Decisão arbitral
Os árbitros Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), (designado pelos outros Árbitros), Dr. Patrick Dewerbe e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-04-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, LDA., pessoa colectiva n.º…, com sede na Avenida …, n.º…, …-… Lisboa, (doravante designada como "Requerente" ou "A…"), veio, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ("RJAT"), dos artigos 99.s e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário ("CPPT") e dos n.ºs 1 e 2 alínea d) do art. 95.º da Lei Geral Tributária ("LGT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a anulação da Decisão de Indeferimento proferida em sede de Recurso Hierárquico e anulação dos actos tributários de liquidação adicional de IVA n.º…, no montante de €288.962,80, e de liquidação de juros compensatórios n.º … no montante de €44.397,35.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente designou como Árbitro o Dr. Patrick Dewerbe, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-02-2016.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima.
Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 05-04-2016.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 21-04-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
Em 15-06-2016, realizou.se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e acordado em que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Não há obstáculos à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
· A Requerente A…, LDA., é uma sociedade por quotas, iniciou a actividade em Maio de 2005, com o objecto social de “Arquitectura, construção, reconstrução, administração, compra para revenda de prédios urbanos ou rústicos, bem como administração, criação e exploração de estabelecimentos comerciais, industriais e hoteleiros, obras públicas, elaboração de estatutos e projectos de engenharia”, CAE…, encontrando-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal com periodicidade trimestral;
· A Requerente foi criada com o objectivo de adaptar e construir o “…”, para a B… (B…), localizado no prédio urbano sito na Av…, número…, Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … em Lisboa, sob o artigo…;
· No exercício de 2009, a actividade da A… restringiu-se a serviços de direcção e contrato da obra realizada no imóvel, referido, propriedade da B…;
· No ano de 2005, a Requerente subcontratou a empresa “C…, Lda.” para que esta efectuasse as obras de adaptação e construção do …;
· Ainda durante o ano de 2005, a C… emitiu oito facturas, em nome da Requerente, no montante global de € 1 663 893,66, incluindo IVA no montante de € 282.328,66, descriminadas no quadro seguinte:
· Ainda em 2005, a Requerente contabilizou na rubrica do seu balanço, de produtos e trabalhos em curso o valor de 1 381 565,00 euros e, na demonstração de resultados, considerou a mesma importância como variação de produção positiva, equivalendo a um resultado nulo;
· A Requerente deduziu integralmente, no ano de 2005, o montante do IVA que incidiu sobre as referidas facturas, num total de € 282 328,66;
· Ainda em 2005, a Requerente facturou à B… (B…), o seguinte:
· Ainda no ano de 2005, a obra foi embargada pelo Departamento de Gestão Urbanística … da Câmara Municipal de Lisboa e os trabalhos de construção foram suspensos;
· Em Maio de 2009, foi celebrado novo contrato entre a B… e a A…, através do qual foi resolvido o contrato anterior e a A… restituiu à B… os montantes anteriormente pagos, na importância total de € 1.725.000,01 (incluindo € 288.962,79 de IVA), e emitiu 7 notas de crédito a anular as correspondentes facturas de 2005;
· No ano de 2009, a Requerente mantinha na rubrica do balanço de existências de produtos e trabalhos em curso, o valor dos € 1 381 565,00;
· Na declaração periódica de IVA de 2009/12T (último trimestre do ano de 2009), a Requerente inscreveu no campo 40 de regularizações de imposto a favor do sujeito passivo, o valor de € 288 962,79;
· Não houve nem há qualquer processo contencioso entre a Requerente e a C… relativo aos factos referidos;
· A obra que foi efectuada incluiu demolições e construção de estruturas;
· A Autoridade Tributária e Aduaneira levou a cabo uma acção inspectiva à Requerente, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2013…/…, de 11-07-2013, da Direcção de Finanças de Lisboa;
· Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
II.2 - Motivo, âmbito e incidência temporal
A presente ação de inspeção, de âmbito parcial (alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT)), incidiu sobre o ano de 2009, em sede de IVA, e ao ano de 2010 em sede de IRC, à Sociedade A…, com sede na Ava…, nº … …-… Lisboa (cfr anexo 2).
O SP foi objeto de seleção local (ação de controlo da situação tributária global), na sequência da ação inspetiva a uma comunidade religiosa designada por "B…", doravante designada por B…, com o NIPC…, que solicitou a restituição do IVA, ao abrigo do Dec Lei nº 20/90, e que tem os sócios comuns. Em consequência, foram abertas as ordens de serviço atrás referidas, com o código PNAIT 1…, Ações de controlo da situação tributária global, externa, parcial, pessoas coletivas.
(...)
II.3.7 Enquadramento da atividade exercida pela A…
(...)
No decorrer da análise do pedido de restituição do IVA, por parte da B…, esta foi questionada via e-mail, por estes serviços de inspecão, sobre a efetivação dos trabalhos e emissão das Notas de Crédito ao que foi respondido "as anulações não respeitaram a facturas de obras efectivamente realizadas no imóvel, e que as facturas emitidas consubstanciaram adiantamentos por conta da realização de obras que não chegaram a ser efectuadas, daí a resolução do contrato entre a B… e a A... "
Questionada a A… sobre os motivos para a não regularização dos inputs das facturas emitidas por C…, dado que os outputs foram regularizados pelas Notas de Crédito, e o seu valor continuava em existências finais de produtos e trabalhos em curso, esta respondeu: "Sobre esta matéria ainda que se tenha observado a anulação das facturas emitidas pela A… à B…, o mesmo não pode acontecer entre a A… e a C…, na medida em que a última deixou de estar disponível para prestar serviços à A…/B…, inclusivamente, todo e qualquer contacto neste sentido, constitui-se sem sucesso, tendo a C… entrado em incumprimento dos seus deveres contratuais, desconhecendo-se a sua localização societária. No entanto, a A… procedeu ao pagamento de todas as facturas emitidas pela C… (...), com excepção da factura nº…, datada de 19 de Dezembro de 2005, no valor de € 152.357,15, cuja liquidação não foi efectuada pela A…, dado que, à data, esta já tinha tomado conhecimento da inexistência do paradeiro da sociedade C… . Não obstante, importa ainda referir que no momento dos factos, não foi iniciado qualquer processo de contencioso por parte da B…, em virtude dos fundamentos éticos inerentes à organização religiosa, uma vez que, tratando-se de uma organização … de promoção da paz e da não conflitualidade, não promoveu qualquer acção contra a antedita sociedade C….'(cfr anexo 9)
(...)
III.1 – IVA de 2009
DEDUÇÕES INDEVIDAS
Foram analisadas as regularizações do IVA a favor do sujeito passivo, e os respetivos documentos que as suportam, e verificou-se que estas regularizações tinham por base a emissão de 7 notas de crédito, que anulam 7 faturas do mesmo valor. (cfr anexos 7 e 8).
Estas faturas tinham sido emitidas, em 2005, à B…, com a discrição de "Pagamento por Conta da Construção do …", no montante global de 1.725.000,00 euros, e que tinham por base a sub-contratualização dos serviços de construção da C…, na importância de 1.663.893,66 euros.
Em 2005 a A… liquidou IVA no montante de 288.962,79 euros, que 4 anos depois, em 2009, regulariza a seu favor, através da emissão das Notas de crédito (cfr anexo 8) a seguir indicadas, sendo que o beneficiário, B…, não é um sujeito passivo de IVA, e como tal não vai entregar este IVA ao Estado.
Tendo presente o facto que deu origem à regularização de IVA - resolução do contrato entre B… e A…, constata-se que não tem enquadramento no artº 78º do Código do IVA, com o seguinte fundamento:
Apesar do contrato inicial de obras ter sido realizado entre a B…, A… e a C…, em 2009, a sua resolução foi só entre as duas primeiras entidades, ou seja o subempreiteiro da obra não interveio nesta resolução.
Não houve devolução de quaisquer bens ou mercadorias, nem foi neste exercício regularizado a conta de existências de produtos e obras em curso.
Acresce ser naturalmente inviável a restituição recíproca das prestações contratuais em causa, tendo havido a conclusão de parte da obra acordada, conforme consta do descritivo das faturas emitidas pela C… .
Mas mesmo que esta obra não tivesse sido terminada, entrou para a esfera patrimonial da A… por via da rubrica do balanço "produtos e trabalhos em curso".
Como foi reconhecido pela A…, não foi intentada contra a C… qualquer ação judicial para o cumprimento da obrigação contratual, ou para a devolução das prestações já pagas, pelo que, também não houve, uma tentativa de recuperar este IVA a jusante.
Pelos motivos indicados, e por não ter enquadramento no artº 78º do CIVA, que se refere às regularizações de IVA, deve ser corrigida a declaração periódica de 200912T, retirando o montante de 288.962,79 euros, do campo 40, regularização a favor do sujeito passivo.
· Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IVA n.º …, de 14-01-2014, relativa ao período 2009-12T, no valor de € 288.962,79 e a liquidação de juros compensatórios n.º…, da mesma data, no valor de € 44.397,35;
· Em 30-05-2014, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações referidas;
· A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 31-10-2014, do Senhor Director de Finanças Adjunto em regime de substituição, manifestando concordância com uma informação, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
Assim, no que respeita a esta matéria, pode colher-se do competente relatório da fiscalização, constante de fls. 53 a 67, mais concretamente de fls. 62/63, a fundamentação que está subjacente às liquidações em apreço, que corroboramos na íntegra, dai que, para não nos repetirmos e tornar-nos mesmo prolixos, a damos aqui por totalmente reproduzida, para todos os devidos e legais efeitos, de onde se pode colher, de forma inequívoca, que a5 regularizações do IVA, levadas a efeito pela Reclamante, não podem ser subsumidas na previsão do artigo 78º do CIVA, mais concretamente no seu nº 2.
Isto porque, estando na génese das referidas regularizações, a emissão das notas de crédito por parte da ora Reclamante à B…, fruto da resolução em 2009, do contrato celebrado em 2005, entre estas últimas entidades e a sociedade C…, conforme se colhe de fls. 22 (sendo certo que no contrato de resolução apenas intervieram as duas primeiras entidades, vide fls. 29/30), as condições que levaram a esta mesma resolução, já se verificavam muito antes, mais precisamente em finais do ano de 2005, tal como referido pela Reclamante, daí que esta, nessa data, já tinha conhecimento da inexistência do paradeiro da sociedade C…, razão pela qual, já não efetuou o pagamento da sua fatura nº … datada de 19-12-2005.
E, a ser assim, não podiam aquelas mesmas entidades, ao abrigo do seu livre arbítrio, procederem à resolução do citado contrato apenas em 2009, ou seja, quase quatro anos depois da celebração do contrato resolvido, já que, para efeitos fiscais, essa resolução devia ser contemporânea com a data em que se verificaram as condições para tal, ou seja, em finais do ano de 2005 tal como reconhecido pela ora Reclamante, daí ter sido violado o nº 2 do citado artigo 78º do CIVA, com todas as consequências legais daí advenientes, maxime a consideração das mencionadas regularizações ilegais, porque efetuadas ao arrepio do direito ao tempo positivado.
Aliás, tal situação já se verificava (ou seja, a violação do n.º 2 do artigo 78º do CIVA), aquando da efetiva regularização do imposto a favor do sujeito passivo no montante de € 288.962,79, na medida em que, tendo presente, não só a data em que foi resolvido o contrato (04-05-2009), como também a data da emissão da primeira nota de crédito (04-05-2009), e ainda o que prescreve o nº 2 do já mencionado artigo 78º do CIVA, quanto ao período em que se deve verificar tal regularização (até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação), pelo menos as regularizações que têm subjacente as notas de crédito 1 a 5 (do quadro constante de fls. 62 dos presentes autos), são ilegais, porque efetuadas em período diferente do prescrito pelo legislador fiscal.
Quanto à alegada dupla tributação/duplicação de coleta, entendemos, que também aqui não assiste razão à ora Reclamante, porquanto, quer a doutrina quer a Jurisprudência dos nossos tribunais superiores (vide a titulo de exemplo o Ac do STA de 04-05-2011 – Processoº n.º 33/11-30, consultável "in http://www dgsi pt"), que defendem que [do ponto de vista da lei, por falta das três identidades do conceito legal de duplicação de coleta (idêntico tributo pelo mesmo facto tributário e pelo mesmo período de tempo sobretudo pelo modus operandi, próprio do funcionamento do IVA como sistema de "crédito de imposto", o IVA que uma sociedade tenha feito constar de faturas por ele emitidas, só por ela é devido e, uma vez que tenha sido pago, não transforma em "duplicação de colecta/dupla tributação", a dívida de IVA própria de outro sujeito passivo.], tudo porque, não se pode falar aqui, no antes citado instituto jurídico de duplicação de coleta/dupla tributação, quando o sujeito passivo não é o mesmo, nem existe unicidade do facto tributário.
Destarte, por tudo quanto temos vindo de expender, entendemos que a presente Reclamação Graciosa deve ser indeferida, na sua totalidade, com todas as consequências legais advenientes de tal facto, maxime manter na ordem jurídico tributária, as liquidações em apreço, porque, a nosso ver legais, na medida em que as mesmas não padecem do(s) vício(s) que lhe é/são apontado(s) pela ora Reclamante.
· Em 09-12-2014, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que veio a ser indeferido por despacho de 29-10-2015, do Senhor Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que manifestou concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
2 - Apreciação do Recurso Hierárquico
17. No presente recurso hierárquico está em análise a legalidade da regularização de imposto efetuada pela Recorrente, no período 2009-12T, no valor de € 288.962,79. Esta regularização tem origem em sete notas de crédito por si emitidas a favor da B…, entre 2009-05-04 e 2009-11-03, respeitantes a faturação relacionada com a empreitada de construção do… .
18. Considera-se que a argumentação apresentada pela Recorrente reveste pouca credibilidade face às práticas de faturação e pagamento que pautam o setor da construção civil e à documentação contabilística emitida na execução do contrato de empreitada em questão.
19. Na realidade, afigura-se verdadeiramente anómalo que um dono de obra ou um seu intermediário (como é afirmado ser a Recorrente) proceda ao pagamento de € 1.381.565,00 ao empreiteiro como adiantamento de trabalhos a realizar, ainda mais se tivermos em conta o preço global da empreitada em questão.
20. Acresce que, analisada a descrição da faturação emitida pelo empreiteiro (C…) à Recorrente, resulta evidente que estão em causa prestações de serviços e fornecimentos de bens efetivamente realizados e não adiantamentos.
21. Por sua vez, a faturação emitida pela Recorrente à B…contém a descrição de "Pagamento por conta da Construção do …", não porque estejam em causa adiantamentos, mas sim por se tratar, essencialmente, do redébito do pagamento efetuado ao empreiteiro, como é afirmado, aliás, na petição de recurso.
22. Desta forma, a faturação anulada pelas notas de crédito diz respeito a operações efetivamente realizadas e que, como tal, estão sujeitas a tributação em sede de IVA. Toda a prova existente aponta para este entendimento, não tendo a Recorrente logrado provar a sua tese contrária, omitindo apresentar qualquer documentação respeitante à execução da obra.
23. Resulta, assim, claro que não estavam reunidos os requisitos previstos no n.º 2 do art.º 78.º do CIVA, inexistindo, designadamente, anulação ou redução do valor tributável da operação por decorrência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, devolução de mercadorias ou concessão de abatimentos e descontos.
24. Como é evidente, para efeitos desta norma, a rescisão contratual que permite a regularização respeita àquela que se verifica antes da realização dos trabalhos contratados, não tendo qualquer aplicação nas situações em que as operações tributadas são efetivamente realizadas, ainda que posteriormente haja um contencioso entre as partes acerca da execução desse contrato.
25. Ou seja, a anulação das faturas só seria legítima se as operações que titulam não se tivessem realizado, o que não é o caso. Isso resulta, aliás, da norma, a qual se refere a anulação ou redução do valor tributável da operação, ou seja, a uma situação em que a fatura compreende mais trabalhos do que aqueles que foram concretizados.
26. Aliás, independentemente da pretendida anulação de parte da faturação, subsistiria sempre a obrigação de liquidação e entrega do imposto referente aos trabalhos realizados, porquanto, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do CIVA, a tributação não depende da emissão de fatura.
27. Para além disso, ainda que as operações tituladas pelas faturas não se tivessem realizado na íntegra, as notas de crédito com fins anulatórios teriam de refletir a medida exata das operações não realizadas, o que, como é óbvio, não se verificou.
28. Demonstra a improcedência da pretensão apresentada a argumentação da Recorrente segundo a qual procedeu-se à anulação de toda a faturação da obra e admitir, simultaneamente, que houve uma pequena percentagem de construção realizada, pois, nestas circunstâncias, as notas de crédito têm de ser consideradas inadmissíveis na sua totalidade.
29. Se fosse de crer no alegado, e não se crê, não poderia ser anulada a parte da faturação que corresponde a trabalho efetuado, cabendo à Recorrente o ónus de proceder à faturação da obra em consonância com o nível de execução dos trabalhos.
30. A esta impossibilidade legal de regularização não obsta o facto da anulação das faturas ter correspondido à vontade dos intervenientes, pois as obrigações de liquidação de imposto e os requisitos de regularização não estão na disponibilidade das partes, ainda para mais estando em causa operações entre sujeitos passivos com relações especiais nos termos do n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC.
31. Acresce que, ainda que estivessem reunidas as condições previstas no n.º 2 do art.º 78.º do CIVA, a regularização tem de ser efetuada "até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável".
32. Ora, tendo o acordo de resolução entre a B… e a Recorrente sido celebrado em 2009-05-04, nos termos da norma citada, a regularização só poderia ser realizada até ao final do período de imposto seguinte, ou seja, 2009-09-30. O que significa que as notas de crédito …/2005, de 2005-10-18, …/2005, de 2005-11-18 e …/2005, de 2005-11-20, foram emitidas para além do prazo previsto no CIVA.
33. Também não tem fundamento a invocação de duplicação de coleta, não decorrendo esta da circunstância de ter sido considerada indevida a regularização do IVA liquidado e, posteriormente, ter sido indeferido o pedido de restituição do IVA liquidado (apresentado pela B…).
34. Aliás, o indeferimento do pedido de restituição teve por base outros motivos, designadamente a extemporaneidade, a circunstância de (na alegação da B…) os trabalhos de construção não terem chegado a realizar-se e não ter sido apresentada uma estrutura de custos, respeitante a serviços de direção e controlo da obra, que justifique o IVA suportado.
35. Resulta evidente que não há duplicação de coleta, para efeitos do n.º 1 do art.º 205.º do CPPT, na medida em que os factos tributários são diferentes, sendo a liquidação de IVA devida por diferentes contratos de empreitada, ocorridos em períodos de imposto distintos.
V-DIREITO DE AUDIÇÃO
36. Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, deve ser assegurado ao contribuinte o "direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições". No entanto, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito, "tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado".
37. E de acordo com o n.º 3 do art.º 60.º da LGT, o indeferimento do recurso hierárquico, com base nos fundamentos expostos, não carece de audição prévia, porquanto, não tendo sido invocados factos novos, a Recorrente já teve oportunidade de exercer esse direito no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, tendo sido notificada para o efeito pelo ofício n.º…, de 2014-09-22, da Direção de Finanças de Lisboa.
VI - CONCLUSÃO
38. Em conclusão, sem que haja lugar a audição prévia da Recorrente, propõe-se o indeferimento do recurso hierárquico interposto do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, de 2014-10-31, que indeferiu a reclamação graciosa n.º …2014…, relativa à liquidação adicional de IVA n.º…, de 2014-01-04, do período 2009-12T, no valor de € 288.962,79 e à liquidação de juros compensatórios n.º…, da mesma data, no valor de €44.397,35.
· Não foi efectuada notificação da Requerente para exercício do direito de audição antes da decisão do recurso hierárquico;
· Em 02-02-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e nos que fazem parte do processo administrativo.
Não há factos não provados com relevância para a decisão da causa.
3. Matéria de direito
A instituição religiosa B… contratou a Requerente A… a finalidade de adaptar um edifício existente no n.º … da Av …, em Lisboa, com vista à construção de um … destinado ao culto da instituição religiosa.
A Requerente A… celebrou com a empresa C…, Lda. um contrato e empreitada para a execução dos trabalhos de construção civil.
Foram realizados trabalhos pela C… que, em 2005, emitiu 8 facturas à Requerente no total de € 1.663.893,66 [€ 1.331.565,00 + € 282.328,66 de IVA].
Nesse mesmo ano, a Requerente emitiu 7 facturas à B… perfazendo um total de € 1.725.000,01 (€ 1.463.037,22 + € 288.962,79 de IVA], a título de pagamentos por conta da adaptação e construção do templo.
Por ser uma instituição religiosa isenta de IVA, a B… solicitou a restituição do IVA suportado nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 20/90.
Ainda nesse ano, a Requerente mantinha no balanço o valor de € 1.381.565,00 relativo a produtos e trabalhos em curso.
Em Maio de 2009, ocorreu resolução do contrato entre a B… e a Requerente, tendo esta anulado as 7 facturas emitidas em 2005, no valor total, de € 1.725.000,01 (€ 1.463.037,22 + € 288.962,79 de IVA] e emitido à B…, entre 04-05-2009 e 03-11-2009, 7 notas de crédito correspondentes às referidas facturas e tendo inscrito na declaração periódica de IVA de 2009/12T (último trimestre do ano de 2009), a no campo 40 de regularizações de imposto a favor do sujeito passivo, o valor de € 288 962,79.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito de uma inspecção, entendeu que esta regularização não é admissível, à face do artigo 78.º do CIVA, porque:
– apesar do contrato inicial de obras ter sido realizado entre a B…, A… e a C…, em 2009, a sua resolução foi só entre as duas primeiras entidades, ou seja o subempreiteiro da obra não interveio nesta resolução;
– não houve devolução de quaisquer bens ou mercadorias, nem foi neste exercício regularizado a conta de existências de produtos e obras em curso;
– acresce ser naturalmente inviável a restituição recíproca das prestações contratuais em causa, tendo havido a conclusão de parte da obra acordada, conforme consta do descritivo das facturas emitidas pela C…;
– mas mesmo que esta obra não tivesse sido terminada, entrou para a esfera patrimonial da A… por via da rubrica do balanço "produtos e trabalhos em curso".
– como foi reconhecido pela A…, não foi intentada contra a C… qualquer ação judicial para o cumprimento da obrigação contratual, ou para a devolução das prestações já pagas, pelo que, também não houve, uma tentativa de recuperar este IVA a jusante.
Na decisão do recurso hierárquico, que consubstancia a posição final da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a fundamentação da liquidação, baseou-se o indeferimento, em suma, no seguinte:
– a facturação anulada pelas notas de crédito diz respeito a operações efectivamente realizadas e que, como tal, estão sujeitas a tributação em sede de IVA;
– não estavam reunidos os requisitos previstos no n.º 2 do art.º 78.º do CIVA, inexistindo, designadamente, anulação ou redução do valor tributável da operação por decorrência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, devolução de mercadorias ou concessão de abatimentos e descontos;
– para efeitos desta norma, a rescisão contratual que permite a regularização respeita àquela que se verifica antes da realização dos trabalhos contratados, não tendo qualquer aplicação nas situações em que as operações tributadas são efectivamente realizadas, ainda que posteriormente haja um contencioso entre as partes acerca da execução desse contrato;
– ou seja, a anulação das facturas só seria legítima se as operações que titulam não se tivessem realizado, o que não é o caso. Isso resulta, aliás, da norma, a qual se refere a anulação ou redução do valor tributável da operação, ou seja, a uma situação em que a factura compreende mais trabalhos do que aqueles que foram concretizados;
– independentemente da pretendida anulação de parte da facturação, subsistiria sempre a obrigação de liquidação e entrega do imposto referente aos trabalhos realizados, porquanto, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do CIVA, a tributação não depende da emissão de factura;
– ainda que as operações tituladas pelas facturas não se tivessem realizado na íntegra, as notas de crédito com fins anulatórios teriam de reflectir a medida exacta das operações não realizadas, o que não se verificou;
– não poderia ser anulada a parte da facturação que corresponde a trabalho efectuado, cabendo à Recorrente o ónus de proceder à facturação da obra em consonância com o nível de execução dos trabalhos;
– ainda que estivessem reunidas as condições previstas no n.º 2 do art.º 78.º do CIVA, a regularização tem de ser efectuada "até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável", o que não aconteceu;
– não há duplicação de colecta, para efeitos do n.º 1 do art.º 205.º do CPPT, na medida em que os factos tributários são diferentes, sendo a liquidação de IVA devida por diferentes contratos de empreitada, ocorridos em períodos de imposto distintos.
Nas suas alegações, a Requerente defende o seguinte, em suma:
– constitui objecto da presente relação controvertida a apreciação da (i)legalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IVA e liquidação de juros compensatórios resultantes da ação inspectiva levada a cabo pela AT;
– para efeitos de determinação dessa (i)legalidade apenas releva a “fundamentação contemporânea do acto”;
– a AT fundamentou o acto tributário ora impugnado com base numa errónea aplicação do artigo 78.º do Código do IVA;
– a decisão do recurso hierárquico não foi precedida de possibilidade de a Requerente exercer direito de audição, apesar de nele terem sido invocados factos novos;
– a decisão do recurso hierárquico não se pronunciou sobre esses factos novos o que constitui omissão de pronúncia de que resulta preterição de formalidade essencial;
– ocorreu violação dos princípios do inquisitório e da verdade material por a Autoridade Tributária e Aduaneira não ter realizado diligências para apurar da impossibilidade de contactos com a C… alegada pela Requerente, para efeito de tentativa de recuperação de IVA;
– não é exigível à Requerente apurar se a C… procedeu à entrega do imposto liquidado;
– a regularização ocorreu como consequência da resolução contratual entre a B… e a Requerente e devolução da totalidade dos montantes que aquela entregara à Requerente;
– a regularização em crise encontra, fundamento no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA;
– para efeitos da resolução do contrato, contrariamente ao invocado pela AT, não é exigida a intervenção do subempreiteiro (C…), pois com este há uma relação jurídica distinta, que se extinguiu automaticamente por caducidade, na sequência da resolução do contrato;
– foi impossível à Requerente contactar a C…, para tentar recuperar o IVA pago a esta;
– tal contacto não é requisito necessário para a regularização de IVA no âmbito da relação distinta entre a Requerente e a B…;
– com a resolução contratual acordada pela B… e pela Requerente ocorreu, conforme exige o n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, a “anulação da operação ou redução do valor tributável em consequência de (...) resolução (...) do contrato”, com devolução dos montantes pagos pela B… à Requerente;
– nos termos do n.º 5 do artigo 78.º do CIVA a devolução do IVA deve ocorrer, mediante regularização da situação da situação, quando estamos perante, como in casu, um interveniente na operação tributária de IVA que seja sujeito passivo que não pode deduzir o imposto, o que sucede com a B…, por se tratar de uma entidade religiosa que realiza operações que não conferem direito à dedução, beneficiando, isso sim, do regime de restituição do IVA previsto no Decreto-Lei n.º 20/90, de 13 de Janeiro;
– atenta a natureza a inexistência de regularização do IVA na subempreitada é irrelevante, pois não alterava a situação tributável da Requerente, que deduziu o IVA liquidado pela C…;
– a aplicação do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, era o único procedimento legalmente possível tendo em consideração a resolução do contrato entre a Requerente e a B… que é uma alteração superveniente na realidade (i.e. resolução contratual) que determina a rectificação da operação tributável;
– a base tributável (1.436.037,35€) foi anulada, dada a devolução para a B… dos montantes pagos;
– a regularização ocorreu tempestivamente, na Declaração Periódica de 2009/12T, porquanto foi nesta altura que se verificaram “(...) as circunstâncias que determinaram a anulação" (artigo 78.º, n.º 2, in fine do CIVA) e a extinção da empreitada só ocorre com a respectiva resolução, a qual ocorreu, precisamente, no decurso de 2009;
– não é necessária devolução de bens ou mercadorias para aplicação do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, quando se verificou a resolução contratual e aquela era impossível por se tratar de prestação de serviços de construção civil, de gestão, coordenação e direcção das obras realizadas pela C…;
– só com a conclusão das obras de construção e sua adaptação a …, é que se pode considerar cumprida a obrigação e, consequentemente, concluída a obra;
– entendendo a AT que parte das obras foi concluída, então, ao invés de anular a totalidade da regularização do imposto podia, isso sim, ser parcialmente anulada a regularização efectuada pela Requerente (de modo proporcional às obras alegadamente concluídas), mas, no caso, não se podia concluir que as obras tivessem sido sequer parcialmente executadas;
– o posterior contrato de prestação de serviços celebrado para efeitos de construção e adaptação do Templo tem implícita a construção total, pois, as anteriores "obras" foram meramente preparatórias (escavações, demolições, montagem de andaimes, etc.);
– no novo contrato foi acordado o pagamento do preço apenas “após a data da conclusão de todos os trabalhos a realizar”.
3.1. Fundamentação dos actos relevante
A Requerente coloca, em primeiro lugar, nas suas alegações, a questão da fundamentação relevante para apreciação da legalidade dos actos impugnados.
Como refere a Requerente, no artigo 44.º do pedido de pronúncia arbitral, o objecto imediato do processo é a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado e o objecto mediato do são os actos tributários praticados na sequência da acção inspectiva levada a cabo pela AT, motivados pela (alegada) indevida regularização do IVA, nos termos do artigo 78.º, n.º 2 do CIVA.
Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Está-se, assim, no âmbito de um contencioso de mera legalidade, em que se tem de apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral.
Assim, não pode o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a actuação da Administração Tributária poderia basear-se noutros fundamentos e deixar de declarar a ilegalidade do concreto acto praticado por, eventualmente, existir a possibilidade abstracta de um hipotético acto com conteúdo decisório total ou parcialmente idêntico, com outra fundamentação, que seria legal, mas não foi praticado. ( [1] )
No entanto, nos casos de impugnação administrativa (nomeadamente de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação), se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação se a fundamentação inicial era ilegal), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação. Naturalmente que, se o acto que decide a impugnação administrativa alterar o conteúdo decisório do acto impugnado, nomeadamente revogando-o parcialmente, estar-se-á também perante revogação por substituição, só permanecendo na ordem jurídica o acto inicial na parte não revogada, com a fundamentação que resultar do acto que aprecia a impugnação.
Aliás, a posição da Requerente ao imputar vícios procedimentais à decisão do recurso hierárquico sintoniza-se com este entendimento, pois, logicamente, esses alegados vícios apenas podem ser fundamento de anulação dos actos praticados na sequência do procedimento em que ocorrerem (no caso o de recurso hierárquico) e não fundamento de anulação de actos praticados anteriormente.
Assim, está em causa apreciar a legalidade dos actos de liquidação, com a fundamentação que lhe foi dada na decisão do recurso hierárquico.
Por outro lado, nos casos em que os actos impugnados têm mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo) não basta para concluir pela existência de ilegalidade susceptível de justificar a anulação do acto que algum deles seja ilegal desde que haja um que lhe dê suporte legal, pois «o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto». ( [2] )
3.2. Falta de notificação para exercício do direito de audição antes da decisão do recurso hierárquico
O primeiro vício que a Requerente imputa à decisão do recurso hierárquico é ao de não ter sido notificada para exercer o direito de audição.
O artigo 60.º da LGT enuncia o princípio da participação, reconhecendo o direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito.
Na alínea b) do seu n.º 1, reconhece-se aos contribuintes o «direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições».
Porém, no n.º 3 do mesmo artigo 60.º limita-se tal direito, estabelecendo-se que «tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado».
A Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, defende que, no caso dos autos, não se está perante uma situação de dispensa do direito de audição, pois «foram invocados novos elementos em sede de Recurso Hierárquico», e refere que «a título de exemplo - e, sem dúvida, com grande importância - foi invocado, ao longo dos artigos 57.º e ss. do Recurso Hierárquico, o facto da B… ter tentado a resolução da situação por mútuo acordo, bem como - e mais relevante – a invocação e demonstração de que, em momento algum, e como consequência da regularização do IVA, o Estado Português foi lesado em matéria de IVA».
Porém, a os factos novos sobre os quais o contribuinte não se tenha pronunciado a que se refere o n.º 3 do artigo 60.º, são factos novos invocados na decisão procedimental e não os factos invocados pelos contribuintes, pois quanto a estes, sendo eles que os invocaram, obviamente, que tiveram oportunidade de sobre eles se pronunciarem.
Nas suas alegações, a Requerente já não fala daqueles «factos novos», passando a referir-se à invocação de um argumento (ou vício) novo que é a duplicação de colecta (artigos 14.º a 17.º das alegações).
No entanto, constata-se que a duplicação de colecta já havia sido invocada pela Requerente anteriormente e tinha sido apreciada na decisão da reclamação graciosa, pelo que é manifesto que teve oportunidade de se pronunciar sobre ela antes da decisão do recurso hierárquico.
Não ocorreu, assim, indevida dispensa da possibilidade de exercício do direito de audição.
3.3. Violação do princípio do inquisitório e da verdade material
A Requerente imputa às liquidações impugnadas violação dos princípios do inquisitório e da verdade material, previstos nos artigo 58.º da LGT e 6.º do RCPIT, porque «entendendo a AT que deveria ser comprovada a “tentativa de recuperação do IVA a jusante” (i.e. pela C…) – e perante a impossibilidade da REQUERENTE em contatar com esta, conforme, de resto, foi enfatizado e demonstrado em sede de produção de prova testemunhal – deveria a AT ter realizado todas as diligências necessárias».
Diz ainda a Requerente que «a AT, por força das suas funções, terá mais informações sobre o “paradeiro” societário da C… do que a própria REQUERENTE e, em particular, estaria, claramente, em melhor posição para apurar se a C… procedeu à entrega do imposto liquidado».
Na decisão do recurso hierárquico, que, como se referiu, constitui a posição final da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a fundamentação das liquidações impugnadas não se faz qualquer referência a tentativa de recuperação de IVA a jusante.
Por outro lado, quanto a essa afirmação, que é feita no Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira a TAD não se refere à tentativa de recuperação de IVA pela C…, mas sim a tentativa de recuperação pela Requerente como se percebe inequivocamente pela frase: «não foi intentada contra a C…qualquer ação judicial para o cumprimento da obrigação contratual, ou para a devolução das prestações já pagas, pelo que, também não houve, uma tentativa de recuperar este IVA a jusante».
Tratava-se, assim, na perspectiva da Autoridade Tributária e Aduaneira, de um facto provado a inexistência de uma tentativa de recuperação do IVA pela Requerente, pelo que não se justificava que fizesse diligências relativamente a essa matéria.
Não ocorreu, assim, violação dos princípios do inquisitório e da verdade material, relativamente aos factos considerados relevantes no Relatório da Inspecção Tributária.
3.4. Referência no Relatório da Inspecção Tributária à não intervenção da C… na resolução do contrato
No Relatório da Inspecção Tributária referiu-se que «apesar do contrato inicial de obras ter sido realizado entre a B…, A… e a C…, em 2009, a sua resolução foi só entre as duas primeiras entidades, ou seja, o subempreiteiro da obra não interveio nesta resolução».
Não é clara a relevância que a Autoridade Tributária e Aduaneira deu à não intervenção da C… na resolução, designadamente não se referindo que, por não haver essa intervenção, a resolução não produziu os seus efeitos. Aliás, a frase que se segue àquela é «Não houve devolução de quaisquer bens ou mercadorias», o que deixa transparecer que a referência à não intervenção da C… possa estar relacionada com a constatação desta não devolução: isto é, concluiu-se que não houve devolução de bens ou mercadorias por a C… não ser abrangida pela resolução.
No entanto, é certo que, como refere a Requerente, a intervenção da C… não era necessária para a resolução produzir os seus efeitos em relação à Requerente e à B…, uma vez que está em causa apenas a regularização de IVA respeitante às facturas emitidas pela Requerente a B… .
De qualquer forma, o certo é na decisão do recurso hierárquico, que como se referiu contém a fundamentação relevante dos actos impugnados, não e feita qualquer referência à não intervenção da C…, pelo que é de concluir que ela não é um fundamento da manutenção das liquidações impugnadas.
Assim, não se detecta neste ponto qualquer vício.
3.5. Questão do enquadramento da situação no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA
É esta a questão essencial que é objecto do presente processo.
O artigo 78.º, n.º 2, do CIVA estabelece o seguinte:
Artigo 78.º
Regularizações
(...)
2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.
(...)
A Requerente entende que a situação descrita se enquadra na previsão desta norma, tendo sido com fazendo a sua aplicação e que emitiu as notas de crédito à B… e, depois, inscreveu no campo 40 da declaração periódica de IVA de 2009/12T, relativo a regularizações de imposto a favor do sujeito passivo, o valor de € 288 962,79.
No entendimento da Requerente, com a resolução contratual acordada com a B… ocorreu, conforme exige o n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, a “anulação da operação ou redução do valor tributável em consequência de (...) resolução (...) do contrato”, com devolução dos montantes pagos pela B… à Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu na decisão do recurso hierárquico que esta norma não é aplicável à situação em preço porque estão em causa prestações de serviços e fornecimentos de bens efectivamente realizados e não adiantamentos e que dizendo respeito a facturação anulada pelas notas de crédito a operações efectivamente realizadas, elas estão sujeitas a tributação em sede de IVA. Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira que «a rescisão contratual que permite a regularização respeita àquela que se verifica antes da realização dos trabalhos contratados, não tendo qualquer aplicação nas situações em que as operações tributadas são efectivamente realizadas, ainda que posteriormente haja um contencioso entre as partes acerca da execução desse contrato».
É correcta esta posição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
A obrigação de liquidar/repercutir o IVA nasce da realização do facto tributário – a transmissão de bens (artigo 3.º, n.º 1, do CIVA) ou a prestação de serviços (artigo 4.º, n.º 1, do CIVA] – que determina essa liquidação/repercussão ao destinatário e estabelece o direito do Estado a exigir (artigo 7.º, n.º 1, do CIVA) ao sujeito passivo fornecedor [artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 2.º, n.º 1, alínea a), do CIVA] o IVA correspondente ao valor tributável (artigo 16.º, n.º 1, do CIVA) da operação, obrigação que deverá ser cumprida independentemente das condições estabelecidas entre as partes que intervêm na operação. Este princípio está consagrado no artigo 36.º, nºs 2 e 4, da LGT, segundo os quais os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade dos particulares, independentemente das suas consequências jurídico-privadas.
A liquidação/repercussão desempenha um papel fundamental no funcionamento do IVA, já que constitui o instrumento que assegura que o IVA seja suportado pelos consumidores finais, seus destinatários, ainda que a obrigação da sua entrega ao Estado seja da competência dos operadores económicos que efectuam as operações sujeitas ao imposto.
Deste modo, nas sucessivas entregas de bens ou prestações de serviços que ocorram numa cadeia de produção ou distribuição de bens ou serviços, a liquidação/repercussão do IVA garante que qualquer dos operadores económicos que nela intervêm proceda à cobrança do IVA junto do destinatário das mesmas, em simultâneo com o preço ou a contraprestação das operações que efectuam.
Este mecanismo da liquidação/repercussão compagina-se com o direito à dedução, evitando que, em geral, os citados operadores económicos tenham que assumir como um gasto o IVA suportado nas suas aquisições.
Deste modo, na gestão do imposto, as figuras da liquidação/repercussão e do direito à dedução garantem o papel dos operadores económicos como agentes de cobrança do imposto, que assim o entregam ao Estado, embora, acabe por ser suportado pelos consumidores finais, através da ação conjunta das referidas figuras.
Quando um sujeito passivo participa numa prestação de serviços agindo em seu nome mas por conta de outrem, considera-se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão, como decorre do artigo 28.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 (“DIVA"), com a que esta em sintonia no artigo 4.º, n.º 4, do CIVA.
No caso em apreço, quando ocorreu a resolução do contrato, a C…, Lda. já tinha facturado à Requerente pelos trabalhos efectivamente realizados e esta já tinha facturado à B… pelos serviços efectivamente prestados.
Nas prestações de serviços, o facto gerador do IVA ocorre no momento em que os serviços são executados [artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do CIVA].
Resulta da prova produzida que os débitos efectuados pela “C…, Lda.” e os correspondentes pagamentos da Requerente, por um lado, e bem assim os débitos efectuados pela Requerente e os correspondentes pagamentos da B…, por outro lado, dizem respeito a trabalhos efectivamente executados, discriminados nas facturas. A própria Requerente, embora refira que as obras realizadas foram meramente preparatórias, não deixa de reconhecer que foram efectuadas «escavações, demolições, montagem de andaimes, etc.» (artigos 17.º e 168.º do pedido de pronúncia arbitral).
Consequentemente, o Estado tem o direito a exigir o IVA correspondente a esses trabalhos de construção civil na data em que as respectivas facturas foram emitidas, pois «nas transmissões de bens e prestações de serviços de carácter continuado, resultantes de contratos que dêem lugar a pagamentos sucessivos, considera-se que os bens são postos à disposição e as prestações de serviços são realizadas no termo do período a que se refere cada pagamento, sendo o imposto devido e exigível pelo respectivo montante» (artigo 7.º, n.º 3, do CIVA, na linha do artigo 64.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).
Assim, nos casos de anulação ou rescisão do contrato, o fornecedor só pode regularizar o IVA que tenha liquidado/repercutido por força do contrato, quando nenhuma operação tenha sido efectuada em relação com o débito do IVA.
Na verdade, se tiver ocorrido o consumo dos bens ou serviços objecto da transacção, não se pode entender que, para efeitos de IVA, essa transacção tenha ficado sem efeito desde o momento em que ocorreu esse acto de consumo, ainda que, do ponto de vista do Direito Civil, se possa chegar a uma conclusão diferente no que respeita à anulação ou rescisão do contrato. Para efeitos de IVA, deve entender-se que aquele consumo ocorreu com a colocação dos bens à disposição do cliente ou com a efectiva realização dos serviços ao seu destinatário.
Tratando-se de transmissões de bens, para que a transacção fique sem efeito, total ou parcialmente, tem que ocorrer, em princípio, a devolução dos bens correspondentes. No contexto destas operações, o relevante é que os bens deixem de estar na posse do adquirente ou destinatário da sua entrega inicial.
No caso das prestações de serviços, não se pode considerar que a operação tenha ficado sem efeito na medida em que os serviços tenham sido realizados efectivamente, originando, desse modo, correspondentes actos de consumo. Para efeitos de IVA, a anulação ou resolução do contrato exige que os serviços não tenham sido e deixem de ser prestados, cessando os efeitos práticos do contrato de prestação de serviços.
É neste sentido que se tem pronunciado o TJUE, como pode ver-se pelo ponto 36 do acórdão de 02-07-2015, proferido no processo n.º C-209/14, em que se refere que «resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, fora dos casos de anulação ou resolução dos contratos, no qual as partes voltam à situação em que se encontravam antes da celebração do contrato e em que o sujeito passivo já não dispõe do seu crédito, o artigo 90.º, n.º 1, da Diretiva IVA visa apenas as situações nas quais a contraparte no contrato não cumpre ou cumpre apenas parcialmente uma obrigação que resulta desse contrato (v., neste sentido, acórdão Almos Agrárkülkereskedelmi, C‑337/13, EU:C:2014:328, n.ºs 23 e 24)».
No caso em apreço, na sequência da resolução do contrato, as partes não voltaram à situação em que se encontravam antes da sua celebração, pois foram realizados trabalhos cujos resultados se mantiveram na esfera jurídica da B…, pelo que a regularização admitida pelo artigo 90.º, n.º 1, da Directiva IVA apenas pode ser efectuada na medida em não ocorreu cumprimento das obrigações resultantes do contrato.
Assim, a Requerente não tem direito à regularização que efectuou, na medida em que os trabalhos foram realizados, porque, para efeitos de IVA, a B… beneficiou de serviços concretos que lhe foram prestados pela Requerente e que configuram actos de consumo daquela. Quando o contrato foi resolvido já se tinham produzido vários factos tributários, diversos actos de consumo, e efectuados os respectivos pagamentos pelo destinatário.
No entanto, apenas se provou que foram executados trabalhos no valor de € 1.381.565,00, valor facturado pela C… (a que corresponde IVA no valor de € 282.328,66), e que era mantido em 2009 no balanço de existências de produtos e trabalhos em curso da Requerente e não no valor de € 1.436.037,22 (a que corresponde IVA no valor de € 288.962,79) que foi facturado pela Requerente à B… .
Na verdade, as datas das facturas emitidas pela Requerente à B… são anteriores às datas das facturas emitidas pela C… à Requerente, o que indica que aquelas primeiras facturas foram, como consta da sua descrição, «pagamentos por conta da Construção do …», efectuados antes dos trabalhos estarem facturados pela C…, pelo que não se pode concluir, com base no facto de a B… ter efectuado aqueles pagamentos, que tivessem sido executados trabalhos desse valor pago antecipadamente.
A dúvida sobre a realização de trabalhos no valor que foi pago antecipadamente deve ser valorada processualmente a favor da Requerente, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, o que se reconduz a que, para a efeitos da decisão, se considere que tais trabalhos correspondentes à diferença entre o valor pago antecipadamente pela B… e os que foram facturados pala C… à Requerente não foram realizados e o seu resultado não entrou na sua esfera jurídica.
Assim, na medida em que não foram executados trabalhos, a resolução do contrato viabiliza a regularização de IVA nos termos do artigo 78.º, n.º 2, do CIVA.
Por isso, a decisão do recurso hierárquico e a liquidação de IVA são parcialmente ilegais, por violação do artigo 78.º, n.º 2, do CIVA, na parte correspondente à diferença, que é de € 6.634,13, entre o IVA correspondente ao valor dos trabalhos executados (€ 282.328,66) e o que foi liquidado pela Requerente à B…(€ 288.962,79).
A anulação parcial é admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do acto, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial.
Na verdade, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido, em geral, que os actos de liquidação, por definirem uma quantia, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles actos, no art. 100.º da LGT, ao prever a procedência parcial de meios processuais impugnatórios (como, anteriormente, previa o art. 145.º do Código de Processo Tributário de 1991). ( [3] )
Termos em que procede parcialmente o pedido de pronúncia arbitral com este fundamento, quanto ao valor de € € 6.634,13, que corresponde a 2,2958% da liquidação de IVA.
3.6. Questão da intempestividade da regularização
A Autoridade Tributária e Aduaneira invocou a intempestividade parcial da regularização efectuada pela Requerente relativamente às notas de crédito n.ºs …/2005, de 2005-10-18, …/2005, de 2005-11-18 e …/2005, de 2005-11-20.
Assente que a regularização efectuada pela Requerente tem cobertura legal no artigo 78.º, n.º 2, do CIVA quanto ao valor de € 6.634,13, que é abrangido pelo valor da nota de crédito n.º …/2005, de 04-05-2009, tem de se concluir que a regularização quanto a essa quantia foi tempestiva.
Consequentemente, fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação do requerimento de reenvio prejudicial para o TJUE que a Requerente coloca a este propósito nas suas alegações.
3.7. Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios
Nos termos do artigo 35.º, n.º 8, da LGT, «os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados».
Assim, tendo a liquidação de juros compensatórios como fundamento a liquidação do IVA, a respectiva liquidação enferma também de ilegalidade parcial, na parte correspondente à ilegalidade da liquidação do IVA.
No caso em apreço, o valor dos juros compensatórios que corresponde à quantia cuja regularização foi legalmente efectuada é de € 1.019,29.
4. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronuncia arbitral;
b) Anular a liquidação adicional de IVA n.º…, no valor de € 288.962,80, na parte correspondente a € 6.634,13;
c) Anular a liquidação de juros compensatórios n.º…, no valor de € 44.397,35, na parte correspondente a € 1.019,29.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 333.360,15.
Lisboa, 11-10-2016
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Patrick Dewerbe)
(Vencido conforme declaração junta)
(Emanuel Augusto Vidal Lima)
Declaração de Voto
Voto vencido pelas seguintes razões:
1) Quanto à matéria de facto, considero ter ficado provado que o contrato de prestação de serviços não foi cumprido e que os trabalhos efetuados parcialmente não possuem valor económico quando individualmente considerados, facto que levou a que um novo contrato tivesse que ser feito na sua totalidade.
2) Quanto à matéria de direito, considero que não tendo os serviços sido prestados na sua totalidade, poderia haver lugar à aplicação do disposto no Artigo 78.º do CIVA, a menos que se considere que as prestações de serviços em geral, por não poderem ser restituídas, nunca são elegíveis para efeitos do regime de regularizações previsto e regulado no Artigo 78.º do CIVA, o que não me parece ser a melhor interpretação. A este respeito existe extensa jurisprudência do TJUE formada e consolidada sobre o tema das regularizações de IVA, no sentido de esclarecer que:
a. Ao estabelecer que o IVA faturado indevidamente é devido, o artigo 203.° da Diretiva do IVA visa eliminar o risco de perda de receitas fiscais que pode decorrer do direito à dedução por parte do adquirente dos bens ou serviços;
b. A Diretiva IVA não contém nenhuma disposição sobre a regularização, pelo emitente da fatura, de IVA indevidamente faturado – caberá, portanto, aos Estados‑membros determinar as condições em que este IVA pode ser regularizado;
c. Para assegurar a neutralidade do IVA, compete aos Estados‑membros prever, na sua ordem jurídica interna, a possibilidade de regularização de qualquer imposto indevidamente faturado, desde que o emitente da fatura demonstre a sua boa‑fé;
d. Nos casos em que o emitente da fatura tiver eliminado por completo, em tempo útil, o risco de perda de receitas fiscais, o princípio da neutralidade do IVA exige (i) que este imposto indevidamente faturado possa ser corrigido, designadamente por factos verificados a posteriori, (ii) sem que esta regularização possa ser subordinada pelos Estados‑membros à boa‑fé do emitente da referida fatura, i.e., sem que a regularização dependa do poder de apreciação discricionário da administração fiscal;
e. No caso em apreço o risco de perdas de receitas fiscais está devidamente salvaguardado pelo facto da ... não ter podido deduzir o IVA na sua esfera.
3) Considero ainda que a matéria essencial a discutir no presente caso para além da matéria de facto, é a relativa à verificação, ou não, do cumprimento pela Requerente dos prazos de regularização estabelecidos no Artigo 78.º do CIVA, sendo que a este respeito é a própria Autoridade Tributária que considera que apenas as regularizações relativas às facturas n.ºs 6, 7 e 8 foram feitas para além do prazo, sendo que todas as outras o foram dentro do prazo.
4) Finalmente, de um ponto de vista da neutralidade do imposto, a não aceitar-se a regularização efetuada pela ..., verifica-se que a mesma transação deu lugar à entrega em duplicado do IVA, primeiro na esfera da ... e depois na esfera da ....
Lisboa, 12 de Outubro de 2016
Patrick Dewerbe
( [1] ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;
– de 19-06-2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289;
– de 09-10-2002, processo n.º 600/02;
– de 12-03-2003, processo n.º 1661/02.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».
( [2]) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.
Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável».
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[3] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-5-94, processo n.º 18048, AP-DR de 23-12-96, página 1709; de 9-7-97, do Pleno, processo n.º 5874; de 28-10-98, processo n.º 22603, AP-DR de 6-4-2001, página 351; de 17-2-99, processo n.º 22299; de 22-9-99, processo n.º 24101; de 16-3-2003, processo n.º 1973/02; de 27-9-2005, processo n.º 287/05; de 12-1-2011, processo n.º 583/10; de 12-1-2012, processo n.º 965/10.