Decisão Arbitral
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. Hélder Faustino e Dr. José Carreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-02-2016, acordam no seguinte:
I – Relatório
1. A Requerente A…, Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º…, com sede na…, n.º …/…, …, em …, vem apresentar, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa e, consequentemente, a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta em sede de IRC e, bem assim, de incentivos fiscais ao abrigo do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI”) e do benefício ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), nos montante de € 103.370,88, referente ao período de tributação de 2012, e de € 154.043,98, referente ao período de tributação de 2013. Subsidiariamente, requer a declaração de ilegalidade da liquidação de imposto a título de tributações autónomas.
2.1. A Requerente peticiona:
a) a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada e a consequente anulação dos actos de autoliquidação de IRC, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 103.370,88 (2012) e € 154.043,98 (2013); e
b) a condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal; e
c) subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do Código do IRC não se aplica à tributações autónomas, deverá ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas, com o consequente reembolso dos montantes em causa e o pagamento de juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 27-01-2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 27-02-2016.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) Em face da inúmera jurisprudência arbitral sobre a matéria, as tributações autónomas serão de qualificar como IRC e, mais ainda, sendo-lhes por isso aplicável não só o artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC – na redacção em vigor no período de tributação de 2012 e 2013 –, mas também o artigo 90.º, entre outras normas dirigidas à liquidação do IRC;
b) A colecta das tributações autónomas não pode ser simultaneamente colecta de IRC para efeitos de um artigo e não ser colecta de IRC para efeitos de um outro artigo, sob pena de flagrante contradição do intérprete;
c) Pretender, assim, que as tributações autónomas não sejam IRC e não se lhes apliquem as regras de liquidação do regime unitário do IRC, é aplicar dois pesos e duas medidas conforme as conveniências, e é contrariar toda a imensa e constante jurisprudência arbitral referenciada no pedido de pronúncia arbitral;
d) Por outro lado, matéria colectável é coisa que não falta também às tributações autónomas: a matéria, despesas e encargos, sobre que incidem as suas taxas, é a sua matéria colectável, a matéria produtora da sua colecta. Ora, tendo as tributações autónomas matéria colectável, definida na respectiva norma de incidência constante do CIRC, não se vislumbra por que razão a referência à matéria colectável no dito artigo 90.º do CIRC, afastaria a colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma em IRC;
e) Mais, de que modo o afastamento pelo SIFIDE da colecta de IRC apurada por métodos indirectos, afastaria sempre a colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma em IRC? Se esta colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma em IRC for apurada com base em métodos indirectos, com certeza. Mas sendo apurada com base em método directo, como foi o caso, inexiste tal obstáculo legal ao abate à mesma do crédito de imposto por SIFIDE;
f) Em especial, quanto ao PEC, se ele é IRC, se o PEC é adiantamento por conta do IRC, se está previsto o seu abate à colecta do IRC, e se a tributação autónoma é IRC, como é, o resultado da interpretação declarativa da lei, solidamente ancorada em abundantíssima e uníssona jurisprudência, é de que o PEC é dedutível à colecta do IRC gerada pela tributação autónoma;
g) Ora, sendo a tributação autónoma em IRC colecta de IRC, e comungando do objectivo, finalidade, espírito do IRC de assegurar a tributação do rendimento real (tributação substitutiva), conforme entendimento esmagador da jurisprudência, nada há que se oponha à aplicação a esta colecta da dedução do PEC;
h) É irrelevante que a tributação autónoma em IRC e o IRC directamente sobre o lucro se apurem de diferentes modos; aqui está em causa momento a jusante, em que as respectivas colectas primárias já estão apuradas;
i) Não é pelo facto de a vivência ser esta ou aquela que a lei perde a sua autonomia e natureza de comando, para passar a ser uma realidade comandada, no caso por hábitos, reflectidos ou irreflectidos;
j) Acrescenta ainda, a Requerida que não existe nenhuma indexação da utilização do crédito fiscal à rendibilidade do investimento: colecta de IRC de qualquer outra proveniência pode ser usada para abater o crédito de imposto. Sendo que na colecta de IRC se inclui a da tributação autónoma em IRC, conforme jurisprudência esmagadoramente dominante (nenhuma dúvida interpretativa subiste a este respeito) dos tribunais, e conforme entendimento da própria AT;
k) Por outro lado, no que respeita à intervenção efectuada pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 em sede de tributação autónoma em IRC, a entender-se que o respectivo artigo 135.º atribuiu natureza interpretativa também à 2.ª parte do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma Lei (cfr. artigo 133.º), e que daí resultaria a aplicação do artigo 13.º do Código Civil enquanto prescreve a aplicação retroactiva das leis interpretativas, está-se em crer que se estará então perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não (e entende-se que não), estar-se perante uma lei materialmente interpretativa;
l) Ora, esta inconstitucionalidade prende-se com o imposto, com a colecta, da tributação autónoma (e não com a putativa “colecta” do PEC”), cujo facto tributário se consumou, se fechou, no(s) exercício(s) aqui em causa: liquidação, apuramento, e pagamento, de mais imposto “tributação autónoma em IRC”, caso se aplique retroactivamente a prescrição do Lei do Orçamento do Estado para 2016 que extingue as deduções à colecta deste imposto;
m) Em conclusão, no caso do SIFIDE e do CFEI (benefícios fiscais), existentes no presente caso em montante mais do que suficiente para acomodar a totalidade da dedução à colecta aqui em causa, eventual questão em torno do especial modo de perspectivar o PEC e a inconstitucionalidade, nem se põe: no que ao SIFIDE e CFEI respeita não é por definição a dedução do PEC à colecta da tributação autónoma que está então em causa.
5. A AT apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:
a) As tributações autónomas, pese embora tratarem-se de uma colecta em IRC, distinguem-se por incidir não sobre os lucros, mas antes sobre despesas incorridas pelo sujeito passivo ou por terceiros que com ele tenham relações;
b) Em face da sua teleologia, as tributações autónomas, enquanto instrumento fiscal anti-abusivo, ficariam esvaziadas de qualquer conteúdo prático na eventualidade de se acolher a tese defendida pela Requerente;
c) De facto, o legislador ao criar as tributações autónomas fê-lo com os seguintes propósitos:
a. Lutar contra a evasão fiscal;
b. Tributar rendimento de terceiros cujo acréscimo de rendimento, de outra maneira se subtrairia à tributação;
c. Penalizar, pela via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos face à conjuntura de crise económica.
d) Nesta medida, admitir – como pretende a Requerente – a dedução de PEC’s, ou benefícios fiscais, tais como o SIFIDE e o CFEI à colecta das tributações autónomas amputa inexoravelmente as tributações autónomas naquilo que foram os princípios e fins em que assentou a respectiva criação pelo legislador;
e) Considerando respeitosamente a douta jurisprudência arbitral invocada pela Requerente, interpretar o normativo vigente para as tributações autónomas no sentido que se propugna, mais não é que uma interpretação ab-rogante travestida de impulso legiferante, podendo constituir, em última análise, uma violação do princípio da separação de poderes;
f) Sempre terá se de chamar à colação, dissipando em definitivo a questão controvertida, o aditamento do número 21 ao artigo 88.º do Código do IRC, promovido pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 [1], nos termos do qual: “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”;
g) A norma em apreço veio clarificar positivando o entendimento e pratica perfilhados pela doutrina e pelos contribuintes em geral, os quais nunca foram questionados pela AT;
h) Com efeito, desde a sua criação no início da década de 90 e a sua evolução legislativa subsequente, foi sempre entendimento pacífico que as tributações autónomas não admitiam qualquer dedução;
i) Adoptar a posição da Requerente sempre teria como consequência lógica e inerente ao funcionamento do IRC que os valores apurados a título de tributações autónomas, se entendidos com integrantes de uma única colecta – o que apenas por mero exercício académico se concebe – fossem tidos e conta no cálculo dos pagamentos por conta;
j) Em conclusão, a Requerente defende, por um lado, a existência de uma colecta onde as tributações autónomas estarão incluídas, para assim, poder beneficiar das deduções em apreço e, por outro lado, nenhuma consequência retira no que respeita ao cálculo dos pagamentos por conta, enquanto decorrência evidente dos acto por si pretendido;
k) Conclui, por isso, a AT pela legalidade dos actos tributários contestados pela Requerente que deverão, assim, ser mantidos.
6. Não tendo sido requerida a produção de prova constituenda, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido designado o dia 30-07-2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
6.1. Por despacho de 27-08-2016, foi decidido prorrogar o prazo para a decisão arbitral, tendo sido fixada como data limite para a sua notificação o dia 27-09-2016.
7. Foi ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.
8. A Requerente e a AT apresentaram alegações escritas.
9. Saneamento
9.1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
9.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
9.3. O processo não enferma de nulidades.
9.4. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
10. Factos provados
10.1. Estão provados, com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:
a) Nos períodos de tributação de 2012 e 2013, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), o qual integrava as seguintes sociedades:
-B…, S.A. (NIF:..);
-C…, S.A. (NIF:…). Esta sociedade foi a sociedade incorporante no âmbito e uma operação de fusão, registada a 13-02-2012, com efeitos fiscais e contabilísticos a 01-01-2012, e que envolveu as sociedades D…, S.A. (NIF:..) e E…, S.A. (NIF:..);
b) Em 31-05-2013, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 do grupo de sociedades referente ao período de tributação de 2012, à qual foi atribuído o n.º …-… -…;
c) Na referida declaração Modelo 22, a Requerente declarou os seguintes valores:
- no campo 311 do Quadro 9, o valor de € 669.911,94, a título de matéria colectável;
- no campo 358 do Quadro 10, o valor de € 0,00, a título de IRC liquidado;
- no campo 365 do Quadro 10, o montante de € 103.370,88, a título de tributações autónomas;
d) O valor das tributações autónomas declarado incidiu sobre os encargos declarados pela Requerente, em nome do grupo de sociedades, nos campos 420, 421, 414 e 415 do Quadro 11;
e) Em 26-05-2014, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de substituição do grupo de sociedades referente ao período de tributação de 2012, à qual foi atribuído o n.º …-… -…;
f) Na referida declaração Modelo 22, a Requerente declarou os seguintes valores:
- no campo 311 do Quadro 9, o valor de € 669.911,94, a título de matéria colectável;
- no campo 358 do Quadro 10, o valor de € 0,00, a título de IRC liquidado;
- no campo 365 do Quadro 10, o montante de € 103.370,88, a título de tributações autónomas;
g) O valor das tributações autónomas declarado incidiu sobre os encargos declarados pela Requerente, em nome do grupo de sociedades, nos campos 420, 421, 414 e 415 do Quadro 11;
h) Em 30-05-2014, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 do grupo de sociedades referente ao período de tributação de 2013, à qual foi atribuído o n.º …-… -…;
i) Na referida declaração Modelo 22, a Requerente declarou os seguintes valores:
- no campo 311 do Quadro 9, o valor de € 2.898.128,27, a título de matéria colectável;
- no campo 358 do Quadro 10, o valor de € 0,00, a título de IRC liquidado;
- no campo 365 do Quadro 10, o montante de € 154.043,98, a título de tributações autónomas;
j) O valor das tributações autónomas declarado incidiu sobre os encargos declarados pela Requerente, em nome do grupo de sociedades, nos campos 420, 421, 414 e 415 do Quadro 11;
k) Em 20-04-2014, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de substituição do grupo de sociedades referente ao período de tributação de 2013, à qual foi atribuído o n.º …-… -…;
l) Na referida declaração Modelo 22, a Requerente declarou os seguintes valores:
- no campo 311 do Quadro 9, o valor de € 4.906.437,97, a título de matéria colectável;
- no campo 358 do Quadro 10, o valor de € 0,00, a título de IRC liquidado;
- no campo 365 do Quadro 10, o montante de € 154.043,98, a título de tributações autónomas;
m) O valor das tributações autónomas declarado incidiu sobre os encargos declarados pela Requerente, em nome do grupo de sociedades, nos campos 420, 421, 414 e 415 do Quadro 11;
n) O montante de SIFIDE, atribuído / obtido, disponível para utilização no final do período de tributação de 2012 ascendia a € 2.751.765,15 e, no final do período de tributação de 2013 ascendia a € 1.568.755,63 (declaração Modelo 22 declaração Modelo 22 de substituição do grupo de sociedades referente ao período de tributação de 2013 junta como Documento n.º 4 e certidões / declarações da Comissão Certificadora do SIFIDE juntas como Documento n.º 7 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
o) Já o montante de CFEI disponível no período de tributação de 2013 ascendia a € 166.353,78 (certificação / detalhe juntos como Documento n.º 8 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
p) Por outro lado, o montante de Pagamentos Especiais por Conta (“PEC”) disponível para utilização no final do período de tributação de 2012 ascendia a € 114.958,12 e, no final do período de tributação de 2013 ascendia a € 98.016,37 (certificação e comprovativo dos PEC efectuados juntos como Documentos n.º 9 e n.º 10 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
q) Nos períodos de tributação referidos, a AT não apurou o lucro tributável do grupo de sociedades em apreço por métodos indirectos, tendo o mesmo sido apurado com base nas declarações Modelo 22 apresentadas (Documentos n.º 1 a n.º 4 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
r) A Requerente e as empresas que integram o grupo de sociedades em apreço não eram então entidade(s) devedora(s) ao Estado e à Segurança Social de quaisquer impostos ou contribuições (certidões juntas como Documento n.º 11 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
s) O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas, os montantes de PEC e os montantes de benefício fiscal do SIFIDE e do CFEI;
t) Em 29-05-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações efectuadas com base nas declarações Modelo 22 apresentadas com referência aos períodos de tributação de 2012 e 2013;
u) Em 29-09-2015, decorridos os 4 meses previstos na lei para o efeito, não havendo decisão da declaração apresentada, presumiu-se o respectivo indeferimento tácito;
v) Em 03-12-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
10.2. Fundamentação da matéria de facto
A factualidade provada teve por base os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo instrutor (de que foi junta cópia pela AT), e da posição assumida pelas partes nos articulados reveladora da não discordância no essencial quanto aos factos relevantes circunscrevendo-se aquela apenas à interpretação e aplicação da Lei aos mesmos.
10.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
III.2.1 Questões a decidir
A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral tal como vem desenhado pela Requerente, consiste na declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa e, consequentemente, a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta em sede de IRC e, bem assim, de incentivos fiscais ao abrigo do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI”) e do benefício ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), nos montante de € 103.370,88, referente ao período de tributação de 2012, e de € 154.043,98, referente ao período de tributação de 2013.
Alega ainda a Requerente que, no que respeita à intervenção efectuada pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 em sede de tributação autónoma em IRC, a entender-se que o respectivo artigo 135.º atribuiu natureza interpretativa também à 2.ª parte do novo n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, isto é, também ao segmento normativo “não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global [de tributação autónoma em IRC] apurado”, introduzido pela mesma Lei (cfr. artigo 133.º), e que daí resultaria a aplicação do artigo 13.º do Código Civil enquanto prescreve a aplicação retroactiva das leis interpretativas, está-se em crer que se estará então perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não, estar-se perante uma lei materialmente interpretativa. Essa inconstitucionalidade prende-se, segunda ainda a Requerente, com o imposto, com a colecta, da tributação autónoma (e não com a putativa “colecta” do PEC”), cujo facto tributário se consumou, se fechou, no(s) exercício(s) aqui em causa: liquidação, apuramento, e pagamento, de mais imposto “tributação autónoma em IRC”, caso se aplique retroactivamente a prescrição do Lei do Orçamento do Estado para 2016 que extingue as deduções à colecta deste imposto.
Assim é que conclui a Requerente que no caso do SIFIDE e do CFEI (benefícios fiscais), existentes no presente caso em montante mais do que suficiente para acomodar a totalidade da dedução à colecta aqui em causa, eventual questão em torno do especial modo de perspectivar o PEC e a inconstitucionalidade, nem se põe: no que ao SIFIDE e CFEI respeita não é por definição a dedução do PEC à colecta da tributação autónoma que está então em causa.
Subsidiariamente, requer a declaração de ilegalidade da liquidação de imposto a título de tributações autónomas.
Ou seja: pretende-se, em síntese, submeter à apreciação do Tribunal a questão da aplicação (ou não) do disposto no artigo 90º, do CIRC (redação da Lei nº 3-B/2010, de 28-4, aplicável no caso objecto dos autos) às tributações autónomas previstas no artigo 88º, do mesmo diploma, bem como ao pagamento especial por conta (PEC) e Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI).
Subsidiariamente, para o caso de ser entendida a não aplicabilidade do artigo 90º, do CIRC às tributações autónomas, que seja então “(...) declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação [cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição], com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas (...)”.
II.2.2 Análise das questões
Será importante recordar, preliminarmente, o que vem sendo entendido pela Jurisprudência desde há anos, ou seja, que os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
Este entendimento jurisprudencial encontra-se estribado, actualmente, no disposto nos artigos 607º-2 e 3, do CPC e 123º - 1ª parte, do CPPT, quando impõem apenas ao Juiz (ou ao Tribunal) que, depois de identificar as partes e o objecto do litígio e enunciar as questões decidendas, fundamente a decisão discriminando os factos provados e os não provados e indique, interprete e aplique as normas correspondentes para a sua conclusão final (decisão).
O RJAT (DL nº 10/2011, de 20 de janeiro e alterações) sufraga igualmente este entendimento quando, no artigo 22º-2, do RJAT, dispõe que “(...) é aplicável à decisão arbitral o disposto no artigo 123º, primeira parte, do CPPT, relativamente à sentença judicial (...)”.
O objecto do litígio reconduz-se, por outras palavras e essencialmente, à apreciação da questão da (des)consideração da colecta decorrente das tributações autónomas para efeitos do limite das deduções previstas no artigo 90º, do CIRC (períodos de tributação de 2012 e 2013).
Concretamente, defende a Requerente o seu alegado direito a deduzir os valores pagos a título de pagamento especial por conta, SIFIDE e CFEI à colecta de IRC produzida por tributações autónomas nos exercícios de 2012 e 2013.
As questões que são objecto do presente processo são, em primeira linha, as de saber se são dedutíveis às quantias devidas a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta e os investimentos que a Requerente efetuou abrangidos pelo SIFIDE e pelo CFEI.
Começar-se-á por apreciar esta questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, pois da sua solução depende a apreciação da questão da dedutibilidade do SIFIDE, do CFEI e dos pagamentos especiais por conta à colecta daquelas tributações autónomas.
III.2.3 Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas
Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril e que é aplicável ao caso dos autos:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efectuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º,tem por base a matéria colectável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)
4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Assinale-se desde já que a questão essencial não está em saber se as tributações autónomas são ou não IRC sendo claro que a liquidação das tributações autónomas se efetua com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, na verdade, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:
(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e
(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
Daqui resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.
Conclui-se daqui, se bem se entende, que não há sequer verdadeira controvérsia entre as partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência à forma de proceder à liquidação, pois a AT entende, se bem entendemos, que são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas.
De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Desde logo – reafirma-se –, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral (grande parte dela citada pela própria Requerente) e das posições assumidas pela AT, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.
De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela AT, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela AT, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respetivas taxas.
Mas as formas de liquidação que se preveem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º.
De qualquer forma, quaisquer que sejam os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a AT devem efetuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Refira-se ainda que a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».
Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à AT, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à AT, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a AT dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável, nos termos referidos, à liquidação de tributações autónomas, ou seja, com apuramento de forma autónoma e distinta do processado nos termos do citado artigo 90º.
Daí que fique prejudicada a abordagem da questão na perspetiva (in)constitucional suscitada pela Requerente.
III.2.4 A questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE e CFEI às quantias devidas a título de tributações autónomas
Compulsadas a normas que regiam o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial[2], vulgo SIFIDE, nas circunstâncias de tempo que relevam para os presente autos, verificamos que, segundo o artigo 4º (Âmbito da dedução) do diploma:
«Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base – 32,5% das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental – 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euros) 1 500 000.
2 – (...)
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato».
O SIFIDE permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento (ao nível dos processos, produtos e organizacional) que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido (Cfr Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 82/2013 de 17 de Junho e Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro.[3]
O SIFIDE visa aumentar a competitividade das empresas, apoiando o seu esforço em Investigação e Desenvolvimento através da dedução à colecta do IRC das respetivas despesas.
Foi criado como medida de estímulo à participação do sector empresarial no esforço global de investigação e desenvolvimento. A experiência resultante da sua aplicação permite concluir que este mecanismo tem contribuído para um incremento da actividade de investigação e desenvolvimento por parte das empresas portuguesas.
Este sistema de incentivo passou por diversas revisões. No regime vigente a partir de 2011 (SIFIDE II) a introdução de algumas alterações à legislação até então em vigor visou tornar esse regime mais atrativo para as empresas.
O benefício a obter com o SIFIDE II traduz-se assim na possibilidade de deduzir à colecta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas:
• Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício;
• Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000.
Ou seja: trata-se, no essencial, na possibilidade de deduzir à colecta de IRC apurada no exercício, o montante de crédito fiscal verificado. As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício imediato.
A questão prévia a este respeito e tendo em vista o objecto do litígio, é a de saber como calcular o montante a que alude o artigo 90º, do CIRC a que deve então ser deduzido o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, numa dupla percentagem: 32,5% das despesas realizadas no período de tributação e 50% do acréscimo das despesas realizadas no período de tributação em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de 1 500 000 euros.
No respeitante à dedução do CFEI e conforme sustenta a Requerida, o próprio art. 3º, nº 5, alínea a), da Lei nº49/2013, fornece uma resposta clarificadora, ao prescrever que «(...)aplicando -se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no nº 1/a) efectua -se ao montante apurado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 90º do Código do IRC, com base na matéria colectável do grupo (...)».
Ora, a matéria colectável do grupo, só pode ser a referida no nº 1 do art. 69º:
“Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo (...)”, cujo cálculo obedece, entre outras, às regras especiais previstas nos artigos 70º e 71º, onde não se detecta qualquer interferência das tributações autónomas que, aliás, são determinadas autonomamente por cada sociedade pertencente ao grupo.
Donde resulta que se o legislador clarificou, nos casos em que é aplicado o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, que a parte da colecta do IRC à qual seria efectuada a dedução do benefício fiscal era a calculada com base na matéria colectável do grupo, mal se compreenderia que nos casos em que a sociedade é tributada a título individual a dedução do benefício fosse feita à colecta do IRC que incluísse a parte relativa às tributações autónomas.
Em conclusão: as normas que regulam a dedução dos benefícios fiscais, in casu, o CFEI e o SIFIDE integram-se pelo modo como operam e pelas finalidades adstritas aos benefícios, na estrutura do regime-regra do IRC, pelo que não são conciliáveis com a ratio legis das tributações autónomas nem com os respectivos factos geradores, e a prova é que o próprio legislador teve o cuidado de marcar essa linha divisória no art. 3º, nº 5, alínea a), da Lei nº 49/2013.
Subsumindo:
Pretende a Requerente que os créditos fiscais que, nos anos de 2012 e 2013, lhe foram reconhecidos em sede de SIFIDE CFEI sejam deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesses exercícios fiscais.
Ora compulsadas a normas que regiam o SIFIDE II e o CFEI constata-se que a conjugação destas com o artigo 90º, do CIRC, os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE e CFEI são deduzidos aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e, no caso do SIFIDE, na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas «poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato».
Pois bem, a colecta a que se refere o artigo 90º quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável que conste nessa liquidação/autoliquidação [cf. artigo 90.º, n.º 1, alínea a) do CIRC].
Deste modo, o crédito em que se traduz o SIFIDE e CFEI é deduzido apenas à colecta assim apurada, ou seja, à colecta apurada com base na matéria colectável e não à colecta resultante das tributações autónomas.
Ou seja: existe um impedimento legal expresso no Código do IRC para que os créditos SIFIDE e CFEI decorrentes sejam deduzidos às tributações autónomas.
III. 6 - Desenvolvendo e historiando melhor a questão da natureza das tributações autónomas e o seu grau de conexão com o IRC
Há que recuar ao ano de 1990 para encontrar a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma e que ocorreu com a publicação do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, cujo artigo 4.º previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.»
Esta norma foi objecto de diversas alterações posteriores que, sucessivamente, procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista.
Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.
Saldanha Sanches (Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 407), a propósito da tributação autónoma prevista no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, escreveu o seguinte: “(...)Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objecto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40 000 (artigo 81.º, n.º 4).
Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objecto de tributação (...)” (sublinhado nosso).
Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).
Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.
Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).
Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa.
Neste caso estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida “taxa” ser efectuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.
Por esta razão, Sérgio Vasques (Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.
As tributações autónomas, de acordo com a sua regulamentação inicial, constituíram como que um sucedâneo do regime da não dedutibilidade anteriormente previsto no CIRC.
Com efeito, na sua génese estava a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo as tributações autónomas uma forma alternativa e mais eficaz de correção dos custos sempre que se trate de áreas mais propícias à evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, despesas com viaturas, etc.).
Assim, não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas, que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.
A jurisprudência arbitral tem decidido no sentido de que as tributações autónomas pertencem, por regra, sistematicamente, ao IRC, e não ao IVA, ao IRS, ou a um qualquer outro imposto do sistema fiscal português. É o caso, entre outros, dos processos Arbitrais n.ºs 166/2014-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 6/2014-T, 36/2014-T e 697/2014-T.
Elas estão, por isso, fortemente ligadas aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, à actividade económica e empresarial por eles levada a cabo. Do que se trata, nas tributações autónomas é, com efeito, de tributar certas despesas ou encargos (gastos), vistas estas na sua relação com a ideia geral de lucro real e efectivo e a tributação do rendimento.
Com efeito, parece-nos fora de dúvida que o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.º do CIRC visa, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto. Isto é, visa impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expectativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto não saia gorada. No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização / relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objecto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. Realidades que apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando directamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.
Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos – e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos objectivos do próprio imposto onde se manifestam.
Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC [redação então vigor e atual artigo 23º-A/1-a), do CIRC) (sublinhado nosso)].
Como se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional em recurso de decisão arbitral tributária, “(...)a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não directamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal (...)” [Cfr Acórdão nº 197/2016 do Tribunal Constitucional, in DR, 2ª Série, nº 99, de 23 de maio de 2016] .
Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao nº 14 do artigo 88º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.
“Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (….). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta.
Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC (...)” [voto do Juiz do Tribunal Constitucional Vítor Gomes no Acórdão desse Tribunal proferido no Processo nº 2014/2010. Este entendimento foi ulteriormente confirmado ou reiterado pelo Acórdão do Plenário do TC n.º 617/2012 - processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e no Acórdão n.º 197/2016- processo n.º 465/2015, para além do citado Acórdão nº 197/2016].
Foi igualmente reconhecido pela jurisprudência do STA (2.ª secção, processo 830/11, de 21-03-2012) “que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC.
Refira-se contudo que já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) art. 81.º n.º 3 do CIRC e ajudas de custo estão afetas á actividade empresarial e “indispensáveis” pelo que são fiscalmente aceites nalguns casos ainda que dentro de certos limites.
Por sua vez, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 18/11, diz-nos que existem factos sujeitos a tributação autónoma, que correspondem a “encargos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos” e que por isso a proibição da aplicação retroativa da lei nova não se aplica, pois tais encargos teriam sido incorridos independentemente do regime fiscal aplicável: isto significa que a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas. Este argumento do Tribunal Constitucional, a propósito da aplicação retroativa da lei fiscal às tributações autónomas (e esta matéria da aplicação da lei no tempo não cabe no objecto desta decisão), interessa-nos apenas salientar que o Tribunal reconhece que este regime constitui uma limitação à tributação do rendimento real (a qual é garantida pelo art.º 104.º n.º 2 da CRP).
No acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho (Relator Conselheiro João Cura Mariano), o Tribunal Constitucional vem reformular a doutrina do Acórdão n.º 18/11 do mesmo Tribunal, aproximando-se do voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes e do Acórdão do STA n.º 830/11, nos termos seguintes: “(...) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação. (sublinhado nosso).
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º,n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa (...)”
Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o nº 1 do artigo 65º do CIRC, na redação de 2011 (“não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”).
Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.
Concluindo: as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.
Este entendimento foi também clarificado pelo artigo 3º da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, que aditou o artigo 23º A) ao CIRC (ao mesmo tempo que o seu artigo 13º revogou o artigo 45º), com a seguinte redação:
Artigo 23º A)- Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
“1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros”.
Não subsistindo dúvidas quanto ao carácter interpretativo do preceito transcrito, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica, na prática, tal norma, vem expressar o que o legislador sempre entendeu e continua a entender, ou seja que os encargos decorrentes com o custo associado às tributações autónomas, não releva para efeitos de apuramento do lucro tributável.
Assim é que, no caso sub juditio, não se antolha qualquer violação pela AT das regras de procedimento e/ou de forma de liquidação previstas no artigo 90º, do CIRC com a desconsideração, para o efeito, das tributações autónomas liquidadas e pagas pela requerente.
Daí que não ocorra a pretendida ilegalidade no cálculo da colecta relativa a IRC nos exercícios da requerente de 2012 e 2013 para efeitos da dedução das sobreditas despesas elegíveis no âmbito do SIFIDE.
III. 7 - O PEC – Pagamento especial por conta de IRC devido a final.
A génese e a evolução do PEC desenvolvem-se em três estádios, designadamente (i) o regime que vai do seu nascimento até ao ano 2000; (ii) o regime aplicável aos exercícios de 2001 e 2002; e o regime subsequente que vigora até hoje.
Na sua versão inicial o PEC foi apresentado como ferramenta de melhoria do sistema, que era e é muito baseado na declaração dos rendimentos pelos contribuintes. A sua introdução no sistema fiscal foi simultânea com a redução da taxa geral do IRC em dois pontos percentuais. A ocorrência dos dois factos não é coincidência; por um lado, reduziu-se a taxa aplicável aos contribuintes pagadores de imposto; através do PEC promoveu-se o pagamento especial de quantia a título de imposto, ainda que a título provisório, pelos sujeitos passivos que apesar de continuarem a desenvolver a sua actividade ano após ano, persistiam em declarar rendimentos negativos ou nulos, escapando à tributação efectiva. É pois, como medida de combate às “práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos” que o PEC foi justificado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de março, que o instituiu.
A provisoriedade do pagamento do imposto residia afinal na possibilidade de deduzir as quantias pagas como PEC ao IRC apurado nos termos gerais, fixados no artigo 71.º do CIRC então vigente (do qual ainda não faziam parte as tributações autónomas), embora essa dedução só fosse possível se apesar dessa operação o valor do imposto a pagar fosse positivo (71º-6 CIRC/1998). Não havendo IRC a pagar nos termos gerais, o valor do PEC satisfeito podia ser reportado para o exercício seguinte (74º-A-1) ou reembolsado mais tarde (74º-A-2). Procurava-se assim garantir que a generalidade dos sujeitos passivos satisfizesse valor por conta do IRC, calculado provisoriamente sobre o volume de negócios do exercício anterior (83º-A). No fundo ficcionava-se que todas as empresas teriam por tendência um lucro tributável, calculado de acordo com os parâmetros gerais, equivalente a 1% do seu volume de negócios do ano anterior, acertando-se posteriormente a conta, se assim não fosse.
Tal como bem se faz notar no Acórdão Arbitral proferido no Proc. 722/2015-T, do CAAD, que aqui seguimos de perto, a reforma do IRC operada em 2000-2001 através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, reduziu o caráter de pagamento por conta que o imposto tinha, impedindo o seu reembolso enquanto o contribuinte se mantivesse em actividade e impôs que o reporte das quantias satisfeitas fosse feito apenas até ao quarto exercício subsequente (74º-A-1 CIRC/2001). Desta norma restritiva resulta, pela primeira vez, a possibilidade do PEC se transformar em colecta mínima [neste sentido, TERESA GIL, Pagamento Especial por Conta, Revista Fisco. Ano XIV, (março 2003), n.º 107-108, p. 12] quando não fosse possível deduzir as quantias satisfeitas, por esgotamento do período de reporte. Em síntese, é possível afirmar que as alterações introduzidas nesta reforma não só mantiveram como acentuaram a tónica de combate à evasão fiscal que tinha animado a introdução do PEC. Apesar de nesta ocasião as “tributações autónomas“ terem sido introduzidas no CIRC, não foi previsto qualquer mecanismo de articulação entre os dois instrumentos.
A terceira configuração do PEC é introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que no seu artigo 27.º introduziu um novo regime da dedutibilidade do PEC no artigo 87.º, n.º3, do CIRC, repondo a possibilidade de reembolso das quantias entregues a título de pagamento especial por conta e não abatidas na liquidação anual de IRC. Manteve-se ainda aqui o caráter de medida de perseguição da evasão fiscal, embora se tenha aligeirado, sem o abolir completamente, o cunho de colecta mínima, face aos apertados condicionalismos impostos para o reembolso.
Dispõe o artigo 104.º do CIRC (redação do DL nº 292/2009, de 13-10) que: “As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:
a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação;”
(…)
E o art.º 106.º do CIRC(redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31-12) dispõe: “Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, os sujeitos passivos aí mencionados ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efetuar durante o mês de Março ou em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, nos 3.º e 10.º meses do período de tributação respetivo.”
Do que antecede resulta a obrigatoriedade, para os sujeitos passivos de IRC, de efetuar pagamentos por conta do IRC que será devido a final. Como é sabido, a técnica dos pagamentos por conta consiste, no geral, num mero mecanismo de antecipação do imposto que venha a ser devido a final. Trata-se, como é pacificamente aceite e bem se salientou no Ac. Arbitral proferido no proc. 722/2015-T do CAAD, e noutras, “de um meio que tem vantagens para o Estado pois permite-lhe antecipar o recebimento do imposto, ao mesmo tempo que assegura a sua colecta no momento ou à medida que o rendimento se produz, sem prejuízo do apuramento final e com observância do apuramento do que for devido segundo o método geral de tributação pelo lucro real.”
É verdade que a razão de ser dos pagamentos por conta e do pagamento especial por conta, partindo deste tronco comum - já que, inequivocamente, ambos são o produto de uma técnica tributária pela qual a colecta do imposto devido a final é antecipada – diverge pois, ainda assim, apresentam (no segundo caso), justificações algo diferenciadas. Ao passo que a razão de ser dos pagamentos por conta se esgotam, a nosso ver, nos fundamentos supra evidenciados, já o pagamento especial por conta, não perdendo essa finalidade de vista, tem ainda uma outra que se lhe adicionou. Com efeito, como bem se refere no Ac. Arbitral proc. n.º 113/2015-T, “na doutrina e na jurisprudência o regime do PEC sempre foi tido como sistema para evitar a evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em actividade.” É, também isso que resulta do trabalho doutrinário desenvolvido pelo Tribunal Constitucional. Do seu acórdão n.º 494/2009, resulta que o PEC, no recorte que que lhe foi dado no CIRC, está também “indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais”, procurando garantir que os rendimentos manifestados pelos contribuintes “correspond[i]am ao rendimento tributável realmente auferido”.[Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional (plenário) n.º 494/2009 de 29-09-2009, processo n.º 150/12].
O citado Acórdão n.º 494/2009 do Tribunal Constitucional identifica múltiplos trabalhos científicos que se pronunciaram no mesmo sentido, como é o caso de Teresa Gil (Cfr. ob. e loc. cit.), que deu conta das circunstâncias que rodearam a introdução do PEC, designadamente das dificuldades na aplicação do princípio da tributação pelo lucro real, constatadas face à “divergência que existe entre os lucros efectivamente obtidos e aqueles que são declarados pelas empresas e, portanto, objecto de tributação”.
Como se tem dito, e neste passo, fazemos nossas a síntese invocada na supra referida Decisão Arbitral, em que o regime atual do PEC é assim caracterizado por “(i) ter ligação indissociável à luta contra a evasão e fraude fiscais; (ii) ter sido introduzido no CIRC em março de 1998, antes das taxas de tributação autónoma que só passaram a fazer parte da sua sistemática na reforma de 2000-2001; (iii) na conceção do PEC previu-se a sua dedução à colecta na liquidação do IRC calculado sobre o rendimento real; (iv) a recuperação do crédito resultante do PEC está subordinada a condições de obtenção de rácios de rentabilidade próprios das empresas do sector de actividade em que se inserem ou à justificação da situação de crédito por ação de inspeção feita a pedido do sujeito passivo (87º-3 do CIRC).
Questão subsequente é a de saber se estas razões especiais são de molde a permitir que se deduza à colecta das tributações autónomas quer benefícios fiscais a que o contribuinte tenha direito, quer o próprio PEC. Quanto às primeiras já nos pronunciamos supra no sentido de tal impossibilidade. Quanto ao PEC o facto é que ele não é mais do que um pagamento por conta do IRC que será (presumivelmente) devido a final pelo sujeito passivo, ainda que com algumas caraterísticas especiais. E, logo assim, ele é IRC para todos os efeitos legais havendo, todavia, regras especiais para a sua devolução.
Ao contrário das tributações autónomas, que são colecta devida em razão de comportamentos que a lei deseja desincentivar e, por isso, penalizam a relevação de certos gastos pelas razões indicadas, no PEC do que se trata é de garantir que seja adiantado a título de IRC e sem prejuízo da sua dedução à colecta geral do imposto, apurada por efeito da operação de liquidação stricto sensu, certa medida do imposto.
Ora, como bem se refere no Acórdão Arbitral proc. 13/2015-T, “o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação foi concebida para apurar o imposto directamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de actividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.
Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório. Se se permitir a dedução do PEC à colecta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efectivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, citado) perderiam o seu caráter anti abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objectivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83º-2-e CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta à colecta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.”
Em suma, ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretenderam alcançar legislativamente com a criação do pagamento especial por conta, justificam uma interpretação restritiva dos artigos 90.º, nº 1, e 93.º, n.º 3, do CIRC, em especial da referência que neste último se faz «ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do CIRC».
De realçar que este entendimento da Jurisprudência arbitral se encontra, mais uma vez, em sintonia com o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado, como vimos, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».
Também, neste caso, o legislador se limitou a acolher, clarificando-a, uma solução que os tribunais, com o recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica, estavam em condições de extrair do regime a aplicar, o que se limitou a fazer este colectivo, no caso dos autos.
Com efeito, embora o artigo 135.º atribua, como já ficou dito, natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, o que conjugado com o artigo 13.º do Código Civil conduz à sua aplicação retroativa, como ficou demonstrado da argumentação supra exposta, a solução encontrada por este colectivo não necessitou de fazer aplicação deste novo preceito.
No mesmo sentido vai o Acórdão Arbitral atrás citado n.º 673/2015-T, onde a este propósito se concluiu igualmente, entre o mais, que a solução já resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º1, do CIRC, “(…) sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando haja razões ponderosas para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.”
Apreciados os factos e a pretensão da Requerente no sentido de ver deduzida à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do PEC efectuado em sede de IRC, à luz de tudo quanto vem exposto, tal pretensão não pode deixar de improceder.
IV - Pedido subsidiário
Formalmente um pedido subsidiário é o que é apresentado ao Tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (Cfr artigo 554º-1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT).
Em sede principal está assim formulado o pedido:
“(...)Deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificado e, bem assim, a ilegalidade das Autoliquidações de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, da A..., relativas aos exercícios de 2012 e 2013, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 44.151,89 (2012) e € 28.934,15 (2013), respetivamente, com a sua consequente anulação nestas partes por afastamento indevido das deduções à colecta, atenta a manifesta ilegalidade das liquidações nestas partes, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente destas quantias, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, no que respeita a € 44.151,89 (2012), desde 31 de Maio de 2013 quanto a € 42.306,19, e desde 1 de Setembro de 2013 quanto a € 1.845,70, e contados no que respeita a € 28.934,15 (2013), desde 30 de Maio de 2014 quanto a € 27.552,10, e desde 1 de Setembro de 2014 quanto a € 1.382,05.
E o pedido subsidiário vem assim formulado:
“(...)Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas(...)”.
Ou seja: está formulado este “pedido subsidiário” não para ser tomado em consideração somente se vier a improceder o pedido principal mas apenas para a eventualidade de não ser sufragado pelo Tribunal um determinado entendimento ou interpretação da Lei (in casu a aplicação do artigo 90º, do CIRC, às tributações autónomas).
Não há assim, em sentido formal e próprio, um verdadeiro pedido subsidiário.
De todo o modo, a apreciação de tal matéria foi já feita supra, transcrevendo-se, no essencial, o seguinte:
“(...)A questão essencial não está em saber se as tributações autónomas são ou não IRC sendo claro que a liquidação das tributações autónomas se efetua com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, na verdade, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:
(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e
(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
Daqui resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.
Conclui-se daqui, se bem se entende, que não há sequer controvérsia entre as partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência à forma de proceder à liquidação, pois a AT entende, se bem entendemos, que são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas.
De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Desde logo – reafirma-se –, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral (grande parte dela citada pela própria Requerente) e das posições assumidas pela AT, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.
De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respetivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se preveem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º.
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a AT devem efetuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Ora como se deixou dito supra não se antolha qualquer violação pela AT das regras de procedimento e/ou de forma de liquidação previstas no artigo 90º, do CIRC com a desconsideração, para o efeito, das tributações autónomas liquidadas e pagas pela Requerente(...)”.
Em suma, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC, que tributa rendimentos, e, não obstante a inserção sistemática e a ligação funcional ao IRC, a verdade é que são cobradas no âmbito do processo de liquidação deste imposto sem, no entanto, perderem a sua raiz dogmática própria.
Como se refere na Jurisprudência que vimos seguindo, por apelo ao elemento lógico racional, temos que “a colecta total do IRC não seja uma realidade unitária, mas composta (…)” sendo assim, possível descortinar, no apuramento do IRC uma “colecta total do imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC (…), que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do CIRC e nos termos e modos ali referenciados”.
“A esta colecta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a colecta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adopção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do código, que configura, com é pacífica doutrina, uma norma anti abuso”.
Por outro lado os regimes do SIFIDE e do CFEI estabelecem que os mesmos são concretizados em deduções à colecta do IRC. Ao fazer essa referência expressa está o legislador a reportar-se à colecta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas, precisamente porque não entram no apuramento nem do lucro tributável, nem da matéria colectável, e, como consequência, não concorrem para a colecta do IRC, nem mesmo do IRC liquidado ou do IRC a pagar/recuperar (cfr. CASALTA NABAIS, O Dever Geral de Pagar Impostos, p. 541). O resultado das tributações autónomas, repete-se, apurado de forma autónoma, não concorre para a colecta do IRC, pelo contrário, há-de acrescer ao IRC liquidado para efeitos de apuramento do valor a pagar ou a recuperar, o que consubstancia um resultado bem diferente.
Atenta a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir, sob pena de subversão da ordem de valores, a dedução de benefícios fiscais, sob pena de descaraterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir, quer com tais incentivos, quer com as tributações autónomas.
Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à colecta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente o pretende. Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a colecta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso, estão em causa o SIFIDE e o CFEI) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.
Finalmente, seguindo a doutrina do Acórdão Arbitral n.º 722/2015-T, seria de concluir, reafirma-se, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE e do CFEI à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (OE para 2016), ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, que passa a ter o seguinte conteúdo: “21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.
Na tese que se sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC com o conteúdo mencionado, limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes, como ficou demonstrado pelo raciocínio supra exposto. O que dispensa a aplicação retroactiva daquela norma.
Daqui se conclui ser aplicável às tributações autónomas o artigo 90º, do CIRC, mas com sujeição às especificidades descritas e que não permitem a dedução à colecta das importâncias das respetivas taxas.
III DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa mencionada e que recusou a anulação da parte ilegal, de autoliquidações de IRC identificadas nos autos e produzidas pelas taxas de tributação autónoma, dos exercícios de 2012 e 2013;
b) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dessas autoliquidações nas partes correspondentes aos montantes de € 103.370,88 (2012) e € 154.043,98 (2013);
c) Julgar prejudicado o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao reembolso desses montantes e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios;
d) Julgar prejudicado, nos termos mencionados, pela apreciação e decisão do pedido principal o pedido formulado nos seguintes termos: “(...)caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas(...)”.
Valor do processo
De conformidade com o disposto no artigo 306º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º - A), nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €257.414,86
Custas
Nos termos dos artigos 12º nº 2, 22º nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em €4.896,00, a cargo da Requerente.
Lisboa, 7 de outubro de 2016
O Tribunal Arbitral Colectivo,
José Poças Falcão
(Presidente)
Hélder Faustino
(Árbitro Adjunto)
José Carreira
(Árbitro Adjunto)
[1] Cfr. a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.
[2] Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto para vigorar entre 2006 e 2010, Lei n.º 55-A /2010, de 31 de Dezembro (artigo 133.º) institui o SIFIDE II a vigorar entre 2011 e 2015, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
[3] O SIFIDE II passou a vigorar a partir de 2011 com a introdução de algumas alterações à legislação que o tornam ainda mais atrativo para as empresas. A Lei do Orçamento do Estado para 2011 – Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterado posteriormente pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, veio instaurar o SIFIDE II, que veio substituir o SIFIDE, com o objetivo de continuar a aumentar a competitividade das empresas, apoiando os seus esforços em I&D. O Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarias II, a vigorar no período de 2013 a 2020, visa apoiar as actividades de Investigação e de Desenvolvimento, relacionadas com a criação ou melhoria de um produto, de um processo, de um programa ou de um de um equipamento, que apresentem uma melhoria substancial e que não resultem apenas de uma simples utilização do estado atual das técnicas existentes.