Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A… Sgps, SA, contribuinte fiscal n.º…, com sede na Rua…, nº…, em … o, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e no art. 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT”, para impugnação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e das liquidações de IRC e de juros compensatórios subjacentes, referentes ao exercício de 2011, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “AT”. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2011, na sequência de indeferimento tácito de reclamação graciosa.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-02-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 12-04-2016, como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, Maria do Rosário Anjos, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. De imediato, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro indicado, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 29-04-2016.
Em 03-05-2016 foi proferido despacho arbitral e notificada a AT para apresentar a sua contestação no prazo legal.
2. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente, nos termos e com os fundamentos constantes da sua Resposta, junta aos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida. Em 27-06-2016, foi proferido despacho arbitral com o seguinte conteúdo:
“Considerando a matéria em discussão, tal como configurada no Pedido Arbitral e a Resposta da AT, constata-se que as questões suscitadas são exclusivamente de direito, sem produção de prova requerida pelas partes. Afigura-se dispensável a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, podendo o processo prosseguir para alegações escritas e decisão final. Nesta conformidade, notificam-se as partes para, no prazo de cinco dias, se pronunciarem sobre a proposta de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Caso entendam haver interesse na realização da dita reunião indica-se como data para a sua realização o próximo dia 22 de julho de 2016, pelas 14 horas.”
As partes pronunciaram-se favoravelmente quanto à dispensa de reunião e a AT, ainda, quanto à dispensa de apresentação de alegações ou, alternativamente, sugeriu a fixação de prazo igual e sucessivo para produção de alegações escritas. Por despacho proferido em 12-07-2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e fixado prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para as partes, querendo, apresentarem alegações escritas.
As Partes não apresentaram alegações.
B) PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
3. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II. Matéria de facto
A) Factos provados
4. Com base nos elementos que constam do processo, junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais regulada pelo Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de Dezembro, que tem por objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, considerado como forma indireta de exercício de atividades económicas;
b) A Requerente apresentou em tempo a respetiva declaração de IRC, Modelo 22, com referência ao exercício em análise (2011), na qual, não acresceu nem deduziu qualquer importância por força da transição do POC para o SNC;
c) Na declaração relativa ao exercício de 2009 encontrava-se registada na contabilidade da empresa um valor de ações no montante de €17.790,35;
d) Em 2014 a Requerente foi alvo de uma inspeção tributária, relativamente a operações resultantes dos “ajustamentos de justo valor”, quanto aos anos de 2010, 2011 e 2012;
e) A inspeção incidiu sobre os factos descritos no item III do Relatório da Inspeção Tributária (RIT), que se dá por reproduzido, nesta parte.
f) No âmbito desta inspeção, conforme consta do ponto III.1.2 do RIT a AT levou a efeito correções meramente aritméticas, incidindo sobre a rubrica “ganhos por aumento de justo valor reconhecida em resultados transitórios (variações patrimoniais positivas)”;
g) Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, com referência ao exercício de 2011, constata-se que a inspeção promoveu um conjunto de correções sobre os factos a seguir discriminados, constantes do quadro constante do RIT, que aqui se reproduz, a saber:
Exercício de 2011 ---------------------------------------------------------------€ 79.471,52
ITEM
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RESUMO DE INFRACÇÃO
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ARTIGOS INFRINGIDOS
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ARTIGOS PUNITIVOS
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MONTANTE
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III. 1.1
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Variações Patrimoniais Positivas - (regime transitório)
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18º, Nº9 CIRC
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119º do RGIT
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€ 3.587,07
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III. 1.2
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50% perdas por redução de justo valor
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45º, Nº3 EBF
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119º do RGIT
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€ 21.465,43
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III. 1.3
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50% perdas suportadas com alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor
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45º, Nº3 EBF
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119º do RGIT
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€ 27.519,21
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III. 1.4
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50% perdas suportadas por redução de justo valor e na alienação de partes de capital (carteira discricionária
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45º, Nº3 EBF
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119º do RGIT
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€ 26.928,81
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h) Tendo em conta o registo na contabilidade da Requerente referido supra, na alínea c), entendeu a AT promover uma correção, no campo 703 do quadro 07 da declaração modelo 22, pelo montante de €3.558,07 (50% X €17.790,35);
i) Nos exercícios visados pela inspeção, incluindo o de 2011, a sociedade suportou perdas por reduções de justo valor, que foram corrigidas em 50%, por ser entendimento da AT que só são de considerar 50% desse valor;
j) Assim, o valor registado em cada um dos items III.1.2, III.1.3 e III.1.4 do quadro síntese das correções efetuadas corresponde a a 50% do valor das perdas pro justo valor registadas na contabilidade da Requerente;
k) Estas perdas reportam-se a obrigações, alienação de ações e de alienação de investimentos financeiros, que a AT corrigiu por considerar que os mesmos só relevam em 50%, e a Requerente não fizera qualquer acréscimo relativamente a essas perdas;
l) A AT operou as referidas correções aritméticas, por considerar que nos termos do nº3 do artigo 45º do CIRC, a requerente deveria ter acrescido, no campo 737 do quadro 07 da declaração modelo 22, o montante referente a 50% das perdas relativas a partes do capital social ou outras componentes do capital próprio;
m) Com base nas correções efetuadas, com referência ao exercício de 2011, foi a Requerente notificada da nota de liquidação de IRC nº 2014…, com um valor a reembolsar de €26.144,77;
n) Esta nota de liquidação foi emitida em 2014-10-22, com data de compensação 03-11-2014;
o) A requerente, por não se conformar com as correções efetuadas, apresentou em 4-03-2015, Reclamação Graciosa contra os atos de liquidação emitidos, incluindo a liquidação referente ao exercício de 2011, impugnada nos presentes autos;
p) A AT, analisou os argumentos da Requerente, mas considerou ser de manter os atos de liquidação por entender que as correções efetuadas resultaram da correta aplicação da norma vigente para o regime transitório POC/SNC;
q) A Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia, mas não exerceu esse direito;
r) Assim, a proposta de indeferimento da Reclamação Graciosa consolidou-se em ato de indeferimento da dita reclamação, conforme Ofício confirmativo Nº 2016…, proferido em 20-11-2015.
s) Em 17-02-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, tendo o tribunal arbitral singular sido constituído em 29-04-2016.
B) Factos não provados
5. Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
C) Fundamentação da fixação da matéria de facto
6. Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos e em acordo das Partes.
III - Matéria de direito
7. Quanto à questão prévia suscitada pela AT, ao invocar o lapso da referência pontual e esporádica à correção derivada da perda com a “B…SA”, há que reconhecer que lhe assiste toda a razão, pois que a correção aritmética alegada ocorrida em 2010 com a “B…SA”, não constitui objeto do presente pedido arbitral, nem poderia ter sido impugnado no âmbito da liquidação de 2011, para a qual não teve qualquer reflexo ou contributo. As referências que a AT menciona na sua Resposta não traduzem a intenção de impugnação dessa perda, não refletida no ato aqui impugnado, mas mero lapso, irrelevante. Aliás, isso mesmo está bem evidenciado no Quadro apresentado na página 4 do PA, onde a dita correção aparece a “00,00” no campo relativo ao exercício de 2011. A apresentação de um quadro onde se mencionam todas as correções operadas pela IT, respetivamente, nos anos de 2010, 20911 e 2012, tem como objetivo clarificar a questão no seu aspeto mais amplo para que se decida a questão relativa ao exercício de 2011. O que em nada desvirtua, como a própria AT refere, o âmbito da impugnação deduzida no presente pedido arbitral a qual se limita, exclusivamente, à liquidação produzida com referência ao ano de 2011. Nessa medida a correção derivada da perda com a “B… SA”, não está em causa por não ter influenciado o ato aqui impugnado.
Resolvida esta questão resta analisar as correções efetuadas e ora impugnadas por terem contribuído para a liquidação impugnada.
8. Resulta dos autos, como se constata pela síntese da matéria de facto enunciada e do Relatório, que Requerente e Requerida divergem apenas quanto a esta questão de direito. A questão que se coloca nos presentes autos prende-se com saber qual o tratamento fiscal a dar às perdas decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados. No caso, mercê da inspeção tributária realizada, com o objetivo de verificação das deduções de perdas determinadas por aplicação do método do justo valor, foram efetuadas correções “meramente aritméticas”, na alegação da AT descritas no ponto III do RIT, que resultam da aplicação do designado regime transitório do POC/ SNC. Concretamente, verifica-se que a Requerente, no exercício de 2011 era detentora de uma carteira de ações e outros títulos, que, por aplicação do critério contabilístico do justo valor, sofreu depreciação, a correspondentes à diferença entre o valor de aquisição e a sua cotação no mercado oficial. Estas variações descritas no RIT, com referência ao ano de 2011, resulta no essencial:
a) ganhos por aumento de justo valor reconhecido em resultados transitórios (variações patrimoniais positivas;
b) 50% das perdas suportadas por redução de justo valor de partes de capital (nº3 do artigo 45º do CIRC) - estas perdas obtidas no exercício de 2011, foram contabilizadas pelo sujeito passivo na conta 661, por redução de justo valor referentes
c) de 50% das perdas suportadas com a alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (nº3 do artigo 45º do CIRC);
d) carteira discricionária – 50% das perdas suportadas por redução de jsuto valor e na alienação de partes de capital (nº3 do artigo 45º do CIRC).
Do supra enunciado resulta que, no caso em pareço, está, essencialmente em causa a interpretação a dar à norma do artigo 45º, nº3 do CIRC. A Requerente põe em causa a aplicação que a Requerida fez do regime previsto no nº3 do artigo 45º do CIRC às perdas decorrentes da aplicação do modelo do justo valor e do regime previsto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13/07.
No seu pedido arbitral a Requerente começa por invocar vício de falta de fundamentação, de violação de lei e de violação de princípios constitucionais, peticionando a anulação da liquidação e a reposição do valor do prejuízo fiscal declarado de €133.237,10.
Vejamos pois se assiste razão à Requerente.
9. Quanto ao vício de falta de fundamentação não parece assistir razão à Requerente. Na verdade esta não concorda com os fundamentos que a AT invocou para proceder às ditas correções, o que é algo diferente do que pretende ao invocar o vício de falta de fundamentação. Uma coisa é não concordar com os fundamentos da decisão outra coisa é a ausência de fundamentação da decisão.
No caso, por tudo o que vem exposto no Pedido arbitral e do que fora exposto na Reclamação Graciosa agora indeferida, é evidente que os fundamentos da decisão que conduziu à liquidação impugnada foram bem apreendidos pela Requerente. A leitura do relatório que serviu de base à liquidação impugnada permite compreender o percurso lógico que conduziu à quele resultado, bem assim co o as normas invocadas e cuja aplicação, promovida de acordo com uma certa interpretação das mesmas, resultou nas correções efetuadas.
Da remissão para a ficha doutrinária do processo nº 39/2011, e a obediência às orientações nela contidas, não traduz vício de falta de fundamentação. Além do que, no RIT são invocados e até explicados detalhadamente os pressupostos de que se serviu a IT para promover as ditas correções aritméticas. Podemos concordar ou não com esse entendimento mas, independentemente disso, não se pode dizer que a decisão não esteja fundamentada.
É jurisprudência uniforme do nosso STA que a fundamentação legalmente exigida não necessita de ser uma exaustiva descrição de todas as razões que estiveram na base da decisão, bastando que contenha uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, ou mesmo, “uma mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão neste caso parte integrante do respetivo acto.” (Neste sentido vd. Ac. STA, in Proc. Nº 0910/08 de 12-02-2009).
Assim, e dispensando maior desenvolvimento desta questão, não colhe a invocação de vício de falta de fundamentação. No caso em apreço, considerando o RIT como documento fundamentador da liquidação do imposto, afigura-se que a fundamentação é suficiente, expressa, clara, suficiente, congruente e contextual, na medida em que de forma clara expõe qual a interpretação que a AT faz da situação concreta e dos normativos aplicáveis, a fim de permitir ao respetivo destinatário perceber o raciocínio lógico, factual e legal seguido pelo autor.
Resta apurar sobre as razões de invalidade por violação de lei, decorrente de erro sobre os pressupostos, invocada pela Requerente.
10. Passemos, assim, à análise da alegada ilegalidade das correções efetuadas, por erro sobre os pressupostos de direito, já que é nessa sede que devemos colocar a questão. É necessário, então, apurar em que medida e em que termos, as depreciações efetuadas pelo modelo do justo valor deverão concorrer para a determinação do lucro tributável da Requerente. Dito de outro modo, a questão verdadeiramente, centra-se na interpretação e aplicação do disposto no artigo 45º, nº3 do CIRC.
A Requerente, conforme decorre do elenco de factos acima dados como provados, apresentou a sua declaração individual de rendimentos (Modelo 22) de IRC respeitante ao exercício de 2011, na qual declarou um prejuízo fiscal de €133.237,10. Mercê das correções efetuadas em sede de IT, esse prejuízo foi corrigido, por aplicação do disposto no nº3 do artigo 45º, donde resultou um prejuízo corrigido para o montante de €53.765,58 e um valor de reembolso de imposto de €26.144,77.
Entende a Requerente que, para a determinação do seu lucro tributável, deverão concorrer as depreciações resultantes da aplicação do modelo do justo valor e não apenas 50% desse valor, como pretende a AT. Deste modo, o que se questiona nos presentes autos é a consideração de apenas 50% da perda contabilística contabilizada de acordo com o critério do justo valor aplicável.
Fica, desta forma, devidamente delimitada a questão a resolver nos autos, que é, então, a de saber se:
- por força de aplicação do regime transitório do POC para o SNC, o sujeito passivo deveria ter apurado e contabilizado em resultados transitados um ganho de justo valor no montante de €17.790,34, que considerado em 50%, com referência aos três exercícios, teria um reflexo de €3.558,07 no exercício de 2011;
-se as perdas contabilísticas resultante da aplicação do método do justo valor devidamente contabilizada de acordo com o critério aplicável do justo valor, e reconhecida em resultados, deverão ser atendidas na totalidade, ou apenas em 50%.
11. O quadro normativo de referência, centrado no artigo 45.º/3 do CIRC, é mais vasto e impõe uma cuidada análise do regime legalmente instituído para a correta determinação do lucro tributável, tendo sempre como referência fundamental os princípios fundamentais do direito fiscal, a saber: o princípio da legalidade fiscal, da verdade material, da justiça tributária e da proporcionalidade, como decorre do disposto nos artigos 103º e 104º da CRP.
A norma de referência é, em primeira linha o artigo 45º, nº3, normativo invocado pela AT na fundamentação das correções operadas, segundo o qual:
“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”
12. No entendimento da AT, este normativo aplica-se a todas as perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (...), que concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, em quaisquer circunstâncias, incluindo as que resultam da aplicação do modelo ou critério do justo valor.
Por sua vez o Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de julho, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2010, aprovou o sistema de normalização contabilística (SNC), revogando o Plano Oficial de Contabilidade (POC), e determina que uma entidade deve mensurar ao justo valor todos os instrumentos financeiros que não sejam mensurados ao custo ou ao custo amortizado com contrapartida nos resultados.
A AT, convoca ainda em defesa da sua posição a redação da própria norma do artigo 45º, nº3 que manteve a sua redação, face às alterações do CIRC motivadas pelo início da vigência do SNC, que a ausência de alterações verificadas na norma em causa, revela que não se pretendeu que o regime em causa sofresse qualquer alteração, em função das alterações introduzidas no sistema de contabilidade.
O próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 159/2009 aponta para a aproximação da contabilidade à fiscalidade, e nesse sentido refere o modelo do justo valor em instrumentos financeiros como o adequado à sua valoração, e a sua repercussão nos resultados das empresas, desde que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja assegurada, apontando para que excluam os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulado.
O modelo do justo valor é, desde 2010, aceite fiscalmente, para efeito de determinação do lucro do exercício do período quando os ganhos ou perdas sejam reconhecidos nos resultados. Como se vê a questão em análise nos autos, entronca na questão genérica da determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC. Para este efeito convêm recordar o disposto no art. 17.º, nº1 do CIRC, nos termos do qual:
“O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”.
O artigo 18.º, nº 9 do mesmo Código, dispõe que:
“Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:
a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou
b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.”.
Por sua vez, dispõe o art. artigo 20.º, nº1, do CIRC que:
“Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (...)
f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)
h) Mais-valias realizadas;”.
13. A tudo isto acresce, ainda, recordar o disposto no artigo 23.º, nº1, do CIRC, segundo o qual:
“Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)
i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)
l) Menos-valias realizadas;”.
Quanto às variações patrimoniais positivas, que também se discutem neste caso, dispõe o artigo 21º, nº1 do CIRC que:
“Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)
b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;”
O artigo 24º, nº1, estabelece quanto às variações patrimoniais negativas que:
“Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)
b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”.
Acrescenta o artigo 46º, nº1 do CIRC que:
“Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: (...)
b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º” (sublinhado nosso)
Todas estas normas constituem, conjugadamente, o regime aplicável à determinação do lucro tributável, sendo que o disposto no art. 45.º, nº 3 do CIRC há-de ser aplicável de forma lógica, integrada e consequente, respeitando os princípios estabelecidos para a determinação do lucro tributável, orientada para a determinação do rendimento real, assente na verdade material e na justiça que deve presidir à tributação. Neste domínio, qualquer exclusão ou limitação na com sideração de prejuízos ou de custos necessários e inerentes à atividade assume-se como algo incompatível com a razão subjacente à tributação do rendimento. Assim, uma correta análise do caso concreto não pode centrar-se na interpretação e aplicação de um ou de dois normativos desatendendo ao todo estabelecido num quadro normativo complexo e orientado para a verdade material. Acrescente-se que o combate à evasão ou ao abuso fiscal não podem conduzir a uma situação que privilegie a desconsideração de custos e perdas justificados e reais, sob pena de se subverter todo o direito fiscal e o respeito pela correta interpretação e aplicação das diversas normas que o integram. O mesmo é dizer que, uma correta decisão do caso concreto, deve ter na devida conta a perspetiva sistemática da sua integração, ponderando, igualmente, o contexto histórico da respetiva génese e consagração na lei.
O atual artigo 45.º, nº 3 do CIRC, que sucedeu ao anterior artigo 42.º, nº3, pela renumeração efetuada pelo Decreto-Lei DL 159/2009, o qual já estabelecia a consideração em apenas 50% das perdas em causa. A introdução deste princípio, em 2003, costuma ser indicada, não propriamente como uma medida de combate à fraude e evasão fiscais, mas antes como uma medida de alargamento da base tributável. Mas, com a evolução subsequente determinou que, sobretudo na redação atual e que aqui releva, a medida seja, hoje, essencialmente apontada como uma norma de combate à evasão fiscal e fraude fiscais, bem assim como medida orientada para a consolidação orçamental.
14. Também o artigo 18.º, nº 9, do CIRC, ao consagrar o modelo do justo valor, tem sido apontado como uma norma legal orientada para a aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade. O critério do justo valor é, pois, aceite no que toca a instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Manteve-se, ainda, a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. Fie a este mesmo princípio, identificam-se como ativos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os ativos fixos tangíveis, os ativos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com exceção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação. Concorre, ainda, para este regime, o disposto, as alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º.
Afirma-se a este propósito no Acórdão Arbitral proferido no processo nº108/2013, que “a adopção da aplicação do justo valor como critério de valoração contabilístico com relevância fiscal, corresponde a uma alteração coperniciana no regime da tributação dos rendimentos ou gastos resultantes da aquisição de instrumentos financeiros. Com efeito, previamente à adopção do justo valor, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º/1/b) do CIRC. Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.
Este enquadramento fiscal tinha (como tem na parte em que se mantém) três características bem vincadas, a saber:
• Era uma tributação única, ou seja, que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros;
• Estava dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo, na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo assim o quisesse;
• A valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária.
A conjugação destas três características que se vêm de apontar, propiciavam, desde logo, um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia optar por desencadear a relevância tributária no momento e termos em que tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.
Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.
É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º/3 do CIRC, que precede o actual artigo 45.º/3 do mesmo.
Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.”
15. Posto isto, a introdução e aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, estabelece um modelo radicalmente diferente quanto à valorização e à relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos financeiros.
E, por sua vez, o artigo 18.º/9 do CIRC aplicável, veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.”. O legislador assumiu, pois, uma opção coerente com o princípio da realização, mas com exceções, desde logo, quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”.
Neste ponto, aderimos sem mais considerandos ao entendimento vertido no Acórdão Arbitral, proferido na decisão 108/2013, que a seguir se transcreve:
(…) “Ou seja, e igualmente conforme assumido pela entidade legislante, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável, desde que:
a. Sejam reconhecidos “através de resultados”;
b. Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;
c. “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e
d. “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social.”.
Cumpridas estas condições:
a. consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 20.º/1/f) do CIRC); e
b. consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 23.º/1/i) d).
Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única (one-off), aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º/1/f) e 23.º/1/i) do CIRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46.º/1/b) do CIRC).
Neste quadro, cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.
Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.”
16. Retornando ao caso concreto dos autos, uma leitura atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da causa, já supra indicados, permite concluir que, a desconsideração das perdas suportadas com os ativos financeiros avaliados de acordo com o modelo do justo valor afigura-se violadora do princípio da tributação do lucro real, tendo em conta que a Requerente, enquanto SGPS, tem um especial escopo social e só de forma indireta exerce atividade económica, pois que o seu papel é gerir participações sociais.
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores têm vindo a reconhecer esta necessidade de relevar na determinação do lucro fiscal as perdas com ativos financeiros, desde que compatíveis ao modelo do justo valor. Veja-se a propósito o Acórdão do TCA Sul, de 31.01.2012, proferido no Processo nº 5097/11, no qual o Tribunal afirma que:
“ No caso vertente, em que estão em questão custos correspondentes às menos valias decorrentes da extinção de sociedades tendo em conta o preço de aquisição das suas participações sociais pelas Recorrentes e que tais elementos integravam o activo das empresas, na medida em que as mesmas suportaram um custo na respetiva aquisição que tiveram de contabilizar, custo esse que não foi posto em causa nos termos do artigo 23º do CIRC a menos valia resultante da dissolução e liquidação das sociedades acima apontadas não poderá ser desconsiderada com fundamento no citado artigo 23º do Código do IRC.”
Mas, a idêntica conclusão chegou o Tribunal Arbitral coletivo que decidiu o processo nº 108/2013 ao qual não se pode deixar de recorrer, dada a similitude da questão de direito fundamental em apreciação. Também aí o Tribunal arbitral coletivo, entendeu que, embora uma análise centrada no nº 3 do artigo 45º pudesse conduzir no sentido de considerar apenas os valores em apenas 50% do suportado na realidade, o tribunal considerou que uma apreciação mais cuidada e que faça apelo à correta interpretação e aplicação de todas as normas relevantes, nomeadamente, a do artigo 23º do CIRC, impunha diferente decisão.
Assim o entendemos, também, no presente caso.
Na verdade o artigo 45.º, nº 3 do CIRC, na redação vigente ao tempo dos factos tributários, dispunha que “a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”
Como bem se refere no Acórdão arbitral nº 108/2013, já supra citado:
“ A análise deste texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:
a. “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;
b. “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;
c. “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.
Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.
A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas”, serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.
Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.
a. Custos;
b. Perdas;
c. Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.
A previsão do artigo 42.º/3 (predecessor do actual 45.º/3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.”
E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigo s23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregue a mesma distinção.
Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa, não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável.
A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”
(…) não se incluem, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio. A própria AT o reconhece, porquanto, no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22”4, a propósito do campo 737, refere que nesse campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no art.º 18.º, n.º 9, alínea a)”. Sucede que o artigo 23.º/1/i) do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorreta a sua inscrição no campo em causa.
De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º/9/a) do CIRC, no âmbito do artigo 45.º/3 do mesmo, teria:
• incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC5; ou
• referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.
17. Por tudo o que se deixa exposto, e sem necessidade de mais considerandos, considera este Tribunal que, em conformidade com o quadro legal supra descrito e analisado, o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objetividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade. Assim, é que o artigo 45º, nº3 tem subjacente a realização de menos-valias resultantes de uma atuação voluntária do contribuinte correspondente à realização das mesmas, fazendo então sentido a limitação da dedução a 50% como medida de controlo e desincentivo. Receios que não se colocam no caso de se verificarem as situações abrangidas pelo artigo 18.º, nº 9, aplicável no caso que estamos a tratar por se tratar de situações decorrentes de variações patrimoniais positivas e de perdas determinadas por aplicação do método do justo valor. Aqui, estamos perante a possibilidade de promover a ajustamentos decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objetivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), os quais ocorrem ou ocorreram não +por vontade do contribuinte mas por vicissitudes do mercado. Neste contexto, penalizar o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico quer de um ponto de vista da verdade material e da justiça que vinculam a atuação da administração fiscal.
18. Por tudo isto, em obediência aos princípios hermenêuticos contidos no artigo 9.º do Código Civil, que impõe uma interpretação da norma jurídica que não se cinja à letra da lei, mas reconstitua a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada e que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, entende-se que o nº3 do artigo 45.º do CIRC, deve ser interpretado no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do nº 9 do artigo 18.º do CIRC.
Chegados aqui, entende o Tribunal que a ilegalidade da liquidação e do indeferimento da Reclamação Graciosa decorrem da própria lei, sem necessidade de conhecer outros argumentos alegados pela Requerente, nomeadamente em sede de inconstitucionalidades invocadas.
Nas circunstâncias concretamente reveladas nos presentes autos e sujeitas a apreciação deste Tribunal, a AT ao interpretar e aplicar de modo diverso os referidos normativos, quer no que toca às variações patrimoniais positivas quer no que respeita às perdas registadas nos ativos financeiros por aplicação do critério do justo valor, reduzindo-as a 50% do valor verificado, decidiu em violação de lei, por erro sobre os pressupostos subjacentes à aplicação daquele normativo legal. Pelo que o pedido formulado pela Requerente procede integralmente e em consequência deve ser anulada a liquidação impugnada.
IV. Decisão
Nestes termos decide este Tribunal arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa e da liquidação de IRC, referente ao ano de 2011, determinado na sequência da Inspeção Tributária realizada, por vício de lei por erro sobre os pressupostos de aplicação do regime do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC;
b) Em conformidade com esta decisão deverá ser anulada a liquidação impugnada e reposto o valor do prejuízo fiscal declarado pela Requerente, com as legais consequências.
c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €26.144,77 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 14 de outubro de 2016
Notifique-se.
O Tribunal Arbitral singular,
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(Maria do Rosário Anjos