DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, José Baeta de Queiroz (Presidente), Paulo Lourenço e Fernando de Jesus Amado dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. Relatório
A A…- SGPS, S.A. doravante designada “A…” ou “Requerente ”, pessoa colectiva número …, com sede no Edifício …, …, Lote…, …/… …, Lisboa, com o capital social de € 35.446.825,00, em 2012 sociedade dominante de grupo (o grupo fiscal B…) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no (na numeração actual) artigo 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC),estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa …, constituído pela sociedade dominante e, entre outras, pelas empresas C…, D… e E…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e
2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, relativa ao exercício de 2012 e, bem assim, a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, do grupo fiscal Requerente, relativa ao exercício de 2012, no que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de € 572.312,97, com a sua consequente anulação nesta parte, para além de reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 31-05-2013 até integral reembolso.
Requer ainda subsidiariamente, que caso se entenda que o artigo 90.° do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua liquidação (cfr. artigos 8º, n.° 2, alínea a), da Lei Geral Tributária (LGT) e 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-01-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 21-03-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados dos artigos 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-04-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu em 10-05-2016, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a sua absolvição do pedido.
Por despacho de 13-05-2016, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.
As partes apresentaram alegações.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente era, em 2012, a sociedade dominante de um grupo de sociedades constituído pela sociedade dominante e suas subsidiárias entre outras; i) C… SA, contribuinte nº…, ii) D… SA, contribuinte nº … e iii) E… SA contribuinte nº …, sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS);
b) A Requerente entregou, no dia 31-05-2013, a sua declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC, no montante de € 572.312,97 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); a 29-7-2013 procedeu á respetiva declaração de substituição (documento nº2 junto com o pedido de pronúncia arbitral) reduzindo o valor liquidado das derramas municipal e estadual em cerca de 7 531,80 €
c) A Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto a autoliquidação relativa ao exercício de 2012, em que solicitou o reembolso do valor de € 572.312,97, correspondente às tributações autónomas, alegando que têm a mesma natureza do IRC e, por isso, deveria ser deduzido o benefício fiscal relativo ao SIFIDE (documento n.º 5 e 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e PEC no montante de € 677.071,94 documento n.º 7.1 a 7.5) junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
d) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 28-10-2015, pelo Sr. Director de Finanças de Lisboa (em regime de substituição) (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
e) O valor do IRC, incluindo tributações autónomas, e da derrama consequente, autoliquidado, encontra-se pago (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
f) O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no exercício de 2012, é de 2.496.295 20 referente a sociedades integrantes do grupo fiscal, e contando apenas o SIFIDE obtido do exercício fiscal entre 2008 e 2012 conforme (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e mencionado no artigo 20.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja existência não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira):
g) O lucro tributável da Requerente e das sociedades do grupo, no exercício de 2012, não foi apurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base em métodos indirectos (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
h) As empresas integrantes do grupo da Requerente que originaram o benefício fiscal do SIFIDE não são e não eram então entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
i) A declaração Modelo 22 do IRC e sistema informático da AT impediam que a Requerente deduzisse benefícios fiscais à colecta derivada da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22;
j) Em 24 -01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos alegados, relevantes para a decisão, que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
3. Matéria de direito
A Requerente defende que tem direito a deduzir os benefícios fiscais no âmbito do SIFIDE à colecta de IRC produzida por tributações autónomas nos exercícios de 2012.
O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas o montante de benefício fiscal do SIFIDE bem como os PEC.
A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação efetuada com base nas declarações modelo 22 relativa aos anos de 2012, defendendo, em suma, que poderiam ser deduzidas á colecta resultante da liquidação das tributações autónomas as quantias relativas ao benefício fiscal por investimentos que efetuou, previstos no SIFIFE bem como as quantias entregues a título de PEC.
A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa.
A questão objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) é, assim, a de saber se são dedutíveis á coleta gerada pelas tributações autónomas, as quantias relativas ao benefício fiscal por investimentos efetuados ao abrigo do benefício fiscal do SIFIDE bem como as quantias de PEC.
A Requerente formula ainda um pedido subsidiário, para a hipótese de se aceitar a não dedutibilidade daquelas deduções á coleta, tal como preconiza a Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo que seja anulada a autoliquidação dos períodos de tributação de 2012, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito.
Perante tais factos começar-se-á assim por apreciar esta questão pela análise da aplicabilidade do artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, pois desta solução depende a apreciação da questão da dedutibilidade do SIFIDE e dos pagamentos especiais por conta à colecta daquelas tributações autónomas.
3.1. Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas
Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efectuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os
artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1- A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a. Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;
b. Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c. Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo
106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)
4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Perante tal previsão normativa, verifica-se que na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que “nos nº 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC não há qualquer referência a tributações autónomas” para logo concluir que existindo uma qualquer colecta que não fosse de matéria colectável, qualquer dedução á referida colecta, seria contrária ao espírito do sistema do IRC nomeadamente por dedução dos benefícios fiscais do SIFID ou do PEC para assim concluir pela não dedução destas deduções á colecta.
Porém, na resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que é errada esta interpretação, ao dizer nos artigos 38.º e 39.º da sua Resposta o seguinte:
“38º
Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:
(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e
(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
39º
Donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto”.
Sendo assim, conclui-se que não há sequer controvérsia entre as partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência quanto à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas.
De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC (ver acórdãos como os 59/2014-T, 79/2014-T, 80/2014-T; 95/2014-T, 602/2015-T e muitos outros no âmbito do CAAD. De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º (1 ).
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(1) O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás, como bem refere a Requerente ao formular o seu pedido subsidiário, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».
Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos. Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.
3.2. Questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE às quantias devidas a título de tributações autónomas
Em 2012, vigorava o Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e alterado pelo artigo 163.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:
Artigo 4.º
Âmbito da dedução
1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.
2 - ……….
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.
5 - …
6 - …
7 - ...
Artigo 5.º
Condições
Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;
b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.
Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.
E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.
O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».
O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é o montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».
Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.
O facto de o artigo 5.º do SIFIDE II afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.
Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.
Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas (2) uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.
Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.
Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas. A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. (3) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.
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(2) Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».
(3) Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.
Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:
http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf
(4) BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.
De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» (4).
Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.
Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:
3.2.1-Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE)
Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilita a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).
Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.
A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC (resultado da liquidação).
Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.
Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.
Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável em 2012 reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nesse ano e nos anteriores, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.
Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Orçamento do Estado para 2012, por isso, é de supor que tenha sido considerado na ponderação do alcance do benefício fiscal), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). (5).
Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
– De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:
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(5) Este texto está disponível em: http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.
– 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;
– 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;
– 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;
– 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.
Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador
considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE II é a da opção pela criação do inventivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.
E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país.
Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.
Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.
Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa.
Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.
Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como e o SIFIDE II.
E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». (6)
Para além disso, as referidas regras do SIFIDE II têm em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 3112-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes que, com justificada confiança, adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.
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(6) – OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Gearl, página 260
Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, das tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
3.3. Questão da dedutibilidade às quantias devidas a título de tributações autónomas das quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta
Procedendo o pedido arbitral no que toca à dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE às quantias devidas a título de tributações autónomas, ficamos perante a seguinte situação:
A colecta das contribuições autónomas é de € 572.312,97;
Os benefícios fiscais do SIFIDE disponíveis montam a 2.496.295,20; Os PECs disponíveis somam 667.071,94.
Ora, considerando o tribunal que ao montante apurado pela liquidação de IRC, que inclui as tributações autónomas, são efectuadas, antes das deduções relativas ao pagamento especial por conta, as relativas a benefícios fiscais, incluindo o SIFIDE, conforme estabelecem as alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 90º do CIRC, acontece que não é aritmeticamente possível deduzir à colecta - € 572.312,97 – os € 2.496.295,20 do SIFIDE – nem, necessariamente, os € 667.071,94 dos PECs, se tal dedução fosse legal, como defende a Requerente.
O que quer dizer que a apreciação da questão atinente à dedução dos PECs fica prejudicada, já que o decidido quanto às tributações autónomas e aos benefícios decorrentes do SIFIDE dá plena satisfação ao interesse aqui defendido pela Requerente.
4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios, contados desde 31-05-2013
A Requerente pede, ainda, o reembolso da quantia de € 572.312,97, que pagou, correspondente ao montante das taxas de tributação autónoma sobre que pode ser deduzido o benefício fiscal do SIFIDE.
A Requerente pede ainda juros indemnizatórios pelo pagamento indevido desse montante desde 31-05-2013, data em que efectuou o pagamento da quantia autoliquidada.
De harmonia com o disposto na alínea b) do nº1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.
No que concerne à autoliquidação, que foi efectuada pela Requerente, é de entender que o erro que a afecta é imputável à Administração Tributária, pelo facto de se ter provado que a estrutura da declaração Modelo 22 do IRC não permitia à Requerente efectuar a autoliquidação deduzindo o benefício fiscal do SIFIDE ao montante das tributações autónomas.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde 01-06-2012.
Os juros indemnizatórios são devidos sobre a quantia de € 572.312,97, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde 01-062013, até ao integral reembolso.
4. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, na parte respeitante à pretensão da Requerente de dedução à colecta de tributações autónomas do montante disponível do SIFIDE;
– declarar a ilegalidade da autoliquidação relativa exercício de 2012, na parte relativa ao montante disponível do SIFIDE que não foi deduzido à da colecta de IRC resultante de tributações autónomas e anular a autoliquidação na parte respectiva;
– julgar prejudicado o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa aos pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações por não dedução dos pagamentos especiais por conta aos montantes das tributações autónomas;
– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente das quantias que pagou relativas ao SIFIDE que poderiam ter sido deduzidas aos montantes das tributações autónomas e a pagar juros indemnizatórios à Requerente, relativamente a esse montante desde a data do pagamento até ao seu reembolso.
- julgar prejudicado o pedido subsidiário, de declaração de ilegalidade de liquidação das tributações autónomas caso se viesse a entender que a estas tributações autónomas não se aplicaria o previsto no artigo. 90º do CIRC.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se ao processo o valor de € 572.312,97.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8. 568,00 conforme a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida.
Lisboa, 06-10-2016
Os Árbitros
José Baeta de Queiroz
(Presidente)
Paulo Lourenço
Fernando de Jesus Amado dos Santos
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária).