DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Paulino Brilhante Santos e Henrique Fiúza, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 26 de Novembro de 2015, A… S.A., contribuinte n.º…, com sede na …, Apartado …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2010, no montante de 209.268,70 €, bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão de acto tributário, que teve aquele como objecto.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que apurou e suportou, indevidamente, a título de Tributações Autónomas, o montante de 209.268,70 €, relativas a despesas incorridas com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas e despesas de representação, que não deveriam ter sido sujeitas a tributação atenta a sua essencialidade e indispensabilidade para a obtenção dos rendimentos tributáveis da Requerente e o seu caráter “empresarial”, dado que foram incorridas com o propósito de promover e gerar maiores vendas da marca da Requerente.
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No dia 27-11-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 21-01-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 08/02/2016.
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No dia 15-03-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.
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No dia 06-06-2016, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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Foi prorrogado o prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A ora Requerente é uma empresa cuja atividade principal consiste, entre outros, no comércio de veículos automóveis.
2- A ora Requerente encontra-se sujeita ao Regime Geral de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), sendo a sociedade dominante do perímetro de entidades e que integra as seguintes sociedades:
a. B…, S.A. (NIPC:…);
b. C… – Instituição Financeira de Crédito, S.A. (NIPC:…);
c. D…, Unipessoal Lda. (NIPC:…);
d. E…, Unipessoal Lda. (NIPC:…).
3- Relativamente ao período de tributação de 2010, na qualidade de sociedade dominante, a ora Requerente procedeu à entrega da correspondente declaração de rendimentos de substituição (Modelo 22 de IRC).
4- Na sequência da apresentação de declaração de rendimentos de substituição, foi emitida a liquidação n.º…, da qual resultou um montante de IRC a pagar de 0,00€ e o total a pagar de 594.562,14 €, pago pela Requerente.
5- O total a pagar inclui o montante de 226.063,52 € relativo a tributações autónomas, conforme campo 365 da Decl. Mod. 22 de IRC, as quais eram referentes a:
a. 53.926,05 € - relativos a despesas de representação; e
b. 155.342,65 € - correspondentes a gastos com viaturas ligeiras de passageiros.
6- E ainda a tributações autónomas no montante de 15.440,39 € e 1.354,43 €, as quais são relativas, respetivamente, a despesas não documentadas e gastos com ajudas de custo e compensações por deslocações em viatura própria dos trabalhadores, ao serviço da entidade patronal.
7- Posteriormente, a Requerente considerou que, no que respeita aos montantes de tributação autónoma, foi apurado e suportado um montante superior ao que seria efectivamente devido, no montante de 209.268,70 €, relativo a despesas incorridas com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas e despesas de representação, pelo que a Requerente apresentou pedido de revisão de acto tributário, que foi indeferido.
8- Do despacho de indeferimento referido consta, para além do mais, que:
“O tipo de encargos que o legislador, naquela norma, consignou como dedutíveis patenteia desde logo que não está aqui em causa uma questão de presunção da não empresarialidade dos encargos sujeitos a tributação autónoma, uma vez que estes, quando sujeitos a tributação autónoma nos termos da lei, têm precisamente como pressuposto a sua prévia dedutibilidade e concreta concorrência para a formação da base tributável ainda na estrita instância do núcleo do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas”;
“à data do factos (…) são desde logo autonomamente tributadas por força da sua ab initio dedutibilidade e, consequentemente, mitigação do lucro tributável apurado ainda na estrita célula do próprio imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas”.
9- As despesas de representação, bem como os encargos com viaturas que foram sujeitos, inserem-se na estratégia comunicacional e de marketing previamente definida e calendarizada pelo Grupo onde a ora Requerente se insere.
10- A organização de eventos e a utilização de viaturas visam consolidar os valores da marca F… .
11- Da mesma forma relativamente à marca G…, a utilização de viaturas, a promoção e organização de eventos e test drives visam, também, a divulgação da marca e dos respetivos valores.
12- A Requerente tinha um enfoque na construção e promoção das imagens da marca, sendo os objectivos finais de tais estratégias potenciar o contato entre as marcas e o público, angariar clientes e realizar vendas.
13- Os eventos realizados seguiram objectivos e obedeceram a parâmetros previamente definidos, visando um eficaz posicionamento face a clientes e potenciais clientes, sendo dada a importância a mensagem a passar a clientes, brindes a oferecer, aspectos como a organização do espaço, requisitos logísticos necessários, de modo a que fosse divulgada a melhor imagem possível da marca.
14- Na realização de eventos (cuja divulgação ocorreu através de diversas formas: convites, publicidade na imprensa, redes sociais, etc), eram os potenciais clientes que se deslocavam até aos mesmos.
15- O sector automóvel foi dos mais afectados pela crise financeira que se iniciou em 2008.
16- Em 2010, o Grupo no qual se insere a ora Requerente vendeu 9.010 unidades da marca F..., o que representou uma quota de mercado de 4,03%, sendo a 11.ª marca construtora em termos de quota de mercado em Portugal.
17- Relativamente à marca G… (também comercializada pela Requerente), foram vendidos 2.544 veículos, representando uma quota de mercado de 1,14%.
18- Em 2011, o número de vendas da marca F… situou-se em 7.083, e a quota de mercado subiu para 4,62%, tendo sido a 9ª marca construtora em termos de quota de mercado em Portugal.
19- Segundo os documentos relativos à estratégia de comunicação da marca, os objectivos das campanhas eram os seguintes:
a. Campanha H…: “mostrar que a oferta é uma procura a não perder (apoiar as vendas)” e “aproveitar para dinamizar a procura do N…”;
b. Campanha I…: “apoiar as vendas da gama I…”;
c. Campanhas de test drives: “ação comercial de apoio às vendas”;
d. Campanha do J…: “Gerar buzz em torno do produto e da marca”;
e. Campanhas monitorização: “Efeito multiplicador para toda a gama F…”;
f. Campanha K…: “Reposicionar o preço e promover o contacto com o produto” e “aumentar o volume de vendas”;
g. Campanha L… e M…: “Reforçar o fascínio pela marca”.
20- No exercício em análise, a Requerente suportou tributações autónomas relativas a despesas de representação no montante de € 53.926,05.
21- Tais despesas referem-se, entre outras, ao arrendamento de espaços, a gastos com publicidade, bem como despesas de catering, relacionadas com a realização de acções de promoção dos produtos comercializados pela ora Requerente, as quais visam a difusão das marcas e modelos comercializados pelo grupo, tomando em consideração o plano de marketing definido para cada um dos modelos comercializados.
22- A Requerente realizou, durante o ano de 2010, dois relevantes eventos promocionais.
23- O evento designado “Apresentação Novo I… … no ...” (cfr. Doc. 8), traduziu-se num investimento que a ora Requerente realizou, tendo o evento em apreço sido presenciado por diversos clientes e potenciais clientes, permitindo dar a conhecer ao público um novo modelo comercializado pelo Grupo, e a obtenção de contactos de potenciais clientes.
24- A realização do evento “…”, foi um evento realizado no mesmo ano e direccionado para a promoção dos produtos de outra marca comercializada pelo Grupo O…, o G… .
25- Os referidos eventos foram objecto de cobertura mediática pela imprensa.
26- Estes eventos visaram promover a marca e aumentar a quota de mercado, pela divulgação de novos modelos comercializados pelo Grupo junto do público, quer directamente (junto dos participantes nos eventos), quer indirectamente (através da divulgação eventos e dos modelos da marca junto da imprensa), sendo tais eventos são fundamentais para a difusão das marcas.
27- Através dos eventos referidos, a Requerente publicitou a marca e os respectivos produtos e, por outro lado, efectuou contactos com potenciais clientes, e vendas efectivas, quer em tempo real, quer via contactos posteriores.
28- A Requerente, no exercício aqui em causa, suportou tributação autónoma relativa a encargos com viaturas no montante de 155.342,65 €, considerando-se aqui abrangidas as despesas com viaturas nos termos do artigo 88.º, n.º 3, al. a) e b) (na redacção aplicável à data dos factos).
29- Todos os gastos com viaturas ligeiras de passageiros foram incorridos em viaturas das marcas e modelos comercializadas pela Requerente.
30- A utilização de veículos de todas as marcas e modelos comercializados pela Requerente acentuou o branding e visou a promoção da marca.
31- A Requerente visou rodar a atribuição de todos os tipos de marcas e modelos pelos seus colaboradores, numa óptica de promoção transversal das referidas marcas e modelos existentes para venda no mercado.
32- As viaturas atribuídas aos colaboradores eram passíveis de requisição para eventos de demonstração.
33- A frota agregada das Empresas D… (“D…”) e A… (“A…”), representa €129.045,94, face ao montante total da tributação autónoma com viaturas, no montante de € 155.342,65.
34- As frotas das referidas Empresas, tinham a seguinte afectação:
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A…
|
D…
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TOTAL
|
%
|
|
Outros
|
10
|
|
10
|
1,44%
|
|
Chefe Departamento
|
34
|
40
|
74
|
10,68%
|
|
Consultor
|
43
|
|
43
|
6,20%
|
|
Diretor
|
56
|
15
|
71
|
10,25%
|
|
Formador (*)
|
15
|
|
15
|
2,16%
|
|
Motorista (*)
|
1
|
|
1
|
0,14%
|
|
Parque/ Demonstração/Empréstimos (*)
|
323
|
58
|
381
|
54,98%
|
|
Técnico (*)
|
9
|
9
|
18
|
2,60%
|
|
Chefe vendas (*)
|
|
1
|
1
|
0,14%
|
|
Pracistas-Peças (*)
|
|
18
|
18
|
2,60%
|
|
Serviço 24 (*)
|
|
5
|
5
|
0,72%
|
|
Vendedor (*)
|
|
56
|
56
|
8,08%
|
|
TOTAL
|
491
|
202
|
693
|
100,00%
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
35- As rubricas identificadas com (*), representam 71,43% da frota de veículos das Empresas do Grupo, e correspondem a funções que exigem deslocações numa base diária, as quais seriam impossíveis de realizar sem veículo.
36- As viaturas identificadas como “parque/demonstração/empréstimos”, utilizadas em “pool”, foram:
a. utilizadas por potenciais clientes (em test drives);
b. utilizadas em eventos como veículos de demonstração; ou
c. foram emprestadas para serem utilizadas e circularem com cariz publicitário (por exemplo, viaturas emprestadas a figuras públicas para eventos específicos).
37- Os colaboradores comerciais da Requerente, a quem cabiam funções de visitas a concessionários, não poderiam efetuá-las em viaturas de marcas concorrentes.
38- Os colaboradores da Requerente promoveram as marcas I… e G… e contactaram clientes e potenciais clientes que se localizavam nas mais variadas zonas geográficas do País.
39- A utilização de viaturas I… e G… por parte de colaboradores com outras funções, também permitiu potenciar a exposição da marca perante o mercado.
40- A atribuição das viaturas a estes colaboradores foi definida pelo Departamento Comercial em função do posicionamento pretendido e da promoção idealizada para as marcas/gamas de veículos, cabendo àquele a definição de, por exemplo, cores das viaturas, extras, estofos, etc para as viaturas atribuídas aos colaboradores em função dos parâmetros comerciais/promocionais vigentes para determinado período/campanha.
41- Apenas foram atribuídas viaturas das marcas da Requerente porque a concessão de viaturas das marcas I… e G… aos seus colaboradores era considerada importante para o reforço da imagem institucional das marcas.
42- As viaturas ligeiras de passageiros utilizadas pelos trabalhadores da Requerente eram instrumentos de trabalho que permitiram que os referidos trabalhadores se deslocassem dentro de território nacional, cumprindo desta forma as funções a que estavam adstritos no âmbito da sua relação laboral com a Requerente.
A.2. Factos dados como não provados
1- Que os trabalhadores da Requerente que utilizaram as viaturas ligeiras de passageiros, não utilizassem as mesmas também para fins da sua vida pessoal.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Para a fixação dos factos constantes dos pontos 9 a 14, 19, 22 a 24, 26, 27, 29 a 32 e 35 a 42 foi considerado o depoimento das testemunhas inquiridas, que depuseram sobre os mesmos revelando conhecimento directo e de forma coerente, inexistido quaisquer razões para colocar em causa a sua veracidade.
Em especial, o facto dado como provado sob o ponto 21 decorre do alegado pela própria Requerente no ponto 93 do seu Requerimento inicial, onde consta que as despesas de representação em causa se referem “designadamente” ao tipo de despesas elencado no ponto em questão. Foi ainda considerado o depoimento das testemunhas inquiridas, que embora tentassem explicar que as despesas em questão respeitam exclusivamente a eventos de marketing e promoção da marca, excluindo quaisquer outras despesas da mesma natureza, incorridas noutros contextos, acabaram por reconhecer que a Requerente incorreu também em despesas referentes a refeições oferecidas por administradores e directores a clientes e outros, despesas estas que, segundo a testemunha P…, directora de finanças e contabilidade da Requerente, não estariam abrangidas pelo montante de € 53.926,05, cuja anulação é peticionada, tendo sido contabilizadas e sujeitas a tributação autónoma à parte, o que todavia se verifica não corresponder à realidade, porquanto, da análise da documentação disponível no processo, se verifica que no exercício em questão, o valor total das tributações autónomas liquidadas e pagas pela Requerente se decompõe da seguinte forma: encargos com viaturas - 155.342,65€; despesas de representação - 53.926,05€; despesas não documentadas - 15.440,39€; gastos com ajudas de custo - 1.354,43€. Daí que, manifestamente, o valor de € 53.926,05 inclua, não só despesas relacionadas com as situações elencadas no ponto 21, mas outras, como as referidas, referentes a refeições oferecidas por administradores e directores a clientes e outros.
O facto dado como não provado decorre também da prova testemunhal produzida, que reconheceu que não estava proibida a utilização pessoal das viaturas em causa, embora restrita a sua circulação a território nacional, o que, de resto, é confessado pela própria Requerente nas suas alegações (ponto 42), onde refere que “Na prática existe um “parque” de viaturas que vão sendo utilizadas pelos colaboradores, jornalistas, clientes, potenciais clientes, figuras públicas, concessionárias ou, pura e simplesmente, expostas em eventos” (sublinhado nosso).
B. DO DIREITO
i. da excepção
Previamente à discussão do mérito da causa, suscita a AT a questão da incompetência material do tribunal arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa.
Argumenta a Requerida, então, que o pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativo ao ano de 2010, formulado em 29 de Maio de 2015, ou seja, em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT, pelo que, atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, verificar-se-á a incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido.
Fundamenta a AT o seu entendimento essencialmente no disposto no artigo 2.º/a) da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, que exclui dos litígios cognoscíveis pelos tribunais arbitrais em funcionamento no CAAD, as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Entende a Requerida, face a este normativo, que o mesmo deve ser entendido na literalidade com que o lê, proscrevendo do âmbito da jurisdição arbitral tributária as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de reclamação nos termos das referidas normas do CPPT.
Toda a argumentação da Requerida na matéria, contudo, acaba por se reconduzir a sustentar que foi intenção do legislador restringir a competência da jurisdição arbitral tributária, no que ao conhecimento de ilegalidades de actos de autoliquidação diz respeito, unicamente às situações em que exista uma reclamação apresentada nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, porquanto é isso que, na sua leitura, diz no texto da norma interpretada.
Sempre ressalvado o respeito devido, não se descortina, de entre as razões oferecidas pela Requerida, uma razão substancial que explique a racionalidade do entendimento que sustenta. Efectivamente, não se vislumbra qualquer razão substancial – e a Requerida nada apresenta nesse sentido – para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos actos de autoliquidação objecto de pedido de revisão oficiosa, apresentado para lá do prazo de reclamação graciosa.
Por outro lado, mesmo uma leitura literalística da norma em questão, desde que devidamente contextualizada, não conduz inexoravelmente ao resultado defendido pela Requerida nos autos.
Com efeito, a expressão empregue pela norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da assumida, e pacificamente reconhecida, intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.
A norma em causa deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação directa de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia.
Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela Requerida, passar do 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita.
Assim, razão alguma se vê – e, uma vez mais, nenhum subsídio a Requerida dá nesse sentido – para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa” mas a “via administrativa”. Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do CPPT.
E é esta a leitura que se subscreve, na sequência do Acórdão proferido no processo 48/2012T do CAAD, e jurisprudência arbitral subsequente, bem como da doutrina que se tem formado, não se deslindando, na medida em que interpretação efectuada se contém na letra da lei, que daí possa decorrer a violação de qualquer preceito constitucional, maxime, dos indicados artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 111.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Assim, e face a todo o exposto, não assistindo razão à Requerida nesta matéria, deve a excepção incompetência do Tribunal Arbitral ser julgada improcedente.
ii. do fundo da causa
As questões que se colocam nos presentes autos, tal como, de resto, foram expressamente formuladas pela Requerente são as de saber, em primeiro lugar, se a norma em que assenta a tributação autónoma que aquela contesta tem subjacente uma presunção, se, em caso afirmativo, será legalmente possível ilidir tal presunção, e, por fim, se, no caso concreto, a Requerente logrou fazê-lo.
Vejamos então.
*
A tributação autónoma em questão nos presentes autos, incidiu sobre gastos da Requerente, com viaturas e despesas de representação.
A este respeito, dispunha o artigo 81.º do CIRC vigente à data do facto tributário em questão nos autos (actual artigo 88.º), no que para aqui interessa, que:
“3 - São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:
a) À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
b) À taxa de 5 %, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de emissão de CO2 sejam inferiores a 120 g/km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90 g/km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade. (...)
5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.(...)
7 - São tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.”
Assim, e em suma, o que ora se trata é de apurar a ratio legis das previsões normativa transcrita, verificar se a mesma assenta numa presunção e, em caso de resposta afirmativa, se a mesma foi, ou não, in casu, ilidida.
Estas questões foram já tratadas no âmbito do processo 628/2014T do CAAD, cuja argumentação aqui se seguirá de muito perto.
*
Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:
o Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.ºs 3, 5 e 6 do CIRS);
o Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC);
o Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC).
Esta precisão torna-se importante porquanto se entende que, atenta a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, será nesta sede não só desnecessário mas, até, contraproducente, o esforço de sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas aquelas situações.
A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos, tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.
Uma corrente forte tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.
Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[1], o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.
Naturalmente que quem considere as tributações autónomas que ora nos ocupam um tributo directamente incidente sobre a despesa, concluirá que as normas sob interpretação, do artigo 81.º, números 3/a) e 7 do CIRC vigente à data do facto tributário, não integrarão qualquer presunção, formulando, directamente, o objecto da sua incidência – a despesa.
Não se considera, todavia, que seja esse o entendimento mais correcto, entendendo-se, antes, que as tributações autónomas em causa se poderão configurar como um imposto “híbrido” , incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente, e/ou tributá-los autonomamente.
Neste quadro, as tributações autónomas ora em questão nos autos integrarão, para além do mais, o elenco de normas antiabuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do atual artigo 65.º/1 do CIRC, que dispõe que:
“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.
Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pela Requerente nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respetiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos dessa norma, ou noutros que entendesse adequados. Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém daquele, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afectado por tal dedução.
Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.
O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será, objectivamente, inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos potenciais beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento, no caso, das pessoas colectivas.
Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da atividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objectivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a actual redacção, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).
Reconhecem-se aqui, assim, aquelas características que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:
a) a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;
b) pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
c) trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efectiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
d) considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.
Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais actuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.
Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.
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Sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efectivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).
Confrontado com tal dificuldade[2], o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC[3]), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.
Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.
E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente).
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Face à conclusão que vem de se operar, cumpre então apurar se a presunção que se identificou, é, ou não, susceptível de ser ilidida.
A este propósito, dispõe o artigo 350.º/2 do Código Civil:
“As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”
Em coerência, dispõe o artigo 73.º da LGT:
“As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”.
Face ao quadro legal apontado, haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada nos artigos 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT[4], quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.
Por seu lado, a própria Administração Tributária, se assim o entender e considerar que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora[5].
Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:
a) não deduzir a despesa[6];
b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária, de discutir a questão da empresarialidade da despesa;
c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma[7].
O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.
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Aqui chegados, torna-se necessário, então, aferir se, em concreto, a presunção da norma do artigo 81.º, n.ºs 3/a) e 7, do CIRC vigente à data do facto tributário, acima determinada, foi, ou não, ilidida.
Começando pelo n.º 3, alínea a), está em causa, como a própria Requerente reconhece, viaturas que, indistintamente, “vão sendo utilizadas pelos colaboradores, jornalistas, clientes, potenciais clientes, figuras públicas, concessionárias ou, pura e simplesmente, expostas em eventos”.
Mais se verificou, resultando expressamente do depoimento das testemunhas inquiridas, que a utilização das viaturas em questão pelos colaboradores da Requerente não está limitada, exclusivamente, a finalidades profissionais, sendo permitida tal utilização na vida particular daqueles.
Daí que não se tenha provado que os trabalhadores da Requerente que utilizaram as viaturas ligeiras de passageiros, não utilizassem as mesmas também para fins da sua vida pessoal, circunstância que obsta a que se possa considerar ilidida a presunção de empresarialidade parcial das despesas em causa, que no caso se vê confirmada.
Efectivamente, e não obstante a Requerente alegar que, ao facultar aos seus colaboradores o uso das viaturas que afecta a fins publicitários e de promoção de marca, pretende prosseguir ainda tal finalidade, o certo é que, concomitantemente, está a facultar a estes um rendimento em espécie, ou seja a atribuir-lhes, genuinamente, fringe benefits.
Entende-se, deste modo, que o juízo de empresarialidade subjacente às presunções em causa é de natureza objectiva, ou seja, formulado face à situação de facto tal como ela se configura na sua globalidade juridicamente relevante, e não de natureza subjectiva, atendo-se, unicamente, ao propósito do(s) sujeito(s) passivo(s) envolvido(s).
Sob a perspectiva que se entende correcta, será, então, incontornável que ao facultar a utilização das viaturas em causa, aos seus colaboradores nas suas vidas privadas, estava também a deferir-lhes um benefício patrimonial, não tributado, facto que não podia ignorar, e colocando assim, ainda que parcialmente, o produto das despesas em causa, ao serviço de finalidades privadas e, como tal e nessa medida, não exclusivamente empresariais.
E não se diga, como ensaia a Requerente, que a utilização particular pelo funcionários daquela, visa, ainda fins empresariais de publicidade e promoção da marca.
Com efeito, e desde logo, no quadro das respectivas vidas particulares – por princípio – os funcionários da Requerente serão tão idóneos a promover as marcas desta por meio da circulação de veículos, como, à partida, qualquer outra pessoa, tanto mais que se, em muitos contextos, os referidos funcionários poderão ser reconhecidos como tal, em muitos outros não o serão.
Por outro lado, e sempre no quadro da utilização das viaturas no quadro da vida particular dos funcionários da Requerente, sendo possível que, em determinadas circunstâncias, a utilização das viaturas da Requerente possa ter para esta um retorno positivo ao nível da imagem, será muito mais normal que, na maioria das circunstâncias, tal utilização tenha um efeito neutro, não deixando também de ser possível que tenha, por vezes, um efeito negativo, como por exemplo, se forem intervenientes num acidente de viação, se forem utilizadas em meios e situações socialmente valorizadas de forma negativa, ou se forem utilizadas na prática de ilícitos[8].
Face a todo o exposto, forçoso é julgar que a Requerente não cumpriu o ónus que sobre ela impendia de ilidir a presunção de empresarialidade parcial das despesas em causa, pelo que deve, nesta parte o pedido arbitral improceder.
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No que diz respeito às despesas objecto de tributação autónoma nos termos do n.º 7 do artigo 81.º do CIRC aplicável, ficou provado que se referem ao arrendamento de espaços, a gastos com publicidade, bem como despesas de catering, relacionadas com a realização de acções de promoção dos produtos comercializados pela ora Requerente, entre outras.
Dito de outro modo, não se provou, nos termos melhor discriminados na fundamentação da matéria de facto, que as despesas em questão dissessem unicamente respeito a despesas decorrentes de eventos exclusivamente dirigidos à promoção da imagem e das marcas da Requerente, inseridos numa estratégia de marketing devidamente estruturada e proporcional ao contexto económico do operador em causa, em termos de se poder considerar demonstrado, para lá de qualquer dúvida razoável, como ocorrendo em contexto exclusivamente empresarial, não existindo margem para que os seus colaboradores, órgãos sociais, sócios ou terceiros retirem benefícios das despesas em questão para efeitos pessoais.
Neste contexto, conclui-se, então, que não será de considerar ilidida a presunção do artigo 81.º/7 do CIRC vigente à data do facto tributário, pelo que, não se demonstrando que as despesas sobre as quais incidiu a tributação autónoma em questão tiveram uma afectação 100% empresarial, não poderão as mesmas deixar de ser objecto de incidência daquela tributação.
Face ao exposto, deverá, também na parte em causa, a presente acção arbitral ser julgada improcedente e, consequentemente, mantido o acto tributário objecto do presente processo.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter o acto tributário objecto do presente processo arbitral tributário, e condenar a Requerente nas custas do processo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 209.268,70 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 08 de Outubro de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Paulino Brilhante Santos – Vencido com declaração de voto)
O Árbitro Vogal
(Henrique Fiúza)
Declaração de Voto
Na senda do Professor Doutor J. Saldanha Sanches, da melhor doutrina que o acompanha e da jurisprudência do CAAD, concordo com a possibilidade de ilidir a presunção constante do artigo 81º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) vigente à data do facto tributário conforme a decisão arbitral que fez vencimento. Adicionalmente, sublinho que a consagração neste preceito legal de uma presunção inilidível considerada como uma espécie de imposto sobre a despesa violaria as Directivas da União Europeia sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) as quais não consentem a introdução de qualquer outro imposto geral sobre a despesa nem este eventual tipo especial de imposto sobre o consumo relativo a despesas sujeitas a IVA, pelo que as tributações autónomas incidentes sobre despesas de representação e sobre gastos com viaturas automóveis, entre outras, só podem mesmo ser encaradas como parte de um mecanismo de tributação sobre o rendimento ainda que algo imperfeito ou algo enviesado como doutamente esclarece a decisão arbitral que fez vencimento. Mais decisivamente ainda, qualquer entendimento contrário violaria o disposto no artigo 104º nº 2 da Constituição da República Portuguesa que consagra o princípio e o comando legislativo que determina a tributação das empresas pelo lucro real. Creio, pois, que nenhuma interpretação do preceituado no citado artigo 81º do Código do IRC vigente à data relevante para os presentes autos – actual artigo 88º- poderia deixar de reconhecer a susceptibilidade de ilidir a presunção de empresarialidade das despesas previstas em tal norma, sob pena de uma interpretação que violaria a Constituição e o direito tributário europeu o qual prevalece sobre o direito fiscal interno português.
Todavia, é meu entendimento que a Requerente, in casu, logrou efectivamente cumprir o ónus da prova a que se encontrava obrigada, assim tendo conseguido ilidir a presunção do então vigente artigo 81º do Código do IRC que vigorava ao tempo do facto tributário destes autos, contrariamente à douta decisão arbitral que fez vencimento.
Relativamente às viaturas usadas pela Requerente, ficou provado que os colaboradores não estão autorizados a utilizar quaisquer marcas ou modelos de qualquer espécie que não sejam os comercializados pela Requerente ou por empresas do Grupo. Atentos os preços consideravelmente mais elevados de tais viaturas face a marcas e modelos similares disponíveis no mercado e às trocas frequentes de viaturas que os colaboradores da Requerente são obrigados a fazer consoante os interesses comerciais da Requerente a cada momento, por ocasião do lançamento ou promoção de uma ou outra marca ou modelo, não parecem restar muitas dúvidas de que tais automóveis são usados para a promoção de tais marcas ou modelos. Acresce que não existe uma afectação de uma dada viatura a qualquer dado colaborador da Requerente especifica e concretamente identificado pelo que não se pode falar de um benefício económico claramente pessoal e identificável, contrariamente à situação comum de atribuição de automóvel como parte de remuneração (em espécie) a trabalhadores.
Segundo entendo, no marketing moderno, vigora o princípio e a prática de que cada colaborador de uma empresa é o rosto desta perante o público pelo que se compreende bem que sejam os colaboradores da Requerente os primeiros a serem chamados a promover e a exibir as viaturas comercializadas pela Requerente e empresas do seu Grupo. A douta decisão arbitral que fez vencimento sustenta que em alguns casos, tais esforços, relativamente a colaboradores menos zelosos podem ter um resultado neutro ou até mesmo negativo, no caso de colaboradores com comportamentos profissionais e ou pessoais desviantes ou até mesmo criminosos. É certo que nem mesmo uma empresa e grupo empresarial como o liderado pela Requerente poderá estar ao abrigo de um ou outro colaborador menos zeloso e inclusivamente de um ou outro esporádico colaborador com comportamentos impróprios, negativos e ou, no limite, criminosos. Mas se este caso se situa, deste modo, no campo comportamental, deve também reconhecer-se que a Requerente, sendo a grande empresa multinacional que é, certamente coloca a maior atenção e cuidados na selecção dos seus colaboradores para evitar que pessoas menos zelosas e sobretudo pessoas com propensão a comportamentos negativos, desviantes e criminosos sejam contratados e promoverá decerto o seu afastamento relativamente aquelas poucas que tiverem logrado passar no crivo da sua apertada selecção de recursos humanos. Em todo o caso, haverá que convir que em termos de gestão estaremos certamente a ponderar a excepção e seguramente não a regra. No planeamento e na gestão da Requerente a obrigação dos seus colaboradores consiste na promoção e divulgação das marcas e modelos de automóveis comercializados pelo seu Grupo empresarial e pela maior visibilidade de tais viaturas e a estrutura altamente profissional da Requerente assegura-se de que em regra tal sucederá, salvo inerentes percalços sempre inerentes à imprevisibilidade humana e da vida. Não creio, por isso, que este único argumento da falibilidade ínsita em todos os planos e na melhor gestão possa servir, por si só, como argumento para demonstrar que a Requerente não logrou satisfazer o ónus da prova que lhe competia.
De resto, o principal uso dos automóveis matriculados pela Requerente e outras empresas do seu Grupo nem sequer, conforme prova testemunhal que se reputa de fidedigna, estão relacionados com os colaboradores da Requerente ou das empresas do Grupo. Antes se relacionam com ensaios de condução para clientes ou potenciais clientes (“test drives”), eventos de promoção de marcas e modelos, demonstrações de viaturas, viaturas usadas em vendas e serviços de pós vendas e assistência técnica, eventos em autódromos e cedência de viaturas a jornalistas para efeitos de promoção das mesmas em órgãos de comunicação social. A este respeito, a douta decisão arbitral que fez vencimento é totalmente omissa. Ora, estes outros usos das viaturas são essenciais e o carácter empresarial das inerentes despesas, amplamente provado pela Requerente quer documentalmente quer por via de testemunhos que não foram postos em causa é indiscutível.
É minha convicção que a Requerente demonstrou que consistindo a sua actividade comercial na venda de viaturas, o uso que faz de automóveis ligeiros não pode deixar, no caso concreto de deixar de se considerar como tendo um objectivo claramente empresarial, não podendo ser confundido com o uso pessoal de veículos ainda que acessoriamente tal possa beneficiar os seus colaboradores, pelas razões acima invocadas. Ao decidir de outra forma apenas pelo facto da “pool” de viaturas afectas a tais finalidades de promoção das marcas e modelos de automóveis comercializados pela Requerente e empresas do seu Grupo, a douta decisão que fez vencimento não atendeu a esta especificidade da actividade comercial principal da Requerente.
Como considero ainda que a Requerente esclareceu que a rubrica de despesas de representação, tendo sido expurgada de verbas que poderiam ser sujeitas a tributação autónoma, se referia a despesas com eventos, incluindo arrendamentos de espaços e despesas de catering em eventos, todas devidamente orçamentadas em planos de marketing, contabilizadas com rigor e cujos resultados em termos comerciais foram mesmo avaliados pelo seu departamento de marketing. À data da audiência não foram suscitadas no momento oportuno quaisquer dúvidas ou questões relevantes a este respeito, sendo certo que ao tribunal arbitral caberia esclarecê-las. Os factos alegados pela Requerente quanto a estas despesas de representação foram, de resto, admitidos por acordo, dado que em momento algum, desde o processo administrativo até aos presentes autos, nunca foram impugnados pela Autoridade Recorrida. Assim e na ausência quer de impugnação quer do exercício do poder inquisitório do tribunal arbitral, não se entende como se não aceita o testemunho, aliás julgado idóneo, produzido como prova em audiência.
Formei a convicção que a Requerente ao usar a expressão “designadamente” ou “entre outras” apenas quis expressar que entre as despesas com testes de condução, viagens para dar a conhecer os automóveis comercializados pela Requerente, promoção de eventos de divulgação de novos modelos de automóveis e outras acções similares de marketing, incluiu, entre as despesas mais significativas, o arrendamento ou aluguer de espaços, despesas de catering e custos associados aos automóveis envolvidos em tais acções e eventos, havendo ainda outras despesas menores contabilizadas que não terão sido detalhadas. Todavia, creio que a Requerente tratou tais outras despesas como do mesmo tipo ou natureza e não como despesas de representação típicas sujeitas a tributação autónoma que devesse discriminar e sujeitar a esta tributação específica.
Mas ainda que se pudesse considerar esta parcela de despesas de representação como de mais difícil prova, as despesas com viaturas automóveis num valor correspondente a cerca de dois terços do pedido formulado pela Requerente na sua douta PI deveriam ser sempre consideradas como procedentes por provadas pelo que, ao menos parcialmente, deveria, face ao antecedentemente exposto, o pedido da Requerente, nem que fosse parcialmente, deveria ter sido julgado procedente por provado (ainda que, em meu entender, o devesse ter sido pela totalidade).
Admite-se que de futuro a Requerente devesse ter um maior rigor na contabilidade analítica de despesas que, como a própria douta decisão que fez vencimento parece reconhecer, poderão, pese embora a sua caracterização como despesas relativas a viaturas automóveis e a despesas de representação, admitem prova em contrário quanto ao seu carácter empresarial, sobretudo atendendo à especificidade da actividade económica da Requerente e das empresas do seu Grupo consistente precisamente no comércio de veículos automóveis. Todavia, creio que ofereceu prova documental e testemunhal bastante para satisfazer o ónus da prova que sobre a Requerente impedia a fim de ilidir a presunção do artigo 81º do Código do IRC vigente à data do facto tributário- actual artigo 88º do mesmo diploma legal.
A questão essencial dos presentes autos tem, contudo, dividido profundamente a doutrina e a jurisprudência, pelo que a douta decisão que fez vencimento ficará, decerto, como mais um contributo relevante para o debate em curso sobre esta temática cuja resolução se situa numa fronteira quer técnico-jurídica quer de análise da satisfação do ónus da prova reconhecidamente árdua e de difícil resolução.
Esta foi, salvo sempre melhor opinião, a minha posição de vencido sobre a matéria dos presentes autos.
(Paulino Brilhante Santos)
(Vogal)
[1] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292-2013T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.
[2] Note-se que dificilmente se justificaria, que com base nesta dificuldade de prova, se impedisse a mesma, dizendo-se, no fundo, ao interessado, que como lhe será muito difícil fazer a prova da medida/exclusividade da utilização empresarial, está impedido de a fazer.
[3] A discricionaridade do processo legislativo licenciaria que o legislador aplicasse o mesmo mecanismo que entendeu adequado para as despesas a favor de sociedades off-shore, a outras despesas, designadamente as aqui em questão.
[4] Sendo certo que a norma em questão será, sem dúvida, uma norma de incidência tributária objectiva, já que prevê que determinados factos – os gastos com determinados bens que se presumem de afectação mista (empresarial e particular) – implicam uma determinada obrigação de imposto.
[5] Em tal caso, de resto, dever-se-á entender que o montante eventualmente liquidado a título de tributação autónoma deverá ser anulado, e qualquer montante pago restituído/compensado, assim se afirmando, também por esta via, a patente imbricação das tributações autónomas com o regime do IRC, que integram.
[6] Não se está aqui a sustentar, evidentemente, que as tributações autónomas são optativas. Antes, o que o será (num certo sentido, pelo menos) é a classificação ou não de determinado encargo como dedutível, na medida em que o mesmo pressupõe a sua necessidade para a manutenção da fonte produtora, e tal juízo compete, em primeira linha, ao sujeito passivo (neste sentido, cfr. p. ex. o Ac. do STA de 30-11-2011, proferido no processo 0107/11, disponível em www.dgsi.pt).
Não se trata aqui, de igual modo, de sugerir que se possam “omitir despesas”. Efetivamente, a contabilização de determinado encargo como não dedutível implica, justamente, a sua relevância na contabilidade, que é, precisamente, o oposto da sua omissão.
[7] Esta admissibilidade não será contraditória com o reconhecimento, atrás feito, de que a presunção subjacente ao art.º 81.º/3 do CIRC vigente à data do facto tributário (actual 88.º/3), assenta num juízo de dificuldade de prova. Com efeito, a circunstância de se lograr num caso concreto uma prova difícil, não significará que a mesma não seja, por regra, difícil, e isto mesmo que no caso concreto tenha sido fácil tal prova. Ou seja, uma excepção não invalida a regra, sendo certo que até pode não ser excepção, por se ter, com efectiva dificuldade, logrado a prova.
[8] Como por exemplo, contraordenações rodoviárias ou até crimes, como condução em estado de embriaguez ou condução perigosa.