Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 57/2012-T
Data da decisão: 2013-03-08  IMT  
Valor do pedido: € 50.221,90
Tema: Isenção de SISA relativa à aquisição de prédios para revenda - Caducidade do direito à liquidação e prescrição das dívidas tributárias
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Decisão Arbitral

 

Processo arbitral n.º 57/2012-T

Imposto Municipal de Sisa

 

Requerente

…, S.A.

 

Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (Ministério das Finanças)

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A sociedade …, S.A., pessoa colectiva número … (doravante a “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou pelo acrónimo “RJAT”), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, sucessora da anterior Direcção-Geral dos Impostos (doravante a “Requerida”).

 

O pedido de pronúncia arbitral refere-se à anulação do acto tributário de liquidação de Imposto Municipal de Sisa (adiante “SISA”) emitido em 2011, no valor de € 41.100,88, acrescido de juros compensatórios, no montante de € 9.121,08, num total a pagar de € 50.221,90

 

A Requerente funda o pedido de pronúncia arbitral na ilegalidade da liquidação fundada em errónea determinação do momento da constituição do facto tributável, pugnando pela caducidade do direito à liquidação e pela prescrição das dívidas tributárias, já que o facto tributário subjacente à liquidação em causa verifica-se, segundo a Requerente, no momento da celebração da escritura de compra e venda do imóvel.

 

Invoca a Requerente, como argumento adicional que as liquidações são ilegais, pois à data das mesmas já não vigorava a SISA, tendo o mesmo sido substituído pelo actual Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (adiante “IMT”).

 

Alega, ainda, que não foi notificada para o exercício do direito de audição em momento prévio ao da emissão da liquidação em causa, o que consubstancia mais uma ilegalidade da liquidação, que deverá, por sua vez, ser anulada.

 

Peticiona a anulação da liquidação da SISA e consequente comprovação da ilegalidade das dívidas tributárias em causa e respectivos juros compensatórios.

 

  1. A Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitro singular João Magalhães Ramalho.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 14 de Maio de 2012, conforme acta de constituição do Tribunal Arbitral, tendo tido lugar em 19 de Junho de 2012 a primeira e única reunião nos termos e para os efeitos consignados no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na qual Requerente e a Requerida declararam nada ter a dizer sobre as matérias previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do citado artigo 18.º.

 

  1. A Requerida apresentou Resposta.

 

Por excepção invoca a incompetência dos tribunais arbitrais para conhecer da excepção de prescrição que é fundamento de oposição à execução, por ser esta uma causa de inexigibilidade e não de validade da dívida – questão relativa ao processo de execução fiscal reservada aos tribunais tributários.

 

Por impugnação reitera que não caducou o direito à liquidação, nem prescreveu a dívida tributária em causa, pois a existência de uma isenção sujeita a condição resolutiva impede legalmente a Administração Tributária de efectuar a liquidação do imposto até ao termo do prazo de cumprimento da condição, pelo que para efeitos de início da contagem do prazo de 8 anos, o momento determinante é o momento em que cessa a circunstância impeditiva.

 

No que se refere ao incumprimento do dever de audição, afirma que à Requerente foi enviado, aquando da conclusão do relatório de inspecção tributária, o Ofício n.º …, de 31 de Março de 2011, não tendo a Requerente exercido o seu direito de audição, nem ilidido a presunção de que estaria notificada.

 

Considera, assim, a Requerida que foi cumprido o dever de audição, mais considerando que a haver preterição desta formalidade, ela seria uma preterição de formalidade não essencial, caso se conclua que a participação do interessado não poderia ter tido qualquer influência na decisão final tomada.

 

Conclui pela improcedência da pronúncia arbitral, por força da excepção dilatória apresentada e consequente absolvição da instância arbitral e, subsidiariamente, pela absolvição do pedido.

 

  1. Em face do exposto, e considerando as alegações produzidas e as excepções suscitadas, prefiguram-se como questões decidendas, na situação sub judice:

 

(i). A primeira, suscitada pela Requerida, refere-se à falta de jurisdição deste Tribunal em razão da matéria;

 

(ii). Se o pressuposto processual relativo à incompetência deste Tribunal for improcedente, a segunda questão objecto de apreciação, agora invocada pelo Requerente, respeita à alegada ilegalidade do acto tributário de liquidação da SISA e juros compensatórios fundada:

 

- No alegado incumprimento do dever de audição por parte da Requerida;

 

- Na caducidade do direito à liquidação e na prescrição da dívida tributária em causa;

 

- Na ilegalidade da liquidação da SISA.

 

  1. QUESTÃO PRÉVIA: DA EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

 

  1. Suscita a Requerida a questão prévia da incompetência material deste tribunal arbitral.

 

Argumenta a Requerida que a prescrição é uma causa de inexigibilidade e não de invalidade da dívida, pelo que não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução, onde, aliás, deverá ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, quando o chefe de finanças não o tiver feito.

 

Afirma que a prescrição ocorre após o acto tributário e pressupõe a validade do mesmo, e respeita ao não exercício posterior do direito à cobrança da dívida, que fica extinto em caso de inércia do titular no seu uso. Ora, não sendo a competência dos tribunais arbitrais tão abrangente quanto a dos tribunais tributários, nem compreendendo a totalidade das pretensões que o contribuinte pode deduzir nestes últimos, as questões relativas ao processo de execução fiscal – nomeadamente, as causas de oposição (v.g., prescrição) – estão reservadas aos tribunais tributários.

 

2.2. A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que importa, antes de mais, proceder à sua apreciação.

 

No âmbito da arbitragem tributária, fixam-se com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral, já que, a competência dos tribunais é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional. Em sentido concreto ou qualitativo, será a susceptibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa1.

 

Assim, a incompetência corresponde a uma situação de nexo negativo que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência de uma dada espécie de tribunais não lhe atribuírem a medida de jurisdição suficiente para o efeito.

 

Deste modo, antes de mais nada, é necessário conhecer a matéria da competência deste Tribunal, dada a sua apreciação preceder o conhecimento de qualquer outra questão, em termos de prioridade cronológica absoluta (cfr. o artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e alínea a) do n.º 1 do artigo 288.º do Código de Processo Civil), porquanto, com excepção precisamente da sua própria competência, o tribunal que seja incompetente está impedido, não só de apreciar o mérito da causa, mas todos os demais pressupostos processuais.

 

Assim, de acordo com o bem conhecido princípio da competência-competência (Kompetenz-Kompetenz), de acordo com o qual o tribunal tem competência para verificar a sua própria competência, seja qual for o critério de que ela derive, ainda que para concluir pela sua incompetência, cabe, previamente, proceder à apreciação desta matéria.

 

O recorte constitucional dos tribunais arbitrais, a sua natureza facultativa (para o legislador e para as partes), a circunstância de não serem tribunais comuns, nem dotados de competência residual, torna particularmente relevante a demarcação rationemateriae.

 

Encontram-se abrangidas pela competência dos tribunais arbitrais, nos termos do artigo 2.º do RJAT: (i) a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamento por conta; (ii) a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; e (iii) a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior.

 

Ora, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e em atenção ao disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a competência dos tribunais arbitrais tributários compreende a apreciação de pretensão atinente à declaração de ilegalidade de acto de liquidação de tributos, no caso, da SISA, que é administrado pela actual Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Desta forma, atento o facto de a Requerente formular pedido de anulação da liquidação impugnada, invocando como causa de pedir a respectiva ilegalidade, ainda que especificamente fundada na prescrição da dívida tributária, cabe julgar este Tribunal como competente.

 

Na verdade, não é o acto de determinação da prescrição da dívida tributária que constitui o objecto do pedido formulado pela Requerente – caso em que se colocaria a necessidade de recurso aos tribunais tributários, como se retira do elenco taxativo constante do artigo 2.º do RJAT e se evidencia no confronto com os meios processuais previstos no artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante “CPPT”) – mas directamente a liquidação identificada, sendo os vícios apontados na petição nela configurados como vícios da própria liquidação.

 

2.3. A demanda, tal como se encontra formatada pela Requerente, inclui-se, pois, no âmbito da competência do Tribunal Arbitral, conforme é fixada pela alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

Termos em que se julga improcedente a invocada excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral.

 

* * *

 

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.

 

Não se verificam outras nulidades ou excepções que obstem ao conhecimento do mérito, para além das questões suscitadas relativas à caducidade do direito potestativo de acção e prescrição das dívidas tributárias em causa, que se conhece de seguida, porquanto, se alguma for julgada procedente, prejudica o conhecimento das demais.

 

3. DA PRETERIÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA

 

3.1. Factualidade relevante

 

Compulsados os autos e analisada a prova documental produzida, fixam-se os seguintes factos com interesse para o julgamento da alegada preterição do direito de audição prévia e da excepção de intempestividade suscitada, que será analisada no ponto seguinte:

 

(i). A Requerente é uma sociedade que tem por objecto o desenvolvimento da actividade de investimento imobiliário, adquirindo, no âmbito da mesma, imóveis para revenda.

 

(ii). No âmbito daquela actividade, a Requerente adquiriu, através de escritura pública de compra e venda outorgada em 28 de Outubro de 2002, e pelo preço de € 513.761, o prédio rústico, localizado na freguesia de …, concelho de …, inscrito sob artigo matricial ….º da mesma freguesia.

 

(iii). Por se destinar a revenda, e cumprindo todos os requisitos previstos no § 3.º do artigo 11.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (adiante “CIMSISSD”), a Requerente beneficiou à data da aquisição do prédio da isenção do pagamento da SISA devida.

 

(iv). Sucede, porém, que a Requerente incumpriu com a condição resolutiva subjacente à isenção de que beneficiou oportunamente, qual seja a de alinear o prédio em apreço no prazo de três anos contados da data da sua transmissão sem que o mesmo se destinasse novamente a revenda.

 

(v). Em resultado do referido incumprimento, a Requerente não procedeu à apresentação do pedido de liquidação do imposto a que estava legalmente obrigada em consequência da caducidade da isenção, conforme expressamente resultava do n.º 5 do artigo 115.º do CIMSISSD.

 

(vi). Perante tal omissão, foi a Requerente objecto de liquidação da SISA devida, no montante de € 41.100,88, valor ao qual acresceram juros compensatórios, no montante de € 9.121,08, num total a pagar pela Requerente de € 50.221,90.

 

(vii). O acto de liquidação em crise foi comunicado à Requerente pelo Serviço de Finanças de …, através do Ofício n.º …, datado de 14 de Junho de 2011, nos termos do qual se estabelecia o prazo de 10 dias, a contar da data da assinatura do aviso de recepção (dia 27 de Junho de 2011), como data-limite para o pagamento voluntário da quantia acima referida (documento n.º 1 junto pela Requerente ao requerimento de pedido de constituição de tribunal arbitral).

 

(viii). Não se conformando com o imposto e juros liquidados, veio a Requerente apresentar, no dia 3 de Novembro de 2011, Reclamação Graciosa do acto de liquidação, solicitando para o efeito a anulação das liquidações de imposto e juros, baseando o seu pedido na ilegalidade das liquidações, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do CIMSISSD).

(ix). A referida Reclamação Graciosa foi indeferida e dada a conhecer à Requerente, através do Ofício n.º …, de 26 de Dezembro de 2011, do despacho datado do mesmo dia, do Exmo. Sr. Director de Finanças de …, confirmativo da liquidação (documento n.º 2 junto pela Requerente ao requerimento de pedido de constituição de tribunal arbitral).

 

(x). A decisão de indeferimento referida na alínea anterior foi dada a conhecer atempadamente à Requerente, através do envio do competente projecto de decisão das correcções técnicas efectuadas em sede do CIMSISSD, através de carta registada que não foi devolvida pelos CTT e que continha o Ofício n.º …, de 31 de Março de 2011, conforme registo dos CTT n.º RC…PT (documentação anexa à resposta apresentada pela Requerida na sequência do pedido de pronúncia arbitral).

 

(xi). Dos elementos trazidos aos autos, não resulta qualquer evidência que permita concluir pela elisão, por parte da Requerente, da presunção da recepção da notificação, ou da formulação de qualquer resposta atempada por parte da dita Requerente ao Relatório do Projecto de Correcções do Relatório da Inspecção.

 

3.2. Apreciação de direito

 

Conforme resulta demonstrado dos presentes autos, a Requerente não procurou ilidir atempadamente a presunção da recepção da notificação enviada pela Requerida contendo a notificação do relatório da inspecção da liquidação do imposto.

 

Aliás mesmo que assim não fosse, ainda assim a preterição desta formalidade não determinaria, só por si, a invalidade do acto de liquidação posto em crise.

 

Com efeito, o princípio do aproveitamento dos actos administrativos apenas cede passo quando possa concluir-se que a intervenção dos interessados possam de alguma forma influenciar o conteúdo dos actos praticados (vide, nesse sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, adiante “STA”, proferidos nos Processos n.ºs 640/11, datado de 5/07/2012 e 671/10, datado de 10/11/2010).

 

O que não sucede no caso vertente, uma vez que estão em causa tão-somente a disputa sobre o modo de contagem dos prazos de caducidade e prescrição, não existindo, neste contexto, nenhum outro facto objectivo que a Requerente tenha trazido, ou possa trazer aos autos, que permita concluir pela preclusão dos citados prazos.

Em face do exposto, julga-se improcedente a alegado incumprimento do dever do direito de audição suscitado pela Requerente.

 

4. DA EXCEPÇÃO DE EXTEMPORANEIDADE SUSCITADA

 

4.1. Factualidade relevante

 

Mantêm-se aqui os factos descritos em 3.1. supra, com interesse para o julgamento da excepção de intempestividade suscitada.

 

* * *

 

Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influenciar a decisão da questão prévia.

 

4.2. Apreciação de direito

 

Dispõe o n.º 3.º do artigo 11.º do CIMSISSD que ficam isentas de SISA, as aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda nos termos e condições enunciados na referida norma.

 

Trata-se, em todo o caso, de uma isenção real condicionada, a título resolutivo, já que a não revenda do prédio no prazo de três anos contados da transmissão do prédio, ou a sua transmissão novamente para revenda, determina a caducidade da isenção – § 1.º do artigo 16.º do CIMSISSD.

 

No caso em apreço, o thema decidendo não se foca tanto em saber se a Requerente reunia ou não as condições para beneficiar da isenção do pagamento da SISA, mas sim em determinar o momento em que ocorreu o facto tributário relevante para efeito da contagem dos prazos de caducidade e prescrição.

 

Mais concretamente, discute-se nos presentes autos o problema de saber se os referidos prazos de caducidade e prescrição devem ser contados da data em que o prédio em causa foi adquirido, ou, pelo contrário, da data em que operou a caducidade da isenção.

 

A primeira questão que se coloca é, por conseguinte, a de apurar se os prazos de caducidade e prescrição deverão começar a contar-se a partir do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário (22 de Outubro de 2002 - data da escritura de aquisição do imóvel), ou a partir da data da constatação do não cumprimento das condições a que ficou subordinada a concessão da isenção, in casu a obrigação de revenda do prédio no prazo de três anos.


Sobre esta questão existe jurisprudência divergente do STA.


Com efeito, ficou consignado no Acórdão do STA de 8/6/2011, Processo n.º 0174/2011, que “Enquanto não for possível à AT liquidar o tributo, não poderá ter início o prazo de prescrição, pois este só começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306.º do CC” (cfr. Jurisprudência reiterada, entre outros, nos Acórdãos do STA, de 26/5/2010, Recurso nº 211/10 e de 22/9/2010, Recurso nº 383/10).

 

Por sua vez, no Acórdão do STA de 26/10/2011, Proc. n.º 0354/11, seguindo jurisprudência vazada no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 24/2/2010, Proc. n.º 0873/09, perfilhou-se a tese de que “o prazo relevante, para efeito da determinação da caducidade ou prescrição, deve contar-se, salvo disposto em lei especial, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária – adiante “LGT”), e não a partir da data da declaração da revogação da isenção.”


Seguimos aqui a doutrina vazada no Acórdão do STA de 8/6/2011.

 

A caducidade e a prescrição são institutos substancialmente diferentes. Assim, enquanto a caducidade visa a certeza e segurança jurídica das relações jurídicas respectivas, tendo a ver com a legalidade da liquidação, a prescrição tem em vista a inércia do credor e a extinção da dívida exequenda (cfr. Acórdão do STA, de 4/2/2004, Proc. n.º 01733/03).

 

De todo o modo, e para que ambos os institutos possam operar em toda a sua plenitude, os respectivos prazos de contagem apenas se iniciam a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva subjacente à isenção de SISA em apreço, no caso, o incumprimento da venda do prédio no prazo de três anos.

 

Com efeito, fundando-se, por um lado, a caducidade na necessidade de assegurar a certeza e segurança jurídica das relações jurídicas, e, por outro, a prescrição na inércia do titular do direito, ambos os prazos só devem, logicamente, começar a correr no momento em que a obrigação do pagamento do imposto e/ou o direito à sua cobrança possa ser exercido (cfr. VAZ SERRA, “Prescrição e Caducidade”, BMJ, 1961, p. 190.).

 

Isso mesmo determina o artigo 92.º do CIMSISSD, actual n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT, ao determinar que a contagem do prazo de caducidade tem início a partir da data da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.

 

Tal disposição legal não constitui, aliás, qualquer especificidade face ao disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT que determina que o prazo de caducidade se suspende, no caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição.

 

Também no caso da contagem do prazo de prescrição, a mesma apenas ocorre a partir do facto tributário que lhe dá origem.

 

Como resulta do n.º 1 do artigo 36.º da LGT, a formação do acto tributário é simultânea da constituição da obrigação tributária.

 

Ora, no caso de benefícios fiscais sujeitos a condição resolutiva, a obrigação tributária apenas se constitui no termo do prazo do cumprimento dessa mesma condição.

 

A nosso ver, qualquer outra tese abriria a porta a uma nova desarmonia no tocante ao início da contagem dos prazos de caducidade e prescrição, precisamente o oposto do pretendido pelo legislador da LGT ao revogar, através do artigo 48.º da LGT, o regime até então em vigor no Código do Procedimento Tributário.

 

Por este motivo, a alegada ampliação dos prazos de caducidade e prescrição não viola aqui o princípio da proporcionalidade já que, durante o prazo de três anos contado da data da aquisição do prédio, a Administração Tributária está (esteve) legalmente impedida de liquidar o imposto devido.

 

Note-se que este princípio não tem carácter excepcional, não passando de um afloramento do regime de contagem dos prazos previsto nos artigos 306.º e 329.º do Código Civil, nos termos dos quais se determina que a contagem dos prazos de caducidade e prescrição apenas têm início a partir data em que o respectivo direito possa ser legalmente exercido.

Sublinhe-se, a terminar, que a conclusão vertida é a única que permite justificar que apenas possam ser devidos juros compensatórios a partir do momento em que a caducidade da isenção do pagamento da SISA se materializa. De outra forma, tais juros seriam sempre devidos a partir da data da aquisição do prédio, o que unanimemente se reconhece não ser o caso.

 

Por este motivo, e embora visando cada instituto objectivos distintos, fundando-se a caducidade e a prescrição na inércia do titular do direito no tocante ao exercício do seu direito, os respectivos prazos de contagem apenas só devem logicamente começar a contar-se no momento em que esse mesmo direito puder ser exercido. Trata-se, claramente, de um princípio inerente à própria teleologia intrínseca da caducidade e da prescrição e, por isso, de aplicação geral, independentemente da sua expressa consagração nas leis gerais tributárias.

 

Em face do exposto, julga-se improcedente a excepção de extemporaneidade suscitada pela Requerida, uma vez que o início da contagem dos prazos de caducidade e prescrição só se inicia a partir do momento da caducidade da isenção.

 

5. DA inexistência do tributo a título de Imposto Municipal de SISA

 

Suscita, por fim, a Requerente a questão da ilegalidade da liquidação efectuada pelo facto de a SISA já não se encontrar em vigor na data em que a mesma foi efectivamente liquidada.

 

Dispõe o n.º 5 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que os Códigos revogados continuam a aplicar-se aos factos tributários ocorridos até à data da entrada em vigor dos novos Códigos – in casu o Código do IMT -, incluindo os factos que tenham beneficiado de isenção.

 

Considerando que, no caso em apreço, a Requerente adquiriu o prédio em 28 de Outubro de 2002, encontrava-se, à data, em vigor o CIMSISSD, pelo que se não vislumbra aqui qualquer ilegalidade.

 

Em face do exposto, julga-se improcedente a alegada ilegalidade resultante da liquidação da SISA.

 

6. DISPOSITIVO

 

Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, negando-se-lhe provimento e mantendo-se o acto tributário impugnado.

Custas a cargo da Requerente no montante de € 2.142,00, de acordo com o n.º 3 do artigo 12.º, do RJAT e do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa a este último.

 

Notifique.

 

Lisboa, 8 de Março de 2013

 

 

O Árbitro

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 138.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

A redacção da presente decisão não foi escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico.

 

 

1 Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, págs. 88 e 89.