Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 778/2015-T
Data da decisão: 2016-10-31  Selo  
Valor do pedido: € 10.154,76
Tema: IS - divisões de prédio urbano em propriedade total
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Pedido  

A… LDA., contribuinte nº…, com sede na …, nº…, …, …-… Lisboa, apresentou, em 23-12-2015, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista a:

 

-          A declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo, praticados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidentes sobre as divisões com utilização independente e afetação habitacional do prédio urbano sito na rua …, nºs … a … e Rua … nºs … a …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o artigo …, da freguesia da …– Lisboa;

-          A restituição dos montantes indevidamente cobrados por essas liquidações acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios.

A Requerente alega, no essencial e com relevância para a decisão da causa, o seguinte:

-          O prédio urbano sito na rua …, nºs … a … e Rua … nºs … a …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o artigo …, da freguesia da … - Lisboa, e descrito na conservatória do registo predial com o nº…, freguesia de …, Lisboa, encontra-se descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, não estando, portanto, constituído em propriedade horizontal; 

-          Apesar de nenhum dos andares suscetíveis de utilização independente ter valor igual ou superior a 1.000.000,00 euros, a Requerida liquidou imposto do selo, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sobre cinco divisões com afetação habitacional, considerado o somatório do valor patrimonial destas cinco divisões;

-          Ao liquidar imposto do selo sobre estas cinco divisões com afetação habitacional, a Requerida incorreu em erro sobre os pressupostos de direito;

Com efeito:

-          A parte final da verba 28 da TGIS determina que o valor relevante para delimitar a incidência objetiva do imposto é o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI;

-          Para efeitos de IMI, o valor que é tido em conta, no caso de prédios urbanos com partes suscetíveis de utilização independente, é o valor patrimonial de cada parte, logo, será esse também o valor a ter em conta para efeitos de determinar a incidência do imposto do selo;

-          É também este o único sentido normativo compatível com a intenção do legislador, que foi a de submeter a tributação propriedades de elevado valor destinadas a habitação;

-           Além disso, uma diferença de regime de propriedade que é unicamente formal e que está na mão do sujeito passivo modificar não deve constituir fator decisivo da sujeição ou não sujeição a tributação;

  1. Resposta da Requerida

Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:

-          A verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade contido no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa;

-          A diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras;

-          A constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do nº 2 do art. 4º do CIMI e do art. 1414º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária;

-          Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente;

-          Resulta do conjunto das normas aplicáveis à situação em causa que o facto tributário do imposto do selo da verba 28.1 consiste na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000 000,00;

-          Um prédio composto por partes suscetíveis de utilização independente não deixa por isso de ser um único prédio;

-          Como tal, o valor determinante para a incidência objetiva do IS é o valor global do prédio.

 

  1. Tramitação subsequente

 

Por despacho de 11 de junho de 2016, após obtida a anuência das Partes, o Tribunal determinou a prescindência da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e concedeu prazo para alegações escritas. 

Nas alegações escritas, as Partes nada acrescentaram de substancial à argumentação expendida na petição inicial e na resposta.

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 02-03-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as despectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

 

A única questão de fundo suscitada é a da incidência do imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional e suscetíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

 

IV – FACTOS PROVADOS

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

-          A Requerente figura no registo predial tributário como proprietária do prédio urbano sito na rua …, nºs … a … e rua … nºs … a …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o artigo …, da freguesia da …- Lisboa;

-          O prédio é descrito na matriz predial tributária como prédio em propriedade total e composto por partes suscetíveis de utilização independente, das quais cinco têm afetação habitacional;

-          Nenhuma parte com utilização independente tem valor patrimonial igual ou superior a 1.000.000,00 de euros;

-          A AT- Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou imposto do selo sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes suscetíveis de utilização independente com utilização habitacional, à taxa de 1%, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente ao ano de 2014;

-          O valor somado do imposto liquidado é de 10.154,76 euros;

-          A Requerente procedeu ao pagamento deste montante;

-          Em 29-04-2015, a Requerente deduziu reclamação graciosa dos atos de liquidação, a qual recebeu decisão de indeferimento notificada em 30-10-2015.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO       

 

A questão de fundo que há que apreciar e decidir é a de saber se o imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional suscetíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

Sobe esta mesma questão o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por diversas vezes, encontrando-se firmada a doutrina de que, tratando-se de um prédio constituído em propriedade total, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

 A fundamentação desta doutrina pode encontrar-se num dos primeiros acórdãos que o Supremo Tribunal proferiu sobre esta matéria, a 09-09-2015, no processo n.º 47/15. Neste aresto, que tomamos como base da nossa decisão nos presentes autos, profere o STA:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.”

E prossegue o Tribunal:

 “(…) A presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, - «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».

Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário».

Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].

Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.”

Consideramos que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo assenta em fundamentos corretos, pelo que entendemos dever aplicá-la ao caso sub judice, sem qualquer modificação.

No âmbito do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), o legislador estabeleceu claramente, no artigo 12.º, n.º 2 do CIMI, que as partes de prédio com utilização independente são avaliadas separadamente, sendo esse valor tomado como base da liquidação de imposto.

No âmbito do Imposto do Selo, o artigo 13.º, n.º 1 do respetivo código dispõe que “o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI”.

Portanto, parece claro que o legislador pretendeu que fosse considerado o valor patrimonial tributário das partes com utilização independente.

A AT - Autoridade Tributária e Aduaneira parece conformar a sua atuação com este entendimento, ao emitir atos de liquidação de Imposto do Selo individualizados em relação a cada parte.

Acresce que, de acordo com o artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Ora, o elemento subjetivo da interpretação, a retirar dos elementos históricos que são sobejamente conhecidos nesta matéria, e que são parcialmente reproduzidos no acórdão do STA citado, indica claramente a intenção do legislador de submeter a tributação casas habitacionais de elevado valor.

Em consonância com todos os elementos interpretativos mencionados, deve considerar-se que, estando-se perante um prédio em propriedade total formado por partes suscetíveis de utilização independente, só há lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentar um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 de euros.

Por todo o exposto, cumpre concluir que as liquidações de imposto de selo impugnadas são ilegais, por violação da lei de imposto, ao incidirem sobre partes independentes de prédios em propriedade total mas tomando por base o valor patrimonial tributário da soma das mesmas partes e quando nenhuma dessas partes tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros.

 

V - DECISÃO

 

  1. Declarar a ilegalidade e anular as liquidações do Imposto do Selo sobre as divisões com afetação habitacional do prédio urbano sito na rua …, nºs … a … e Rua do … nºs … a …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o artigo …, da freguesia da …– Lisboa;
  2. Condenar a Requerida AT – Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir o imposto indevidamente pago em conformidade com as mesmas liquidações, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º da LGT.

 

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 10.154,76 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 31 de outubro de 2016

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)