DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1.A…, contribuinte n.º…, residente na Avenida …, …– … esquerdo, …-… ..., doravante designado por Requerente, apresentou em 03/02/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação do despacho de indeferimento expresso do recurso hierárquico apresentado contra o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e mediatamente do acto de liquidação n.º 2012 … de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2010, no montante de € 2 853,23, com fundamento na sua ilegalidade.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 05/04/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 20/04/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 21/04/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).
1.5.Em 18/05/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual sustenta que o pedido deve ser julgado totalmente improcedente e juntou o PA aos autos.
1.6.O Tribunal em 06/07/2016 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou data limite para proferir a decisão arbitral.
1.7.O Requerente apresentou em 01/09/2016 as suas alegações finais escritas nas quais argumenta e conclui como no pedido de pronúncia arbitral.
1.8.A Requerida em 06/09/2016 juntou aos autos as suas alegações finais escritas pugnando pela improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral e requereu a junção aos autos de documentos inovadores.
1.9.Consequentemente, o tribunal em 07/09/2016, com a habilitação normativa descrita no art. 16.º, al. a) e c) do RJAT determinou que o Requerente, querendo, se pronunciasse quanto aos documentos apresentados com as alegações da Requerida.
1.10. O Requerente em 21/09/2016 respondeu ao convite do tribunal, pugnando que devia concluir como no pedido de pronúncia arbitral.
2. OBJECTO DOS AUTOS
O Requerente alega, em resumo, a seguinte matéria de facto: i) que auferiu rendimentos enquanto advogado superiores a € 10 000 no ano de 2010; ii) que tentou entregar a sua declaração modelo 3 de IRS através da transmissão electrónica de dados, entrega essa que foi rejeitada pelo sistema visto que assumiu que se encontrava enquadrado no regime de contabilidade organizada e não no regime simplificado de tributação; iii) que após notificação de 06/10/2011 para cumprir a obrigação declarativa em falta tentou novamente submeter a referida declaração, enquadrado no regime simplificado, tendo a mesma sido rejeitada; iv) que perante tais dificuldades se dirigiu, no dia 02/11/2011, ao Serviço de Finanças de ... … onde entregou, em suporte de papel, a declaração de rendimentos modelo 3, respeitante ao ano de 2010 e v) que em 17/01/2012 entregou um requerimento novamente junto do Serviço de Finanças de ... …, no qual sustentou que a declaração foi entregue em suporte de papel por impedimento informático.
Sucede que, no ano de 2012, foi notificado de uma liquidação oficiosa de IRS (n.º 2012 …), na qual não foram tidas em conta todas as deduções à colecta a que estima ter direito, nomeadamente, as respeitantes às despesas de saúde e de educação e que apurou um valor a pagar de € 2 853,23.
Deste modo, o Requerente apresentou em 07/05/2013 um pedido de revisão oficiosa de tal acto de liquidação com vista à inclusão das deduções à colecta. Esse pedido veio a ser indeferido por ofício datado de 05/11/2013.
Quanto à matéria de direito, sustenta que não há qualquer incumprimento da obrigação declarativa subjacente, mas, no seu juízo, um cumprimento fora do prazo legal, em resultado da impossibilidade de submissão da declaração pelo sistema informático na forma que era legalmente imposta. Neste âmbito acrescenta que, quando o contribuinte se vê impedido de o fazer devido a um erro do sistema informático e, nesta medida, tal não lhe é imputável, tem de estar salvaguardada a possibilidade de entrega da declaração em suporte de papel, com vista a protegê-lo de factos que não lhe são imputáveis e podem conduzir a uma liquidação oficiosa.
Em resumo, são três os fundamentos que alega para sustentar a sua pretensão: i) que a liquidação oficiosa de IRS é ilegal, visto que a obrigação declarativa foi cumprida em suporte de papel; ii) que incumbe à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) o ónus de assegurar o correcto funcionamento do sistema informático que permita o envio das declarações de rendimentos pelos contribuintes e que um erro de tal sistema impediu a entrega da declaração por via informática e iii) que mesmo que o Requerente não tivesse cumprido tal obrigação, os serviços deviam ter incluído na liquidação oficiosa as deduções à colecta, visto que tinham todos os dados necessários para o fazer.
Finalmente, solicita ainda o pagamento de juros indemnizatórios.
Por seu turno a Requerida defende-se, afirmando que é o próprio Requerente que reconhece a sua obrigação de entrega electrónica da declaração modelo 3 de IRS, atento o facto de no ano de 2010 ter auferido rendimentos da categoria B de montante bruto superior a € 10 000. Consequentemente, a ausência de apresentação de declaração, nos termos legais, equivale à falta de apresentação da declaração.
Doutro modo, refere que a razão por que não foi validada a declaração modelo 3 apresentada por via electrónica consiste na circunstância de o Requerente, em 2010, ter sido enquadrado no regime da contabilidade organizada, dado que, em 2009 ultrapassou os limites previstos no art. 28.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) em vigor à data dos factos e que apresentou a declaração sob o regime simplificado de tributação.
Seguidamente advoga que a determinação da matéria tributável comporta, em sede de IRS, desde o ano de 2008, os seguintes momentos: i) declaração do rendimento bruto de cada uma das categorias e ii) dedução ao rendimento bruto, de cada uma das categorias das respectivas deduções específicas e a soma do rendimento líquido por categoria obtendo-se o rendimento líquido total. As deduções à colecta são efectuadas no âmbito da liquidação de IRS e não no quadro da determinação da matéria tributável, assim, as despesas que o Requerente pretende ver deduzidas, ao não integrarem tal conceito, ficam afastadas do âmbito da revisão oficiosa do acto tributário. Deste modo, no seu juízo, não pode nenhum vício ser imputado ao acto que decidiu o pedido de revisão e também ao recurso hierárquico.
Termina concluindo que pela fundamentação supra exposta não existirá direito a juros indemnizatórios.
Consequentemente, são as seguintes questões que o tribunal deve apreciar:
a) Se o acto de liquidação oficiosa de IRS do ano de 2010 é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito;
b) Se o Requerente tem direito a juros indemnizatórios.
3. SANEAMENTO
A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto se verifica a identidade entre a matéria de facto e a sua procedência depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos que se consideram provados
4.1.1. O Requerente auferiu rendimentos da categoria B de IRS, no ano de 2010, superiores a € 10 000.
4.1.2. O Requerente, nos anos de 2008 e 2009, esteve enquadrado no regime simplificado de tributação em IRS.
4.1.3. No dia 03/06/2011 o Requerente submeteu a declaração modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2010.
4.1.4. Tal declaração não foi considerada, visto que foi inscrito na mesma, regime simplificado de tributação, quando em cadastro o Requerente se encontrava enquadrado no regime de contabilidade organizada.
4.1.5. No dia 06/10/2011 foi o Requerente notificado para, no prazo de 30 dias, cumprir a obrigação declarativa em falta.
4.1.6. A declaração modelo 3 de IRS foi entregue, em suporte de papel, junto do Serviço de Finanças de ... … no dia 02/11/2011, tendo nesta sido assinalado o regime simplificado de tributação.
4.1.7. O Serviço de Finanças de ... … enviou ao Requerente, por ofício datado de 12/12/2011, registado e com aviso de recepção, missiva informando que a declaração entregue em suporte de papel não produziu quaisquer efeitos, visto que não foi entregue por transmissão electrónica de dados.
4.1.8. Tal serviço procedeu à 2.ª notificação com teor semelhante, por ofício datado de 04/01/2012, registado e com aviso de recepção, tendo este último sido assinado.
4.1.9. O Requerente entregou no dia 17/01/2012 um requerimento junto do Serviço de Finanças de ... …, no qual sustentou que a declaração foi entregue em suporte de papel por impedimento informático.
4.1.10. O Serviço de Finanças ... …, por ofício de 09/02/2012 notificou, novamente o Requerente que a declaração de IRS modelo 3 devia, no caso concreto, ser apresentada por transmissão electrónica de dados, bem como ser preenchido o anexo C, visto que ficou enquadrado no regime de contabilidade organizada no ano de 2010.
4.1.11. Por ofício, datado 12/03/2012, foi o Requerente notificado que a declaração modelo 3 de IRS entregue em 02/11/2011 foi considerada sem efeito e que teria de apresentar tal declaração por transmissão electrónica de dados.
4.1.12. O Requerente foi notificado de uma liquidação oficiosa (n.º 2012…) de IRS respeitante ao ano de 2010 com prazo de pagamento voluntário até 17/10/2012 e na qual se apurou um total a pagar de € 2853,23, a título de IRS (€ 2734,28) e de juros compensatórios (€ 118,95).
4.1.13. Em tal liquidação a AT não considerou as seguintes deduções: a) saúde – € 1 565; b) educação – € 11 527; c) planos individuais de poupança-reforma – € 1 791,46; d) contribuição para fundo de pensões – € 185; e) seguros – € 1 326,70 e f) juros e amortizações da dívida – € 7 688,31.
4.1.14. O valor de tal liquidação foi pago.
4.1.15. O Requerente em 07/05/2013 efectuou um pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2010, no qual solicita que se considere integralmente na declaração de rendimentos modelo 3 as seguintes deduções à colecta: a) saúde – € 1 565; b) educação – € 11 527; c) planos individuais de poupança-reforma – € 1 791,46; d) contribuição para fundo de pensões – € 185; e) seguros – € 1 326,70 e f) juros e amortizações da dívida – € 7 688,31.
4.1.16. Por ofício, datado de 05/11/2013, o Requerente foi notificado do indeferimento expresso do pedido de revisão do acto de liquidação.
4.1.17. No dia 17/12/2013 apresentou recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão do acto de liquidação supra identificado.
4.1.18. Tal recurso hierárquico foi expressa e definitivamente indeferido por ofício datado de 23/10/2015, tendo o Requerente conhecimento da decisão em 05/11/2015.
4.1.19. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentando no dia 03/02/2016.
4.2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
5. MATÉRIA DE DIREITO
A primeira questão que o tribunal deve conhecer consiste em determinar se a Requerida devia ter revisto o acto tributário com fundamento em «erro imputável aos serviços» ou em «injustiça grave ou notória», como resulta do pedido de revisão e igualmente do recurso hierárquico.
Para tanto é necessário identificar, desde logo, a norma aplicável, isto é, o art. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), o qual dispõe o seguinte:
«1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2. Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».
O instituto da revisão constitui uma concretização do dever de revogar actos ilegais e, como tal, a AT deve proceder dessa forma nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se corporizem na arrecadação de tributos em valor superior ao legalmente previsto. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que enformam a actividade da AT impõem essa correcção oficiosa.
Assim, se por um lado é admissível a revisão do acto por iniciativa do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a AT, por impulso do contribuinte, também pode promover a denominada «revisão oficiosa».
Neste sentido afirma a jurisprudência[1] que: «Decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação “por iniciativa de administração tributária”».
Sucede que tal pedido de revisão tem de se alicerçar em «erro imputável aos serviços» e ser apresentado no prazo de 4 anos. Ora, esse erro engloba o lapso, o erro material ou de facto, como também o erro de direito.
Em abono da última conclusão refere igualmente a jurisprudência[2] que: «…tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro,…».
Assim, a «revisão oficiosa» exige que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i) o pedido seja formulado no prazo de 4 anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago; ii) tenha origem em «erro imputável aos serviços» e iii) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.
Por outro lado, o n.º 4 do art. 78.º da LGT prevê uma possibilidade de revisão excepcional da matéria tributável no prazo de 3 anos posteriores àquele em que foi praticado o acto tributário, sempre na condição de que o seu fundamento se encontre em «injustiça grave ou notória» e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. Isto é, exige-se não só a ocorrência de uma injustiça flagrante no apuramento da matéria tributável, como também que esse erro não tenha origem em comportamento do contribuinte susceptível de censura jurídica.
O conceito de «injustiça grave ou notória» deve ser interpretado a partir do grau de desvio em relação à realidade, embora sempre na condição da natureza inequívoca da injustiça, visto que é neste sentido que devemos interpretar o art. 78.º, n.º 4 e 5 da LGT.
Deste modo, esta revisão excepcional depende dos seguintes requisitos: i) a formulação do pedido no prazo de 3 anos desde a prática do acto cuja revisão se pretende; ii) a injustiça seja grave ou notória e iii) o erro não tenha origem no comportamento negligente do contribuinte.
Ora, como se disse, o erro a que a lei alude no art. 78.º, n.º 1 e 4 da LGT pode ser de facto ou de direito. Acontece que, se o fundamento da revisão for a verificação do erro, o n.º 1 exige, em cumulação, que o mesmo seja imputável à AT e, no n.º 4 do mesmo normativo, que tal erro que justifica a injustiça não seja devido a conduta negligente do contribuinte.
No caso concreto, o Requerente sustenta que cumpriu a obrigação declarativa de entrega da declaração de rendimentos do ano de 2010 com o preenchimento e recepção da modelo 3 de IRS pelo Serviço de Finanças de ... …, pelo que, a liquidação oficiosa seria ilegal.
Para verificar se assim o é, urge mobilizar o enquadramento jurídico pertinente, isto é, os artigos 57.º e 76.º, ambos do CIRS na redacção em vigor à data do facto tributário, como também o art. 4.º da Portaria n.º 1404/2009, de 10 de Dezembro.
O art. 57.º, n.º 1 do CIRS dispunha que: «Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da lei geral tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante: a) Os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo…». Doutro modo, o art. 76.º, n.º 1, al. b) de tal diploma determinava que: «A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes: (…) b)Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha». Em concretização de tal opção legislativa ainda concretizava o art. 76.º, n.º 2 do CIRS que: «Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com a aplicação do coeficiente mais elevado do n.º 2 do artigo 31.º». Sendo certo que: «Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efectuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º», conforme art. 76.º, n.º 3 do CIRS à data do facto tributário.
Contudo este enquadramento não fica completo sem a referência ao art. 4.º da Portaria n.º 1404/2009, de 10 de Dezembro que dispõe que: «Os sujeitos passivos de IRS titulares de rendimentos empresariais ou profissionais determinados com base na contabilidade, bem como pelo regime simplificado de tributação, quando o montante ilíquido desses rendimentos for superior a (euro) 10 000 e não resulte da prática de acto isolado, ficam obrigados a enviar a declaração de rendimentos dos anos de 2001 e seguintes por transmissão electrónica de dados».
Consequentemente, deve não só o tribunal indagar se a obrigação declarativa foi cumprida à luz do padrão normativo supra identificado, como também se a AT, perante o pretenso incumprimento da obrigação declarativa, deu cumprimento ao vertido no art. 76.º, n.º 3 do CIRS.
Neste âmbito, o Requerente defende que cumpriu tal declaração com a entrega em suporte de papel, visto que se encontrava impedido de proceder ao envio electrónico por «erro informático», ou seja, aceita o facto do sistema reconhecer que se encontrava enquadrado no regime de contabilidade organizada e não no regime simplificado de tributação.
Sucede que o legislador impõe que quando o sujeito passivo tiver um rendimento da categoria B de IRS superior a € 10 000, a obrigação declarativa deve ser cumprida electronicamente, pelo que, não se vê como será possível sustentar que a obrigação foi cumprida e, como tal, que exista «erro imputável aos serviços». Com efeito, caso o sujeito passivo não concordasse com o enquadramento, devia esperar pela notificação da liquidação adicional para discutir se devia ser enquadrado no regime da contabilidade organizada ou no regime simplificado de tributação, como se arroga titular. Contudo, não foi essa a opção, tendo o Requerente apresentado uma declaração em suporte de papel e com a indicação do regime simplificado de tributação.
Na verdade, uma obrigação declarativa deve ser cumprida obedecendo única e exclusivamente ao padrão normativo fixado na lei, que, no caso em concreto, era a entrega electrónica. Repete-se que tal não obsta a que o sujeito passivo entenda que a liquidação adicional seja ilegal e, como tal, utilize os meios graciosos ou contenciosos que a lei lhe atribui.
Ora, no caso sub judice, o Requerente, sustenta que há «erro imputável aos serviços» na prática da liquidação oficiosa, visto que defende ter cumprido a obrigação declarativa em suporte de papel e nada alega quanto ao seu direito de enquadramento no regime simplificado de tributação e, se assim o é, repete-se, a não consideração de tal «declaração» não configura qualquer «erro imputável aos serviços».
E a conclusão semelhante chegamos quando se conhece o argumento invocado pelo Requerente de que a AT dispunha de toda a informação para considerar as deduções à colecta. Com efeito, se a AT antes de promover a liquidação oficiosa, notificou por diversas vezes (06/10/2011, 04/01/2012, 09/02/2012 e 12/03/2012) o Requerente para cumprir, pela forma legal, a obrigação em falta e este não o fez, forçoso é de concluir que foi dado cumprimento ao teor do art. 76.º, n.º 3 do CIRS.
Assim, perante a situação de incumprimento do dever declarativo, a AT promoveu a liquidação com base nas regras do regime simplificado de tributação (art. 76.º, n.º 2 do CIRS), na qual teve em consideração os elementos de que dispunha, embora por injunção do art. 76.º, n.º 3 do CIRS e levando em consideração somente as deduções previstas nos artigos 79.º, n.º 1, al. a) e 97.º, n.º 3, ambos do CIRS. Ou, dito de outro modo, a liquidação cumpriu tal injunção normativa e, se assim o é, também por aqui não há qualquer «erro imputável aos serviços».
Ora, como se disse, o erro a que a lei alude no art. 78.º, n.º 1 da LGT pode ser de facto ou de direito. Acontece que, se o fundamento da revisão for a verificação do erro, o n.º 1 exige, em cumulação, que o mesmo seja imputável à AT. Sucede que, no caso concreto, não há qualquer erro de facto ou direito, pelo que, tem de improceder integralmente a pretensão de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento expresso do recurso hierárquico e de revisão do acto formulado pelo Requerente, constituindo o reembolso da quantia de imposto paga e dos juros indemnizatórios questões de conhecimento prejudicado.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide julgar-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 2 853,23, nos termos do art. 97.º – A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a suportar integralmente pelo Requerente, no montante de € 612, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 6 de Outubro de 2016
O árbitro,
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.