Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 77/2016-T
Data da decisão: 2016-10-28  IRC  
Valor do pedido: € 286.113,20
Tema: IRC – Ajustamentos pelo justo valor; Contribuição para o lucro tributável.
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            Os árbitros José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Diogo Feio e Pedro Galego (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal…, com sede na …, n.º…, em Lisboa, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.° e 10.° do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) com o n.º 2015…, referente ao exercício de 2011.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-02-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 12-04-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-05-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Atendendo a que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT,  dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

Facultou-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, o que fizeram.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à construção e desenvolvimento de projectos imobiliário-turísticos no Algarve, fazendo parte da sua actividade, entre outras, a promoção e exploração imobiliária-turística de empreendimentos turísticos e estabelecimentos conexos e similares, incluindo um aldeamento turístico, um estabelecimento hoteleiro, apartamentos turísticos e estabelecimentos de restauração e bebidas.
  2. A Requerente encontra-se colectada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira no Regime Geral de Determinação do Lucro Tributável, em sede IRC, com o código de atividade empresarial (CAE) principal n.º… (Hotéis com restaurante) e com o CAE secundário n.º … (Compra e venda de bens imobiliários), estando enquadrada, em sede de IVA, no Regime Normal de periodicidade mensal.
  3. Na sequência de uma ação inspectiva, de caráter interno e de âmbito parcial, dirigido à análise do apuramento do IRC pela Requerente, com referência aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, em cumprimento das Ordens de Serviço OI2015…/…/…, a Requerente foi notificada, em 22 de julho de 2015, através do Ofício n.º…, de 20.07.2015, do respetivo Projecto de Relatório.
  4.  O referido Projecto de Relatório propõe a seguinte correcção em sede de IRC referente aos exercícios de 2011, 2012 e 2013:

Natureza das propostas de correção

Projeto de Relatório de Inspeção

Montante (€)

Perdas por reduções de justo valor de investimentos financeiros

Ponto III.1.1.

2011

2012

2013

281.352,30

328.099,59

1.029.416,67

Abates de ativos fixos tangíveis

Ponto III.1.2.

a) Depreciações e amortizações

b) Diferença positiva entre mais e menos valias

2011

2012

2013

 

21.515,76

 

82.808,67

 

28.487,95

 

-----

 

1.000,00

 

------

Desconsideração do ajustamento inscrito no campo 752 do Quadro 7 (relativo à venda em 2012 de bens imóveis – apartamentos )

 

Ponto III.1.3.

2011

2012

2013

 

-----

 

30.000,00

 

------

 

  1. Na sequência da notificação do referido projecto de relatório de inspecção, a Requerente regularizou voluntariamente as incorreções identificadas nos Pontos III.1.2. e III.1.3. por meio da submissão de uma declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC (de substituição), por referência aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, da qual resultou o lucro tributável de €1.362.475,36 para o exercício de 2011 (consumido na totalidade com prejuízos fiscais) e o prejuízo para efeitos fiscais nos montantes de €6.915.527,32 para 2012 e €1.636.422,61 para 2013.
  2. Não se conformando a Requerente com a correcção preconizada no Ponto III.1.1. do projecto de relatório de inspecção, a mesma apresentou, em 6 de agosto de 2015, o seu requerimento de participação no procedimento (audição prévia).
  3. Não obstante a argumentação aduzida pela Requerente, os Serviços de Inspecção Tributária mantiveram as correcções preconizadas para os referidos exercícios, invocando, em suma, que:

                                                              i.       “A jurisprudência é o conjunto de decisões (sentenças e acórdãos) proferidas pelos tribunais ao fazerem a interpretação da aplicação da lei aos casos concretos que lhe são atribuídos”, sendo que “as decisões dos tribunais só vinculam o caso concreto sobre o qual é proferida a decisão do tribunal, ainda que a situação em apreço seja idêntica à ali discutida e ainda que o Acórdão Arbitral relativo ao processo n.º 108/2013-T tenha transitado em julgado e se tenha tornado definitivo na ordem jurídica”;

                                                            ii.       “(…) os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, não têm competência para proceder à revisão da referida orientação genérica”, porquanto “[e]stes serviços, tal como referimos no Projeto de Correções, nos termos do número 1 do referido artigo 68º-A do LGT e do artigo 55º do CPPT, encontram-se vinculados ao entendimento vertido na referida Ficha Doutrinária relativa ao Processo n.º 39/2011, de despacho de 24/02/2011 do Diretor-Geral dos Impostos”;

                                                          iii.       “A Ficha Doutrinária relativa ao Processo n.º 39/2011, com despacho de 24/02/2011 do Diretor-Geral dos Impostos, sobre uma sociedade que detém ações de sociedades cotadas na Bolsa de Valores, representativas de menos de 5% do respetivo capital, cuja evolução da correspondente cotação foi negativa, nos seus pontos 5. e 6. vem referir o seguinte:

5. No caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o artigo 45º, nº 3 do CIRC, estabelece que “…outras perdas … relativas a partes de capital, … , concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

6. Sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45º, nº 3, do CIRC, em 50% do seu valor.

                                                          iv.      “(…) não nos iremos pronunciar sobre as considerações tecidas pelo sujeito passivo, mantendo-se, assim, as correções inicialmente propostas de não aceitação fiscal de 50% das perdas por redução do justo valor de investimentos financeiros, no montante de  € 281.352,30 em 2011, €  328.099,59 em 2012 e € 1.029.416,67 em 2013, nos termos conjugados da alínea a) do número 9 do artigo 18º com o número 3 do artigo 45º do Código do IRC, para efeitos de apuramento do lucro tributável dos exercícios de 2011, 2012 e 2013.

  1. As correcções operadas têm por base a circunstância de a Requerente não ter acrescido ao Quadro 07 da Declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, submetida quanto aos anos de exercício de 2011, 2012 e 2013, as perdas e redução de justo valor sofridas no referido ano por referência às acções - 4.602.750 ações em 2011 e 4.584.750 ações em 2012 e 2013 - que detém da sociedade cotada B… com sede no Kuwait, representativas de cerca de 1% do capital social ou direitos de voto da sociedade.
  2. Segundo o entendimento dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa - subjacente às correções operadas -, a Requerente apenas poderia ter deduzido 50% das perdas por redução do justo valor das ações da B… à luz do disposto no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC.
  3. Atendendo a esta interpretação, os Serviços de Inspecção Tributária corrigiram o prejuízo declarado pela Requerente para efeitos fiscais nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, por desconsideração de 50% das perdas por redução do justo valor levadas naqueles anos a custo pela Requerente por referência às ações que a empresa detém no capital social da sociedade cotada B…, com sede no Kuwait, nos seguintes moldes:

Descrição

2011

2012

2013

Prejuízo para Efeitos Fiscais Declarado

(1.ª declaração)

851.139,21

-7.459.949,52

-1.773.356,14

Correções Meramente Aritméticas

Nota: Acréscimo no Q.07 da Mod. 22 – Campo 737 – “50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (art. 45.º, n.º 3, parte final)”

281.352,30

328.099,59

1.029.416,67

Total das Correções Meramente Aritméticas

(atendendo apenas ao campo 737, uma vez que as restantes correções já foram aceites pela Requerente na declaração de substituição entretanto apresentada)

281.352,30

328.099,59

1.029.416,67

Prejuízo para Efeitos Fiscais Corrigido

(atendendo a todas as correções preconizadas no Projeto de Relatório)

1.643.827,66

- 6.587.427,74

- 607.005,94

Prejuízos fiscais deduzidos

1.643.827,66

0

0

Matéria coletável pós dedução de prejuízos dedutíveis

0

0

0

 

  1. Na sequência das conclusões constantes do Relatório de Inspecção, a Requerente foi notificada, em 21 de Setembro de 2015, da Demonstração de Liquidação de IRC, da Demonstração de Liquidação de Juros e da Demonstração de Acerto de Contas, referente ao exercício de 2011, no qual se apurou o montante de € 4.760,90 a pagar, cujo prazo de pagamento voluntário terminava no dia 13 de Novembro de 2015.
  2. O referido valor de €4.760,90 corresponde à derrama e aos juros compensatórios, na sequência da desconsideração das perdas por reduções de justo valor de investimentos financeiros, no valor de €281.352,30, o qual foi pago pela Requerente ao abrigo do princípio solve et repete em 26 de Dezembro de 2015.
  3. Nesse mesmo dia, a Requerente foi notificada da Demonstração de Liquidação de IRC e da Demonstração de Acerto de Contas, referente aos exercícios de 2012 e 2013, as quais, por não se conformar, contestou através da apresentação de Reclamação Graciosa.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

3. Matéria de direito

 

Como é pacificamente aceite por Requerente e Requerida, “Em causa está, pois, decidir se deverá ser considerada em apenas 50%, para efeitos fiscais, a variação patrimonial negativa, ou perda, respeitante à participação que detém na sociedade cotada B…, decorrente do reconhecimento ao justo valor, ocorrida no período de 2011[1].

Concretamente, in casu, verifica-se que a Requerente, no exercício de 2011 foi detentora de uma participação financeira de cerca de 1%, correspondente a 4.602.750 acções na sociedade cotada B… com sede no Kuwait, que, por aplicação do critério contabilístico do justo valor, sofreu duas depreciações correspondentes à diferença entre o valor de aquisição das referidas acções e a sua cotação oficial a 1 de Janeiro, por um lado, e à variação ocorrida no ano de 2011, por outro. É necessário, então, apurar em que medida e em que termos tal depreciação deverá concorrer para a determinação do lucro tributável da Requerente.

Aceite por ambos os intervenientes processuais está igualmente que a participação financeira em questão deverá ser contabilizada de acordo com o critério do justo valor, e que a mesma foi reconhecida através de resultados.

Fica, desta forma, devidamente delimitada a questão a resolver nos autos, que é, então, a de saber se a perda contabilística verificada no ano de 2011, decorrente da depreciação da cotação das acções da B…, devidamente contabilizada de acordo com o critério aplicável do justo valor, e reconhecida em resultados, deverá ser atendida na totalidade, ou apenas em 50%.

            Normativamente, o epicentro do dissídio corporizado nos autos situa-se na norma do artigo 45.º/3 do CIRC aplicável[2] cujo texto refere que:

“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”.

            Nos autos, cumprirá então apurar se esta norma se aplica ou não ao caso em apreço, como defende a AT na sua resposta, ou se, pelo contrário, a situação sub iudice não se subsume a tal preceito.

            Vejamos, então.

 

***

            Sustenta a ATA que a norma atrás aludida, ao referir especificamente que “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (...), concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”, estará a abranger situações como a dos autos, impondo que a variação patrimonial negativa em questão concorra para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

            Louva-se a AT na opinião de André A. Vasconcelos[3], A. C. Pires Caiado, Luís C. Viana, Luís P. Ramos[4], Luísa Anacoreta Correia[5], e Helena Martins[6], que se justificam com a extensa abrangência da (aparente) literalidade do preceito.

            Refere também a AT, notando a manutenção da redacção do preceito que nos ocupa face às alterações do CIRC motivadas pelo início da vigência do SNC, que a ausência de alterações verificadas na norma em causa, revela que não se pretendeu que o regime em causa sofresse qualquer alteração, em função das alterações introduzidas no sistema de contabilidade.

            Por fim, invoca ainda a ATA o Ac. do Tribunal Constitucional 85/2010[7], que julgou constitucional a norma em apreço.

 

***

            A questão específica em causa nos autos, entronca na questão genérica da determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC.

            A este respeito, o artigo 17.º/1 do CIRC aplicável, dispõe que:

“O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”.

            O n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código, dispõe que:

“Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.”.

O artigo 20.º/1 do CIRC dispõe que:

“Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (...)

f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)

h) Mais-valias realizadas;”.

            Paralelamente, o artigo 23.º/1 do mesmo, estatui que:

“Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)

l) Menos-valias realizadas;”.

Relativamente às variações patrimoniais positivas, o artigo 21.º/1 do CIRC dispõe que:

“Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;”.

Já no que se refere às variações patrimoniais negativas, o artigo 24.º/1, também do mesmo diploma, refere que:

“Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)

b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”.

No que diz respeito às mais e menos-valias, dispõe o artigo 46.º/1 do mesmo Código, que:

“Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: (...)

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º”

O quadro normativo relevante para a apreciação da questão sub iudice fecha-se com a norma do artigo 45.º/3, também do CIRC aplicável, já transcrita.

 

***

            Delimitado o quadro normativo relevante, cumpre partir para a análise e conjugação das diversas normas que o integram.

            Tal análise deve ter na devida conta a necessária perspectiva sistemática da sua integração, ponderando, igualmente, quer o contexto histórico da respectiva génese, quer a teleologia que lhe é imanente.

            Efectivamente, cada uma das normas tidas como relevantes para a apreciação da questão decidenda, deverá ser compreendida no correspondente enquadramento concreto, daí se retirando o seu conteúdo significante, em função da respectiva adesão (ou maior adesão possível) aos valores fundamentais do quadro jurídico legal e constitucional, que inexoravelmente condensam a vontade legislativa.

            Assim, e antes de mais, haverá que ter presente que o actual artigo 45.º/3 do CIRC decorre da renumeração do anterior artigo 42.º/3, efectuada pelo Decreto-Lei DL 159/2009.

            Aquele n.º do artigo 42.º em causa, por sua vez, foi introduzido pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção:

            “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”.

            De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável.”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).

            A redacção actual da norma em análise, resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (p.31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAIS E OUTRAS MEDIDAS DIRECCIONADAS À CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL”.

            Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável, obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do DL 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:

“Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em principio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados.(...)

No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.”.

            Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º.

            Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20.º), passou-se a falar de rendimentos, e onde antes se falava de custos ou perdas (artigo 23.º), passou-se a falar de gastos.

 

***

            A adopção da aplicação do justo valor como critério de valoração contabilístico com relevância fiscal, corresponde a uma alteração coperniciana no regime da tributação dos rendimentos ou gastos resultantes da aquisição de instrumentos financeiros.

            Com efeito, previamente à adopção do justo valor, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º/1/b) do CIRC. Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia, é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.

            Este enquadramento fiscal tinha (como tem na parte em que se mantem) três características bem vincadas, a saber:

è Era uma tributação única, ou seja, que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros;

è Estava dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo, na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo assim o quisesse;

è A valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária.

A conjugação destas três características que se vêm de apontar, propiciavam, desde logo, um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia optar por desencadear a relevância tributária no momento e termos em que lhe tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.

Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º/3 do CIRC, que precede o actual artigo 45.º/3 do mesmo, na redacção aplicável.

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

 

***

A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em principio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.

Em consonância, o artigo 18.º/9 do CIRC aplicável, veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.”. Trata-se aqui de um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, nos seguinte termos: “excepto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

Ou seja, e igualmente conforme assumido pela entidade legiferante, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor,”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

a)                            Sejam reconhecidos “através de resultados”;

b)                           Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;

c)                            “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e

d)                           “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social.”.

Cumpridas estas condições:

a)                             consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 20.º/1/f) do CIRC); e

b)                             consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 23.º/1/i) d).

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única (one-off), aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º/1/f) e 23.º/1/i) do CIRC ) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46.º/1/b) do CIRC).

            Neste quadro, cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.

Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.

 

***

Não obstante todas as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42.º/3 do CIRC, renumerado para artigo 45.º/3, manteve a respectiva vigência, com a sua redacção inalterada.

Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18.º/9/a) do CIRC.

Prima facie, a resposta a tal questão seria afirmativa, como defende a AT, atenta a abrangência de previsão em questão, apontada pelos Autores por aquela citados na sua resposta.

Uma leitura atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da causa, e que já se foram indicando, permitirá, todavia, concluir de outra forma.

Senão vejamos.

O artigo 45.º/3 do CIRC, já transcrito, refere que:

“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

a)                            “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;

b)                            “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;

c)                            “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.

A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, como porque o artigo 46.º/1/b) exclui as situações descritas no artigo 18.º/9/a) do conceito de mais valias realizadas. Deste modo, qualquer dificuldade que no caso exista, apenas se poderá reconduzir a alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.

A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas”, serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.

Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.

 Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:

è “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

è “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção actual do artigo 45.º/3 do CIRC, este Código distinguia expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:

a)      Custos;

b)      Perdas;

c)      Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

A previsão do artigo 42.º/3 (predecessor do actual 45.º/3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.

E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigo 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregue a mesma distinção, que, contrariamente ao sugerido pela AT na sua resposta, que, em caso algum, “pode qualificar-se como uma imprecisão terminológica do legislador sem consequências ao nível da interpretação daqueles preceitos”, o que se evidencia, desde logo, pela circunstância da leitura ora feita, contrariamente à sustentada pela AT, não conduzir a qualquer resultado arbitrário, injusto ou, por qualquer outra forma, desconforme aos princípios jurídico-constitucionais que norteiam o legislador e, em primeira linha, condensam o conteúdo da ratio legis.

Reforçando que assim é, basta atentar que a inclusão no âmbito da norma em causa, não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável.

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º/3 do CIRC aplicável, se reportará a:

a)                            diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;

b)                            outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e

c)                            outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º do mesmo Código.

            Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

            A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22[8], a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no art.º 18.º, n.º 9, alínea a)”. Sucede que o artigo 23.º/1/i) do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorrecta a sua inscrição no campo em causa.

De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º/9/a) do CIRC, no âmbito do artigo 45.º/3 do mesmo, teria:

-                          incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC[9]; ou

-                          referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.

Acrescente-se ainda que a alteração aplicada ao CIRC pela Lei 2/2014, trazida à colação pela Requerida, na sua resposta, aponta, ao contrário do que sustenta aquela, no sentido da interpretação do quadro legal aqui levada a cabo.

Com efeito, o Anteprojecto de Reforma do IRC, citado pela própria AT na sua Resposta, refere que “numa lógica de neutralidade, deve conferir-se o mesmo tratamento aos ganhos e perdas em instrumentos de capital próprio, independentemente do critério de mensuração que seja utilizado”.

Ora, esta intenção apenas faz sentido, se – antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei 2/2014, houvesse distinção no “tratamento aos ganhos e perdas em instrumentos de capital próprio” em função “do critério de mensuração que seja utilizado”.

Ora, na interpretação propugnada pela AT, não havia qualquer distinção no tratamento de perdas, já que independentemente do critério de mensuração utilizado, sempre os gastos decorrentes da aplicação do justo valor teriam o mesmo tratamento das restantes menos valias e variações patrimoniais negativas, ocorridas no quadro da utilização de outros critérios de mensuração.

 

***

No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.

Esta circunstância não é, face à redacção subsequente do CIRC, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20.º/1/f) e h), 23.º/1/i) e l), e, em especial 46.º/1/b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais e menos-valias.

            Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45.º/3 e 46.º do CIRS, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.

            É que, estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela.

            Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º/3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.

            Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.

            Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

            Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico quer de um ponto de vista jurídico.

            É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepcionação ao regime do princípio da realização das situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a) do CIRC aplicável. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º/9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito do passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, instituído.

            Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º/3 às situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a):

 

Ano

Valor Inv. Financeiro

Variação Patrimonial

Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

0

Valor de aquisição (V.A.)

0

0

1

V.A.+ 40

+ 40

+40

2

V.A.+ 20

-20

-10

3

V.A

-20

-10

4

V.A.-40

-40

-20

5

V.A.

+40

+40

6

V.A. -20

-20

-10

*com aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

 

            A não aplicação da norma do artigo 45.º/3 do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.

            Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º/3 do CIRC, como pretende a ATA, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!

            Parece claro que tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável, circunstância esta que – por não ter sido ali enfrentada – desde logo apartam qualquer possibilidade de convergência com o decidido no processo arbitral 25/2015T.

            É certo que a solução alternativa, que exclui a aplicação do artigo 45.º/3, leva a que, no caso de se verificar, a final, uma menos-valia, esta acabe por ter sido considerada a 100%, e não a 50%, como ocorreria ao abrigo do princípio da realização. Seria o caso de, no exemplo do quadro supra, a realização ocorrer nos anos 4 ou 6. Contudo, esta discriminação positiva (ou melhor, não discriminação negativa) pela opção pelo critério do justo valor, poderá justificar-se, desde logo, porquanto no regime do artigo 18.º/9/a), deixa de fazer sentido qualquer desincentivo à realização de menos-valias, uma vez que as mesmas relevarão fiscalmente independentemente da sua efectiva realização. Não se deverá desconsiderar igualmente que, por um lado, a contabilização pelo justo valor é considerada mais conforme à aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, finalidade confessadamente prosseguida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, por outro, a circunstância de estarmos perante realidades objectivamente avaliadas, sem que haja margem significativas para manipulações fiscalmente convenientes. Ou seja, como se havia adiantado já, não se verificam as razões de combate à fraude e evasão fiscal, nem as razões de consolidação orçamental, que demonstradamente estiveram na génese da norma do artigo 45.º/3 do CIRC.

            Não colhe, note-se, a objecção suscitada pela Requerida na sua Resposta, questionando “com que legitimidade se pode construir uma interpretação do art.º 45.º, n.º 3 que excluísse do respectivo âmbito, as menos-valias, bem como outras perdas e variações patrimoniais negativas apuradas em operações com instrumentos de capital próprio, realizadas em mercados regulamentados?[10], objecção que passa, justamente, ao lado do cerne da questão, que é o de que os gastos e ganhos decorrentes dos ajustamentos do justo valor não decorrem da realização de quaisquer operações com instrumentos de capital próprio, mas, simplesmente, da actuação do seu valor face a critérios (tidos pelo legislador) como objectivos.

            Como não colhe, incorrendo numa petição de princípio, o argumento de que “se o legislador, nem antes nem depois de 2010, introduziu qualquer disposição a consagrar uma solução simétrica para os rendimentos/ganhos e gastos/perdas decorrentes da aplicação do justo valor, nos termos e condições a que se refere o art.º 18.º, n.º 9, alínea a), também não pode o intérprete, seja a AT ou o sujeito passivo, substituir-se-lhe nessa tarefa.[11], porquanto o que se discute é, precisamente, se o legislador introduziu, ou não, tal disposição, designadamente na redacção que deu ao artigo 18.º/9/a), no contexto de um código contendo a norma do artigo 45.º/3.

Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” (n.º 3), entende-se ser de interpretar o artigo 45.º/3 do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do nº 9 do artigo 18.º.

 

***

Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º/9/a) do CIRC aplicável impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º/3 do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merecerá provimento o pedido.

 

***

Cumula a Requerente, com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídas as prestações que, relativamente aos actos tributários anulados, se venham a verificar como pagas pela Requerente, se necessário em execução de sentença. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos actos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efectuados, e calculados com base no respectivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal.

Pelo exposto, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efectuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

***

4. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente a presente acção arbitral tributária, e, em consequência:

a)      Anular a correção à matéria coletável de IRC de 2011, no montante de € 281.352,30;

b)      Anular a liquidação de IRC n.º 2015 … e a respetiva demonstração de acerto de contas, na qual se apura o valor de imposto e respetivos juros compensatórios de € 4.760,90, referente ao exercício fiscal de 2011;

c)      Condenar a Requerida ao reembolso das quantias indevidamente pagas pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios vencidos e vincendos,;

d)     Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

5. Valor do processo

 

Na sua contestação, veio a Requerida, suscitar a questão da alteração do valor da causa, a que a Requerente não se opõe, argumentando que, no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT se dispõe o seguinte:

“1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;”.

Todavia, a alínea b) da mesma norma dispõe que:

“b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;”.

            Ora, no caso, a Requerente pediu também a anulação da correção à matéria coletável de IRC de 2011, no montante de € 281.352,30, pedido este que, do ponto de vista da sua admissibilidade não sofreu qualquer contestação da parte da AT, acabando, até, por proceder integralmente.

Daí que, nos termos da referida al. b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, haja que acrescer o valor deste pedido, ao valor da causa.

Assim, de harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a) e b), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 286.113,20.

 

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €5.202.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 28 de Outubro de 2016

 

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(José Pedro Carvalho – Presidente/Relator)

 

 

 

 

 

 

(Diogo Feio - Vogal)

 

 

 

 

 

 

(Pedro Galego - Vogal)

 



[1] Artigo 21.º da Resposta da Requerida.

[2] Redacção dada pelo DL 159/2009, de 13 de Julho. Corresponde ao n.º 3 do anterior artigo 42.º, cuja redacção se manteve na íntegra.

[3] “O justo valor e o Código do IRC”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 4, Inverno, página 202.

[4] In “As obrigações das sociedades comerciais em sede de IRC”.

[5] Artigo intitulado “SGPS: tributação da alienação de partes de capital”, publicado pela revisora oficial de contas na revista “Revisores e Auditores”, nº 53 (Abril/Junho) de 2011. Cf. in http://www.oroc.pt/revista/detalhe_artigo.php?id=320

[6]in Lições de Fiscalidade, Vol. I, de João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, 2013, 2ª Edição, p. 272

[9] Em rigor, tal seria incoerente, na medida em que o artigo 18.º/9/a) refere-se a “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, e o artigo 24.º se refere, como se viu a “variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.

[10] Artigo 50.º da Resposta.

[11] Artigo 99.º da Resposta.