Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 178/2016-T
Data da decisão: 2016-09-30  IVA  
Valor do pedido: € 72.883,67
Tema: IVA - direito à dedução. SGPS; Sujeito passivo misto.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros, Maria Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Professor Doutor João Ricardo Catarino e a Professora Doutora Leonor Ferreira, (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 03-06-2016, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1.A A…SGPS, S.A. (doravante referida como Requerente) com o domicílio fiscal na Rua…, n.º…–…, …-… Lisboa e o número de identificação fiscal (NIF)…, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral (“TA”) em 21-03-2016 e o Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 3.º, n.º 1, artigo 6.º, n.º 2 e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

A Requerente pretende ver declarada a ilegalidade de atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”). São dez os atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral pelo Tribunal Arbitral cuja constituição ora se requer:

        i.       a liquidação adicional n.º…, com o valor de correção de € 853,07, correspondente ao período de tributação de 12/12T;

      ii.       a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 36.736,51, correspondente ao período de tributação de 13/03T;

    iii.       a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 20.014,14, correspondente ao período de tributação de 13/06T;

    iv.       a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 237,43, correspondente ao período de tributação de 13/09T;

      v.       a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 6.845,86, correspondente ao período de tributação de 13/12T;

    vi.       a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 3.981,19, correspondente ao período de tributação de 14/03T;

  vii.       a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 1.883,01, correspondente ao período de tributação de 14/06T;

viii.       a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 282,21, correspondente ao período de tributação de 14/09T;

    ix.       a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 1.682,36, correspondente ao período de tributação de 14/12T; e

      x.       a liquidação adicional n.º 2015…, com o valor de correção de € 172,50, correspondente ao período de tributação de 15/03T.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 23-03-2016, e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 04-04-2016. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18-05-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-06-2016.

 

2. No pedido arbitral, a Requerente invoca, em síntese, o seguinte:

·          Está em causa a análise do direito à dedução da Requerente, na qualidade de SGPS, no exercício da parte da sua atividade que confere tal direito, que no caso assume expressão através do reembolso solicitado na declaração periódica de IVA relativa ao período de 2015/03T.

 

·          Não é vedado a uma SGPS o direito de deduzir o IVA em que incorre no âmbito do exercício da sua atividade económica.

·          A definição do único objeto social de uma SGPS não condiciona, por si só, o respetivo enquadramento em sede de IVA, uma vez que o desempenho de uma atividade de aquisição, detenção e alienação de participações sociais não é incompatível com o preenchimento do conceito de atividade económica.

·          O verdadeiro fator que determina a definição do regime do IVA aplicável reside na natureza da atividade desenvolvida e nunca na natureza do sujeito passivo.

·          A natureza do sujeito passivo é irrelevante para efeitos de determinação do regime do IVA, mas não é irrelevante “se esse sujeito passivo tem ou não interferência direta ou indireta na gestão das sociedades participadas” o direito à dedução constitui um elemento fundamental do sistema comum do IVA, que permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o refletindo como custo operacional da sua atividade e garantindo desta forma a neutralidade económica do imposto.

·          A distinção entre atividades principais e atividades acessórias, além de formal, não deve ter como resultado a remissão para segundo plano do exercício de atividades relacionadas com a prestação de serviços técnicos e de gestão por uma SGPS, que se encontra expressamente prevista no artigo 4.º do RJSGPS. (a atividade desenvolvida por uma sociedade holding que intervenha ativamente na gestão da atividade das suas participadas pode, a título de exemplo, consistir na prestação de serviços administrativos, contabilísticos ou informáticos).

·          Impõe-se a anulação das Liquidações Adicionais pelo facto de as mesmas não serem conformes com a jurisprudência constante do TJUE sobre o direito à dedução do imposto incorrido por sociedades holding. O regime legal das SGPS não está exclusivamente direcionado para a existência de holdings meramente “passivas”.

·          Todos os bens ou serviços adquiridos em que a Requerente suportou IVA estavam relacionados com prática de actividades sujeitas a IVA e dele não isentas, sendo dedutível a totalidade do IVA suportado.

·          O direito à dedução constitui um elemento fundamental do sistema comum do IVA, que permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o refletindo como custo operacional da sua atividade e garantindo desta forma a neutralidade económica do imposto.

·          O direito à dedução do IVA não pode ser restringido para além do permitido na Diretiva IVA, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, sob pena de violação do Direito da UE.

·          O entendimento expresso no Ofício-Circulado n.º 30.103 de 23 de abril de 2008 viola o Direito da UE, conforme unanimemente decidido pelo TJUE, razão pela qual todas as ilações que se retiram dessa orientação administrativa estão, consequentemente, inquinadas por violação do Direito da UE.

·         As orientações genéricas constantes do entendimento expresso no Ofício-Circulado são apenas vinculativas para os próprios serviços da AT, e nunca para os contribuintes.

  • Os tribunais nacionais devem afastar não só a aplicação das normas, mas também dos atos administrativos das autoridades nacionais, como é o caso da AT, quanto estes se mostrarem contrários ao Direito da UE.
  • A REQUERENTE termina solicitando a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicionais respeitantes aos exercícios de 2012 a 2015, indicados acima, sob os números i. a x., com fundamento na respetiva ilegalidade e, em virtude dessa anulação, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o valor indevidamente pago, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

3. A Administração Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.   

3.1. Na defesa por exceção a AT suscitou a incompetência da jurisdição arbitral porquanto, na sua ótica, o objeto do presente pedido se traduz na impugnação de correções efetuadas ao montante solicitado pela Requerente aquando do pedido de reembolso, no montante de € 72 711,17, que havia formulado aquando da submissão da declaração periódica relativa ao primeiro trimestre do ano de 2015. Segundo a AT, a jurisdição arbitral é incompetente para conhecer a pretensão da Requerente relativamente ao pedido que formula, já que as correções que lhe foram efetuadas traduzem o indeferimento total do reembolso e não são atos tributários de liquidação.

3.2. Na defesa por impugnação alega, entre o mais, a AT:

  • A Requerente infringiu os arts. 19º e 20.º do Código do IVA.
  • Não é admitida à Requerente, enquanto SGPS, a dedução do IVA suportado para efeitos da prestação de serviços às suas participadas.
  • O total do IVA suportado pela Requerente no período no desenvolvimento de operações de financiamento, contratadas no interesse exclusivo da SGPS, que se enquadram como operações desenvolvidas numa óptica de estratégia empresarial de valorização de participações, expansão da actividade e protecção do património da sociedade, cujos efeitos produzem resultados na actividade principal, não é sujeita a imposto, pelo que não é susceptível de dedução.
  • O entendimento exposto no Relatório de Inspeção corresponde, no essencial, ao entendimento expresso no Ofício-Circulado n.º 30.103, de 23 de abril de 2008, da Área de Gestão Tributária – IVA do Gabinete do Subdiretor-Geral dos Impostos. Nos termos do ponto 5 da referida alínea B, expõe a AT que: “no contexto descrito, a consideração dos proveitos ou receitas acima indicados como decorrentes de operações não enquadráveis no conceito de atividade económica, logo fora do âmbito de incidência do IVA é, por regra, independente da natureza do sujeito passivo que as aufere ou da atividade prosseguida por este, sendo também irrelevante se esse sujeito passivo tem ou não interferência direta ou indireta na gestão das sociedades participadas.”
  • A Requerente não poderia, dada a sua natureza de sujeito passivo misto, em circunstância alguma, ter direito a uma dedução integral do IVA suportado a montante, sob pena de serem subvertidas as regras tributárias aplicáveis – cfr. artigos 2.º, 9.º, 167.º e 174.º da Diretiva n.º 2006/112/ CE e artigos 1.º, 20.º, 22.º e 23.º do Código do IVA.
  • A Requerente, contrariamente ao que afirma, não desenvolve uma actividade única remunerada.
  • A Requerente, existindo como SGPS, foi beneficiária de bens adquiridos e serviços que são utilizados conjuntamente quer na actividade de gestão de participações sociais, quer na realização das suas próprias actividades.

·         A Requerente deduziu a totalidade do IVA suportado a montante durante os anos de 2012 a 2015, sem demonstrar uma ligação directa e imediata desses inputs com a actividade sujeita a imposto, não fez prova de qualquer nexo, no que respeita aos inputs concretamente identificados no Relatório de Inspecção, pelo que não pode a sua pretensão ser atendida.

  • A Requerente nunca poderá admitir uma dedução integral do seu IVA imposto, pois o imposto suportado numa operação a montante só poderá ser dedutível na medida em que possa estar relacionada, sem margem para dúvidas, num nexo directo, causal e imediato, com uma operação a jusante efectivamente tributada, sendo que a relação em causa deverá ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado no preço da operação tributada; Apenas uma imputação direta dos serviços prestados pelos terceiros a cada uma das participadas permitiria o exercício do direito à dedução do IVA.
  • A AT conclui que os serviços foram adquiridos no interesse exclusivo da SGPS, no âmbito da sua atividade de gestão e administração das participações sociais, todos os serviços adquiridos foram utilizados exclusivamente no desenvolvimento da referida atividade principal de detenção de participações sociais, pelo que o imposto suportado não seria dedutível.

·         A AT sustenta ser irrelevante para este efeito determinar se o sujeito passivo tem, ou não, uma interferência direta ou indireta na gestão das sociedades participadas (Segundo o Relatório de Inspeção).

  • A AT invoca o acórdão do TCA Sul de 15-01-2013, proferido no processo n.º 01949/07.

·          Cabe observar se os inputs se relacionam com a manutenção da fonte produtora da atividade tributável, verificando assim se esses custos são suscetíveis de se projetar na formação dos preços dos outputs tributáveis.

·          Confirmou o direito à dedução do IVA incorrido com a aquisição de bens e serviços quando tais despesas possam ser qualificadas como “despesas gerais da atividade” e integrem os elementos constitutivos do preço das operações sujeitas e não isentas de IVA, como manifestamente sucede no caso vertente.

 

4. A Requerente exerceu o direito ao contraditório relativamente à exceção dilatória, em 15-07-2016, defendendo a improcedência da mesma, por, no essencial, o pedido arbitral não visar a anulação do indeferimento do pedido de reembolso de imposto por si formulado, mas sim a anulação, por ilegalidade, de dez atos de liquidação adicional de IVA, que lhe foram notificados, e se encontram devidamente identificados no pedido.

 

5. Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e tendo em conta os princípios da economia processual e da proibição de atos inúteis, o tribunal dispensou a realização dessa reunião. Nessa reunião o tribunal fixou como data limite de prolação do acórdão arbitral o dia 3 de dezembro de 2016.

6. As partes apresentaram alegações escritas reiterando as posições assumidas nos articulados anteriores.

 

II – SANEAMENTO

 

7. Em sede de contestação, alegou a REQUERENTE, a incompetência absoluta, em razão da matéria, do presente Tribunal.

Como fundamento da exceção arguida, invocou que o objeto do pedido de pronúncia arbitral se traduziria na impugnação de “correcções efectuadas” ao montante solicitado pela Requerente aquando do pedido de um reembolso (formulado aquando da submissão da declaração periódica relativa ao primeiro trimestre do ano de 2015).

Em exercício do contraditório, a Requerente pugnou pela competência material do Tribunal.

A eventual procedência da exceção invocada obsta ao conhecimento do mérito da causa, razão pela qual importa, desde já, decidir sobre a mesma.

O âmbito material de competência dos Tribunais arbitrais encontra-se, legalmente, circunscrito.

A competência dos tribunais arbitrais tributários é definida, em primeira linha, pelo disposto no art. 2.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

Nos termos de tal norma:

“1.       A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)         A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)         A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”

 

O legislador foi, assim, claro quando estabeleceu, no RJAT, a arbitrabilidade dos atos tributários, excluindo, porém, da jurisdição dos tribunais arbitrais tributários, a apreciação da (i)legalidade de atos em matéria tributária.

Como ensina CASALTA NABAIS, “actos em matéria tributária são aqueles actos que integram a categoria dos actos administrativos, incluídos no conceito constante do artigo 148.º do CPA, praticados em sede de relações jurídicas tributárias através dos quais se concluem procedimentos diversos e autónomos do procedimento que termina no acto tributário ou acto de liquidação do imposto.

(…)

Os actos tributários stricto sensu, aqueles de que se tem vindo a falar, podem ser objecto de impugnação judicial ou, como se viu dos pontos anteriores, de processo arbitral.

Já os actos administrativos em matéria tributária, nos termos do artigo 97.º, n.º 2, do CPPT, só serão sindicáveis por via de acção administrativa especial, regulado nos artigos 50.º e seguintes do CPTA, tratando-se, em rigor, de verdadeiros actos administrativos.”

Do art. 4.º, n.º 1, do RJAT decorre que a vinculação da Administração Tributária e Aduaneira à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. Diploma que corresponde à Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março (Portaria de Vinculação), em cujo art. 2.º se recorta, por via negativa, o referido âmbito de vinculação, estabelecendo-se o seguinte:

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a)         Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b)         Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c)         Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d)         Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”.

Tanto significa que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se limita à declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, estando-se, assim, perante um mero contencioso de anulação de atos, estruturado segundo o modelo processual anterior à reforma do contencioso administrativo de 2002-2004, que continua a vigorar no contencioso tributário.

Ante este contexto jurídico-normativo e doutrinal, cumpre nele integrar a factualidade em causa na presente ação.

Corresponde à verdade que a Requerente formulou, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, um pedido de reembolso, quando submeteu a declaração periódica relativa ao primeiro trimestre do ano de 2015, sendo certo que, segundo alguma doutrina, o conceito de reembolso de IVA utilizado para os efeitos dos números 4 e seguintes do artigo 22.º do Código de IVA corresponde uma situação em que, do saldo apurado no período, resulta um crédito de IVA a favor do sujeito passivo que será utilizado em períodos seguintes (numa lógica de conta- corrente), a menos que use a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo, obviando ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes. De tal modo que “o pedido de reembolso, assim como a sua apreciação pela Autoridade Tributária não constituem factos jurídicos, uma vez que não constituem per si qualquer facto que determine uma alteração jurídica da situação de qualquer uma das partes”.

Doutrina esta que acompanha a jurisprudência do STA, consignada no Acórdão de 12/7/2007, processo n.º 0303/07, onde se pode ler, entre o mais, que apenas “os actos de liquidação, em sentido estrito”, provocam “uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário). No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão Arbitral, de 4 de Abril de 2014, processo n.º 238/2013-T, onde se pode ler que no que concerne ao pedido de reembolso, não se prevê expressamente a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de atos de indeferimento de pedidos de reembolso de quantias pagas, em cumprimento de anteriores atos de liquidação.

Também corresponde à verdade que a AT realizou correções.

Não corresponde, porém, à verdade, nem que os atos jurídicos praticados pela Requerida correspondam a meras correções, nem que a presente ação, nos termos em que a Requerente a configurou em sede de petição inicial, tenha por objeto correções.

Quanto ao primeiro aspeto - os atos jurídicos praticados pela Requerida não correspondem a meras correções.

Naturalmente que as liquidações adicionais a que houve lugar foram antecedidas por pedido de reembolso e por correções realizadas pela Requerida. Não deixam, porém, por tal facto, tais atos, de corresponder a atos tributários – atos de liquidação oficiosa de IVA.

Com efeito, “a liquidação é a operação através da qual se aplica a taxa de imposto à matéria tributável, apurando-se então o valor devido pelo contribuinte, sendo o acto de liquidação o acto através do qual esta é concretizada pela Administração Tributária”.

Tem de específico, a liquidação oficiosa, o facto de ser “aquela que é efectuada pela Administração Tributária na falta de impulso ou de liquidação pelo sujeito passivo” (cf. Carla Trindade (2016), Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, pp. 60 e 61). No presente caso estão, assim, em causa, atos tributário de liquidação oficiosa.

De sublinhar, ainda, a este propósito, dois outros aspetos.

Como decorre dos Docs. n.ºs 1 a 13, junto ao pedido arbitral, a Requerida notificou a Requerente dos atos por si (Requerida) praticados em resposta ao pedido formulado pela Requerente.

Em tal notificação, a Autoridade Tributária e Aduaneira indica, de modo claro, central, expresso e inequívoco, que os atos notificados correspondem a atos de liquidação, atribuindo, inclusivamente, um número identificador (que designa por número de liquidação) a cada uma das liquidações em causa e detalhando o tipo de métodos (indiretos) a que recorreu para proceder a tais atos de liquidação.

É, portanto, a própria Requerida que, não só qualifica os atos em causa como atos de liquidação, como dá a conhecer à Requerente que os atos por aquela praticados e notificados assumem essa natureza.

Acresce que, a Requerida, além de formular e transmitir, à Requerente, a referida informação, fez constar, de modo expresso, em cada uma das mencionadas notificações, que da liquidação notificada poderia a Requerente deduzir impugnação, em Tribunal, no prazo de três meses (além de reclamação graciosa, no prazo de 120 dias).

Com efeito, os atos de liquidação notificados são lesivos dos interesses da Requerente, pelo que a sua impugnabilidade contenciosa (quer pela via dos tribunais estaduais, quer pela via arbitral) tem de ser assegurada em prol do respeito pelo princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da C.R.P..

Assim, não só os atos praticados correspondem a verdadeiras liquidações, como a Requerida: expressamente os qualifica como tal; disso dá formal conhecimento à Requerente e, também formalmente, a esclarece de que, por estarem em causa atos de liquidação, podem estes ser objeto de impugnação em juízo (donde decorre reconhecimento de competência dos tribunais arbitrais - enquanto tribunais tributários que também são - para efeitos de impugnação de atos de liquidação).

Deste modo, e por estarem em causa atos tributário de liquidação, o adequado meio processual de reação em juízo será a impugnação judicial – quando a Requerente opte pela via judicial – ou o pedido de pronúncia arbitral – quando, como no presente caso, a Requerente opte pela via arbitral (e não a Ação Administrativa Especial, que se destina, no âmbito do contencioso tributário, à apreciação exclusiva de atos em matéria tributária).

Cumpre apreciar o segundo aspeto – do objeto da presente ação.

O objeto da ação corresponde ao pedido e à causa de pedir em que este assenta.

No que diz respeito a esta última, a Requerente enuncia, de modo claro, no art.º 9.º da sua petição inicial, que o que dá causa à ação que propõe, são os dez atos de liquidação (atos que, no mesmo artigo, devidamente identifica), expressamente subordinando tal artigo à epígrafe “O objeto da pronúncia arbitral”.

Como decorre da especificação a que procede, os atos de liquidação que identifica como integrando o objeto da ação são os seguintes:

  1. a liquidação adicional n.º…, com o valor de correção de € 853,07, correspondente ao período de tributação de 12/12T;
  2. a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 36.736,51, correspondente ao período de tributação de 13/03T;
  3. a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 20.014,14, correspondente ao período de tributação de 13/06T;
  4. a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 237,43, correspondente ao período de tributação de 13/09T;
  5. a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 6.845,86, correspondente ao período de tributação de 13/12T;
  6. a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 3.981,19, correspondente ao período de tributação de 14/03T;
  7. a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 1.883,01, correspondente ao período de tributação de 14/06T;
  8. a liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 282,21, correspondente ao período de tributação de 14/09T;
  9. a liquidação adicional n.º …, com valor de correção de € 1.682,36, correspondente ao período de tributação de 14/12T; e
  10. a liquidação adicional n.º 2015…, com o valor de correção de € 172,50, correspondente ao período de tributação de 15/03T.
  11. Por outro lado, é também sobre tais atos de liquidação que incide o segundo elemento do objeto da acção – o pedido. Na verdade, solicita, a Requerente, “(i) a anulação das Liquidações Adicionais, com fundamento na respetiva ilegalidade, com as demais consequências resultantes dessa mesma anulação; e (ii) em virtude dessa anulação, condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o valor indevidamente pago, nos termos do disposto no art. 43.º da LGT”.

Constituindo, em síntese, os atos objeto da presente ação, atos de liquidação, beneficia, o Tribunal, de competência material para da mesma conhecer, por se tratar de matéria que, de harmonia com o regime legal acima referido, se integra no seu âmbito de competência jurisdicional (em particular, do art. 2.º, n.º 1, a) do RJAT).

Termos em que, incluindo-se a impugnação de atos de liquidação, no âmbito de jurisdição arbitral tributária e sendo esse o objeto da presente ação, improcede a exceção de incompetência absoluta invocada pela Requerida.

 

7.1.O Tribunal Arbitral é, assim, materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2.º do RJAT.

7.2.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3. O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III –DO MÉRITO

 

III.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A A… SGPS, S.A. tem o domicílio fiscal na Rua…, n.º … –…, …-… Lisboa, e o número de identificação fiscal (NIF)… .
  2. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (“SGPS”) constituída nos termos do Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (“RJSGPS”) vertido no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, sucessivamente alterado.
  3. A Requerente iniciou a atividade em 14 de dezembro de 2012 e opera sob o código CAE…, actividade de sociedades gestoras de participações sociais não financeiras.
  4. A Requerente é detida em 95 por cento do respetivo capital social pela B…, SGPS, S.A. (NIF…), sendo os restantes cinco por cento detidos pela sociedade C…, S.A. (NIF…), conforme provado no Ponto III.1.3 do Relatório de Exame.
  5. A Requerente detém, desde dezembro de 2012, participações nas seguintes sociedades, correspondentes a 100 por cento do respetivo capital social:

·         D…, S.A. (NIF…);

·         E…, S.A. (NIF…);

·         F…, S.A. (NIF…);

·         G…, S.A. (NIF…);

·         H…, S.A. (NIF…); e

·         I…, S.A. (NIF…).

  1. No exercício da sua atividade, a Requerente celebrou em 30 de janeiro de 2015, com a F… um contrato de prestação de serviços de gestão, assessorando-a “na definição do posicionamento estratégico e de negócio, assessoria financeira, na relação com entidades bancárias e elaboração de planos de negócio, e assessoria jurídica”, conforme provado no Relatório de Exame, ponto III.1.4.
  2. A Requerente celebrou, com outras subsidiárias, contratos de prestação de serviços de gestão, no mercado nacional, serviços esses que são prestados numa base contínua, que abrangem a contabilidade, auditoria, contratação de fornecedores diversos, a assessoria na definição do posicionamento estratégico e de negócio; a assessoria financeira, na relação com entidades bancárias e elaboração de planos de negócio; e a assessoria jurídica, tal como resulta provado no Relatório de Exame elaborado pela AT, págs. 7 e 10 a 12, que aqui se parcialmente se transcrevem:

 

  1. A B…, SGPS, S.A. é controlada pelo Fundo … e a sua constituição teve por objetivo a concretização da aquisição de um conjunto de ativos, créditos e empresas no sector imobiliário e de turismo, inseridos no conjunto empresarial anteriormente denominado Grupo K… (Grupo K…).
  2. As subsidiárias da B… SGPS – onde se inclui a Requerente – adquiriram créditos detidos por diversas instituições financeiras sobre as empresas do então Grupo K…, que foram financiados por suprimentos.
  3. Foi celebrado com o então acionista das sociedades devedoras dos créditos, adquiridas pelas várias subsidiárias da B… SGPS, S.A. um acordo global de reestruturação do então Grupo K… .
  4. Nesse acordo global incluíam-se Acordos Extrajudiciais de Recuperação para diversas sociedades do então Grupo K…, Acordos Quadro de Reestruturação, um Contrato Promessa de compra e venda e um contrato de opção de compra de ações e de créditos acionistas.
  5. Após a celebração dos referidos contratos, a B…, SGPS, S.A. e as suas participadas concentraram-se na gestão da relação entre as entidades financeiras e as sociedades do então Grupo K… para a concessão de financiamentos específicos que permitissem a reestruturação do mesmo, processo de reorganização societária, racionalizar a detenção de créditos e participações acionistas transformando o então Grupo K… no que se pode designar por Grupo J… .
  6. A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA, sujeito passivo misto com afetação real de todos os bens.

14.  A Requerente deduziu a totalidade do IVA suportado a montante durante os anos de 2012 ao terceiro trimestre de 2015.

15.  Na declaração periódica do período de tributação do primeiro trimestre de 2015 (201503T), a Requerente solicitou o reembolso do IVA corresponde ao crédito formado desde o início da atividade (14-12-2012), no valor de € 72.711,17.

  1. A Requerente foi objecto de uma ação inspetiva interna de âmbito parcial, no âmbito de IVA, na qual foi escrutinado o exercício do seu direito à dedução do IVA.
  2. Na sequência dessa ação de inspeção, a Requerente sofreu correções ao apuramento do IVA relativas aos anos de 2012 a 2015, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2015…, aberta em 04-06-2015, com extensão ao primeiro trimestre do exercício de 2015.
  3. Em 13-08-2015 a AT solicitou ofício à Requerente (ofício n.º…), que “relativamente a todos os serviços adquiridos, desde o quatro trimestre de 2012 até ao primeiro trimestre de 2015, e relativamente aos quais suportou e deduziu imposto, que indicasse: a descrição pormenorizada do serviço objeto do documento, a empresa participada que beneficiou diretamente com a aquisição desse serviço e a descrição pormenorizadamente o beneficio direto retirado pela empresa participada” (Ponto III.1.7 do Relatório / Conclusões da acção de inspeção, p.10).
  4. O contribuinte respondeu em 25-8-2015 (n.º de entrada 2015…). A Requerente foi notificada pela AT (ofício n.º…, de 12-06-2015) para o envio de elementos, e em 25-08-2015, enviou uma listagem com informação relativa aos documentos cujo imposto suportado foi deduzido: período do IVA; nome do documento, NIF do fornecedor, objecto do documento, valor do serviço (sem IVA) e identificação da participada que beneficiou diretamente com a aquisição dos serviços (anexo 1 ao Relatório de inspeção tributária).
  • Sobre a referida listagem pode ler-se no Relatório o que seguidamente se transcreve:

  1. A Requerente foi notificada do projecto de Relatório de Inspeção tributária para exercer o direito de audição, através da notificação n.º…, de 04-11-2015.
  2. A AT abriu posteriormente as ordens de serviço n.ºs OI 2015…, OI2015… e OI2015…, todas com despacho 03-12-2015 e notificação em 07-12-2015 (documento de correcção), e, com base em correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, em 22 de dezembro de 2015, foram emitidos dez atos de liquidação adicional de IVA cujo sujeito passivo é a Requerente, designadamente:
  1. A liquidação adicional n.º…, com o valor de correção de € 853,07, correspondente ao período de tributação de 12/12T;
  2. A liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 36.736,51, correspondente ao período de tributação de 13/03T;
  3. A liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 20.014,14, correspondente ao período de tributação de 13/06T;
  4. A liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 237,43, correspondente ao período de tributação de 13/09T;
  5. A liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 6.845,86, correspondente ao período de tributação de 13/12T;
  6. A liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 3.981,19, correspondente ao período de tributação de 14/03T;
  7. A liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 1.883,01, correspondente ao período de tributação de 14/06T ;
  8. A liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 282,21, correspondente ao período de tributação de 14/09T ;
  9. A liquidação adicional n.º…, com valor de correção de € 1.682,36, correspondente ao período de tributação de 14/12T ;
  10. A liquidação adicional n.º 2015…, com o valor de correção de € 172,5 correspondente ao período de tributação de 15/03T, que tendo em conta que a Requerente calculou um imposto a seu favor de € 72.711,17, refletiu uma liquidação adicional do remanescente
  1. A Requerente não aceitou as correcções, que ascenderam, a € 72.883,67 (cfr. ponto III. 2 in fine do Relatório de Inspeção) e não efetuou o pagamento voluntário do aludido valor.
  2. A Requerente, por isso, foi citada, no âmbito do processo de execução fiscal n.º … 2016…, em 2 de março de 2016, para pagamento do montante total de € 193,41 (Documento n.º 12).
  3. A Requerente procedeu, depois, ao pagamento do montante exigido no processo de execução fiscal n.º … 2016… (Documento n.º 13).

 

III.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cf. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se no conjunto dos documentos juntos aos autos, bem como no processo administrativo instrutor que inclui o relatório final da inspeção tributária mencionado na p. i., sendo certo que os documentos apresentados não foram impugnados.

Na apreciação da prova produzida, não se deteta nos articulados apresentados, qualquer controvérsia essencial das partes relativamente ao quadro factual, circunscrevendo-se aquela à questão de direito subjacente, a saber: de ilegalidade ou não dos atos tributários ora sindicados por alegada desconsideração do direito da Requerente à recuperação/dedução de IVA, designadamente decorrente de operações de recálculo, efetuadas pela AT.

 

III. 4. O DIREITO

 

1. Da natureza e âmbito do exercício do direito à dedução em sede de IVA

 

a) As SGPS podem prestar serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas ou a sociedades com as quais tenham celebrado contrato de subordinação (cf. art. 4.º do RJSGPS). Esses serviços passam, nomeadamente, pela elaboração de estudos de reorganização, formação de quadros, definição de planos estratégicos e apoio em diversas matérias pertinentes para a organização e administração (v.g., apoio contabilístico, jurídico, de recursos humanos, etc.), mormente no âmbito da gestão das participadas pelas SGPS.

A prestação dos serviços ditos acessórios constitui um fator relevante para a inclusão de parte da sua atividade no âmbito de aplicação do IVA e, em especial, no âmbito das atividades sujeitas e não isentas de IVA, que conferem direito à dedução.

No caso em apreço está em causa a dedutibilidade do IVA suportado pela Requerente por efeitos de prestação de serviços às suas participadas, serviços esses que englobam a assessoria na definição do posicionamento estratégico e de negócio, a assessoria financeira, na relação com entidades bancárias e elaboração de planos de negócio e a assessoria jurídica.

No âmbito do procedimento de inspeção que sucedeu ao pedido de reembolso do IVA, concluiu-se não ser permitido à Requerente, enquanto SGPS, a dedução do IVA porque “todos os serviços adquiridos, entre o quarto trimestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2015 foram utilizados exclusivamente no desenvolvimento da atividade principal de gestão de participações sociais, pelo que o imposto suportado não é dedutível.” Segundo a AT “a Requerente deduziu a totalidade do IVA suportado a montante durante os anos de 2012 a 2015, sem demonstrar uma ligação directa e imediata desses inputs com a actividade sujeita a imposto, não fez prova de qualquer nexo, no que respeita aos inputs concretamente identificados no relatório de Inspecção, pelo que a sua pretensão não pode ser atendida.”

Para a Requerente, e, em síntese, as liquidações adicionais em causa são ilegais porque não são conformes com a jurisprudência constante do TJUE sobre o direito à dedução do imposto incorrido por sociedades holding.

 

Vejamos.

 

b) O CAAD tem vindo a pronunciar-se, em vários casos, sobre o direito à dedução em IVA nas SGPS, em termos que nos parecem coerentes e procedentes, pelo que, nesta parte, seguimos de perto o sentido orientador seguido, por exemplo, nas Decisões Arbitrais proferidas, desde logo, nos Processos n.º 148/2012-T, n.º 18/2013-T e n.º 15/2015-T.

O IVA baseia-se num princípio fundamental que é o de conceder o direito de deduzir ao montante do imposto liquidado pelo sujeito passivo, nas operações económicas por si realizadas num dado período de imposto, o montante de imposto que suportou nas aquisições ou importações de bens e serviços que lhe foram prestados.

A diferença entre aqueles dois montantes, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código, corresponde ao imposto que o sujeito passivo deve entregar nos cofres do Estado. No entanto, deve salientar-se que o direito à dedução sofre uma importante restrição: ele só pode ser exercido desde que os bens ou serviços tenham sido adquiridos para a realização de operações tributáveis, pelo que se excluem deste princípio as operações isentas. Quando um sujeito passivo adquira bens e serviços para a realização de operações isentas de IVA (isenção incompleta), o imposto contido no preço não é dedutível, pelo que constitui um custo da atividade do sujeito passivo isento. Este comporta-se como um consumidor final.

Uma vez que funciona através do denominado método subtrativo indireto, o direito à dedução constitui um elemento estruturante no funcionamento do imposto, tendo em vista garantir uma característica do imposto, que é a da sua neutralidade.[1]

Nos termos deste método, e de acordo com o que se dispõe no artigo 19.º do CIVA, aos sujeitos passivos é permitido, através de uma operação aritmética de subtração ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respetivas faturas, deduzir o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). É o que especificamente resulta do 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Diretiva IVA (de ora em diante DIVA) onde se pode ler que: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”

Importa reter que as regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, ligados ao tipo de despesas, subjetivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução. Como requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no artigo 36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do IVA (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA).

Como requisitos subjetivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o exercício da atividade em causa.

Em conformidade com o disposto no artigo 168.º da DIVA, transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado-membro em que se encontra estabelecido nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como nas operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…) ”.

Tratando-se de uma atividade mista, a lei faculta a esses sujeitos passivos uma de duas soluções:

. Ou a não separação de atividades (isenta e não isenta), caso em que se tenha de proceder a um cálculo de imposto não dedutível, incluído nas aquisições totais do sujeito passivo segundo o método do pro rata ou da percentagem de dedução;

. Ou a separação contabilística das atividades, isentas e tributáveis – método da afetação real que consiste na possibilidade de efetuar a dedução integral do imposto contido na aquisição de bens e serviços destinados a atividade tributável nos termos gerais, mas que, do mesmo modo, impede em simultâneo a dedução do imposto suportado nas operações que não conferem direito à dedução.

A Diretiva IVA e o Código do IVA português estabelecem, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos. Assim, os casos de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, em função do tipo de despesas em causa.[2]

O art.º 20.º n.º 1 al. a) do CIVA (e o art.º 168.º da Diretiva IVA) permitem ao sujeito passivo deduzir o IVA suportado nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como nas operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…) ”. Pelo que se requer que exista um inequívoco nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja suscetível de ser dedutível. Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível se estiver relacionado a jusante com uma operação efetivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.

O TJUE tem ainda decidido no sentido de que deve existir uma relação direta e imediata, entre as operações tributáveis realizadas pelo sujeito passivo e os bens ou serviços fornecidos por outro sujeito passivo, i. e., entre os encargos cujo IVA se pretenda deduzir e as operações tributadas (Acórdãos BLP, de 6.6.1995, proc. C-4/94, Coletânea, p. I-983, n.ºs 18 e 19 e Midland Bank, 8.6.2000, Proc. C-98/98, Coletc. P.I-4177, n.º 25). É claro que, tem-no dito o TJUE, se o sujeito passivo desenvolver apenas atividades tributadas nos termos gerais, esta relação não necessita de ser estabelecida, na justa medida em que todo o IVA suportado a montante pode ser deduzido nos termos gerais, já que todos os bens e serviços (a montante) são, desde que exista uma relação clara com a atividade da empresa, utilizados ou suscetíveis de o ser “para os fins das próprias operações tributáveis”.

De modo que o inverso também é verdade: é necessário que se verifique uma relação direta e imediata da operação a montante com uma operação específica tributável sempre que o sujeito passivo exerça uma atividade mista. Como se decidiu no Proc. Arbitral n.º 15/2015-T, “deverá aferir-se se a operação a montante sujeita a IVA apresenta uma relação direta e imediata com uma ou várias operações que confiram direito a dedução, pressupondo o reporte do custo daquele no preço das operações. Caso tal não se verifique, importa então analisar se as despesas realizadas para a aquisição dos bens ou serviços a montante fazem parte das despesas gerais ligadas ao conjunto da atividade económica do sujeito passivo, pressupondo a incorporação do seu custo nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades económicas.”

Este direito a deduzir imposto nasce “no momento em que o imposto dedutível se torna exigível” e desde que o sujeito passivo tenha na sua posse a fatura, ou o recibo de pagamento do imposto (cfr. art.º 36.º do CIVA). À luz do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, confere direito à dedução, designadamente, o imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos e o imposto pago pela aquisição dos serviços referidos nas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA. O n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, confere, nomeadamente, o direito à dedução do IVA nas transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas e as transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efetuadas em Portugal.

No caso sob apreço, não é controvertido que a Requerente é uma SGPS que incorreu em gastos no interesse e numa lógica de reestruturação económica e de gestão do Grupo, que desenvolveu nos períodos de imposto aqui em causa, até dezembro de 2014, conforme supra provado, no acompanhamento do desenrolar do PER e na gestão da relação entre entidade financeiras e as sociedades do ex-grupo K…, de que detém participações sociais.

Afigura-se assistir razão à Requerente quando defende, em primeira linha, que o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os gastos são incorridos e foram utilizados pela Requerente numa lógica de grupo em atividades que conferem direito à dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa atividade no confronto com a totalidade dos proveitos, tal como resulta do disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE) que estabelece que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes do IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo e resulta também do artigo 20.º do CIVA.

 

2. Do conceito de atividade económica e da ligação com o direito à dedução do IVA a montante respeitante à aquisição de participações sociais

 

Conceptualmente é possível distinguir, para efeitos de IVA, as operações que constituem atividades não económicas e as operações que consubstanciam o exercício de uma atividade económica (cfr. por todos, o Acórdão do TJUE, Régie Dauphinoise, de 11.7.1996, C-306/94, Colect., p. I-3695, n.° 22). Quer neste quer noutros Acórdãos o TJUE tem dito que apenas estas últimas se devem considerar abrangidas pela Diretiva IVA e, dentro destas, como supra se assinalou, as atividades não sujeitas, sujeitas e isentas e não isentas ou tributadas em IVA.

Para efeitos do IVA, sujeito passivo[3] é quem exerça de modo independente e com carácter de habitualidade, uma atividade económica, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade e, ainda, as pessoas que, do mesmo modo, pratiquem uma só operação, nos termos previstos nos artigos 9.º e segs. da Diretiva IVA e no artigo 2.º do Código do IVA). Como se vê, os conceitos não são coincidentes. Nem sempre a pessoa que tem o encargo de suportar o imposto é “sujeito passivo” na aceção do sistema comum. Sujeito passivo é, pois, todo aquele que por exercer uma atividade económica, pratica, em princípio com carácter continuado, operações tributáveis. É sujeito passivo quem de modo habitual e com carácter de independência, exerça uma atividade de produção, comércio ou prestação de serviços (cfr. art.º 2.º do CIVA). O TJUE tem considerado, de modo uniforme e constante, que o conceito de sujeito passivo está inequivocamente ligado ao de atividade económica, sendo esta que justifica a qualificação do sujeito passivo com direito à dedução (cfr. Caso I/S Fini y Skatteministeriet, Acórdão de 3 de Março de 2005, Proc. C-32/03, Colect. p. I-01599, n.º 19).

O conceito de atividade económica deve ser tão lato quanto possível, na medida em que é o seu exercício, de forma independente, que se configura como uma condição de incidência subjetiva deste imposto, sendo a partir dele que se constrói a possibilidade de exercer o direito à dedução do IVA contido nos inputs, o qual é, como vimos, a garantia da neutralidade do imposto. A atividade não tem que ser desenvolvida com espírito de lucro nem é necessário que se desenvolva com carácter principal podendo revestir natureza acessória, mas a Diretiva IVA enquadra no seu artigo 9.º, n.º1, 2.º parágrafo, 2.ª parte, como sujeito passivo de IVA qualquer pessoa que exerça uma “(…) a atividade económica [de] exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência (…).”

A noção de devedor de imposto é mais ampla, pois integram este conceito não apenas os próprios sujeitos passivos mas também, latamente, todas as pessoas que v. g. adquiram, importem bens ou adquiram serviços.

Tendo por base esta distinção, o IVA só deve ser suportado pelos indivíduos que utilizem os bens ou serviços para consumo privado. Consequentemente, não pode ser deduzido IVA que haja incidido sobre bens ou serviços respeitantes a uma atividade de um qualquer sujeito passivo que não tenha a natureza de atividade económica, na aceção que lhe é dada pela Diretiva IVA.

Ainda que o exercício do direito à dedução seja um direito fundamental, ele só opera no âmbito de atividades económicas e, dentro deste, se existir a tal relação direta e imediata entre os bens e serviços adquiridos e a atividade do sujeito passivo de IVA, de que se falou acima.

Todavia, se bem que esta seja uma restrição importante, diretamente conexa com a lógica do imposto, denota-se que, em sentido inverso e como bem se salienta na Decisão Arbitral proferida no proc. 15/2015-T, o TJUE tem até mesmo “vindo a acolher uma interpretação cada vez mais abrangente, nomeadamente, para os efeitos que ora nos interessam no que se refere à gestão de participações sociais, sem o que o estabelecimento de um nexo causal entre o IVA dedutível e uma determinada operação, individualizada e concretizada, não poderá ser acolhido.”

O conceito de atividade económica acolhido pelo TJUE é muito importante para a dilucidação da questão que nos ocupa, na justa medida em que, sendo embora imperativo que exista uma inequívoca relação com a atividade económica do sujeito passivo, também se admite “um direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo” (ver Acórdão de 29 de Outubro de 2009, caso SKF, Proc. C-29/08, Colect. p. I-10413, n.° 58 e demais jurisprudência nele citada).

Importa referir que embora os Acórdãos citados e adiante referidos, tenham sido emitidos aplicando o regime da 6.ª Diretiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui releva, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência à situação dos autos, apesar de estarem em causa factos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

Há inúmera outra jurisprudência do TJUE ao nível da gestão de participações sociais, onde se tem vindo a discutir o exato sentido e alcance do conceito de atividade económica e sobre a qual se tem dito que nela se não deve conter o mero exercício do direito de propriedade pelo titular dos bens. Assim, o TJUE tem entendido que a mera compra, a simples cedência de participações financeiras noutra empresa ou a perceção de dividendos, não configuram uma exploração de um bem com o objetivo de obter receitas permanentes, porque o dividendo resultante dessa participação é o resultado da mera propriedade do bem e não a contrapartida do exercício de uma qualquer atividade económica (ver ainda Acórdãos de 22 de Junho de 1993, Caso Satam/Sofitam, Proc. C-333/91, Colect. p. I-3513, de 14 de Novembro de 2000, Caso Floridienne e Berginvest, Proc. C-142/99, Colect. p. I-9567, e de 27 de Setembro de 2001, e vária outra jurisprudência do TJUE neles citada).

Está, pois, excluído do conceito de atividade económica este exercício residual, assim como a mera aquisição e detenção de participações sociais, sem intervenção na gestão de outras empresas, desenvolvidas pelas holdings puras, que não conferem ao seu autor a qualidade de sujeito passivo por não serem consideradas uma atividade económica, na aceção da Sexta Diretiva e da Diretiva IVA. (ver casos Polystar, de 20.6.1991, Proc. C-60/90, Colect., p. I-3111 e Acórdão de 20 de Junho de 1996, em que estava em causa a compra e venda de ações no quadro da gestão de um “trust”, no Caso Wellcome Trust, Proc. C-155/94, Proc. C-155/94, Colect. p. I-3013).

Em sentido contrário, o TJUE tem entendido que os juros recebidos por uma holding respeitantes a empréstimos concedidos às suas sociedades participadas não podem, de acordo com as conclusões daquele Acórdão, ser excluídos do âmbito de aplicação de IVA. Este entendimento foi reforçado em vários Acórdãos do TJUE, tais como o caso Cibo Participations, em especial §§ 1 a 3 das conclusões, onde se decidiu no sentido de que “1) A interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, na medida em que implique a realização de transações sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado nos termos do artigo 2.° dessa diretiva, tais como o fornecimento, pela holding às suas filiais, de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos. (Cfr. WWW: <URL: http://eur-lex.europa.eu/).

2) As despesas efetuadas por uma holding com os vários serviços que adquiriu no âmbito de uma tomada de participação numa filial fazem parte das suas despesas gerais, pelo que têm, em princípio, um nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica. Portanto, se a holding efetuar tanto operações com direito a dedução como operações sem direito a dedução, decorre do artigo 17.°, n.°5, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva 77/388 que pode unicamente deduzir-se a parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.”;

De modo que se pode dizer que o TJUE efetua uma distinção clara entre as holding que interferem, de forma direta ou indireta, na gestão das participadas, daquelas outras que não o fazem. Neste respeito, o Tribunal tem decidido no sentido de que constitui uma atividade económica enquadrada nas regras do IVA [para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 9.º da Diretiva IVA] a que seja desenvolvida pelas holdings que interferem de forma direta ou indireta na gestão das sociedades participadas (Cfr. Acórdãos Floridienne SA e Berginvest, contra o estado Belga, Proc. 142/99, Colet. I-9567 e Welthgrove BV, Proc. C-102/00, Colet. I-5679[4], ambos relativos à intervenção de uma holding na gestão das filiais).

Por consequência, pode concluir-se que uma holding tem uma “interferência direta ou indireta na gestão” das sociedades participadas sempre que estejam reunidas as condições seguintes: (a) As atividades não sejam apenas exercidas a título ocasional (Ac. Floridienne); (b) As atividades não se limitem a gerir os investimentos a exemplo dum investidor privado (Ac. Floridienne); (c) As atividades sejam efetuadas no âmbito dum objetivo empresarial ou com finalidade comercial (Ac. Floridienne); (d) pelo menos parte das atividades constituam transações sujeitas a IVA para efeitos do artigo 2.º da Diretiva (Acórdão Welthgrove).[5]

Como se vê, o TJUE coloca a ênfase na questão de saber, para efeitos do (eventual) exercício do direito à dedução de IVA, se a sociedade que é sujeito passivo do IVA está ou não envolvida na gestão efetiva das sociedades em que tiver ocorrido a tomada de participação. E tem concluído que assume natureza económica o exercício da atividade de gestão de participações sociais, incluindo a sua aquisição e alienação, acompanhado da interferência efetiva pela sociedade-mãe na gestão das participadas, no quadro do exercício mais vasto de atividades empresariais, caso em que se deve considerar que estas desenvolvem atividades tributadas.

No Acórdão proferido no Proc. C-29/08, caso AB SKF, de 29.10.2009, o TJUE considerou que “constitui uma actividade económica abrangida pelo âmbito de aplicação das referidas directivas uma transmissão, por uma sociedademãe, da totalidade das acções que detém no capital de uma filial detida a 100% e a participação remanescente numa sociedade controlada anteriormente detida a 100%, às quais forneceu prestações de serviços sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado.” E que “O direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de acções é conferido, por força do artigo 17.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva 77/388, conforme alterada pela Directiva 95/7, e do artigo 168.° da Directiva 2006/112, se existir uma relação directa e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das actividades económicas do sujeito passivo. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, tendo em conta todas as circunstâncias em que decorrem as operações em causa no processo principal, se as despesas realizadas são susceptíveis de ser incorporadas no preço das acções vendidas ou se fazem parte unicamente dos elementos constitutivos do preço das operações abrangidas pelas actividades económicas do sujeito passivo”.

Assim, entendeu o TJUE, no Caso SKF, que se deve permitir o direito à dedução do IVA pago a montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de ações [artigo 168.° da Diretiva IVA], se existir uma relação direta e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das atividades económicas (tributadas) do sujeito passivo. Tendo estas prestações a montante, no entendimento do TJUE, uma relação direta e imediata a atividade económica do sujeito passivo, deve ser-lhe permitido o exercício do direito à dedução do IVA das referidas prestações.

Como consequência, e bem se salienta na Decisão Arbitral proferida no proc. 15/2015, a p. 41, o TJUE, invocando o princípio da igualdade de tratamento, considerou [no Ac. SKF] que recusar o direito à dedução de IVA pago a montante por despesas de consultoria ligadas a uma transmissão de ações isenta por força da envolvência na gestão da sociedade cujas ações são cedidas, e admitir este direito à dedução para tais despesas ligadas a uma transmissão que se situa fora do âmbito da aplicação do IVA pelo facto de constituírem despesas gerais do sujeito passivo, levaria a um tratamento fiscal diferente de operações que são objetivamente semelhantes, em violação do princípio da neutralidade fiscal.

Esta diferenciação injustificada de tratamento é igualmente sentida pela Doutrina, como é o caso do estudo de Rui da Costa Bastos[6], que se pronuncia no sentido de que “Não se deverá ver condicionado o direito à dedução das despesas gerais suscetíveis de ser imputadas à componente tributada da atividade económica do sujeito passivo (serviços de apoio à gestão), como poderá acontecer com assistência jurídica contratada a terceiros, estudos em matéria de internacionalização do grupo, gastos administrativos, etc., desde que se comprove a afetação de recursos, como poderão ser os recursos humanos, à referida atividade tributada, qualificando-se aqueles encargos como gastos gerais da atividade e, como tal, repercutíveis no preço das operações tributadas e, portanto, suscetíveis de conferirem integral dedução do IVA, sendo que não se vislumbra, a este nível, nenhuma razão para um tratamento diferenciado de uma holding mista de uma sociedade operacional”.

O autor considera que para as sociedades-mães no que respeita à aquisição, detenção ou alienação de ações, o tratamento em sede de IVA da dedutibilidade dos inputs deverá ser o mesmo. Tratar de forma diferente a dedutibilidade do IVA de inputs consoante a opção estratégia de organização empresarial ou um plano de negócios de expansão de uma atividade económica, seja pela constituição de uma filial ou a criação de uma mera sucursal, gerir diretamente uma atividade tributada ou, por via indireta, mediante a intermediação de uma participação, conduziria a um tratamento discriminatório, inaceitável, de situações que são objetivamente idênticas.

Este princípio seria, com efeito, ignorado, no entendimento expresso no Ac. do CAAD proferido no proc. 15/2015-T (p. 43), se uma sociedade-mãe que gere um grupo de sociedades pudesse ser tributada pelas despesas efetuadas no quadro da venda de ações que faz parte da sua atividade económica, ao passo que uma sociedade holding que efetua a mesma operação fora do âmbito de aplicação do IVA beneficiaria do direito à dedução do IVA que onerou as mesmas despesas pelo facto de elas fazerem parte das despesas gerais da sua atividade económica global.

No que concretamente tange à possibilidade de dedução de IVA, diversos outros Acs. Arbitrais do CAAD decidiram no sentido de que tem cobertura legal a dedução de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo direto e imediato com os serviços prestados por SGPS às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo direto e imediato com determinados serviços, se trate de IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais que tenham nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica – cfr. proc. 77/2012-T. Esta Decisão Arbitral invoca as Conclusões do Caso Portugal Telecom do TJUE, Processo C‑496/11, de 6.9.2011, que decidiu no sentido de que “uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua atividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que fatura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo direto e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do imposto sobre o valor acrescentado que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.°, n.° 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para atividades económicas e para atividades não económicas, o artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva 77/388 não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Diretiva 77/388 e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades.”

A Decisão Arbitral proferida no proc. 77/2012-T concluiu que a ali Requerente tinha razão ao defender que o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em atividades que, se fossem faturas, conferiam direito à dedução, o IVA será dedutível independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa atividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

Por outro lado, no Acórdão Portugal Telecom, do TJUE, é ainda dito que “admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo”.

(Neste respeito, veja-se o Caso Kretztechnik em que estava em causa uma emissão de ações, Proc. C-465/03, Colect. p. I-4357, e demais jurisprudência nele referida, onde se admite (cfr. §§ 57 e 58) “o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo.”).

Neste contexto, o Tribunal Arbitral decidiu no proc. arbitral anteriormente referido, no sentido de que deve ser permitida a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo direto e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo direto e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas que tenham nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica.

No mesmo sentido se pronunciou o CAAD – Proc. 128/2012-T -, ao decidir no sentido de que devem ser dedutíveis as despesas suportadas por uma sociedade operacional, “que tem como atividades principais a fabricação de … e produtos destinados à sua produção e adquire participações noutras sociedades e intervém na sua gestão com o objetivo de potenciar a sua atividade principal, designadamente expandindo internacionalmente a sua área de vendas a novos mercados e assegurando condições para a comercialização dos seus produtos”.

Refere-se no mesmo Acórdão, que se admite igualmente “um direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais ….. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo”.

Nestes termos, conclui este Tribunal que “assim, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo direto e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica.

“No caso em apreço, provou-se a aquisição de participações e os estudos relacionados com elas, bem como a intervenção de colaboradores da Requerente em sociedades participadas, fiscalizando a atividade desenvolvida e a formação de recursos humanos destas se inserem na sua estratégia global de comercialização dos seus produtos (… e…), tendo em vista obtenção de novos mercados com ligação com empresas locais (Líbano e vários países africanos) e assegurar o transporte desses produtos (terminal portuário de …) em comercialização interna (caso da aquisição da J... –, S.A.).

Assim, apesar de não se ter provado um nexo direto e imediato entre as despesas de consultadoria que foram objeto das correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, provou-se a existência de um nexo direto e imediato entre essas despesas e o conjunto da atividade económica da Requerente, pelo que os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta, tratando-se, portanto, de custos com «um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo», o que, na perspetiva da referida jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia basta para conferir o direito à dedução.

 

3. Aplicação da Doutrina e Jurisprudência ao caso concreto

 

No sentido do supra enunciado se pronunciaram ainda diversos Acórdãos Arbitrais do CAAD, como é o caso dos proferidos nos Procs. 15/2005-T; 70/2014-T, 77/2012-T e 409/2014-T, entre outros, quer quanto à regra geral de dedução de IVA, quer quanto ao conceito de atividade económica quer, ainda, quanto ao seu exercício no quadro de uma atividade de que resulta a interferência efetiva de uma sociedade na gestão de sociedades afiliadas como uma atividade económica, na medida em que ela implique a realização de transações sujeitas a IVA, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos. Esta última interferência direta ou indireta na gestão da sociedade participada altera o enquadramento no âmbito da atividade económica das holdings e suscita o direito à dedução do IVA suportado com as despesas relacionadas, incorridas a montante (v. g. proc. CAAD 15/2015-T). E em que a dedutibilidade do IVA (a montante) das despesas associadas à mesma, no todo ou em parte, estaria condicionada à forma como essa atividade seja exercida, quer de forma meramente passiva, limitando-se a SGPS ao recebimento dos lucros a ela associados ou, alternativamente, de forma ativa, com interferência direta ou indireta na gestão da mesma, dela resultando um prolongamento de uma atividade tributada.

No caso dos autos, consta dos factos provados que a Requerente não só celebrou com as subsidiárias Acordos de reestruturação, como contratos vários, de gestão ou outros, no âmbito da atividade de reestruturação e de gestão do Grupo, invocando e provando assim que interferia ou participava na gestão, assegurando ainda um conjunto de serviços às suas subsidiárias, os quais abrangem:

a)      Assessoria na redefinição do posicionamento estratégico, de negócio e de reestruturação do grupo acompanhando, por exemplo, o desenrolar do PER e a gestão da relação entre entidades financeiras e as sociedades do ex-Grupo K… para a concessão e investimentos específicos que permitissem a reestruturação do Grupo, com diversas sentenças transitadas em julgado durante o ano de 2013;

b)      A tomada de aquisição da totalidade do capital social da sociedade R…, e a reorganização societária do Grupo J…;

c)      Assessoria jurídica e económica e de gestão vária.

 

Em suma, ficou provado que as despesas da Requerente estão relacionadas com a aquisição de operações relativas a serviços de assistência e consultoria na operação de reestruturação supra identificada e operações acessórias, incluindo as áreas jurídica, de gestão e administração, como resulta do Mapa anexo ao Relatório de Exame, dado como reproduzido.

Assim sendo, não nos parece ser de aceitar a posição da AT no que respeita à invocação do argumento de que as despesas em causa não apresentam uma ligação direta com as operações de gestão realizadas ao interesse do Grupo, faturadas ou não às participadas.

Com efeito, tal argumentação é contraditada pelos factos provados, na medida em que, como vimos, a Requerente celebrou Convénios com as suas participadas e com terceiros, supra identificados, os quais enformam e regulam os termos da gestão empreendida e da respetiva atividade de gestão efetiva, muito para além da mera gestão de participações sociais.

A Requerente não é uma SGPS que se dedique apenas à gestão de participações sociais. Por outro lado, as despesas suportadas não respeitam meramente a dividendos de participações sociais, mais-valias da venda de ações ou outros títulos negociáveis, rendimentos de aplicações em fundos de investimento, juros de obrigações, juros devidos pela concessão ocasional de crédito pelas holdings com recurso aos dividendos distribuídos pelas participadas, entrada de capital para as sociedades e emissão das ações representativas do capital de uma sociedade comercial.

Pelo contrário, fica claro que as despesas suportadas estão exclusiva ou principalmente relacionadas com as operações que se enquadram no conceito de atividade económica, desde logo porque se trata de operações / serviços diretamente relacionadas com operações de reestruturação e de gestão do Grupo e a atividade das participadas. Fica provado que a Requerente desenvolveu efetivamente uma atividade que foi muito para além da mera gestão de participações sociais, tendo desenvolvido ainda toda uma atividade de reestruturação e de gestão no interesse do Grupo.

 Conclui-se, desta forma, que as despesas em causa configuram-se como necessárias para desenvolver a globalidade da sua atividade, incluindo a de reestruturação económica do Grupo, até porque a maioria das faturas se refere a “Gastos estruturais essenciais à atividade”. E, por consequência, as despesas supra descritas e os serviços relacionados com a reestruturação e gestão do grupo, ou que respeitam ao funcionamento da Requerente como SGPS, são necessárias para o seu funcionamento como holding mista que é.

Como bem se decidiu, no proc. Arbitral n.º 70/2014-T (p. 34, 35), são de considerar elementos constitutivos do preço dos serviços prestados pela Requerente às suas participadas, já que sem o funcionamento da Requerente esses serviços não podiam ser prestados. Há, pois um nexo direto e imediato entre tais despesas e a atividade económica de prestação ativa de serviços pela Requerente, que viabiliza o direito à dedução, à face da jurisprudência citada.

O CAAD, através da decisão arbitral proferida no proc. 70/2014-T – entendeu que no que respeita aos pagamentos de assessoria fiscal, consultoria jurídica e consultoria estratégica relativa à detenção, aquisição e alienação de participações sociais na qualidade de acionista, oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio da sociedade e outros relacionados, apesar de estarem diretamente relacionados com a aquisição ou alienação de participações sociais, se trata de custos gerais de uma holding mista. Pelo que pode ser deduzido o IVA “mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta”.

O critério para aferir da dedutibilidade que resulta desta jurisprudência não é o de se tratar, ou não, de custos que uma holding pura teria ou não suportado, mas sim, neste caso, o de esses custos serem ou não custos da Requerente, pois, segundo aquela jurisprudência, os custos, por o serem, são elementos constitutivos do preço dos serviços depois prestados. Por isso, no referido processo, concluiu-se que não tinham fundamento legal as correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a tais custos.

Ora, no caso dos autos, repete-se, estão em causa custos ou gastos essenciais à atividade, tais como serviços jurídicos, honorários relativos a cessão de créditos, recolha de elementos do Grupo K…, serviços de auditoria ao Grupo, serviços jurídicos relativos a reclamações de créditos e no âmbito do processo de reclamação, que a Requerente prova ter suportado no interesse e numa lógica de Grupo. Pelo que assim prova a Requerente ter suportado IVA nas faturas constantes no referido Mapa Anexo ao Relatório de Exame, sem que as mesmas e o respetivo conteúdo tenham sido postos em causa pela AT no âmbito do relatório de exame.

Finalmente, acresce que a participação da Requerente no capital de outras sociedades, por ser SGPS, é considerada como forma indireta de exercício de uma atividade económica, nos termos do artigo 1.º, n.os 2 e 3 do RJSGPS, uma vez verificados dois requisitos cumulativos, que na Requerente se observam. Um dos requisitos é o caráter não ocasional da participação, i. e., a conservação da propriedade da mesma por período superior a um ano – o que de resto, se verifica in casu na medida em que a Requerente detém participações sociais nas suas participadas desde dezembro de 2012. O outro requisito é a detenção de, pelo menos, 10 por cento do capital, ao qual esteja associado o direito de voto da sociedade participada – o que também se verifica na medida em que a Requerente detém 100 por cento do capital social da L…, da E…, da F…, da G…, da H… e da I… .

Por tudo o quanto vai exposto, atentos os factos provados e do enquadramento quanto a este tipo de gastos adotado pelo TJUE e da sua pacífica aceitação nas várias Decisões Arbitrais, deve concluir-se no sentido de que está provado que existe um nexo de causalidade direto e imediato entre o imposto suportado e dedutível e a realização, por parte do sujeito passivo, de operações sujeitas a imposto e dele não isentas e que se verificam os demais requisitos consagrados nos artigos 19.º e 20.º, n.º 1, do CIVA, para o exercício do direito à dedução do IVA suportado.

Termos em que são ilegais, com fundamento em violação de lei imperativa, por violação direta dos preceitos indicados, os atos de liquidação contestados, supra identificados, cuja anulação se impõe como consequência direta da verificação do invocado vício.

 

 

5. Do suscitado direito a juros indemnizatórios

 

Conforme resulta dos factos provados, no âmbito do processo de execução fiscal n.º…2016…, em 2 de março de 2016, foi a Requerente citada para pagamento do montante total de € 193,41, tendo procedido ao pagamento do montante exigido.

Termina a Requerente pedindo a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o valor indevidamente pago, nos termos do art. 43.º da LGT.

Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Refere-se no Processo n.º 742/2014-T, deste Tribunal, de 1 de Setembro de 2015, que embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD,

não fazendo referência a decisões condenatórias, tem-se entendido que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza com o sentido da autorização legislativa que serviu de base para a aprovação do RJAT, onde se afirma que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, sendo essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se prescreve esse direito: “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” bem como no artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12), a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), onde se pode ler que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.” Assim, ao dispor o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretado como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no próprio processo arbitral.

            No caso sub judice, é manifesto que o erro subjacente às liquidações em causa é imputável à Requerida, uma vez que foram da sua iniciativa, não tendo a Requerente contribuído para que tal erro ocorresse.

Consequentemente, conclui-se que a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente paga, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º1, da LGT.

 

IV. DECISÃO

Em face de todo o exposto, acorda o coletivo dos árbitros do Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que decide:

a)      Julgar improcedente a exceção dilatória da incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela AT;

b)      Anular os atos tributários de liquidação de IVA supra identificados, relativos às dez Demonstrações de Liquidação emitidas pela AT; relativas aos exercícios de 2012 a 2015, supra identificadas, no montante de € 72 883,67;

c)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a quantia indevidamente paga (€ 193,41,), nos termos do art. 43.º, n.º1, da LGT.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

De acordo com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 72 883,67.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar exclusivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 30 de Setembro de 2016

 

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos).

 

 

O Tribunal Coletivo,

 

 

Maria Fernanda Maçãs

(Árbitro Presidente)

 

 

 

João Ricardo Catarino

(Árbitro Vogal)

 

 

 

Leonor Ferreira

(Árbitro Vogal)

 



[1] Com efeito, o direito à dedução assume-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, através do denominado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas. A. Xavier de Basto, “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 164, 1991, págs. 39 e ss.

[2] Neste Sentido, ver, Mário Alexandre, Imposto sobre o Valor Acrescentado, Exclusões e Limitações do Direito à Dedução, Ciência e Técnica Fiscal, 350, Abril-Junho, de 1998, e Clotilde Palma, IVA – Algumas notas sobre as exclusões do direito à dedução, Fisco n.ºs 115/116, Setembro 2004.

[3] O conceito de sujeito passivo, tal como resulta da dogmática geral dos sistemas fiscais, é essencialmente entendido como aquele que, nos termos da lei, tem o dever de suportar certo imposto.

[4] A intervenção de uma holding na gestão das suas filiais apenas constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/ /CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na medida em que implique transacções sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado nos termos do artigo 2.° dessa directiva.

[5] Veja-se RITA DE LA FERIA, A Natureza das Atividades e Direito à Dedução das Holdings em Sede de IVA, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, n.º 3, 2012, pp. 171 -197 e, em especial, a p. 189.

[6] O direito à dedução do IVA, O caso particular dos inputs de utilização mista, Almedina, Coimbra, 2014.