DECISÃO ARBITRAL
PROCESSO N.º 145-2012-T
Requerente: …, S.A., Contribuinte fiscal nº …, sociedade com sede na Avenida …, em Lisboa.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I. RELATÓRIO
1. …, S.A., Contribuinte fiscal nº …, sociedade com sede na Avenida …, em Lisboa veio, ao abrigo do disposto no artigo 10.º Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a constituição de tribunal arbitral.
2. A pretensão foi deduzida com vista à:
i)Declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado nºs …, …, …, …, …, …, …,referentes ao exercício de 2009 e n.º …, referente ao exercício de 2010, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs …, …, …, …, …, …, …, referentes ao exercício de 2009 e n.º …, referente ao exercício de 2010.
ii)Condenação da Requerida na devolução do IVA e dos juros compensatórios anteriormente liquidados e pagos, no valor de € 5.278,86 e € 588,70 respetivamente (que correspondem às liquidações mencionadas);
(iii) Condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, contados a partir de 30 11-2012, data de pagamento indevido do imposto e juros compensatórios.
3. Foi designado árbitro, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, o Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e constituído o Tribunal Arbitral, em 26-02-2013, nos termos do disposto no nº 1 artigo 6.º e no art. 11º, nº 1, al.c), do RJAT.
Assim, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A Requerente pede a declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios, efetuadas pela requerida em virtude da requerente ter procedido à venda de 83.026 litros de gasóleo colorido e marcado, sem que a emissão das faturas tivesse sido acompanhada pelo registo informático gerado pela passagem dos cartões de microcircuito. Considera a requerente que não resulta da lei a consequência da tributação de tal gasóleo passar a ser a taxa normal em substituição da taxa intermédia, prevista na lei para aquele tipo de produto.
5. A Autoridade Tributária e aduaneira (doravante “ATA”) apresentou resposta, sustentando que as liquidações não enfermam de qualquer ilegalidade, por considerar que o desrespeito das formalidades em questão, implica que as transmissões do gasóleo colorido e marcado deixam de beneficiar da taxa intermédia de IVA e passam a estar sujeitas à taxa normal.
6. Realizou-se a reunião no dia 17.05.2013, na qual o Tribunal decidiu não serem necessárias alegações orais.
II. OBJETO DO PROCESSO E QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
7. São as seguintes as questões a apreciar e decidir pelo Tribunal:
i) Apreciação da legalidade das liquidações adicionais de IVA n.os …, …, …, …, …, …, …,referentes ao exercício de 2009 e n.º …, referente ao exercício de2010.
ii) Apreciação da legalidade das liquidações de juros compensatórios n.ºs …, …, .., …, …, …, …, referentes ao exercício de 2009 e n.º …, referente ao exercício de 2010.
iii) Apreciação do pedido de Condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios contados a partir de 30-1-2012, data de pagamento do imposto e juros compensatórios
III. DA MATÉRIA DE FACTO
8. Atentas as posição da requerente e da requerida, expressas nos articulados, bem como do teor dos documentos juntos e do processo administrativo, julga-se provada a seguinte matéria de facto:
a) A requerente tem como atividade principal a distribuição e comercialização de combustíveis líquidos no mercado português, de entre os quais se inclui a distribuição de gasóleo colorido e marcado, vulgarmente designado por “gasóleo verde”, o qual se destina a titulares do cartão emitido pela Direcção-Geral de Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGARD).
b) A requerente «…, SA», foi objeto de uma ação de inspeção, realizada pela Direção-Geral das Alfândegas (Divisão operacional norte), que incidiu sobre os exercícios de 2009, 2010 e 2011, tendo-se apurado que relativamente a 83.026 litros de gasóleo colorido e marcado, a emissão das faturas não foi acompanhada pelo registo informático gerado pela passagem dos cartões de microcircuito.
c) O relatório de inspeção elaborado pela Direção-Geral das Alfândegas foi enviado aos serviços de inspeção Tributária (unidade dos grandes contribuintes) os quais prepararam os devidos relatórios e conclusões para efeitos de IVA, respeitantes aos anos de 2009 e 2010, nos quais se refere:
i. “Verificou-se que a empresa fez o abastecimento de gasóleo colorido e a diversos clientes, relativamente aos quais não cumpriu as regras de comercialização deste combustível”;
ii. “Os montantes referidos não foram todos registados no sistema informático subjacente ao cartão de microcircuito de gasóleo colorido e marcado, contrariando o disposto no nº 5 do artigo 74º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC);
iii. “Pelo que o sujeito passivo aquando da emissão das facturas aos clientes, pela venda de gasóleo colorido e marcado, liquidou IVA à taxa intermédia de 12% quando deveria ter liquidado à taxa normal de 20% relativa ao gasóleo rodoviário”
iv. “Assim, nos termos da alínea a) do nº 5 do art. 16º e da al. c) do art. 18º, ambos do Código do IVA, procedeu-se à correção do imposto em falta”.
d) Nos relatórios de inspeção consta, ainda, o seguinte:
“Em síntese, a … não cumpriu as regras de comercialização (…) Nos termos do n.º 5 do artigo 74.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), “O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares de cartão com microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos (…), sendo o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público responsabilizado pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos”.
Em complemento, a Portaria nº 361-A/2008, de 12 de maio que estabelece as regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado, refere nos nºs 3 a 6 o seguinte:
“3º O gasóleo colorido e marcado só pode ser fornecido ou vendido a titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados que sejam detentores de terminais point of sale (POS).
4.º O disposto no número anterior é aplicável aos distribuidores, desde que disponham igualmente de terminais POS.
5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transações de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).
6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.”
O incumprimento, por parte da …, das regras de comercialização do GCM relativamente à situação supra exposta, conduziu ao apuramento pela DSAF de dívida em sede de ISP e CSR correspondente à diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao GCM em relação a (….) litros de gasóleo transmitido de forma irregular.
A … aquando da emissão das faturas aos clientes, pela venda de gasóleo colorido e marcado, liquidou IVA à taxa intermédia de 12% quando deveria ter liquidado à taxa normal de 20%, pelos motivo supra enumerados.
Assim, na sequência do apuramento por parte da DSAF de dívida de ISP e CSR, procede-se à correção do IVA em falta, resultante da diferença de taxas, no total de (…), nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, ambos do CIVA, referente ao período de (….), conforme cálculos evidenciados em mapa anexo ao presente relatório”
e) Na sequência dos relatórios de inspeção foram efetuadas as liquidações adicionais de IVA n. os …, …, …, …, …, …, …,referentes ao exercício de 2009 e n.º …, referente ao exercício de 2010, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs …, …, …, …, …, …, …, referentes ao exercício de 2009 e n.º …, referente ao exercício de 2010, o que ascende a IVA liquidado adicionalmente IVA no montante € 4.325,34 €, para o ano de 2009 e de 953,52 €, para o ano de 2010 e juros compensatórios no valor de 588,70 €.
f) Nestas liquidações foi aplicada a taxa normal de 20% ao valor do “Imposto” sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos e da Contribuição para o Setor Rodoviário apurado por parte da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira (responsabilização prevista no art. 74º, nº 5 do CIEC [hoje art. 93º]).
IV. O DIREITO
8.
a) Posição da requerente
Em síntese, a requerente sustenta que o Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado não contém um regime semelhante ao do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, primando em absoluto pela ausência de qualquer norma que regule a utilização desse produto ao contrário daquele diploma, que restringe e regulamenta a comercialização a titulares de cartão de microcircuito.
A requerente faz uma resenha histórica do regime do IVA aplicável ao gasóleo colorido e marcado, rematando que o mesmo nunca constou do Código do IVA e que este se limitou, e limita, a inserir este produto na lista de produtos aplicável à taxa intermédia, referindo ainda que tal regime constou da Portaria nº 234/97 de 2 de Abril que estabelecia a obrigação de liquidação de ISP e IVA, pelas diferenças de taxa aplicáveis aos dois tipos de gasóleo, sendo que o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo incorporou no seu artigo 74º, nº 5 do CIEC [hoje art. 93º] o regime que constava daquela Portaria, com a diferença de ter eliminado qualquer referência ao IVA.
Acrescenta ainda a requerente, que a Portaria nº 234/97 já havia sido declarada como padecendo de inscontitucionalidade orgânica, quer pelo Pleno do STA, quer pelo Tribunal Constitucional e que, em rigor, entre o período que mediou entre a publicação e a revogação da Portaria nº 234/97 de 4 de Abril, nunca existiu um regime jurídico que – com validade constitucional- dispusesse sobre o regime de ISP e IVA nos casos de incumprimento das regras de venda de gasóleo colorido e marcado e que, se é verdade que tal facto foi, para efeitos de ISP, colmatado com a entrada em vigor do OE de 2007, tal não aconteceu no plano do IVA.
A requerente considera também que o ISP não faz parte da base tributável do IVA, não se subsumindo no art. 16º, nº 5, al. a), uma vez que os factos geradores são distintos, estando o ISP a montante do IVA.
A requerente reputa, ainda, de contraditória a posição da ATA alegando que a ATA não efetuou qualquer alteração à taxa de IVA incluída na fatura emitida pela requerente aos seus clientes, mantendo aqui a taxa de 12%, apenas aplicando a taxa de 20% sobre a diferença positiva entre o nível de tributação do gasóleo rodoviário e o nível de tributação de tributação aplicada ao gasóleo colorido e marcado, em sede de ISP.
b) Posição da requerida
A requerida salienta que não existem dúvidas de que a requerente não cumpriu as regras de comercialização relativas a 83.026 litros de GCM, não tendo havido registo no sistema informático, através dos terminais POS/PTA, relativamente a faturas que foram emitidas ocorrendo assim a não afetação do GCM ao seu destino por força do art. 74º, nº 5 do CIEC, e a consequente violação dos pressupostos do benefício fiscal, referindo-se que aquela norma do CIEC veio consagrar a responsabilização dos proprietários ou responsáveis legais dos postos de venda ao público, pelo pagamento do montante de imposto relativo às quantidades que não fiquem devidamente registadas no sistema informático.
A requerida invoca, ainda, na sua resposta os artigos 16º, nº 5, al. a) e 18º, nº 1, al. b) do CIVA e bem assim a verba 2.3 da lista II, anexa a este código, sustentando que para que a venda pela requerente de GCM beneficie da redução de taxa, têm de ser respeitadas as regras de comercialização e consumo do art. 74º do CIEC e da Portaria nº 361-A/2008 e que o desrespeito por estas regras implica, necessariamente, para além das consequências previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT, artigo 109º), que as transmissões de gasóleo colorido e marcado deixem de beneficiar da taxa intermédia prevista na lista II anexa ao CIVA, e passam a estar sujeitas à taxa normal, uma vez que passam a ser tratadas como transmissões de gásoleo, sendo a requerente a responsável pelas diferenças apuradas, nos termos do nº 5 do art. 74º do CIEC.
A requerida considera, também, que “IVA e ISP surgem como figuras tributárias autónomas, ainda que concorram na sobretributação económica de bens determinados.”
A requerida entende, ainda, que a liquidação de juros compensatórios é de manter, por revestir a natureza de agravamento da própria dívida de imposto, com a vista a indemnizar ou compensar o Estado pelo retardamento da liquidação.
Sustenta também a requerida, no que respeita ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, não estarem reunidos os pressupostos de aplicação do art. 43º da Lei Geral Tributária.
9.
c) Quadro legislativo
O quadro legislativo pertinente à data dos factos era o que se segue.
Código do IVA
Artigo 16.º
Valor tributável nas operações internas
5 - O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui:
a) Os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com excepção do próprio imposto sobre o valor acrescentado;
Artigo 18.º
Taxas do imposto
1 - As taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes
da lista I anexa a este diploma, a taxa de 5 %;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes
da lista II anexa a este diploma, a taxa de 12 %;
c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a
taxa de 20%.
Lista II
Bens e serviços sujeitos a taxa intermédia
2.3 – Petróleo, gasóleo e gasóleo de aquecimento, coloridos e marcados, e fuelóleo e respectivas misturas.
Código dos Impostos Especiais de Consumo
Artigo 74.º
Taxas reduzidas
1 — São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o
petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do
Governo responsável pela área das finanças.
2 — O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3 do presente artigo.
3 — O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:
a) Motores estacionários utilizados na rega;
b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º;
c) Tractores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, moto-cultivadores, moto-enxadas, motoceifeiras, colhedores de batatas automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos automotrizes, aprovados por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, e da agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas;
d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro;
e) Motores fixos;
f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens
perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, dos transportes e da da agricultura.
4 — O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico.
5 — O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão
de microcircuito instituído instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados, responsabilizado pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre a taxa de imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não
fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões de microcircuito atribuídos.
6 — A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.os 2, 3, 4 e 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial.
Portaria n.º 361-A/2008 de 12 de Maio:
1.º A presente portaria estabelece as regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado e os respectivos mecanismos de controlo, tendo em vista a correcta afectação do produto aos destinos que beneficiam de isenção ou de aplicação de taxas reduzidas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), nos termos previstos no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, abreviadamente designado por CIEC.
2.º O gasóleo colorido e marcado é um produto de venda condicionada, cuja disponibilização no mercado nacional só pode ser efectuada pelas empresas petrolíferas que tenham celebrado com o Estado, representado pela Direcção –Geral de Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR), um contrato para o efeito, no qual aquelas se comprometam a disponibilizar a venda ao público de gasóleo colorido e marcado, na proporção de, pelo menos, um posto de abastecimento por cada 600 000 l vendidos.
3.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser fornecido ou vendido a titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados que sejam detentores de terminais point of sale (POS).
4.º O disposto no número anterior é aplicável aos distribuidores,desde que disponham igualmente de terminaisPOS.
5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transacções de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).
6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.
(…).
19.º O incumprimento do disposto na presente portaria está sujeito às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias.
Regime Jurídico das Infrações Fiscais:
Artigo 109.º
Introdução irregular no consumo
1 - Os factos descritos no artigo 96.º, que não constituam crime em razão do valor
da prestação tributária ou da mercadoria objeto da infração, ou,
independentemente destes valores, sempre que forem praticados a título de
negligência, são puníveis com coima de € 150 a € 150 000. (Redacção dada
pelo artigo 224.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)
2 – A mesma coima é aplicável a quem:
p) Introduzir no consumo, detiver ou comercializar produtos com
violação das regras de selagem, embalagem, detenção ou comercialização,
designadamente os limites quantitativos, estabelecidas pelo Código dos
Impostos Especiais sobre o Consumo e em legislação complementar;
q) Adquirir ou consumir gasóleo colorido e marcado sem ser titular de cartão com microcircuito.
6- O montante máximo da coima é agravado para o dobro nos casos previstos
na alínea p) do n.º 2
Por se entender com interesse transcreve-se, também, o art. 7º da Portaria nº 234/97 de 4 de Abril, revogada pela Portaria n.º 361-A/2008 de 12 de Maio:
“Os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado só poderão vender o produto aos titulares de cartões com microcircuito emitidos sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, sendo responsáveis pelo pagamento do ISP e respectivo IVA resultantes da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no movimento contabilístico do posto.”
Cumpre decidir,
10.
Face ao quadro jurídico acima exposto não existem dúvidas de que não existia à data dos factos (como não existe hoje), no nosso ordenamento jurídico, norma que à semelhança do que ocorre em sede de CIEC, imponha em sede de imposto sobre o valor acrescentado consequência idêntica à imposta naquele imposto.
Tal norma existia no âmbito da Portaria nº 234/97 de 4 de Abril, [1] passou com conteúdo idêntico para o CIEC, mas não foi transposta para o Código do Imposto sobre o valor acrescentado.
À data dos factos, para efeitos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, nos termos do art. 74º, nº 5 do CIEC, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados, é responsabilizado pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre a taxa de imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões de microcircuito atribuídos.
Como explica Brigas Afonso em anotação ao artigo 74.º do código dos IEC, na redação resultante da lei n.º 53-A/2006 (código dos impostos especiais de consumo anotado, 2.ª ed., Coimbra, 2008, 171-172), a “nova redacção dada ao n.º 5 vem criar especiais responsabilidades para os proprietários ou responsáveis legais pela exploração de postos de abastecimento, relativamente ao cumprimento das disposições regulamentares previstas para o abastecimento de gasóleo colorido e marcado (…).Pretende-se com esta medida evitar situações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado por pessoas que legalmente não podiam efectuar esses abastecimentos, através da utilização abusiva dos referidos cartões de microcircuito.”
11. É, pois, forçoso concluir que a solução prevista na Portaria nº 234/97 de 4 de Abril para o imposto sobre o valor acrescentado e para o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos está hoje prevista apenas para estes últimos impostos.
A reação legal à comercialização irregular do gasóleo colorido e marcado existe no plano contraordenacional, sancionando-se quer o adquirente ou consumidor irregular, quer o vendedor (art. 109, nº 2, als. p) e q)).Este último de modo potencialmente mais gravoso, como decorre da elevação do montante máximo da coima quanto ao seu montante máximo para o dobro (de 150.000 € para 300.000 €, portanto, nos termos do nº 6 do mesmo artigo).
A esta consequência no plano contraordenacional acresce no âmbito do ISP a reação do art. 74º, nº 5 do CIEC [hoje art. 93º] mas para efeitos do IVA a lei não responsabiliza o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre a taxa de imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões de microcircuito atribuídos.
12. A tributação do gasóleo colorido e marcado a uma taxa de IVA diversa da prevista na lei , em consequência da comercialização irregular de tal produto, carece de base legal prévia, de acordo com a reserva de lei fiscal, nos termos dos artigos 165º, nº 1, al. i) e e 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.[2].
No caso dos autos essa base legal não existe e mesmo que se entendesse haver aqui uma lacuna[3], a reserva de lei fiscal proíbe a integração analógica[4], pelo que não pode ser aplicado em sede de IVA o art. 74º, nº 5 do CIEC [hoje art. 93º].
De resto, a própria “ATA” não efetuou qualquer alteração à taxa de IVA incluída na fatura emitida pela requerente aos seus clientes, mantendo aqui a taxa de 12%, apenas aplicando a taxa de 20% sobre a diferença positiva entre o nível de tributação do gasóleo rodoviário e o nível de tributação de tributação aplicada ao gasóleo colorido e marcado, em sede de ISP.
No entanto, há que observar gasóleo em causa não deixou de ser marcado e colorido e não passou a ser considerado gasóleo rodoviário pela circunstância de não terem sido cumpridas as formalidades da Portaria n.º 361-A/2008 de 12 de Maio. Para efeitos de ISP é aplicável a responsabilização prevista no art. 74º, nº 5 do CIEC [actualmente art. 93º].Mas tal responsabilização, pelas razões apontadas, não tem reflexo na taxa de IVA.
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Poder-se-á pôr ainda a questão do eventual aumento do valor tributável para efeitos de IVA em função da consideração para este efeito do valor da responsabilização da requerente em sede de ISP.
Todavia, independentemente da questão de saber se o ISP se deve incluir nos impostos a que se refere o art. 16º, nº 5, al. a) do CIVA, para determinar o valor tributável para efeitos de IVA [5], uma vez que as obrigações tributárias emergentes dos dois impostos têm origem em factos tributários distintos, assim como os factos que determinam a exigibilidade e podem ser liquidados em momentos distintos, o certo é que, como acima foi dito, o produto vendido continua a ser gasóleo colorido e marcado e não gasóleo rodoviário e quem o utilizar como tal está sujeito à sanção prevista no art. 109º, nº 2, al. q) do RGIT.
A responsabilização prevista no art. 74º, nº 5 do CIEC [hoje art. 93º] não tem, no nosso modo de ver, a natureza de imposto, pois não se funda no facto que determina o nascimento da dívida tributária. É uma responsabilidade que nasce posteriormente a este e que tem a sua causa no incumprimento das regras estabelecidas para a venda de gasóleo colorido e marcado[6].
Assim sendo, o seu valor não pode ser incluído no valor tributável previsto no art. 16º, nº 5, al. a) do CIVA.
Conclui-se, assim, que que as liquidações “sub judicio” carecem de fundamento legal e, em consequência, devem ser anuladas.
14. Determina o art. 96º, nº 1, do CIVA que “Sempre que por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da Lei Geral Tributária”.
Estabelece o artigo do art. 35º, nº 8 da LGT que “os juros compensatórios integram-se na própria divida de imposto, com a qual são conjuntamente liquidados”.
Resulta destas normas que os juros compensatórios dependem da liquidação retardada por facto imputável ao sujeito passivo. Sendo ilegais as liquidações, ilegais são, também, em consequência, as liquidações de juros compensatórios.
Anuladas as liquidações das quais dependem, não podem, também, deixar de ser anuladas as liquidações dos juros compensatórios.
15. A requerente peticionou ainda a condenação da requerida em juros indemnizatórios, contados a partir de 30 11-2012, data de pagamento indevido do imposto e juros compensatórios.
Nos termos do art. 43º, nº 1, da Lei Geral Tributária “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Face ao supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, nas liquidações em causa. Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da requerente a ser ressarcida através de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
i) Declara-se a anulação das liquidações adicionais de IVA n. os …, …, …, …, …, …, …,referentes ao exercício de 2009 e n.º …, referente ao exercício de2010, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs …, …, …, …, …, …, …, referentes ao exercício de 2009 e n.º …, referente ao exercício de 2010.
ii) Condena-se a Requerida na devolução do IVA e dos juros compensatórios anteriormente liquidados e pagos, no valor de € 5.278,86 e € 588,70 respetivamente (que correspondem às liquidações mencionadas);
(iii) Condena-se a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios,
contados a partir de 30 11-2012, data de pagamento do imposto e juros compensatórios.
Fixa-se o valor do processo em € 5867,56 nos termos do art. 97ºA, nº1, a) do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 29º do RJAT e do nº2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor das custas do processo em € 612, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que a Requerente obteve deferimento integral do pedido, nos termos nº 2 do art. 12º e do nº 4 do art. 22º do RJAT e do nº3 do art. 4º do citado Regulamento.
Santarém, 11 de Junho de 2013
O árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro
[2] Refira-se que o ACÓRDÃO TC Nº 176/2010, decidiu julgar a Portaria nº 234/97 de 4 de Abril “organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição (na sua numeração actual), a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito”
[2] como se pode ler no Acórdão do STA de 3.10.2007, proferida no proc. 0363/07 que “Pelo facto de não terem sido cumpridas essas formalidades, o gasóleo referido não deixou de ser marcado e colorido e não passou a ser considerado gasóleo rodoviário”.
[3] Como escreve Sérgio Vasques, MANUAL DE DIREITO FISCAL, Almedina, 2011, pag. 310. “uma lacuna representa “uma imperfeição contrária ao plano do legislador”.
[4] Cfr. Decisão do Tribunal Arbitral Tributário, de 4.01.2013, proferida no proc. 14/2011-T.
[5] Escreve Sérgio Vasques, OS IMPOSTOS ESPECIAIS DO CONSUMO, Almedina, 2001, pags. 202-203: “No contexto do IVA, o valor tributável das transmisões de bens e prestações de serviços inclui todos os impostos, direitos, taxas e imposições com excepção do próprio IVA. O imposto sobre o valor acrescentado incide sobre os próprios produtos especiais de consumo, produzindo a dupla tributação económica de bens como as bebidas alcoólicas, os produtos petrolíferos e o tabaco.
(...)O IVA tem como facto gerador essencial uma transacção, seja a transmissão de um bem seja a prestação de um serviço; ao passo que as accises têm como facto gerador, (…) a intodução no consumo de mercadorias – que pode coincidir com a transacção, mas não se confunde com ela.”
Patrícia Noiret Cunha, IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, ANOTAÇÕES AO CÓDIGO MPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO E AO REGIME DO IVA NAS TRANSACÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS, INSTITUTO SUPERIOR DE GESTÃO, 2004, pag. 264, diz-nos, em anotação ao art. 16º, nº 5, al. do CIVA que “Estão abrangidos todos os tributos que incidem sobre as operações tributáveis, com excepção do próprio IVA”
[6] Pode ler-se no já referido ACÓRDÃO TC Nº 176/2010 que “a responsabilidade dos proprietários dos postos de abastecimento pelo pagamento dessa diferença, é uma responsabilidade subsequente, derivada do incumprimento das regras estabelecidas para a venda de gasóleo colorido e marcado”
No seu voto de vencido, o Conselheiro João Cura Mariano manifesta “sérias reservas que tenho relativamente à natureza tributária da obrigação consagrada no n.º 7, da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril (mais parece uma obrigação indemnizatória cuja medida é o dano do Estado consistente no não recebimento parcial de um imposto, resultante de incumprimento contratual do vendedor de gasóleo colorido e marcado)”. Também a Conselheira Maria João Antunes refere que “ Não tenho como certo que a responsabilidade pelo pagamento do ISP e respectivo IVA resultantes da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades vendidas e não documentadas no movimento contabilístico do posto tenha natureza tributária” Por sua vez, para o Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira “ Esta responsabilidade não é tributária, pois tem natureza contratual, sendo que o valor do imposto perdido releva apenas como medida da sanção pecuniária.”