Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 265/2016-T
Data da decisão: 2016-10-25  IMI IVA  
Valor do pedido: € 26.171,90
Tema: IVA/RITI – Aquisição de equipamentos médicos em Espanha; Contrato de locação financeira
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, LDA., titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva…, com sede na Rua…, n.º…, …-…, em …, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a anulação dos actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios (JC) identificados nos autos, referentes aos anos de 2008 e 2009, no total de €26.171,09.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 11.04.2016 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 24.05.2016.

 

 

A AT respondeu, defendendo a improcedência do pedido, pugnando pela manutenção dos actos de liquidação de IVA.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1.  A Requerente está registada como sujeito passivo de IVA, desde 26.05.1988, com enquadramento no artigo 9.° do Código do IVA, para o exercício da actividade principal de “Outras actividades de saúde humana, n.e.”, CAE…, e secundária de "Outra investigação e desenvolvimento das ciências físicas e naturais", CAE… .
  2.  A Requerente não liquida IVA nos seus outputs nem deduz o IVA suportado nos seus inputs;
  3. Durante os exercícios de 2008 e 2009, a Requerente levou a cabo obras de construção civil e aquisição de equipamentos;
  4. A Requerente adquiriu dois equipamentos médicos em Espanha (“Equipamentos”), mediante as facturas n.º 2008/… e n.º 2009/…, de 10.11.2008 e 12.01.2009, respectivamente.
  5. Necessitando de se financiar para adquirir os Equipamentos, a Requerente adquiriu os referidos equipamentos para prontamente os transmitir à B…, S.A., a qual, de seguida, locou os bens à Requerente, através de um contrato de locação financeira;
  6. A Requerente foi alvo de uma Inspeção Tributária por parte da AT, no âmbito da qual foi efectuada uma correção de IVA quanto às aquisições intracomunitárias dos Equipamentos;
  7. A Requerente foi notificada do projecto de decisão, do procedimento de inspecção e das respetivas conclusões da acção de natureza fiscalizadora;
  8. Tendo exercido por escrito o seu direito de audição sobre o projecto de conclusões relativo ao procedimento de inspecção acima indicado;
  9. A AT emitiu os seguintes actos de liquidação de IVA e juros compensatórios, no valor global de €26.171,09:

·         Acto tributário de liquidação de IVA n.º…, relativo ao período 0812, no valor de €12.200,00;

·         Acto tributário de liquidação de JC n.º…, relativo ao período 0812, no valor de €1.842,37;

·         Acto tributário de liquidação de IVA n.º…, relativo ao período 0902, no valor de €10.600,00;

·         Acto tributário de liquidação de JC n.º…, relativo ao período 0902, no valor de €1.528,72.

  1. No âmbito do processo de recurso hierárquico n.º …2014…, a 10 de Fevereiro de 2016, a AT emitiu decisão de indeferimento.

 

 

Com relevo para a presente decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a Requerente deveria ou não liquidar IVA relativamente às aquisições intracomunitárias de equipamentos médicos efectuadas a sujeito passivo de IVA, em Espanha, melhor identificado nas facturas juntas aos presentes autos.

 

Neste sentido defende a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

  1. Dispõe o n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA que estão isentas de imposto, as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;
  2. Esta isenção respeita a actividades que tenham por objetivo diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, aplicando-se independentemente de os serviços prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades..
  3. Como bem se saberá, e tal como tem vindo a ser reiterado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, as isenções em sede IVA são de interpretação estrita, dado constituírem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado por todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo;
  4. Assim, a Requerente, enquanto sujeito passivo que pratica, em princípio, operações isentas e que não conferem direito à dedução, não liquida IVA nas suas operações activas, não podendo deduzir o IVA suportado a montante;
  5. Nos termos do artigo 3.º Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI) considera-se aquisição intracomunitária de bens, a obtenção do poder de dispor por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado-Membro (“EM”);
  6. São, assim, tributáveis as aquisições intracomunitárias de bens quando o lugar de chegada da expedição ou transporte com destino ao adquirente se situe em território nacional;
  7. Dispõe o artigo 5.º do RITI que não estão sujeitas a IVA, as aquisições intracomunitárias de bens, efetuadas por um sujeito passivo isento, desde que (i) os bens não sejam meios de transporte novos nem bens sujeitos a impostos especiais de consumo; e (ii) o valor global das aquisições, líquido do IVA, devido ou pago nos Estados membros onde se inicia a expedição ou transporte dos bens, não tenha excedido no ano civil anterior ou no ano civil em curso o montante de €10.000 ou, tratando -se de uma única aquisição, não exceda esse montante;
  8. Independentemente do tratamento em sede IVA das aquisições intracomunitárias de bens, o facto é que, no caso, não existiram operações distintas (aquisição intracomunitária, e venda para locação financeira), mas tão só um financiamento através de uma locação financeira;
  9. Assim, não se podem separar as fases negociais da principal operação aqui em causa, visto que estas operações intermédias são embrionariamente acessórias;
  10. Se a Requerente soubesse que deveria liquidar o IVA no momento da aquisição, não teria celebrado um financiamento por via de um contrato de locação financeira, mas antes diligenciado para que o adquirente formal dos equipamentos fosse a B…, com vista a depois os poder tomar de locação, tal como costuma suceder no mercado;
  11. Também o princípio “in dubio contra fiscum” foi violado pela AT na sua actuação, segundo o qual não ficando provada qualquer realidade económica conforme ao que vem afirmando por aquela, a questão terá, forçosamente, que ser valorada contra a AT, nos termos do artigo 100.º do CPPT;
  12. Ainda que se admitisse, por mera hipótese de raciocínio, que o valor agora exigido pela AT fosse devido, descortinando-se (à revelia da verdade material e fechando os olhos à realidade envolvente e à clara finalidade económica da atuação da Requerente) duas operações distintas e, como tal, exigindo-se a liquidação de IVA nas aquisições intracomunitárias dos Equipamentos, também não seria exigível à Requerente a liquidação do montante de imposto exigido.
  13. Pois que, descortinando as duas operações e desentranhando a realidade económica em questão, sempre se afirmaria que, ao adquirir os Equipamentos com a intenção de os transmitir à B… para, consequentemente, celebrar com aquela o contrato de locação financeira, tendo que autoliquidar IVA teria também o direito de proceder à respetiva dedução do imposto.
  14. Visto que, ao abrigo do disposto no artigo 20º do Código do IVA, pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens.
  15. Ora, embora normalmente a Requerente pratique operações isentas de IVA (prestação de serviços médicos), no que concerne à aquisição de equipamentos com intenção de revenda, estamos perante uma operação sujeita a IVA e dele não isenta e que, como tal, confere o direito à dedução.
  16.  Assim, dúvidas não restam, face às evidências legais e à jurisprudência, que se apresenta pacífica quanto à questão em apreço, que se for exigido à Requerente a liquidação do IVA relativo às aquisições intracomunitárias, também terá que lhe ser reconhecido o direito a deduzir o referido imposto, porque relativo a uma operação sujeita a IVA e dele não isenta (venda dos equipamentos médicos à B…).
  17. Neste caso, terá que ser tido em conta também o artigo 78.º, n.º 14 do Código do IVA, segundo o qual “nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências, desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber”.
  18. Caso se entenda que deveria ter sido autoliquidado IVA nas aquisições intracomunitárias, nesse sentido teria que ser, obviamente, deduzido o referido IVA.
  19. Pelo que a AT não pode exigir à Requerente os JC que vêm sendo exigidos ao abrigo das liquidações adicionais nºs … e … (Cfr. Documentos nºs 3 e 5 já juntos), no valor global de €3.371,09 (três mil trezentos e setenta e um euros e nove cêntimos).

 

Por sua vez, a AT alega o seguinte:

 

1.      A Requerente, ao efectuar as aquisições intracomunitárias dos equipamentos, não procedeu à liquidação do IVA devido, nos termos dos artigos 8.°, n.° 1, 23.°, n.° 1, alínea a), e 27.°, n.° 1, do RITI, nem ao envio da declaração periódica;

2.      Não lhe sendo permitida a dedução do mesmo imposto, pela conjugação dos artigos 19.° do RITI e do Código do IVA, também não cumpriu a obrigação de entrega do imposto, prevista no artigo 22.°, n.° 2, do RITI.

3.      Os aludidos equipamentos médicos foram, em 01.10.2009, objecto de transação de venda seguida de locação financeira, através de contrato de locação financeira mobiliária n.° …, celebrado entre a B… SA, NIF…, e a ora Requerente.

4.      Em síntese, a ora Requerente vendeu os equipamentos adquiridos à locadora para, posteriormente, os continuar a utilizar em regime de locação financeira.

5.      A Requerente entende que, “(...) no caso, não existiram operações distintas (aquisição intracomunitária, e venda para locação financeira), mas tão só um financiamento através de uma locação financeira”.

6.      Contudo, no caso dos autos, ocorreram três operações sujeitas a IVA, a saber: i) aquisição intracomunitária de bens, ii) transmissão de bens e iii) prestação de serviços (locação financeira).

7.      Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do Código do IVA, “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a titulo oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal; b) As importações de bens; c) As operações intracomunitârias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitârias”.

8.      No âmbito do Código do IVA, a locação financeira é considerada uma prestação de serviços sujeita a imposto, de harmonia com a alínea a) do n.° 1 do artigo 1.°, conjugada com o n.° 1 do artigo 4.° do Código do IVA.

9.      Por outro lado, "Uma transacção de venda seguida de locação, designada na versão anglo-saxónica das normas internacionais de contabilidade e na literatura como “sale leaseback transaction", e que vulgarmente se designa apenas de leaseback, ocorre quando o proprietário de um activo (o vendedor do activo, que simultaneamente se torna locatário) vende o activo e imediatamente, sobre o mesmo, ou sobre parte do mesmo, realiza um contrato de locação com o novo proprietário do activo (o comprador do activo, que simultaneamente se torna locador). Uma operação deste género consubstancia duas transações distintas, i) uma venda de um activo e ii) um contrato de locação pelo qual o vendedor do activo adquire o direito de o utilizar” (vide Sérgio Pontes; da então Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas; in “SNC - Passivos correntes e não correntes"; “Sebenta do Curso Online”; pág. 56.).

10.  Para efeitos de IVA, a venda de bens ao locador, não obstante os bens continuem a ser usados pela Requerente em regime de locação financeira, constitui um facto tributário distinto do que ocorre com o vencimento de cada uma das rendas do contrato de locação, não havendo qualquer duplicação de colecta na transação de venda seguida de locação.

11.  O imposto seria devido pela transmissão de bens e incidiria sobre o valor da contraprestação recebida ou a receber (artigos 3.°, n.º 1, e 16.°, n.° 1 do Código do IVA), caso não beneficiasse da isenção prevista no artigo 9.° do Código do IVA. Na prestação de serviços resultante do contrato de locação financeira, o IVA incide sobre o valor da renda recebida ou a receber do locatário (artigos 4.°, n.° 1, e 16.°, n.° 2, alínea h), do Código do IVA).

12.  Com efeito, e ao invés do que sucede no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), cujo Código, no seu artigo 25.°, prevê um regime de neutralidade, no âmbito do IVA, não existe qualquer regime específico para o leaseback, sendo cada uma das transações tratada de forma autónoma e independente.

13.  Além disso, para efeitos de IVA, a compra dos equipamentos ao sujeito passivo espanhol, é uma operação distinta da transacção de venda seguida de locação.  

14.  Nos termos da alínea a) do artigo 1.° do RITI, estão sujeitas a IVA, em território nacional, as aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n.° 1 do artigo 2.°, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas;

15.  Por sua vez, o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), do mesmo diploma, considera sujeitos passivos do imposto pela aquisição intracomunitária de bens, “As pessoas singulares ou colectivas mencionadas na alínea a) do n.° 1 do artigo 2° do Código do IVA que realizem exclusivamente transmissões de bens ou prestações de serviços que não conferem qualquer direito à dedução".

16.  Conforme escreve Mário Alexandre, "A aplicação do principio da tributação no país de destino tem por objetivo que o IVA seja arrecadado pelos Estados membros onde se verifica o consumo final dos bens, pelo que, estabeleceu-se no art.2.°/b),c) do RITI que as pessoas singulares ou coletivas que desenvolvem uma atividade isenta sem direito à dedução, quando realizam aquisições intracomunitârias de bens, não obstante essas pessoas singulares ou coletivas, no exercício da sua atividade, se encontrarem afastados do cumprimento da obrigação de liquidação do IVA, sendo por isso equiparadas a «consumidores finais» (in “Código do IVA e RITI Notas e comentários’'; Coordenação e Organização de Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos; 2014; Almedina; pág. 563).

17.  Segundo o artigo 3.° do RITI, “Considera-se, em geral, aquisição intracomunitária a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado membro".

18.  Porém, o n.° 1 do artigo 5.° do mesmo diploma estabelece que não estão sujeitas a imposto as aquisições intracomunitárias de bens quando se verifiquem, simultaneamente, as seguintes condições:

 

a) Sejam efectuadas por um sujeito passivo dos referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 2°;

b) Os bens não sejam meios de transporte novos nem bens sujeitos a impostos especiais de consumo;

c) O valor global das aquisições, liquido do IVA, devido ou pago nos Estados membros onde se inicia a expedição ou transporte dos bens, não tenha excedido no ano civil anterior ou no ano civil em curso o montante de (euro) 10 000 ou, tratando-se de uma única aquisição, não exceda esse montante".

 

 

19.  Não se verificando, cumulativamente, as referidas condições, como é o caso dos autos, em que, embora a Requerente desenvolva uma actividade isenta, ao abrigo da alínea 2) do artigo 9.° do Código do IVA e tenha, por isso, enquadramento no artigo 2.°, n.° 1, alínea b) do RITI, o valor global das aquisições ultrapassa o limite dos €10.000,00, fixado na alínea c) do n.° 1 do artigo 5.° do RITI, a aquisição intracomunitária de bens é sujeita a IVA.

 

20.  Quanto ao direito à dedução do imposto suportado nas aquisições intracomunitárias de bens, o artigo 19.° do RITI estabelece que “Para efeitos da aplicação do disposto no artigo 19.° do Código do IVA, pode deduzir-se ao imposto incidente sobre as operações tributáveis o imposto pago nas aquisições intracomunitárias de bens".

 

21.  Prevê-se, portanto, a dedutibilidade do IVA liquidado nas aquisições intracomunitárias de bens, à semelhança do consagrado no artigo 19.°, n.º 1, do Código do IVA para as operações internas e de importação de bens;

 

22.  Da conjugação dos artigos 19.°, n.° 1, e 33.° do RITI, resulta uma remissão para as regras gerais dos artigos 19.° e seguintes do Código do IVA;

 

23.  No caso vertente, a ora Requerente exercia, exclusivamente, uma actividade que não conferia o direito à dedução, em face do disposto no artigo 20.°, n.° 1, do Código do IVA, por beneficiar de isenção, nos termos do artigo 9.°, alínea 2), do Código do IVA, pelo que o IVA incorrido nas aquisições intracomunitárias dos equipamentos não pode ser deduzido.

 

24.  Por outro lado, e contrariamente ao que veio defender, a venda dos equipamentos ao locador não estava sujeita a tributação em sede de IVA, por estar abrangida pela isenção da alínea 32) do artigo 9.° do Código do IVA.

 

25.  Com efeito, estão isentas de IVA, ao abrigo dessa disposição legal, "As transmissões de bens afectos exclusivamente a uma actividade isenta, quando não tenham sido objecto do direito à dedução (...)”.

 

26.  Uma vez que o IVA incorrido com as aquisições intracomunitárias de bens não podia ser objecto de dedução, o imposto liquidado devia ter sido entregue nos cofres do Estado, nos termos do artigo 22.°, n.° 2, do RITI.

 

27.  Por conseguinte, não tendo a ora Requerente procedido à liquidação e pagamento do IVA exigível relativamente às aquisições intracomunitárias de bens supra referidas, os SIT promoveram as correções que se mostravam devidas, em face do disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 87.° do Código do IVA, não padecendo as liquidações adicionais reclamadas de qualquer ilegalidade.

 

28.  É evidente a conformidade legal dos actos objecto do presente pedido arbitral, falecendo, consequentemente, as pretensões formuladas pela Requerente.

 

 

Vejamos o enquadramento legal da situação sub judice.

 

 

  1.  Da aquisição intracomunitária de bens

 

Determina o artigo 18.º, n.º 3 da Lei geral Tributária (LGT), como regra geral, que “ (o) sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”

 

No âmbito do IVA, a definição do sujeito passivo encontra-se expressamente prevista no artigo 2.º do Código do IVA, que estabelece, então, as regras de incidência subjectiva deste imposto.

 

Com interesse para o caso dos autos, realça-se o disposto na alínea d) do artigo 2.º, n.º 1 do Código do IVA, segundo o qual são sujeitos passivos de imposto “As pessoas singulares ou colectivas que efectuem operações intracomunitárias nos termos do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.” Esta alínea resulta da transposição da Directiva n.º 91/680/CEE, de 16 de Dezembro, alterando o Código do IVA no atinente às transacções intracomunitárias (DR 28 Dezembro).

 

Nos termos da alínea a) do artigo 1.° do RITI, estão sujeitas a IVA, em território nacional, as aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n.° 1 do artigo 2.°, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos do IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas;

 

Por sua vez, o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), do mesmo diploma, considera sujeitos passivos do imposto pela aquisição intracomunitária de bens, “As pessoas singulares ou colectivas mencionadas na alínea a) do n.° 1 do artigo 2° do Código do IVA que realizem exclusivamente transmissões de bens ou prestações de serviços que não conferem qualquer direito à dedução".

 

Segundo o artigo 3.° do RITI, “Considera-se, em geral, aquisição intracomunitária a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado membro".

 

Porém, o n.° 1 do artigo 5.° do mesmo diploma estabelece que não estão sujeitas a imposto as aquisições intracomunitárias de bens quando se verifiquem, simultaneamente, as seguintes condições:

 

a) Sejam efectuadas por um sujeito passivo dos referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 2°;

b) Os bens não sejam meios de transporte novos nem bens sujeitos a impostos especiais de consumo;

c) O valor global das aquisições, liquido do IVA, devido ou pago nos Estados membros onde se inicia a expedição ou transporte dos bens, não tenha excedido no ano civil anterior ou no ano civil em curso o montante de (euro) 10 000 ou, tratando-se de uma única aquisição, não exceda esse montante".

 

 

Tendo em conta que os bens adquiridos pela Requerente foram objecto de locação financeira, importa saber se, para efeitos de IVA, a operação em causa constitui uma locação financeira, como alega a Requerente, ou uma aquisição intracomunitária seguida de uma operação de transmissão de bens e/ou prestação de serviços.

 

Atentos os factos carreados para os presentes autos, resulta que a Requerente é sujeito passivo de IVA, sem direito à dedução, tendo adquirido dois equipamentos médicos a sujeito passivo, com sede em Espanha. Posteriormente, a Requerente vendeu à B…, S.A. os equipamentos adquiridos em Espanha, a qual, de seguida, locou os bens à Requerente, através de um contrato de locação financeira.

 

Considerando que o IVA é um imposto geral sobre o consumo, que incide, em regra, sobre todas as transacções económicas efectuadas a título oneroso, este imposto incide, por princípio, sobre cada transmissão de bens e prestação de serviços.

 

Deste modo, atendendo ao disposto no artigo 1.º do Código do IVA e no artigo 3.º do RITI, entende-se que a Requerente efectuou uma aquisição intra-comunitária de bens, uma vez que esta obteve com a aquisição dos bens ao sujeito passivo em Espanha o poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de dois equipamentos médicos cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente.

 

O facto dos bens adquiridos terem sido posteriormente transmitidos não permite subsumir as operações realizadas numa única operação material, até porque, os bens foram inicialmente adquiridos a um sujeito passivo, em Espanha, e só, posteriormente, já na qualidade de proprietária desses bens procedeu a Requerente à locação financeira daqueles a outro sujeito passivo, em Portugal.

 

Contrariamente ao defendido pela Requerente, não é possível considerar que a Requerente apenas realizou uma operação económica, pois, resulta, claro, que houve uma transferência do direito de propriedade do sujeito passivo em Espanha para a Requerente e só depois, nessa qualidade, foi celebrado um contrato de locação financeira, em Portugal.

 

Assim, a aquisição intracomunitária efectuada pela Requerente só não seria sujeita a IVA, caso se verificassem preenchidas as condições previstas no artigo 5.º, n.º 1 do RITI acima transcrito.

 

Sucede que, de acordo com os factos provados nestes autos, o valor global das aquisições ultrapassa o montante de €10.000. Não se tratando de um limite progressivo, mas sim de um valor-limite, sendo a aquisição globalmente de valor superior aos €10.000, esta encontra-se totalmente sujeita a IVA.

 

Conclui-se, assim, que a Requerente realizou uma aquisição intracomunitária de bens sujeita e não isenta de IVA, encontrando-se, por isso, obrigada à liquidação de IVA relativamente a essa aquisição, que é independente do negócio de locação financeira posteriormente realizado.

 

 

  1.  Do direito à dedução

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 19.º do RITI, “Para efeitos da aplicação do disposto no artigo 19.º do Código do IVA, pode deduzir-se ao imposto incidente sobre as operações tributáveis o imposto pago nas aquisições intracomunitárias de bens.”

 

Por força do disposto no artigo 33.º do RITI, aplicam-se ao exercício do direito à dedução relativamente às aquisições intracomunitárias de bens, o regime geral previsto no artigo 19.º e ss. do Código do IVA.

 

De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do Código do IVA “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;”

Por sua vez, o artigo 20.º do Código do IVA estabelece o seguinte:

 

“1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.os 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.os 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º “

 

Deste modo, e tal como alega a Requerente, os sujeitos passivos de IVA têm direito a deduzir o IVA por si suportado.

 

Não obstante, o direito à dedução só é possível quando o sujeito passivo pratique operações tributáveis, em conformidade com o estabelecido no artigo 20.º do Código do IVA, acima transcrito. Nas situações em que o sujeito passivo suporta IVA, que se relaciona com o desenvolvimento de uma actividade isenta, deve o IVA suportado ser incorporado no preço das transacções isentas, dado o mesmo ser, em princípio, não dedutível. [1]

 

Tendo em conta o princípio da neutralidade, que proíbe distorções de concorrência e impõe a igualdade de tratamento das pessoas no tocante ao mesmo tipo de operações[2], a interpretação das normas já identificadas relativas ao direito à isenção e ao direito à dedução do IVA, tem de ser efectuada, de forma restrita, uma vez que o legislador escolheu deliberadamente isentar certos serviços específicos de IVA, como os serviços de saúde, com a consequência do IVA suportado nos inputs não ser dedutível.

 

Considerando que a Requerente é um sujeito passivo que pratica exclusivamente operações isentas de IVA, o IVA incorrido com as aquisições intracomunitárias não pode ser deduzido.

 

Em suma: em conformidade com o princípio da neutralidade, a Requerente não pode deduzir o IVA incorrido com as aquisições intracomunitárias efectuadas, uma vez que não pratica nenhuma das operações previstas no artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA, aplicável ex vi artigo 33.º do RITI.

 

 

IV.             VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €26.171,90.

 

 

V.                CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Outubro de 2015

 

 

A Árbitro

 

 

Magda Feliciano

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)



[1] Vide The Right to Deduct under EU VAT, de Ad van Doesum e Gert-Jan van Norden, in International VAT Monitor, Setembro/Outubro de 2011, pp. pag. 326, IBFD.

[2] Neste sentido, vide, nomeadamente, os Acórdãos de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg,, de 26 de Maio de 2005, Caso Kingscrest Associates e Montecello, de 28 de Junho de 2007, Caso JP Morgan Flemming Claverhouse, Proc. C-363/05, Colect., p. I-5517, n.ºs 46 e 47.