Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 246/2016-T
Data da decisão: 2016-11-02  Selo  
Valor do pedido: € 16.268,40
Tema: IS – Verba n.º 28 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, S.A., (doravante designada por «requerente»), com o NIPC…, tendo sido notificada das notas de liquidação identificadas no ponto 10.º da sua p.i., apresentou, no dia 27/4/2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista que se declare “ilegal e [se] anul[em] as liquidações de IS supra mencionadas, por referência ao exercício de 2015, das quais resulta imposto a pagar no montante de €16.268,40”, e se condene a Requerida “no pagamento dos juros indemnizatórios”.

 

            1.2. Em 14/7/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta em 20/9/2016, tendo argumentado, em síntese, a total improcedência do pedido da requerente.

 

            1.4. Por despacho de 26/10/2016, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 2/11/2016 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “tem sido jurisprudência unânime dos tribunais arbitrais administrativos que no caso sub iudice não se deverá aplicar o imposto de selo, tendo já havido anulação de liquidações pelo que, no estreito princípio da igualdade fiscal impõe-se a apreciação da legalidade das notas de liquidação”; b) “a questão essencial a decidir é a de saber, com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, como o do caso concreto, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, das quais algumas com afectação habitacional, qual o VPT relevante”; c) “ou seja, saber se o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) como aconteceu no caso «sub iudice» com as liquidações cuja revisão se peticiona em que só somando as várias divisões independentes se chegaria a um valor de VPT superior a €1.000.000 ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais”; d) “a Lei n.º 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de «prédio com afectação habitacional»”; e) “utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI»”; f) “ora, sendo assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das suas partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo”; g) “aliás, a AT admite que é este o critério, razão pela qual a própria liquidação emitida é muito clara nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada uma das fracções individualizadas e sendo os documentos de liquidação individualizados sobre a parte do prédio correspondente aos diversos andares”; h) “só haverá lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a €1.000.000,00, o que não acontece no caso «sub iudice»”; i) “o critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS”; j) “a adopção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal, em claro prejuízo do sujeito passivo”; l) “é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência [...] o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão. Desde logo, porque essa seria uma nítida violação do princípio da igualdade e proprocionalidade em matéria fiscal.” 

 

            2.2. Pede a ora Requerente que: “a) seja procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, [se] declare ilegal e [se] anul[em] as liquidações de IS supra mencionadas, por referência ao excercício de 2015, das quais resulta imposto a pagar no montante de €16.268,40, respeitante à tributação de prédios urbanos com VPT igual ou superior a €1.000.000, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS; b) [se] conden[e] a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º, n.º 2 e 5, do CPPT, no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga em excesso, desde o dia em que foram e forem pagas as liquidações mencionadas supra e até ao integral reembolso do montante referido; e c) [se] conden[e] a Requerida nas custas do processo.” 

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que “o valor patrimonial de todos esses andares com utilização independente e afectação habitacional que compõem o referido prédio urbano, foi determinado separadamente, nos termos do art. 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.)”; b) que “a soma do valor patrimonial desses andares e divisões sujeito a IS é superior a € 1.000.000,00”; c) que “seria sobre esse valor que a A.T. liquidaria, nos termos dos arts. 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), o mencionado imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral, na redacção dada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de 1%”; d) que, “segundo a Autora do pedido de pronúncia arbitral, quando o prédio urbano for composto de andares ou divisões, a sujeição ao imposto de selo é determinada, não em função do valor patrimonial tributário total do prédio, mas em função do valor patrimonial de cada andar ou divisão. Tal interpretação não tem correspondência com a letra da verba 28.1. da Tabela Geral”; e) que “também a não tem com o sentido dessa norma legal que, segundo o autor do pedido de pronúncia arbitral, seria a sujeição a imposto, não dos prédios propriamente ditos, mas das habitações aí existentes”; f) que, “segundo a verba 28.1., em caso de prédios urbanos com afectação habitacional, o imposto recai sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de imposto municipal sobre imóveis (IMI)”; g) que, “segundo o art. 2.º, n.º 4, do Código do Imposto de Selo, são sujeitos passivos do imposto os sujeitos passivos de IMI, nos termos do art. 8.º do C.I.M.I.”; h) que, “segundo o art. 3.º, n.º 3, alínea u), do C.I.M.I., é igualmente sobre os sujeitos passivos referidos no art. 8.º do C.I.M.I. que recai o encargo do imposto de selo”; i) que “resulta dessas normas legais o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), seja igual ou superior a €1.000.000,00”; j) que “o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente”; l) que “a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente. Tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal”, m) que, “no presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes”; n) que “um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.”       

 

2.4. Em conclusão, a AT sustenta que “deve ser julgado totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a AT do mesmo.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

            3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) Estão em causa os actos de liquidação do IS da verba 28 da TGIS, referentes ao ano de 2015, sobre a soma dos VPT dos andares com afectação habitacional que compõem o prédio urbano sito na Rua da …, n.º… e …, Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o artigo … (vd. doc. 1), a que correspondem os documentos de cobrança das 3 prestações com prazo limite de pagamento em Abril, Julho e Novembro de 2015, no montante total ora em causa de €16.268,40.

            ii) O referido prédio é constituído por cave, lojas e 5 andares e tem o valor patrimonial agregado de €2.287.080,00, distribuído da seguinte forma: 1.º Dto.: VPT €112.930; 1.º Esq.: VPT €112.930; 1.º Fte.: VPT €99.500; 2.º Dto.: VPT €112.930; 2.º Esq.: VPT €112.930; 2.º Fte.: VPT €99.500; 3.º Dto.: VPT €112.930; 3.º Esq.: VPT €112.930; 3.º Fte.: VPT €99.500; 4.º Dto.: VPT €112.930; 4.º Esq.: VPT €112.930; 4.º Fte.: VPT €99.500; 5.º Dto.: VPT €112.930; 5.º Esq.: VPT €112.930; 5.º Fte.: VPT €99.500; Loja AB: VPT €325.560; Loja DE: VPT €334.720. Estes dois últimos têm como destino comércio, os restantes destino habitação.

           

            iii) A AT considerou que o critério para determinação da incidência do IS seria a soma do VPT individualizado de cada uma das divisões destinadas a habitação. Assim, liquidou em 2016, relativamente ao ano de 2015, 1% sobre o prédio em propriedade vertical acima identificado, nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do CIS, tendo emitido notas de liquidação pagáveis nos termos do artigo 120.º do CIMI, aplicável ex vi artigo 23.º do CIS, conforme lista constante do ponto 10.º da p.i. (vd., também, docs. 1 a 15).

 

            iv) Segundo afirma a ora Requerente (afirmações não contestadas pela Requerida) na sua p.i., “relativamente à 1.ª prestação das liquidações efectuadas, a requerente já procedeu ao seu pagamento” e “relativamente a este mesmo imóvel, mas no que concerne aos exercícios de 2012 e 2013, no processo que correu os seus termos neste tribunal sob o número 320/2015-T, já transitado em julgado [, foi dada razão à ora Requerente].”

 

            v) A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 27/4/2016.

           

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            IV – Do Direito

 

            No caso ora em análise, as questões essenciais que se colocam são as de saber: 1) se a sujeição a imposto de selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares que o compõem; 2) se, como alega a Requerente, “a adoção do critério defendido pela AT viola [o] princípi[o] da [...] igualdade fiscal”; 3) se são devidos os juros indemnizatórios peticionados pela Requerente.

 

            Vejamos, então.

 

            1) Na origem da primeira questão está a verba n.º 28 da TGIS, aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que dispõe o seguinte:

 

            “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%. 28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

 

            A Lei n.º 55-A/2012, que entrou em vigor em 30/10/2012, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de «prédio com afectação habitacional». Contudo, observando o que dispõe o art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, verifica-se que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.» Existindo dúvida quanto ao alcance da referida verba, justifica-se, portanto, observar o que diz o CIMI.

           

            Da leitura do CIMI percebe-se que o conceito de «prédio com afectação habitacional» remete, naturalmente, para o conceito de «prédio urbano» que está definido nos arts. 2.º e 4.º. Por seu lado, constata-se que a determinação do VPT obedece aos artigos 38.º e ss. do CIMI.

 

            Entre as várias espécies de «prédios urbanos» (art. 6.º), menciona-se, expressamente, os «prédios urbanos habitacionais» [v. n.º 1, al. a)], acrescentando, depois, o n.º 2 do mesmo artigo do CIMI, que estes “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

            Se é certo que o n.º 4 do art. 2.º do CIMI refere que, “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”, também é certo que nada há na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical no que se refere à sua identificação como «prédios urbanos habitacionais». Daqui se conclui que partes autónomas de prédios em propriedade vertical com afectação habitacional devem ser consideradas como «prédios urbanos habitacionais».

 

            Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Com efeito, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para aquela particular diferenciação. Note-se, a este propósito, o que dispõe o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

 

            O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00. Fixar como valor de referência, para a incidência do novo imposto, o VPT global do prédio em causa, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, considerando a remissão feita pelo acima referido art. 67.º, n.º 2, do CIS.

 

            Assim, e observando, agora, o caso em análise, constata-se que os VPTs das divisões do prédio com afectação habitacional variam entre €99.500,00 e €112.930,00 (logo, qualquer uma delas tem um VPT inferior a €1.000.000,00). Daqui se conclui, em resultado do que foi acima referido, que sobre os mesmos não deve incidir o imposto do selo a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, pelo exposto, ilegais os actos de liquidação impugnados pela Requerente.

 

            Com efeito, e como bem refere a DA proferida no proc. n.º 552/2015-T, de 27/1/2016, em processo idêntico ao ora em análise, “a principal questão trazida aos autos [...] é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo (verba 28 da TGIS) de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das divisões de utilização independente e com afetação habitacional [...], ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o integram [...]. Efetivamente, do ponto de vista formal, bem anda a AT ao referir que um prédio constituído em propriedade horizontal é uma realidade jurídico-tributária distinta de um prédio urbano em propriedade vertical ou total. Porém, se o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI, estabelece a ficção legal de que cada uma das frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal consubstancia um prédio, daí não decorre, necessariamente, que uma parte de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal seja considerada prédio. Se o legislador utilizou, na norma da verba 28.1 da TGIS, a expressão «prédio urbano de afetação habitacional», não se afigura legítimo que a AT nela pretenda incluir os andares ou divisões de utilização independente de prédios não constituídos em propriedade horizontal que, como a própria reconhece, não são prédios, não podendo, por isso, ser equiparados às fracções autónomas de prédios constituídos em regime da propriedade horizontal. No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do CIMI, mas apenas quanto aos «prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior», caso em que, de acordo com a sua alínea b) «(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes». E é esta a única norma do CIMI em que se faz referência ao «valor [global] do prédio», sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto. Assim, da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do CIMI, resulta que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal integrar exclusivamente partes ou divisões destinadas a habitação [como sucede no caso dos presentes autos], o valor [global] do prédio não equivale à soma das suas partes.”

 

É de notar, por último, que este entendimento (de ordem infraconstitucional), que tem sido aqui defendido, tem sido sufragado pelo STA, como se pode ver pelo recente Acórdão n.º 47/15, de 9/9/2015, no qual se assinalou, de uma forma clara, que, “tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”

 

            2) A este respeito, segue-se aqui, por se concordar inteiramente, o que foi observado no seguinte aresto do STA (Acórdão de 24/5/2016, proferido no rec. 1344/15): “a questão que incumbe decidir prende-se com a interpretação da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, no sentido de definir se ela tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros. Esta questão já não é nova neste Supremo Tribunal e tem merecido uma resposta uniforme no sentido propugnado na sentença recorrida [ou seja, e como sintetiza este aresto: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.»], por todos, o acórdão datado de 04.05.2016, recurso n.º 0166/16. Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a dimensão constitucional desta norma à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, tendo concluído que, a norma constante da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não é inconstitucional, por todos o acórdão 247/2016, datado de 04.05.2016. No presente recurso não se coloca a necessidade de apreciação da norma em apreço à luz de tais princípios e parâmetros constitucionais, antes se impondo uma interpretação teleológica e sistemática da mesma, pelo que, a orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelos Tribunais comuns, e que agora se seguirá, não belisca a boa doutrina imposta por aquele Tribunal Constitucional.”

 

3) À luz do que dispõe o n.º 5 do art. 24.º do RJAT – “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais. Justifica-se, assim, a análise do presente pedido.

   

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). É, por isso, condição necessária para a atribuição dos mencionados juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Ac. do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

 

Tendo havido, como decorre do que se disse no ponto 1), erro imputável aos serviços, tal determina a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação, com todos os efeitos legais.

            – Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €16.268,40 (dezasseis mil duzentos e sessenta e oito euros e quarenta cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de Novembro de 2016.

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.