Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 37/2016-T
Data da decisão: 2016-10-03  IRC  
Valor do pedido: € 101.617,81
Tema: IRC – Suprimentos – Consideração como gasto fiscal
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Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira e Dr. João Pedro Dâmaso (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-04-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., NIPC…, com sede na …, …-… …, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC") referente ao exercício de 2012 n.º 2015 … e da respectiva liquidação de juros compensatórios,

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-02-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-03-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-04-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 05-07-2016 foi realizada uma reunião, em se produziu prova testemunhal e foi acordado que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e foram invocadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e documento juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Requerente iniciou a sua actividade de gestão de participações sociais não financeiras em 22-07-1997, tendo optado, em sede de IRC, no exercício em causa, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);

b)    A Requerente no exercício fiscal de 2012 detinha 77,10268% do capital social da B …, SA. (sociedade identificada com o NIPC…);

c)    No âmbito desta relação societária a Requerente, também no exercício fiscal de 2012, era titular de créditos no montante total €3.287.000,00, os quais resultavam de suprimentos anteriormente realizados à B…, SA. (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)    Os suprimentos em questão foram realizados ao longo dos anos de 2009, 2010 e 2011, sendo que foi, ainda, estipulada a data do respectivo reembolso (01-08-2015), bem como a taxa de juros aplicável, referida na cláusula 3.ª do contrato (documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)    Em 22-07-2009, a Requerente celebrou com o "F…” (”F…”) e o “G…” (”G…”) um acordo parassocial relativo à B…, S.A., no âmbito de investimentos efectuados por aqueles fundos (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)     Como contrapartida desse investimento - e por força do Acordo Parassocial – a Requerente obrigava-se a:

a)    Transmitir um conjunto de acções da B…, S.A. para o F… e para o G… pelo preço global e total de 1€, conforme cláusula 4.1, obrigação esta sujeita à verificação do pressuposto de que a valorização atribuída às áreas de negócios imobiliária e de bricolage e materiais de construção do Grupo, traduzidas nas valorizações das participada: C… SGPS, S.A. (doravante "C…") e D… SGPS, S.A (doravante "D…") seja, no seu conjunto, inferior ao montante de € 102.500.000,00 (cento e dois milhões c quinhentos mil euros), actualizado de acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística;

b) Em alternativa à referida transmissão de acções, a Requerente podia optar por efectuar um pagamento em numerário ao F… e ao G… correspondente ao referido desvio negativo (cláusula 4.6) ou, caso o desvio negativo verificado fosse superior a 10%, por adquirir as participações sociais da F… e da G… bem como os respetivos suprimentos, por preço a determinar nos termos da cláusula 4.7 (cláusula 4.6);

g)   Nos termos da opção a) supra foi apurado o seguinte número acções da "B…, S.A." a transmitir:

– 731.297 acções para o F…; e

– 365.648 acções para o G…;

h)    A Cláusula 4.2 do Acordo Parassocial referido foi alterada nos termos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

i)       Na referida alteração ao Acordo Parassocial as partes acordaram, ainda, uma condição suspensiva (até 31-03-2012) relativa à transmissão de ações para a F… e ao G…, ao pagamento em numerário ao F… e ao G… e à adquisição das participações sociais do F… e do G…(Cláusulas 4.4 a 4.4.4 da alteração ao Acordo Parassocial que conta do documento n.º 4);

j)      Em 31-03-2012 a Requerente não podia cumprir com as obrigações acordadas, nomeadamente, devido às dificuldades financeiras que atravessava (Considerando G do Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), pelo que acordou com o F… e o G…, como forma de extinção das obrigações assumidas, a cessão (parcial), a favor dos referidos fundos, dos créditos de suprimentos que a Requerente detinha junto da "B…, S.A." (Documento n.º 5);

k)   Nos termos do Contrato de Cessão de Créditos que consta do documento n.º 5, a Requerente transmitiu a favor do F… crédito resultante de suprimentos e juros (detido sobre a B…, S.A.) no valor de € 1.310.938,00, e a favor do G… foi cedido crédito, também, relativo a suprimentos (e juros) efectuados pela Requerente junto da B…, S.A., no valor de € 655.468,00;

l)     Os créditos em causa foram objecto de cessão pelo preço total e global de 1€, conforme detalhe infra:

(i) 0,67€ pagos pelo F… à Requerente (Cláusula 2.ª, n.º 3, do documento n.º 5)

(ii) 0,33 pagos pelo G… à Requerente (Cláusula 3.ª, n.º 3, do documento n.º 5);

m)  No referido contrato de cessão de créditos, foi ainda acordado que «por via das cessões de créditos referidas ora efectuadas nos termos do presente Contrato, o F… e o G… dão como inteiramente cumpridas as obrigações de compensação assumidas pela A… na cláusula 4» do "Acordo Parassocial Especifico" mencionado no Considerando A), com as correcções resultantes do aditamento celebrado em 30 de Dezembro de 2012 e mencionadas nos Considerandos C) e O), todos deste Contrato, ficando a A… totalmente exonerada de todas as obrigações advenientes de tal obrigação de compensação» (cláusula 6.ª do contrato);

n)    Em consequência da cessão de créditos, a Requerente continuou a ser titular de um direito de crédito junto da "B…, S.A.", no montante de € 1.320.594,00 (€ 3.287.000,00 - € 1.310.938,00 - € 655.468,00);

o)    Esta operação de cessão de créditos foi registada contabilisticamente de modo a ser reflectida a diminuição dos créditos de suprimentos detidos:

(i)                 Debitado na Conta #111- Caixa o valor de €1 (correspondente ao preço pago pelo F… e pelo G…);

(ii)                Debitado na Conta #68888-Outros não especificados o montante de €1.966.405,00 (correspondente a perda resultante do crédito cedido); e

(iii)               Este último movimento contabilístico foi acompanhado de crédito no mesmo montante na #4113009 (relativo aos suprimentos efectuados);

p)     Em resultado da diminuição dos créditos por suprimentos detidos sobre a B…, S.A., foi apurado um gasto contabilístico no montante de €1.966.405,00, tendo a Requerente, para efeitos de IRC, entendido que aquele gasto contabilístico consubstanciava um gasto fiscalmente aceite, nos termos do artigo23° do Código do IRC (com a redacção vigente à data dos factos);

q)    A Autoridade Tributária e Aduaneira levou a cabo um procedimento inspectivo interno dirigido à Requerente, respeitante ao IRC do exercício de 2012, que foi efectuado pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de…, a coberto da Ordem de Serviço Interna n.º OI2015…, datada de 05-05-2015;

r)    Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito do procedimento inspectivo, elaborou o Projecto de Correcções do Relatório da Inspecção que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que foi notificado à Requerente em 12-08-2015, para exercício do direito de audição;

s)     Em 26-08-2015, a Requerente exerceu o direito de audição nos termos que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

t)    Em 21-09-2015 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III.2.1 - Análise de Outros gastos e perdas

A A…- SGPS, SA, registou na sua contabilidade, através de um movimento efetuado em 15-10-2012 (Anexo 3), uma perda no valor de 1.966.406,00€ (1,00€ debitado na conta "111-…" e 1.966.405,00€ debitados na conta "68888-Outros não especificados"), refletindo uma diminuição de créditos sobre a B…, SA (conta 4113009), empresa na qual detém 77,10268%.

Este movimento contabilístico tem reflexo no resultado do período para efeitos fiscais, aumentando o prejuízo fiscal naquele montante.

No entanto, é nosso entendimento que tal operação não deve influenciar o resultado tributável para efeitos fiscais, por não se enquadrar em gastos fiscalmente aceites, nos termos do artigo 23º do Código do IRC, devendo dar lugar a uma correção no quadro 07 da Mod.22 de rendimentos, no montante de 1.966.405,00€, tornando a referida operação neutra para efeitos fiscais.

Enumeramos e descrevemos o que nos levou a formar a opinião que expressamos:

O suporte de tal operação contabilística pelo sujeito passivo foi baseado nos documentos constantes nos Anexos 4, 5 e 6.

O Anexo 4 - Acordo Parassocial Específico entre A…, S.G.P.S., S.A. (doravante " A…") e F…(doravante "F…") e G…(doravante "G…"), prevê no seu ponto 3.4 que "pelo preço global e simbólico de 1€ (um euro)" possa a A… compensar as outras duas contratantes, F… e G…, pelo não cumprimento dos requisitos constantes no ponto 3.1. do referido documento.

O mesmo documento refere no ponto 4.1.6 que a A…ressarcirá, através de venda "pelo preço global e simbólico de 1€ (um euro)" as outras duas contratantes pelo não atingir de determinados pressupostos, constantes nos pontos 4.2. a 4.10.7 do documento em análise.

O Anexo 5 - "Alteração ao Acordo Parassocial relativo à B…, SA" (doravante "B…") prevê no seu ponto 4.5." que "...a A…S.G.P.S. ,SA poderá adquirir a totalidade da participação do F… e do G…, bem como os respetivos suprimentos e juros vencidos...".

O Anexo 6 - "Contrato de Cessão de Créditos" no seu preâmbulo, alínea G)9, refere "...estando a A… com dificuldades de tesouraria, mas pretendendo cumprir as suas obrigações compensatórias perante o F… e o G…, veio a A… subsequentemente propor ao F… e ao G…, em alternativa às modalidades acima referidas, a transmissão a favor dos aludidos Fundos de créditos sobre a "B…" (...) de montante equivalente à obrigação em dinheiro, créditos esses decorrentes de suprimentos efetuados pela A…à B… ."

Ora, com base no exposto, a A…assume nas cláusulas 2ª e 3ª do Anexo 6 o pagamento das compensações às contrapartes contratuais, não se vislumbrando nesta opção da gestão da A… um ato determinante à obtenção de rendimentos para a empresa, ou manutenção da fonte produtora, antes sim uma liberalidade legítima de uma administração empresarial, com reflexo no património da empresa.

Atendendo aos documentos apresentados pelo sujeito passivo, não nos parece defensável que o gasto contabilístico evidenciado no Anexo 3 possa ser considerado como um gasto aceite fiscalmente.

Para que tal gasto pudesse ser aceite fiscalmente e assim influenciar o lucro tributável, teria a operação concretizada que ser comprovadamente indispensável à realização de rendimentos sujeitos a imposto ou manutenção da fonte produtora. De facto, a redação do Artigo 23º do Código do IRC (doravante "CIRC") refere: "Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, ...".

A literalidade do texto assenta numa "construção que privilegia o elemento do resultado ou destino do custo (...) e que (...) restringe a aceitação da dedutibilidade fiscal das despesas às que produzem resultados".

Refere, a este propósito, José de Campos Amorim que "O artigo 23.º do CIRC usa a terminologia contabilística de gastos e proveitos, sem dar sequer qualquer definição ou determinar a relação entre estes dois conceitos e outros conceitos. Ora, não há dúvida de que existe uma relação clara entre gastos e proveitos, que tem precisamente a ver com o facto de os gastos se refletirem, direta ou indiretamente, nos proveitos, sempre que uma empresa tem que suportar gastos para obter proveitos. Regra geral, ao proveito está associado um gasto ou perda.".

No caso em apreço, não vislumbramos uma relação entre gasto da operação realizada, de cedência por um euro de créditos no valor de 1.966.406,00€, com um possível proveito que daí possa advir para a A… SGPS, SA ("A…").

Poderíamos considerar a opinião de Rogério Fernandes Ferreira ao defender que "um custo [gasto], raramente, corresponderá a pura perda; poderá, em certa ocasião, consubstanciar-se em valores ativos, isto enquanto não for recuperado (por transformação em proveito), ou perdido (transformação em perda)", mas, socorrendo-nos novamente de José de Campos Amorim, "Só se gera uma perda no caso de excesso de gastos em relação aos proveitos ou no caso dos gastos não gerarem quaisquer proveitos.", leva-nos a considerar que, de facto, no caso em apreço, a venda de um crédito sobre uma empresa controlada pela A…SGPS, SA, "pelo preço global e simbólico de 1€ (um euro)", como consta do Anexo 4 já mencionado, é de considerar como um excesso de gastos em relação aos proveitos, no limite, um gasto que não gera qualquer proveito, tal é a desproporcionalidade entre proveito e gasto desta operação.

A nossa posição de não considerar uma liberalidade como um gasto fiscal, é corroborada também por exemplo, pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul nº 00184/03, de 12-10-2004, quando refere no seu ponto 2.2.2 que "Por via de regra, as liberalidades, porque não são indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora, não são consideradas custos nem variações patrimoniais negativas (cfr. art. 24.º, n.º 1, alínea a), do CIRC)." e o mesmo Acórdão refere nas conclusões "III - Para efeitos fiscais, as liberalidades não são consideradas como indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora, e daí que não sejam consideradas custos nem variações patrimoniais negativas, a menos que a lei expressamente as qualifique de outro modo, como sucede relativamente a algumas liberalidades de cariz social, que, por razões de política fiscal, a lei qualifica como custos (cfr. art. 40.º do CIRC).".

Ora, no caso em apreço, não podemos considerar que a liberalidade tem um cariz social, afastando definitivamente a sua consideração como gasto aceite fiscalmente, pois a mesma tem em vista a satisfação de um acordo entre as contrapartes identificadas no Anexo 4 e não um objeto de cariz social.

Assim, pelo exposto, somos da opinião que o prejuízo para efeitos fiscais no ano de 2012 deve ser acrescido do valor de 1.966.405,00€.

III.3 — Correções propostas

Com suporte nos fundamentos apresentados ao longo deste capítulo, resumimos no quadro seguinte, as correções aritméticas propostas neste documento de trabalho, realçando o facto de que tratando-se de um grupo de sociedades que optou pela aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante "RETGS"), as correções serão efetuadas com base no resultado apurado pelo respetivo grupo:

Quadro III.2 - Lucro Tributável proposto

 

(...)

 

IX. Direito de Audição

Através do ofício n.º…, de 10-08-2015, com o registo dos "CTT correios" n.º RM … PT (Anexo 7, 01 página), procedeu-se à notificação ao sujeito passivo nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária e Aduaneira, para no prazo de 15 (quinze) dias exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório da inspecção tributária.

 

IX.1 - Exercício do Direito de Audição

No dia 26-08-2015, conforme entrada da AT n.º 2015…, o sujeito passivo exerceu o direito de audição (DA), através do qual requer, tendo em conta a argumentação apresentada e descrita abaixo, que não seja considerada a correção em sede IRC, com "A aceitação do gasto nos termos do artigo 23º do Código do IRC..." e "A consequente dedutibilidade fiscal do montante de €1.966.405,00, com referência ao ano de 2012." (Anexo 8, 45 paginas).

Nos oito pontos iniciais do requerimento o sujeito passivo fez um enquadramento factual da situação, sendo que nos quinze pontos seguintes apresenta a sua justificação para não concordar com a interpretação da AT quanto a não consideração como gasto fiscal do valor de 1.966.405,00€. Nos restantes treze pontos do requerimento, o sujeito passivo apresenta a necessidade da boa execução do ato de gestão para o desenvolvimento da actividade empresarial e a manutenção da fonte produtora de rendimentos, considerando, por isso, que a operação contabilística está de acordo com as normas fiscais, não devendo a AT efectuar qualquer alteração aos valores apurados nas declarações fiscais entregues.

 

IX.2 - Apreciação do Direito de Audição

Apresentados os fundamentos da proposta requerida no âmbito do direito de audição, procede-se á sua apreciação:

Vem o sujeito passivo alegar não poder conformar-se com o projecto de decisão da AT sobre a não consideração, para efeitos fiscais, do movimento contabilístico em causa, alegando que a operação era necessária ao funcionamento da empresa (item 20º), no entanto, segundo a própria argumentação do sujeito passivo, no item 19º, "... a cessão de parte dos suprimentos, (...) mediante um preço simbólico, somente representa uma forma de compensação entre accionistas...". Ora, se dúvidas pudessem ainda restar quanto à liberalidade executada pela administração da A…, SGPS, SA, ficam, quanto a nós, perfeitamente dissipadas nesta exposição.

Tão pouco nos pode merecer acolhimento o argumento de inexistência de "animus donandi" consubstanciado nesta operação (item 14º) pois, considerar como preço uma quantidade monetária que representa apenas aproximadamente 0,0000005 do valor do "bem transaccionado", parece-nos unicamente uma sobreposição da forma sobre a substância. De facto, a irrisoriedade da contraprestação recebida é de tal ordem, que apenas na forma poderemos considerar que houve uma "venda", pois a substância do negócio em causa é claramente o da doação, fazendo a "compensação entre accionistas" anteriormente referida, recorrendo a uma liberalidade.

Invoca ainda o sujeito passivo que o encadeamento de acordos e operações cujo desfecho não nos merece concordância de estar em consonância com o prescrito no artigo 23º do CIRC, foi fundamental para a operabilidade e viabilidade financeira da A…, é apenas a justificação da opção de gestão tomada. De forma alguma se colocou em causa a legitimidade da opção de gestão, mas poderíamos referir, que a escolha efectuada não seria certamente opção única à capitalização da empresa, pois poderia tal desiderato ser alcançado de formas alternativas, por exemplo, através de um aumento de capital por emissão de novas acções, alternativa essa que não conduziria à "compensação entre accionistas" invocada.

Ora, não só não nos merece acolhimento a argumentação apresentada pelo sujeito passivo, como a mesma corrobora o nosso entendimento da operação. Existe, de facto, uma liberalidade por parte da administração da empresa. Nem a invocação constante do item 31º de que os suprimentos, utilizados para compensar os accionistas, seriam uma fonte de proveitos sujeitos a imposto sobre o rendimento na esfera do sujeito passivo nos demove da nossa opinião, pois os juros aqui referidos não foram, de facto, recebidos e contabilizados pela A…, conforme consta evidenciado no quadro 03-A do Anexo A da … (IES de 2012) (Anexo 9, 01 página), uma vez que os mesmos são parte incluída no valor de 1.966.406,00€, como explicita o Contrato de Cessão de Créditos nas suas alíneas F) a l), não tendo originado qualquer imposto sobre o rendimento na esfera do sujeito passivo, por ter sido considerado gasto fiscal pela A… .

 

IX.3- Conclusões

Conforme descrito na apreciação efectuada ao direito de audição exercido pelo sujeito passivo, serão de manter as correcções propostas no projecto de relatório.

Assim, para efeitos de correcção, procede-se à elaboração do competente documento de correcção (DC único) e para penalização da infracção verificada, proceder-se-á ao levantamento do competente auto de notícia, nos termos do artigo 57.º do RGIT por facto punível como contra ordenação.

 

u)    Relativamente a este Relatório da Inspecção Tributária, o Senhor Chefe de Equipa emitiu um parecer cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Confirmo o teor do presente relatório bem como os procedimentos adotados na ação de inspecão interna de âmbito parcial em sede de IRC, a qual teve por objeto a verificação do cumprimento das obrigações fiscais, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do art.º 14.º do RCPITA, relativamente ao exercício de 2012.

A sociedade A…, SA, enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades optou pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previsto no artigo 69º do CIRC, razão pela qual as correcções a realizar no âmbito do presente procedimento de inspecão, apesar de se tratar de correcções ao resultado tributável da A…, SA, serão efectuadas na declaração periódica de rendimentos onde consta determinado o resultado tributável do grupo, conforme previsto no artigo 70.º do CIRC, pois é desta declaração que é gerada a nota de liquidação do imposto.

Da análise efetuada e como se descreve no capitulo III do relatório a sociedade A…, SA enquanto titular de créditos sobre a sociedade B…, SA, NIF…, no montante total de 3.287.000,00 euros. em resultado de empréstimos (suprimentos) realizados à mesma, cedeu a favor de terceiros (F… G…), durante o exercício de 2012, parte destes créditos.

O montante dos créditos cedidos/transmitidos a estas duas entidades totaliza 1.966.406,00 euros, tendo sido atribuído a título de preço dos mesmos o valor de 1,00 euro. Com suporte nesta operação, o sujeito passivo A…, SA procedeu à contabilização de um gasto no valor de 1.966.405,00 euros, conforme movimento efetuado em 2012 na conta 68888, influenciando neste montante o apuramento do resultado tributável do exercício. Estando perante uma decisão da esfera empresarial, e apesar de suportada em acordos estabelecidos, a mesma não é motivo suficiente para que fique comprovada a indispensabilidade da mesma para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, conforme estabelece o artigo 23.º do CIRC. Assim sendo, e perante a inexistência de elementos que permitam comprovar a indispensabilidade deste gasto, propõe-se que o valor de 1.966.405,00 euros seja acrescido ao resultado tributável declarado pela sociedade A…, SA e consequentemente ao resultado declarado pelo grupo de sociedades, resultando no apuramento de um lucro tributável do grupo de sociedades igual a 381.241,02 euros para o exercício de 2012.

O sujeito passivo foi notificado para, nos lermos dos artigos 60.º da LGT e do RCPITA, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 15 dias.

O sujeito passivo exerceu o direito de audição, no entanto os factos alegados pelo sujeito passivo não são passíveis de alterar as correções propostas no projeto de relatório, conforme fundamentos constantes do capítulo IX do relatório, pelo que as mesmas se mantêm.

Face ao exposto foi elaborado o relatório final, nos termos do artigo 62.º do RCPITA, recolhido o respetivo documento de correção (DC único), bem como o levantamento do competente auto de notícia, nos termos do artigo 57.º do RGIT.

 

v)    Em 24-09-2015, a Senhora Directora de Finanças de … proferiu despacho com o seguinte teor: «Concordo com as correcções propostas que constam dos pareceres, face aos fundamentos vertidos no relatório. Proceda-se em conformidade»;

w)  Em 28-09-2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou uma carta com aviso de recepção para notificação do despacho referido, do Relatório da Inspecção Tributária e anexos à Requerente, que veio devolvida;

x)     Em 30-09-2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2015…, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

y)    Em 09-10-2015, a Requerente enviou nova carta para notificação à Requerente do despacho, Relatório da Inspecção Tributária e anexos, que foi recebida pela Requerente em 14-10-2015, depois de ter sido notificada da liquidação (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

z)     Em 02-12-2015, a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

aa)          Em 26-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e, posteriormente, em requerimento de 19-09-2016.

O depoimento da testemunha E… corroborou o que se infere do contrato de cessão de créditos sobre essa cessão não ter sido efectuada com intenção de proceder a uma liberalidade, de resto pouco crível em relação a fundos de natureza pública, cujos interesses patrimoniais são estranhos à Requerente.

Este depoimento confirmou também a existência de dificuldades financeiras que a impediam de realizar os pagamentos que eram alternativa à cessão de créditos e que não podia transmitir as acções por se encontrar a desempenhar funções de garantia.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão da notificação do acto de liquidação antes da notificação do Relatório da Inspecção Tributária

 

A primeira questão colocada pela Requerente é a de a liquidação lhe ter sido notificada antes da notificação do Relatório da Inspecção Tributária para cuja fundamentação da liquidação remete, ao fazer referência à «fundamentação já remetida».

A Requerente refere que, nestas condições, a fundamentação não é contemporânea do acto de liquidação, não é uma fundamentação a posteriori, que é apenas a produzida de pois de o acto de liquidação ter sido praticado.

A notificação dos actos tributários é um acto posterior ao acto notificado, pelo que o facto de a notificação ter sido efectuada depois do acto notificado não constitui um vício deste acto, podendo apenas afectar a sua eficácia.

O que é relevante para aferir da existência de fundamentação do acto de liquidação, não é que esta tenha sido notificada, mas sim que o acto a contenha, directamente ou por remissão.

O regime do artigo 37.º do CPPT, n.ºs 1 e 2, do CPPT, que estabelecem as consequências da falta de comunicação da fundamentação, é inequívoco que esta falta não implica vício do acto notificado, podendo apenas diferir a sua eficácia.

No caso em apreço, a fundamentação que constava do Relatório da Inspecção Tributária e pareceres sobre ele emitidos já existia antes do acto de liquidação ter sido praticado e, por isso, a sua fundamentação, para que a liquidação remete (o que é permitido pelo artigo 77.º, n.º 1, da LGT) é contemporânea deste acto.

Não existe, assim, qualquer vício por falta de notificação da fundamentação, susceptível de afectar a validade do acto de liquidação.

 

3.2. Questão da existência de fundamentação a posteriori na Resposta apresentada no presente processo

 

Diferente desta é a questão da existência de fundamentação a posteriori na Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentada no presente processo.

Num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos e deixar de declarar a ilegalidade do concreto acto praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstracta um hipotético acto com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado. ( [1] )

Assim, quanto a ponto, a Requerente tem razão, pela que a legalidade do acto de liquidação tem de ser aferida à face da fundamentação do Relatório da Inspecção Tributária e dos pareceres que sobre ele recaíram, para que remete o acto de liquidação e o despacho que determinou a notificação do referido Relatório.

 

3.3. A fundamentação relevante do acto de liquidação

 

A liquidação remete para os fundamentos do Relatório da Inspecção Tributária.

No Relatório da Inspecção Tributária para que remete o despacho da Senhora Directora de Finanças de … ( [2] ), é invocado, como fundamento da correcção efectuada, o entendimento de que  foi efectuada uma liberalidade pela Requerente, ao ceder os seus créditos por 1 euro, pois, «a irrisoriedade da contraprestação recebida é de tal ordem, que apenas na forma poderemos considerar que houve uma "venda", pois a substância do negócio em causa é claramente o da doação, fazendo a "compensação entre accionistas" anteriormente referida, recorrendo a uma liberalidade».

Por outro lado, embora no Parecer do Senhor Chefe de Equipa se refira, com aparente maior amplitude, que se está perante «uma decisão da esfera empresarial, e apesar de suportada em acordos estabelecidos, a mesma não é motivo suficiente para que fique comprovada a indispensabilidade da mesma para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, conforme estabelece o artigo 23.º do CIRC», acaba pode se remeter para os fundamentos do Relatório da Inspecção Tributária, dizendo: «O sujeito passivo exerceu o direito de audição, no entanto os factos alegados pelo sujeito passivo não são passíveis de alterar as correções propostas no projeto de relatório, conforme fundamentos constantes do capítulo IX do relatório, pelo que as mesmas se mantêm».

Nomeadamente, é inequívoco que não foi fundamento da correcção efectuada a falta de conexão entre a operação de cessão dos suprimentos aos fundos F… e G… e o interesse da prossecução da própria actividade da requerente, que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca no artigo 167.º da sua Reposta.

   Assim, tem de se concluir que o juízo sobre a natureza de liberalidade da cessão de créditos é para fundamento essencial da correcção efectuada e subsequente liquidação.

 

3.4. Do erro do acto de liquidação

 

É face desta fundamentação da liquidação que há que apreciar a sua legalidade.

Resultou da prova produzida, tanto da prova documental como da testemunhal, que a cessão de créditos (parte dos suprimentos que a Requerente efectuou à B…, S.A) não foi efectuada com o «animus donandi», inerente às liberalidades, invocado no RIT.

Com efeito, além da quantia manifestamente simbólica de 1 euro, a Requerente obteve como contrapartida patrimonial, que se produziu na sua esfera jurídica, a desvinculação das obrigações de compensação que assumiu no Acordo Parassocial junto do F… e do G…, designadamente a extinção da obrigação de transmitir um conjunto de acções da B…, S.A, e das alternativas obrigação de efectuar o pagamento em numerário correspondente ao desvio negativo e da obrigação de adquirir as participações sociais do F… e do G… bem como os respectivos suprimentos.

Por isso, tem de se concluir que o acto impugnado enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, pois não há qualquer fundamento para afirmar que a cessão dos créditos foi efectuada com o intuito de efectuar uma atribuição patrimonial gratuita aos fundos públicos referidos.

Por outro lado, como refere a Requerente, não pode ser fundamento do afastamento da dedutibilidade à face do artigo 23.º do CIRC, um juízo crítico da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre as opções de gestão da Requerente ao celebrar o Acordo Parassocial, designadamente, se em vez dele, poderia ter efectuado «um aumento de capital por emissão de novas acções, alternativa essa que não conduziria à "compensação entre accionistas" invocada».

O conceito de indispensabilidade de custos que consta do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, não exige uma ligação causal entre custos e proveitos, bastando que as despesas tenham uma relação com o objecto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua actividade ou evidenciem um business purpose. ( [3] ) É às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses. Na verdade, não há qualquer suporte legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira afastar a dedutibilidade de gastos por considerar que as opções de natureza empresarial das empresas não correspondem aos actos de gestão que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera preferíveis.

Pelo exposto, conclui-se que o acto impugnado, ao assentar no pressuposto errado de que a cessão de créditos foi efectuada com intenção de efectuar uma liberalidade e ao afastar a dedutibilidade das suas consequências negativas, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto que justifica a sua anulação (artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente pagou a quantia liquidada e pede o seu reembolso, com juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Anular a liquidação de IRC n.º 2015 … e respectivas demonstração de juros compensatórios e de acerto de contas;

c)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 101.617,81, acrescida de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data em que for efectuado o reembolso. 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 101.617,81.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 03-10-2016

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

 

 

 

(João Pedro Dâmaso)

 



[1]           Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

–    de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;

–    de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de  10-2-2004, página 4289;

–    de 09/10/2002, processo n.º 600/02;

–    de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

               

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

–    MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;  

–    MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

[2] O despacho tem o teor «Concordo com as correcções propostas que constam dos pareceres, face aos fundamentos vertidos no relatório. Proceda-se em conformidade».

[3]              Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o acórdão arbitral proferido no processo n.º 587/2014-T, em que se refere, citando TOMÁS TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, páginas 136-137:

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”.

 “ …A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer acto realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.