesar do regime da tributação autónoma ter como fundamento a tributação de um rendimento presumido, este difere do regime do PEC, na medida em que o pagamento daquela é feito a título definitivo e não está sujeito a posteriores acertos.
O regime do PEC apresenta muitas especificidades que não será relevante assinalar para o objecto do presente processo. Apenas salientamos que a possibilidade de o valor suportado poder ser deduzido à colecta, torna-o muito menos pesado para as empresas do que a tributação autónoma.
Acresce, ainda, que as empresas podem, em certas circunstâncias, obter o reembolso do PEC suportado, se não conseguirem deduzir todo o valor, funcionando assim como uma forma de ilidir a presunção de rendimento que resulta deste instituto.»
9. Na verdade, o PEC incide, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 106.º do CIRC, sobre o volume de negócios relativos ao período de tributação anterior, nos termos do artigo 106.º. Baseando-se o seu cálculo precisamente no volume de negócios e nos pagamentos por conta do ano anterior, correspondendo a 1% do volume de negócio do exercício anterior.
10. Ora, não obstante, à primeira vista não ressaltar a relação entre esta figura e a capacidade contributiva, - razão pela qual foi já objecto de apreciação constitucional - a verdade, é que não só o instituto do PECs perdura, como o critério do volume de negócios encontra mais proximidade do lucro ou rendimento das empresas do que as despesas sujeitas a tributações autónomas.
11. No que toca à questão das deduções previstas no artigo 90.º do CIRC, explicou devidamente o Acórdão do CAAD já citado, proferido no processo 639/2015-T, e que aqui retomaremos que:
«(…) por simples decorrência das considerações precedentes que conduziram à conclusão de que as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 90.º, do Código do IRC, são efectuadas ao “montante apurados nos termos do número anterior”, entendido como o montante de IRC apurado com base na matéria colectável determinada de acordo com as regras constantes do capítulo III e das taxas do art.º 87.º, do mesmo Código é possível estender tal conclusão à dedução relativa aos pagamentos especiais por conta.
Basta para tanto, invocar o disposto no n.º 7 do mesmo preceito, segundo o qual «das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo».
De todo o modo, é também possível alcançar a mesma conclusão se se atentar na natureza do pagamento especial por conta (PEC), definido como sendo um adiantamento entregue ao Estado por conta do imposto devido a final, que pode ser efectuado em duas prestações (art.º 106.º, n.º 1 do CIRC) e cujo cálculo toma como ponto de partida o volume de negócios do sujeito passivo relativo ao período de tributação anterior (n.º2).
Saliente-se que, embora o PEC se distinga, em matéria de regras de cálculo, dos pagamentos por conta – pois estes têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (n.º 5 do art.º 105.º do CIRC) -é de salientar que estes regimes têm em comum a natureza de pagamentos por conta efectuados no período de tributação anterior.
Acresce realçar que a instituição do PEC pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 03.03 que aditou o artigo 83.º-A ao Código do IRC, se inscreveu num conjunto de medidas de política fiscal dirigidas contra a evasão e a fraude fiscais, cuja motivação é explicada no preâmbulo deste diploma, nos termos seguintes:
«As estatísticas mostram que os rendimentos das pessoas colectivas sujeitos a tributação em IRC são frequentemente, e sem qualquer razão plausível, objecto de uma colecta muito inferior à real. As práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos são manifestamente geradoras de graves distorções dos princípios da equidade e da justiça tributárias e da própria eficiência económica e lesivas da estabilidade das receitas fiscais. Delas resulta uma injusta repartição da carga tributária, tanto mais sentida quanto muitos sujeitos passivos de IRC, durante anos sucessivos, em nada ou quase nada contribuíram para o Orçamento do Estado, continuando, contudo, a usufruir, por vezes de modo privilegiado, dos direitos económicas e sociais previstos na Constituição. Neste contexto, o presente diploma estabelece um pagamento especial por conta, através de um novo mecanismo, sobre os rendimentos dos anos de 1998 e seguintes, para as pessoas colectivas sujeitas a IRC. A fórmula de cálculo usada para o seu apuramento e o mecanismo utilizado permitem aproximar o momento da produção dos rendimentos do momento da sua tributação.»
12. Não obstante, as sucessivas alterações que lhe foram sendo introduzidas pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 494/2009, proc. N.º 595/06, de 29.09 no sentido de que:
(…)«uma leitura do regime jurídico do PEC que esteja atenta à sua génese e evolução leva a concluir que ele não obedece prioritariamente à lógica típica de um pagamento por conta – ou seja, primariamente, a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria e, em segunda linha, acautelar o Fisco contra variações de fortuna do devedor e produzir uma certa "anestesia" fiscal –, antes estando indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais. Há muito que havia suspeitas, desde logo por parte da Administração Fiscal, relativamente aos rendimentos declarados pelos sujeitos passivos de IRC; designadamente, questionava-se até que ponto eles correspondiam ao rendimento tributável realmente auferido. Isso mesmo foi evidenciado pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro (LOE para 1997), no seu artigo 32.º (Disposições comuns), que continha a autorização legislativa ao Governo para “definir uma tributação mínima” e que marcaria a introdução no nosso ordenamento tributário da figura do PEC. Na referida disposição, o instrumento fiscal que então se consagrava foi apresentado como “um novo tipo de pagamento por conta” que visava alcançar “uma maior justiça tributária e [a] uma maior eficiência do sistema”, admitindo-se lançar mão, “quando for o caso, de métodos indiciários”. Diga-se que a doutrina nacional é unânime em afirmar a natureza de instrumento de combate à evasão fiscal assinalada ao PEC.»
13. Face aos considerandos supra, constatamos que a natureza jurídica do PEC, enquanto «instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se» (cfr. Acórdão do TC supra citado), e a função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro (capítulo III do Código), conclusão esta a que chegou igualmente o Acórdão do CAAD, proferido no processo n.º 639/2015-T.
14. Com interesse para a boa decisão da causa, dada a sua transparência, clareza e fácil compreensão, traremos à colação o expendido no Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 113/2015-T no tocante à matéria que nos ocupa no presente processo, quanto à dedução do Pagamento Especial por Conta produzida pelas tributações autónomas.
15. Ora, a questão em apreço naquele aresto tal como nesta decisão, era a de saber «se as quantias satisfeitas como pagamento especial por conta podem ser deduzidas no imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.»
16. Na apreciação e fundamentação da questão em apreço, teve aquele aresto em consideração que:
«Cotejando a abundante jurisprudência referenciada pela Requerente há efetivamente uma linha condutora que há que realçar e que coincide com o que este tribunal arbitral perfilha: o imposto calculado por aplicação das taxas de tributação autónoma reguladas no artigo 88º do CIRC é também ele imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, i.e., o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas inclui as tributações autónomas. Se dúvidas houvesse a atual redação do artigo 23º-A CIRC desvanecê-las-ia.
(…)
… a solução do caso sub judicio precisa que se vá um pouco mais fundo e se apure qual é o regime aplicável ao IRC calculado através das taxas de tributação autónoma. (…) o imposto sobre rendimento das pessoas coletivas nasceu incidindo objetivamente sobre o lucro tributável, correspondendo este à diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação. (…) É assim que na estrutura conceptual original do IRC o apuramento do lucro tributável toma como ponto de partida o resultado do exercício obtido através das regras técnicas da contabilidade, introduzindo-lhe depois algumas correções de sentido positivo ou negativo, de modo a que este resultado final correspondesse ao lucro tributável, i.e. ao rendimento real que se pretendia tributar (…).
Claro que não se regulava nem podia regular o tratamento a dar às “tributações autónomas” que não faziam parte do sistema, que foi concebido nesta estrutura simples: tomar como ponto de partida o resultado contabilístico (17º-1 do CIRC.1989), corrigi-lo de forma a espelhar a rendimento que se pretende tributar através de regras qualitativamente semelhantes às que vigoravam no plano oficial de contabilidade então vigente (artigo 18º e seguintes CIRC.1989), aplicar-lhe a taxa geral (69º-1 CIRC.1989) e ao produto assim obtido fazer-lhe as deduções da tributação que de algum modo já havia sido suportada ou haveria que sê-lo através de outro sistema fiscal (71º-2 CIRC.1989).(…)
(…)
Há que ver agora como foram inseridas as “tributações autónomas” neste sistema.
A introdução no complexo dos impostos sobre o rendimento da aplicação de taxas de tributação autónoma, foi feita através do Decreto-Lei n.º 192/90 de 9 de junho, que estipulou que as despesas confidenciais ou não documentadas passassem a ser tributadas autonomamente em IRS e IRC, (…)
Todos os elementos indicam que a introdução do método de tributar despesas em IRC constituiu de início uma medida extravagante, fora da estrutura conceptual do IRC, criada para homenagear o princípio da tributação sobre o rendimento real equilibrado através das correções codificadas. A dita autonomia desta taxa aparece assim com grande intensidade; embora se considere inegavelmente que o seu produto é imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, não é já o rendimento que se tributa diretamente (como regulava o IRC) mas sim despesas.
Nestes casos de dissonância haverá os tais conflitos que importa dirimir.
Esses conflitos resultam e são resolvidos através da interpretação normativa. No fundo haverá que dirimir o conflito aparente quando o pensamento legislativo subjacente à norma do regime geral do imposto por um lado e à norma especial que regula a tributação autónoma por outro lado, não é conciliável, i.e. da sua aplicação atingir-se-á uma finalidade não prosseguida pela norma em causa.
Este conflito nas finalidades a atingir por cada uma das normas é patente no momento em que foram introduzidas no sistema fiscal português as chamadas “tributações autónomas”.
(…)
Parece claro à luz destes comandos que no período de 1990-2000 não era concebível utilizar créditos fiscais potenciais para satisfazer a obrigação de imposto apurado para este título, sob pena de se perverter o intuito da lei.
. Na sua linha de orientação geral o CIRC pós reforma manteve os princípios que estão na sua génese; partir do resultado contabilístico e corrigi-lo de acordo com as regras estabelecidas, agora aperfeiçoadas pela experiência de 12 anos, para atingir o lucro tributável.
No que se vem averiguando o CIRC resultante da reforma passou a conter o seu artigo 69º-A, com a epígrafe “Taxa de tributação autónoma”, onde se regulou que as despesas confidenciais ou não documentadas (n.º 1) e as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos (n.º 2), passavam a ser tributadas autonomamente.
Não se vê que a reforma do CIRC operada em 2000-2001 tenha introduzido qualquer alteração significativa no código. Introduziu-se apenas o mecanismo de combate a despesas consideradas indesejadas que já constava de legislação extravagante, ampliou-se ligeiramente o espetro de aplicação mas não se adaptou por qualquer forma o procedimento de liquidação. Crê-se por isso que se manteve a caracterização do regime que já antes vigorava, continuando a ter que se efetuar a interpretação das normas de modo a prevenir efeitos contrários à ratio legis.
As sucessivas alterações a este artigo não afetaram por qualquer forma o (des)equilíbrio do sistema, que se manteve até à data dos factos.
(…) mais do que afirmar a ratio da imposição de taxas de tributação autónoma, a fundamentação do citado acórdão expressa bem a forma como é entendido o seu cálculo, por confronto com a liquidação do imposto sobre o rendimento de acordo com a taxa geral:
Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
O mencionado acórdão expressa ainda de forma clara o modo instantâneo ocorre o facto tributário e a inexistência de caráter periódico, duradouro ou sucessivo na sua formação. Por isso caracteriza assim a operação de liquidação:
Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.
Crê-se que com a análise histórica, enquadramento sistemático e posições doutrinárias e jurisprudenciais, demonstrou-se já a ratio legis das normas que impõem imposto tributado autonomamente e a sua distinção perfeita dos objetivos que animam a estrutura geral do CIRC. Fica assim traçada a linha em que se inicia o conflito; logo que a interpretação da norma em causa conduza a resultado que afaste os objetivos que presidiram à sua inclusão no sistema fiscal. Viu-se já quais eram um e o outro.
É reconhecido por todos os atores que têm que trabalhar com o direito fiscal em geral e com o IRC em particular, a menor coerência da convivência das “tributações autónomas” com o regime geral do imposto sobre o rendimento. A Requerente dá abundante notícia disso mesmo. Mas reconhecida que é essa dificuldade haverá sempre que aplicar a lei, apurando o seu sentido através da interpretação.
17. E, em concreto, no que concerne ao PEC, aludiu aquele aresto, que:
«Na doutrina (…) Teresa Gil (…) deu fundamentadamente conta das circunstâncias que rodearam a introdução do PEC, designadamente das dificuldades na aplicação do princípio da tributação pelo lucro real, constatadas face à “divergência que existe entre os lucros efetivamente obtidos e aqueles que são declarados pelas empresas e, portanto, objeto de tributação”. Embora esta autora considere que o PEC é uma medida insuficiente para resolver o problema da evasão fiscal deste tipo, preferindo o estabelecimento de coleta mínima, menciona que o PEC foi afinal o regime possível face aos limites constitucionais.
O regime atual do PEC é assim caracterizado por (i) ter ligação indissociável à luta contra a evasão e fraude fiscais; (ii) foi introduzido no CIRC em março de 1998, antes das taxas de tributação autónoma que só passaram a fazer parte da sua sistemática na reforma de 2000-2001; (iii) na conceção do PEC previu-se a sua dedução à coleta na liquidação do IRC calculado sobre o rendimento real; (iv) a recuperação do crédito resultante do PEC está subordinada a condições de obtenção de rácios de rentabilidade próprios das empresas do sector de actividade em que se inserem ou à justificação da situação de crédito por ação de inspeção feita a pedido do sujeito passivo (87º-3 CIRC). Em súmula, o crédito pelas quantias entregues como pagamento especial por conta, não constitui em crédito exigível que os sujeitos passivos do IRC possam dispor. Para que o possam fazer há que reunir determinadas condições.»
18. Terminando, quanto a este tema, no sentido de que:
«Cabe agora apreciar finalmente o argumento basilar que é aquele que resulta da letra da norma do artigo 83º-2-e CIRC, que permite que ao montante de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado seja efetuada a dedução relativa ao pagamento especial por conta efetuado.
Resulta de facto um conflito entre o regime que regula a tributação autónoma e a dedução à coleta respetiva do PEC. Veja-se a ratio das normas em causa.
O método de apuramento do imposto contante do CIRC baseia-se no princípio da incidência sobre o lucro tributário; a tributação autónoma incide sobre despesas individualmente consideradas, cuja taxa é aplicável a cada despesa, sendo que “essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma [20]”. É inequívoco que o sistema de liquidação não é o adequado ao apuramento das tributações autónomas. Mas será que deduzir o PEC à citada “agregação do conjunto de operações sujeitas a tributação autónoma” conduz a um resultado inconciliável para o sistema em causa? Cabe indagar esta linha.
Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.»
19. Mais referindo, por seu turno:
«(…) o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
(…)
Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas perderiam o seu caráter anti abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83º-2-e CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta à coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.»
20. Face a tudo o exposto, é entendimento deste Tribunal que se encontra destituída de fundamento a pretensão da ora Requerente da dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas no exercício de 2012, julgando-se totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IRC nos termos em que foi formulado, bem como o pedido subsidiário, devendo os mesmos ser mantidos na ordem jurídica.
VIII. DECISÃO
Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, pela improcedência dos pedidos (principal e subsidiário), de declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IRC (principal) e de declaração de ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (subsidiário), devendo os mesmos ser mantidos na ordem jurídica.
Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 7.671,14 (sete mil, seiscentos e setenta e um euros e catorze cêntimos), nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Custas a cargo da Requerente, de acordo com o art.º 12, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00.
Notifique-se.
Lisboa, 02 de Novembro de 2016
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O Árbitro
(Jorge Carita)
[1] Expressão utilizada pelo Professor Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, pág. 407.« Com esta previsão [tributações autónomas] o sistema mostra uma natureza dual.»