Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 598/2015-T
Data da decisão: 2016-10-18  IRC  
Valor do pedido: € 155.138,00
Tema: IRC/2010 – Competência do Tribunal Arbitral; Prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral; Contrato de prestação de serviços e assistência técnica Vs. contrato de transmissão de know how; Royalties; Retenção na fonte (artigos 88º-1 e 3, 4º-3/c)-1) e 4º-4, do CIRC); Convenção entre Portugal e Alemanha para evitar a dupla tributação (Lei nº 12/82, de 3/6).
Versão em PDF

 

 

 

                                                                                                                                            

Acórdão

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Professor Doutor Luís Menezes Leitão e Dr. José Carreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-11-2015, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

A…, LDA. – abreviadamente A…- , pessoa colectiva n.º … com sede na Rua …, n.º…, …, à qual corresponde o Serviço de Finanças de … (código…) (doravante, “Impugnante”), ao abrigo dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que institui a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária (de ora em diante “RJAT”), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, prescindindo da faculdade de designar árbitro.

 

Objeto do pedido

Pede a Requerente que este Tribunal declare ilegal e anule o ato tributário de liquidação adicional de Retenções na Fonte de IRC (e respetivos juros compensatórios), identificado com o n.º 2010…, referente ao período de tributação de 2008, o qual deu origem a imposto a pagar no valor de € 155.138,80 e condene ainda a Requerida (AT) no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, com as demais consequências legais.

 

Fundamentação sumária do pedido – Os factos alegados

Alega a Requerente, no essencial:

Desenvolve a atividade de produção e comercialização de capas, espumas, estofos e estruturas metálicas para assentos de automóveis (C.A.E. …– R3), encontrando-se enquadrada, para efeitos de IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (de ora em diante “RETGS”), como sociedade dominante.

Do perímetro de consolidação do seu grupo fazem, ainda, parte as sociedades B… S.A., pessoa colectiva nº…, C…SA, D… Lda. E E…, Unipessoal Lda., todas conjuntamente designadas de ora em diante como “Grupo”.

Através do Oficio n.º…, de 12 de Fevereiro de 2010, a Impugnante foi notificada de que iria ser iniciada uma ação inspetiva, a qual começou no dia 10 de Março de 2010 e terminou no dia 25 de Novembro de 2010.

Nessa sequência, em 2 de Dezembro de 2010, através do Ofício n.º…, a Impugnante foi notificada do Projeto de Conclusões do Relatório de Inspeção.

Posteriormente, em 21 de Fevereiro de 2011, a Impugnante foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (de ora em diante “Relatório Final”), no qual se propunham correções técnicas à matéria coletável do exercício de 2008 (nenhumas correções sendo efeituadas ao exercício de 2007).

Essas correções eram de dois tipos diferentes: por um lado, era efetuada uma correção em sede de preços de transferência, no montante de € 2.171.001,90 e, pelo outro, era efetuada uma correção em sede de royalties no montante de € 142.561,50.

A AT decidiu, então, proceder à emissão de duas liquidações distintas,

O ato de liquidação que ora se impugna (a Liquidação) resulta da correção efetuada em sede de royalties.

A Impugnante foi notificada da Liquidação em 30 de Dezembro de 2010, a qual originou um valor a pagar de € 155.138,80, com data limite de pagamento de 31 de Janeiro de 2011.

Na mesma data, foi notificada a “Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios”, Compensação n.º 2012…, com a referência ao cálculo dos juros compensatórios.

Em 10 de Fevereiro de 2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da Liquidação.

Nessa sequência, não tendo procedido ao pagamento da Liquidação, a Impugnante prestou, em 27 de Abril de 2011, garantia bancária no valor de € 197.029,05 (cento e noventa e sete mil e vinte e nove Euros e cinco cêntimos), para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º …2011…, instaurado pelo Serviço de Finanças de …– cfr. Documento n.º 2 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

A Impugnante foi notificada pela AT, em 27 de Dezembro de 2011, do projeto de indeferimento da reclamação apresentada, tendo exercido o seu direito de resposta em audição prévia, o qual foi remetido à AT em 6 de Janeiro de 2012.

Não obstante os argumentos avançados pela Impugnante naquela sede, a AT manteve o entendimento vertido no Relatório Final, tendo notificado a Impugnante, através de Ofício recebido em 20 de Fevereiro de 2012, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

Não se conformando, nem com a Liquidação, nem com os argumentos em que a AT fundamentou a decisão de indeferimento, a Impugnante apresentou, em 28 de Março de 2012, recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, recurso esse que foi indeferido, conforme oficio notificado à Impugnante em 17 de Junho de 2015, ou seja, 1176 dias depois (!).

Não obstante, entende a Impugnante que a correção efetuada, mais bem identificada no Relatório Final, não é aceitável, pelo que vem apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral.

A Liquidação tem por objeto a requalificação jurídica dos rendimentos pagos pela Impugnante à sociedade alemã F… (de ora em diante designada abreviadamente por “F…”), ao abrigo de um contrato entre elas celebrado em 15 de Fevereiro de 2008, designado “G…” (de ora em diante designado por “contrato” e anexo ao Relatório Final como Anexo I)[1] – cfr. Documento n.º 3 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

No entendimento da Impugnante, esses pagamentos correspondem à contrapartida paga por serviços que lhe foram prestados pela F…, enquanto, no entendimento da AT, eles correspondem à contrapartida paga pela cedência de propriedade industrial da F… para a Impugnante (sublinhado nosso) ou, conforme refere a AT na pg. 12 do Relatório Final, pela “(…) cedência do direito ao uso e exploração do produto (sublinhado nosso) (…)”.

Em particular a AT refere o seguinte (pgs. 8 a 11 do Relatório Final):

  • “De acordo com o ponto 1 do contrato celebrado entre a F… e a A…[Impugnante], esta ultima sociedade aceita transferir para a primeira planos e documentos necessários para a manufaturação de estruturas metálicas para várias viaturas do Grupo H…, resultantes do design e desenvolvimento levados a cabo pela F…”;
  •  “O ponto 3 do contrato esclarece que se trata de uma transferência plena, uma vez que refere que todos os direitos sobre tais planos e documentos foram integralmente transferidos para a A… [Impugnante], incluindo todos os documentos que permitem o uso e exploração do produto”;
  • “A F… fruto da experiência adquirida na sequência da sua presença neste sector de atividade, transferiu esse saber para a A…, pelo que estamos perante a cedência de know-how pela F… à A…[Impugnante]”;
  • “Uma vez que, na situação em análise, se está perante a transferência de tecnologia [como resulta claro das expressões «A… agrees to transfer the results» e «Results were transferred», sendo a definição de results «plans and documents necessary for the manufacturing of the metal frames (…) which result from design and development carried out by faz» – constantes dos pontos 1 e 3 do contrato] e não apenas a aplicação de tecnologia, o objeto contractual deve ser qualificado como de transferência de Know-how”;
  • “Com efeito, a A…[Impugnante] adquiriu o direito de utilizar a tecnologia, de conteúdo secreto, de que a F… é detentora, fruto de trabalhos de design e desenvolvimento, levados a cabo na Alemanha”;
  • “(…) nos termos do ponto 1 do contrato em questão, as atividades de design e desenvolvimento foram levadas a cabo na Alemanha pela F… que, desta forma é a legítima titular da tecnologia cuja transferência é objeto da transferência para a A… [Impugnante]. Os melhoramentos futuros realizados pela A… ou pela F… serão da propriedade da A…[Impugnante], nos termos do número quatro do contrato”;
  • “(…) convém referir que o facto de o preço ser definido com um lump sum, em função do custo das atividades desenvolvida pela F…, acrescido de uma margem de 5% mais os custos financeiros inerentes, isto é, a inexistência de uma relação direta entre o valor a pagar pela A…[Impugnante] e o montante de vendas dessa entidade, poderá ser explicada pelo facto de se tratar de tecnologia respeitante a uma fase anterior ao processo produtivo propriamente dito (…) a tratar-se de uma prestação de serviços, seria de esperar uma conexão entre os montantes pagos e o número de horas de trabalho despendidas, o que não se verificou”.

 

No decurso do processo inspetivo, a Impugnante descreveu o Projeto G… como incluindo “o desenvolvimento e a produção de estruturas metálicas da … para a plataforma H… …(…, …,…)”, e que “A A… recebeu da F… design técnico e know-how de desenvolvimento específico relativamente às referidas estruturas metálicas”, anexando então o referido contrato e o seu aditamento – cfr. Anexo II ao Relatório Final.

Mas a Impugnante referiu ainda que – citação que a AT preferiu deixar de parte – “enquanto o license agreement abrange a disponibilização de know-how e suporte técnico no âmbito da fase de produção das estruturas metálicas, o Project G… compreende o apoio em todo o processo de design e desenvolvimento técnico realizado antes da fase de inicio de produção em série das mesmas (…)” – cfr. mesmo Anexo II (negrito da Requerente).

Ora é na determinação do que exatamente foi esse apoio que deveremos procurar a verdadeira natureza do Contrato.

Nesse sentido, torna-se essencial identificar o conteúdo exato da intervenção da F… na execução do Contrato, i.e., clarificar o tipo de serviços e atividade a que se destinou o Projeto G…:

  • na sequência de um projeto adjudicado à Impugnante pelo Grupo H…, foi esta encarregada de produzir as estruturas metálicas para os assentos e encostos da frente dos novos modelos do …, do…, do … e do …(de ora em diante, e utilizando a terminologia do Contrato, igualmente designadas por “Produtos”);
  • todos estes novos automóveis se encontravam submetidos a uma mesma plataforma desenvolvida inteiramente pela H… (plataforma G…, daí a designação dada a este contrato);
  • para fabricar os Produtos de acordo com as especificações impostas pelo grupo H…, a Impugnante necessitava de instalar novas linhas de montagem;
  • a instalação de novas linhas de montagem implica um processo de elevadíssima complexidade, pois obriga, entre outros aspetos, ao seguinte:
  • desenvolvimento de ferramentas novas, adequadas ao processo de fabrico dos Produtos – por exemplo, ferramentas que possam ser colocadas nos robots de soldadura –  definição de processos de rebitagem ou de aparafusamento;
  • note-se que estas ferramentas são depois encomendadas a outros fornecedores que não a F…, que as fabricam de acordo com as especificações fornecidas e que as vendem diretamente à Impugnante;
  • à definição dos diferentes postos de trabalho que compõem uma linha de montagem e respetivo lay-out: por exemplo, onde se coloca o posto de aparafusamento, ou de rebitagem, por onde circulam as peças produzidas em cada um desses postos de montagem, por onde entram as matérias-primas e qual a cadência de ritmo de funcionamento entre os diferentes postos de trabalho, uns manuais e outros robotizados;
  • uma vez definidos todos estes processos, é elaborado um complexo caderno de encargos (planos e documentos, para usar a terminologia do Contrato) que especifica e descreve todos estes processos de desenvolvimento – por exemplo, descreve como se devem aparafusar as peças ou como deve funcionar o posto de rebitagem, ou por onde devem circular as diferentes peças que irão integrar os Produtos ou, ainda, como devem os trabalhadores operar os equipamentos e postos de trabalho colocados nas linhas de montagem;
  • após esta fase, que corresponde à fase de desenvolvimento do Projeto, segue-se uma fase de instalação. Durante esta fase, são rececionados os novos equipamentos e ferramentas, os quais são validados devidamente segundo as especificações do cliente, procede-se a afinações de última hora e instalam-se na linha de montagem, cada um em seu sítio;
  • ainda durante esta fase, é prestada formação aos trabalhadores da Impugnante que irão operar os equipamentos e são-lhes concedidas as instruções necessárias ao funcionamento dos respetivos postos de trabalho;
  • são as especificações destes equipamentos e as instruções para a operação das linhas de montagem que integram os planos e documentos (na terminologia do Contrato, a “Informação”) que a F… transfere para a Impugnante (na terminologia do Contrato, os “Resultados”);  
  • terminada a instalação arranca a produção. Durante esta fase, existe um acompanhamento regular para assegurar que as novas linhas de montagem funcionam na perfeição e que os Produtos respeitam as especificações do cliente.

Ora, foi para obter apoio em todas estas fases do Projeto G… que a Impugnante recorreu à F… ou, dito de outra forma, a Impugnante não contratou a F… para que esta lhe enviasse uns planos e documentos, de conteúdo secreto, com os quais a Impugnante, sozinha, passaria a desenhar e a desenvolver ferramentas e equipamentos para a instalação de novas linhas de montagem no sector automóvel; contratou-a para que a F… aplicasse o seu know-how e a sua tecnologia no design e desenvolvimento de todos os processos necessários à instalação de novas linhas de montagem, para que a Impugnante pudesse exercer a sua atividade, que é a de fabricar os Produtos para o Grupo H… .

Convém ainda esclarecer alguns aspetos, que à Impugnante parecem essenciais na correta qualificação dos pagamentos que efetuou à F…:

  • as linhas de montagem, das ferramentas, dos planos e documentos que definem e instruem os diferentes processos de fabrico são da propriedade exclusiva da Impugnante, sobre eles não detendo a F… quaisquer direitos;
  • as ferramentas, processos e planos necessários à fabricação dos Produtos encomendados pelo Grupo H… são específicos deste Projeto G… e têm de ser específica e exclusivamente desenvolvidos para esse projeto – por outras palavras, tudo é desenvolvido e feito à medida deste projeto;
  • em todo este processo a F… intervém da seguinte forma:
  • cria uma equipa de trabalho cuja função é a de apoiar a Impugnante na definição de todos os aspetos inerentes à fase de desenvolvimento – design e desenvolvimento das ferramentas e equipamentos necessários à fabricação destes Produtos;
  • identifica fornecedores capazes de construir essas ferramentas e equipamentos, aos quais compete depois construí-los e vendê-los à Impugnante;
  • envia essa equipa de trabalho para Portugal para (a) validar os equipamentos produzidos pelos terceiros, (b) apoiar a Impugnante na instalação desses equipamentos e ferramentas nas novas linhas de montagem, (c) apoiar a Impugnante na formação dos trabalhadores cuja função é operar esses equipamentos, mostrando-lhes como o devem fazer e deixando à Impugnante uma série de planos e documentos que demonstram isso mesmo e descrevem as especificações desses mesmos equipamentos e ferramentas; (d) apoiar a Impugnante no decurso do arranque do processo produtivo, ajudando-a a corrigir quaisquer falhas ou, por exemplo, a afinar os robots à nova produção.

 

Naturalmente, enquanto entidade prestadora de serviços, a F… fica responsável pelos respetivos resultados, razão pela qual o segundo parágrafo do ponto 3 do contrato estabelece que “F… is liable for any hidden defect of the Results and for any legal claim concerning its ownership”.

Por estes serviços, a F… cobra um montante equivalente aos respetivos custos, diretos ou indiretos, acrescidos de 5%, e uma vez que não fica detentora de quaisquer direitos sobre quaisquer dos processos desenvolvidos para o Projeto G…, não tem direito a receber quaisquer outros pagamentos, incluindo royalties e fees de licenciamento – cfr. ponto 3 do Contrato.

A AT refere que a forma de pagamento não indicia uma prestação de serviços, uma vez que não existe uma conexão entre os montantes pagos e o número de horas despendidas (cfr. artigo 29.º supra).

      A AT equivoca-se. Não obstante o contrato não prever o pagamento com base num valor por cada hora de trabalho, a verdade é que ele implica o pagamento de todos os custos, diretos e indiretos, incorridos pela F…, incluindo o salário dos trabalhadores afetos ao Projeto, pelo período de tempo em que o mesmo decorrer.

Assim, por exemplo, se um trabalhador estiver afeto ao projeto durante 3 meses, a Impugnante irá pagar, entre outros custos, o valor que corresponder aos salários por esses meses de trabalho (logo, às horas de trabalho nesses meses) acrescido de 5%.

Naturalmente, se esse trabalhador estiver afeto ao projeto apenas 2 meses, a Impugnante pagará necessariamente menos.

Pelo que se verifica, com relativa facilidade, que o modo de pagamento indicia uma conexão clara entre o tempo de trabalho afeto ao Projeto G… e o montante dos valores devidos pela Impugnante.

Basta, aliás, atentar no facto de o preço pago pela Impugnante à F… ter por base o custo efetivo dos serviços prestados (diretos e indiretos).

Com efeito, o Projeto G… representou um envolvimento de diversos trabalhadores da F…, de diferentes especialidades técnicas, os quais se deslocaram a Portugal e aqui estiveram em diversas ocasiões.

 

Após  enquadrar legal e jurídico-fiscalmente esta matéria, designadamente à luz da distinção entre o que sejam rendimentos derivados da aplicação de capitais, potencialmente geradores de royalties, e rendimentos derivados do trabalho e da prestação de serviços, potencialmente geradores de rendimentos (lucros) comerciais, a Requerente procede à análise do contrato em causa, com decomposição dos diversos serviços prestado e determinação da natureza dos pagamentos efetuados e tendo ainda presente que entre Portugal e Alemanha foi celebrada uma Convenção para evitar a Dupla Tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital, a qual foi aprovada pela Lei n.º 2/82, de 3 de Junho (adiante, “CDT Portugal-Alemanha”), Convenção essa que se aplica ao caso concreto, como não deixou de reconhecer a AT na pg. 12 do Relatório Final.

      Conclui a Requerente ser errada a conclusão da AT quando refere que “o objeto contratual deve ser qualificado como de transferência de “know-how” (para usar os termos da AT a pg. 11 do Relatório Final), devendo a liquidação em causa ser anulada por vício de violação de Lei.

Relativamente ainda à liquidação e aos juros, alega e conclui também  a Requerente pela sua ilegalidade por padecer de falta de fundamentação, sendo, por conseguinte, anulável na medida em que se funda na emissão de documentos obscuros, com informação codificada, impossível de compreender

Assim e segunda a Requerente, de acordo com a Demonstração de Liquidação de Juros incorporada na Demonstração de Liquidação de Retenções na Fonte, a Impugnante será devedora de juros compensatórios, nos seguintes termos:

·            juros compensatórios, vencidos sobre o valor base de € 134.295,00, à taxa de 4%, relativamente ao período decorrido entre 23.09.2008 a 31.12.2010, no valor de € 11.950,41;

·           juros compensatórios, vencidos sobre o valor base de € 8.266,50, à taxa de 4%, relativamente ao período decorrido entre 21.01.2009 a 31.12.2010, no valor de € 626,89.

Assim, da Liquidação de Juros apenas resultam os valores base, os períodos temporais, a taxa e o tipo de juros vencidos, sem que se compreenda por que motivos terão vencido os vários tipos de juros calculados, ou o que justifica que se hajam vencido nos diferentes períodos indicados, ou mesmo ainda, qual o fundamento para que se tenha atendido aos valores base constantes da Liquidação.

A Liquidação de Juros resultaria, assim, absolutamente impercetível – não só para o homem médio mas também para alguém com conhecimentos técnicos e habituado a analisar este tipo de atos tributários –, carecendo em absoluto de fundamentação.

Foi inobservado o preceituado pelo n.º 5, do artigo 39.º, da Lei Geral Tributária (adiante, “LGT”), o qual estabelece que a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.

A Liquidação padece assim e também do vício de falta de fundamentação, por violação do disposto pelo n.º 9 do artigo 35.º, da LGT, sendo anulável, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) ex vi artigo 2.º, alínea c) da LGT.

 

Constituição do Tribunal

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Foram  as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 30-11-2015.

 

            Resposta da AT

Na Resposta, apresentada a AT suscitou as seguintes questões: (i)falta preterição de formalidade consignada no artigo 59.º do CPPT, (ii)intempestividade do pedido de revisão oficiosa, (iii)não preenchimento dos requisitos para a apreciação do pedido de revisão oficiosa, (iv)abuso de direito por contradição entre o pedido de revisão oficiosa e o pedido de pronúncia arbitral e o comportamento assumido anteriormente pelos Requerentes. Defendeu ainda a AT a legalidade da liquidação e inexistência de erro imputável aos serviços.

 

            Realizou-se a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT e procedeu-se, em 8-7-2016, à inquirição, em audiência e com registo sonoro, da testemunha arrolada, I…, tendo sido prescindida a inquirição das demais testemunhas (Cfr ata respetiva).

 

            As alegações finais foram apresentadas por escrito tendo as partes, no essencial, reiterado as posições que haviam explanado nos respetivos articulados.

 

            Por vicissitudes várias do processo, houve, à luz do disposto no artigo 21º-2, do RJAT, prorrogações do prazo previsto no artigo 21º-1, do RJAT para a prolação e notificação da decisão final às partes

 

            Saneador

            O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

            As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, são legítimas e estão legalmente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades.

            As questões prévias e/ou exceções suscitadas pela Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), serão apreciadas prioritariamente, logo após a fixação da matéria de facto.

 

            2. Matéria de facto

             2.1. Factos provados

            O juiz (ou árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596º, nº1 e 607º, nºs 2 a 4, do C P Civil, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

            No caso o Tribunal considera provados os seguintes factos:

      a) A Requerente desenvolve a atividade de produção e comercialização de capas, espumas, estofos e estruturas metálicas para assentos de automóveis (C.A.E. …–…), encontrando-se enquadrada, para efeitos de IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (de ora em diante “RETGS”), como sociedade dominante;

      b) A Requerente encontra-se enquadrada, para efeitos de IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (de ora em diante "RETGS"), como sociedade dominante;

      c) Do perímetro de consolidação do seu grupo fazem, ainda, parte as sociedades B… S.A., pessoa colectiva nº…, C… SA, D… Lda. e E…, Unipessoal Lda., todas conjuntamente designadas de ora em diante como “Grupo”;

d) Através do Oficio n.º…, de 12 de Fevereiro de 2010, a Impugnante foi notificada de que iria ser iniciada uma ação inspetiva, a qual começou no dia 10 de Março de 2010 e terminou no dia 25 de Novembro de 2010;

e) Nessa sequência, em 2 de Dezembro de 2010, através do Ofício n.º…, a Impugnante foi notificada do Projeto de Conclusões do Relatório de Inspecção;

f) E, posteriormente, em 21 de Fevereiro de 2011, a Impugnante foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (de ora em diante “Relatório Final”), no qual se propunham correções técnicas à matéria coletável do exercício de 2008 (nenhumas correções sendo efeituadas ao exercício de 2007);

g) Essas correções eram de dois tipos diferentes: por um lado, era efetuada uma correção em sede de preços de transferência, no montante de € 2.171.001,90 e, pelo outro, era efetuada uma correção em sede de royalties no montante de € 142.561,50;

h) A AT decidiu, então, proceder à emissão de duas liquidações distintas;

i) O ato de liquidação que ora se impugna (a Liquidação) resulta da correção efetuada em sede de royalties;

j) A Impugnante foi notificada da Liquidação em 30 de Dezembro de 2010, a qual originou um valor a pagar de € 155.138,80, com data limite de pagamento de 31 de Janeiro de 2011;

k) Na mesma data, foi notificada a “Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios”, Compensação n.º 2012…, com a referência ao cálculo dos juros compensatórios;

l) Em 10 de Fevereiro de 2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da Liquidação;

m) Nessa sequência, não tendo procedido ao pagamento da Liquidação, a Impugnante prestou, em 27 de Abril de 2011, garantia bancária no valor de € 197.029,05 (cento e noventa e sete mil e vinte e nove Euros e cinco cêntimos), para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º …2011…, instaurado pelo Serviço de Finanças de …;

n) A Impugnante foi notificada pela AT, em 27 de Dezembro de 2011, do projeto de indeferimento da reclamação apresentada, tendo exercido o seu direito de resposta em audição prévia, o qual foi remetido à AT em 6 de Janeiro de 2012;

o) A AT manteve o entendimento vertido no Relatório Final, tendo notificado a Impugnante, através de Ofício recebido em 20 de Fevereiro de 2012, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;

p) Não se conformando, nem com a Liquidação, nem com os argumentos em que a AT fundamentou a decisão de indeferimento, a Impugnante apresentou, em 28 de Março de 2012, recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, recurso esse que foi indeferido, conforme Oficio notificado à Impugnante em 17 de Junho de 2015;

q) O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 15-9-2015;

r) A Liquidação tem por objeto a requalificação jurídica dos rendimentos pagos pela Impugnante à sociedade alemã F… (de ora em diante designada abreviadamente por “F…”), ao abrigo de um contrato entre elas celebrado em 15 de Fevereiro de 2008, designado “Project G…)” (de ora em diante designado por “Contrato” e anexo ao Relatório Final como Anexo I)[2] ;

s) Uma vez adjudicado o Projeto G… à Requerente, coube à F… desenvolver as  especificações a serem utilizadas no fabrico das novas ferramentas e equipamentos necessários à instalação das linhas  de montagem  que produziram  os encostos  e assentos da frente dos diferentes automóveis do Grupo H…;

t) A tecnologia necessária para desenvolver essas especificações pertence à F… e não se transferiu para a Requerente; pelo contrário, tal tecnologia transferiu-se diretamente da F… para fornecedores terceiros, que as incorporaram nessas ferramentas e equipamentos  e os venderam  à Requerente;

u) A Requerente pagou o preço dessas ferramentas e equipamentos diretamente a esses fornecedores, não tendo tido acesso à tecnologia que foi utilizada na sua construção;

v)  Os pagamentos efetuados pela Requerente em execução do sobredito contrato correspondem à contrapartida paga por serviços que foram prestados à Requerente pela F… (não sendo a contrapartida paga pela cedência de propriedade industrial da F… para a Impugnante ou, conforme refere a AT na pg. 12 do Relatório Final, contrapartida pela “(…) cedência do direito ao uso e exploração do produto (…)”].

x) A AT refere o seguinte (págs. 8 a 11 do Relatório Final):

  • “De acordo com o ponto 1 do contrato celebrado entre a F… e a A… [Impugnante], esta ultima sociedade aceita transferir para a primeira planos e documentos necessários para a manufaturação de estruturas metálicas para várias viaturas do Grupo H…, resultantes do design e desenvolvimento levados a cabo pela F…”;
  •  “O ponto 3 do contrato esclarece que se trata de uma transferência plena, uma vez que refere que todos os direitos sobre tais planos e documentos foram integralmente transferidos para a A… [Impugnante], incluindo todos os documentos que permitem o uso e exploração do produto”;
  • “A F… fruto da experiência adquirida na sequência da sua presença neste sector de atividade, transferiu esse saber para a A…, pelo que estamos perante a cedência de know-how pela F… à A…[Impugnante]”;
  • “Uma vez que, na situação em análise, se está perante a transferência de tecnologia [como resulta claro das expressões «A… agrees to transfer the results» e «Results were transferred», sendo a definição de results «plans and documents necessary for the manufacturing of the metal frames (…) which result from design and development carried out by faz» – constantes dos pontos 1 e 3 do contrato] e não apenas a aplicação de tecnologia, o objeto contractual deve ser qualificado como de transferência de Know-how”;
  • “Com efeito, a A…[Impugnante] adquiriu o direito de utilizar a tecnologia, de conteúdo secreto, de que a F… é detentora, fruto de trabalhos de design e desenvolvimento, levados a cabo na Alemanha”;
  • “(…) nos termos do ponto 1 do contrato em questão, as atividades de design e desenvolvimento foram levadas a cabo na Alemanha pela F… que, desta forma é a legítima titular da tecnologia cuja transferência é objeto da transferência para a A… [Impugnante]. Os melhoramentos futuros realizados pela A… ou pela F… serão da propriedade da A…[Impugnante], nos termos do número quatro do contrato”;
  • “(…) convém referir que o facto de o preço ser definido com um lump sum, em função do custo das atividades desenvolvida pela F…, acrescido de uma margem de 5% mais os custos financeiros inerentes, isto é, a inexistência de uma relação direta entre o valor a pagar pela A…[Impugnante] e o montante de vendas dessa entidade, poderá ser explicada pelo facto de se tratar de tecnologia respeitante a uma fase anterior ao processo produtivo propriamente dito (…) a tratar-se de uma prestação de serviços, seria de esperar uma conexão entre os montantes pagos e o número de horas de trabalho despendidas, o que não se verificou”.

 

z) No decurso do processo inspetivo, a Impugnante descreveu o Projeto G… como incluindo “o desenvolvimento e a produção de estruturas metálicas da …para a plataforma H… … (…, …,…)”, e que “A A…recebeu da F… design técnico e know-how de desenvolvimento específico relativamente às referidas estruturas metálicas”, anexando então o referido contrato e o seu aditamento – cfr. Anexo II ao Relatório Final.

aa) Mas a Impugnante referiu ainda que “(...)enquanto o license agreement abrange a disponibilização de know-how e suporte técnico no âmbito da fase de produção das estruturas metálicas, o Project G… compreende o apoio em todo o processo de design e desenvolvimento técnico realizado antes da fase de inicio de produção em série das mesmas (…)” – cfr. mesmo Anexo II;

bb) A F… lidava diretamente com os fornecedores, transmitia-lhes as especificações necessárias e estes fornecedores vendiam depois as ferramentas e equipamentos em estado acabado à Requerente, que os pagava diretamente a esses fornecedores;

cc) As ferramentas e equipamentos adquiridos pela Requerente aos fornecedores eram específicos para o Projeto G…, não servindo para qualquer outro;

dd) Uma vez adquiridas essas ferramentas e esses equipamentos pela Requerente, coube à F… validá-los in loco (na fábrica da Requerente);

ee) Para esse efeito, a F… trouxe a Portugal várias equipas de pessoas - compostas em média por 8 pessoas que se deslocaram regularmente às instalações da Requerente para acompanhar a instalação dessas ferramentas e desses equipamentos nas respetivas linhas de montagem;

ff) A essas ferramentas e a esses equipamentos, juntam-se robots adquiridos e pagos diretamente pela Requerente a fornecedores terceiros, como a J…(J…), que a F… tratou de validar e instalar nas mesmas linhas de montagem;

gg) Pelos trabalhos realizados pela F… a Requerente pagou um montante equivalente  aos custos incorridos por  aquela,  acrescido  de uma margem de 5%;

hh) Embora o Contrato G… tenha sido formalizado em 8 de Fevereiro de 2008, a adjudicação do Grupo H… e o desenvolvimento do projeto já se tinham iniciado em anos anteriores;

ii) A F… assegurou ainda que os funcionários da Requerente recebiam a formação adequada à operação destes robots, destas ferramentas e destes equipamentos;

jj) Concluído este processo, a Requerente iniciou o fabrico dos Produtos - os encostos e os assentos -, que vendeu ao Grupo H…;

kk) Ulteriormente, porque as linhas de montagem existentes não permitiam satisfazer o aumento de procura verificado, a Requerente solicitou à F… apoio na instalação de linhas de montagem adicionais, tanto de assentos como de encostos...

ll) ... sendo esta a causa da celebração, em 27-5-2009, do aditamento [“Amendment nº 1 do the Project G…”] ao contrato inicial, sempre com manutenção da natureza dos serviços prestados pela F… ao abrigo do contrato inicial (Cfr Anexo 1, folhas 8 e 9, do RIT);

mm) Tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal instaurado em resultado da falta de pagamento do montante de imposto resultante da Liquidação, a Impugnante prestou garantia bancária.

 

            2.2. Factos não provados

            Não há outros factos essenciais, provados ou não provados.

 

            2.3 Motivação

            Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C P Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

            No caso, para além do processo administrativo instrutor, da posição das partes nos respetivos articulados e dos demais documentos juntos, foi também relevante e, de algum modo, decisivo, o depoimento prestado pela testemunha I…, economista e quadro da empresa Requerente desde 2004, que, com conhecimento direto dos factos e saber técnico,  depôs de forma a esclarecer o Tribunal, em termos espontâneos e convincentes, designadamente quanto à realidade da matéria alegada nos artigos 34º a 38º, da petição arbitral, ou seja, quanto ao conteúdo exato da intervenção da F… (a empresa alemã F…) no que diz respeito à execução do Contrato descrito e documentado.

            Na verdade esta testemunha referenciou com detalhe como trabalhos levados a cabo pela F…, serviços de conceção – design e especificações técnicas – interação com os fornecedores dos equipamentos e ferramentas que constituem as novas linhas de fabrico da A…, formação dos operadores desta e acompanhamento do processo de montagem e operação inicial das linhas de fabrico.

             Assinale-se, neste particular, que segundo a Requerida, o RIT (relatório da inspecção tributária) apenas havia tomado por base o contrato na sua formulação e objecto iniciais (artigo 134.º da resposta), sendo que a descrição dos factos pela testemunha, em conjugação com o “amendment” mencionado em ll), do elenco de factos provados foi particularmente relevante para a prova dos factos elencados supra, designadamente nas alíneas bb) a ll).

 

            3. Matéria de direito

            3.1. Objeto do processo

            A questão tributária principal objeto dos autos respeita à controvérsia entre as partes relativamente à obrigatoriedade ou não de retenção na fonte em pagamento ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, celebrada entre Portugal e a Alemanha (cfr Lei nº 12/82, de 3 de junho – artigo 12º) – abreviadamente, “CDT”.

      Mais concretamente: a liquidação impugnada tem por objeto a requalificação jurídica, como “royalties”, dos rendimentos pagos pela Requerente à sociedade alemã F… (de ora em diante designada abreviadamente por “F…”), ao abrigo de um contrato entre elas celebrado em 15 de Fevereiro de 2008, designado “Project G…” (de ora em diante designado por “Contrato” e anexo ao Relatório Final como Anexo I)[3] – cfr. Documento n.º 3 junto com a petição de pronúncia arbitral.

      Trata-se, no caso, de apurar se o contrato em causa se qualifica ou pode qualificar como contrato de transferência de tecnologia ou transferência de know how – caso em que está sujeito à retenção na fonte à luz do artigo 12º, da CDT – ou, pelo contrário, se se trata de um contrato de assistência técnica com prestação de serviços associada, não sujeito a retenção na fonte.

      No entendimento da Requerente, esses pagamentos correspondem à contrapartida paga por serviços que lhe foram prestados pela F…, enquanto, no entendimento da AT, eles correspondem à contrapartida paga pela cedência de propriedade industrial da F… para a Impugnante ou, conforme refere a AT na pg. 12 do Relatório Final da Inspeção, pela “(…) cedência do direito ao uso e exploração do produto (…)”.

      Trata-se no fundo e mais concretamente de apurar se, tal como alega ou justifica a AT, a Requerente “(...)não procedeu à retenção na fonte nem entregou nos cofres do Estado imposto no montante de €142.561,50, o qual é devido, a título definitivo, nos temos da alínea a) do nº1 e do nº 3 do art. 88º,  do CIRC,  em virtude de os rendimentos relativos a royalties terem sido obtidos em território português, de acordo com a subalínea 1) da alínea c), do nº 3 do artigo 4º, do CIRC e dado que não se encontram na exclusão da tributação prevista no nº 4, do artº 4º, do CIRC”.

      Preliminarmente a AT suscita a questão da intempestividade do pedido (sublinhado nosso) arbitral no entendimento de que, tendo ocorrido embora indeferimento de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, o prazo de 90 dias previsto no artigo 10º-1/a), do RJAT não foi prejudicado pelas citadas impugnações administrativas.

      Começar-se-á obviamente por apreciar os fundamentos da exceção de intempestividade.

 

      3.2 A (in)tempestividade do pedido de pronúncia arbitral

      Alega a Requerida AT, a fundamentar a exceção, “(...) que artigo 10º, do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Tendo em atenção a demonstração de liquidação junta pela Requerente, temos que a data limite de pagamento dos montantes de imposto em causa nos autos ocorreu em 2011-01-31. Ora, o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 2015-09-15, ou seja, mais de 4 anos após aquele em que se verificaria o término do prazo (...)”.

 

      Vejamos:

      Os prazos para apresentação do pedido de pronúncia arbitral são os seguintes:

a)      90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta)[atos de primeiro grau] ou contado desde a notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico [atos de segundo ou terceiro grau] [2º-1/a) e 10º-1/a),do RJAT e 102º-1 e 2, do CPPT;

b)      30 dias contado a partir da notificação dos atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem a liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais [2º-1/b) e 10º-1/b, do RJAT].

 

      Os Tribunais Arbitrais não têm competência para conhecer de vícios próprios de atos de segundo ou terceiro graus (atos de indeferimento de reclamações graciosas, recursos hierárquicos ou pedidos de revisão oficiosa cujo fundamento não se prenda com a ilegalidade do ato de “primeiro grau”).

      Ou seja: o que é sempre e só impugnável é a legalidade do ato de primeiro grau.

      O indeferimento expresso de um meio gracioso só será arbitrável na medida em que comporte ele próprio a apreciação da legalidade do ato de primeiro grau que o contribuinte pretende efetivamente impugnar.

      De tal modo que será o ato de primeiro grau (liquidação adicional pela AT de autoliquidação, por exemplo, como é o caso) o objeto do pedido de pronúncia arbitral, tenha ou não havido atos de indeferimento de meios graciosos para apreciação da legalidade daquele ato(reclamação ou recurso hierárquico.

      O ato de indeferimento da reclamação graciosa ou recurso hierárquico serão marcos importantes também para aferir da tempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral na medida em que a contagem do prazo de 90 dias só se iniciará a partir da notificação da decisão da reclamação ou do termo do prazo legal do recurso hierárquico.

      Não pode, em nosso entender, confundir-se o âmbito material da arbitragem (artigo 2º, do RJAT) com a data a partir da qual o pedido de pronúncia arbitral pode ser interposto (artigo 10º, do RJAT)

      Por outro lado, trata-se aqui igualmente da abordagem da questão da  recorribilidade, por intermédio da arbitragem, dos actos de segundo ou de terceiro graus. A problemática dos actos de segundo e terceiro graus na arbitragem tributária prende-se, ao que se julga, com pelo menos duas questões distintas: uma primeira, a de saber se tendo sido intentado um meio gracioso administrativo, o objecto do processo arbitral será a decisão que venha a ser proferida pela Administração Tributária – em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa – ou, pelo contrário, o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta; uma segunda, que interliga questões de competência e questões de prazo, e que é a de saber se o tribunal terá competência – e, se sim, em que medida – para apreciar um acto de primeiro grau quando o pedido seja apresentado na decorrência de um indeferimento de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa previamente apresentados.

      No que respeita à primeira questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava directamente o acto de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o acto de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apreciou a (i)legalidade do acto impugnado - o acto de segundo grau. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datado de 18 de Maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0156/11, admitindo que“(…) o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise(…).”

      “(…) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.(…)”

      Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação.

      Questão diferente desta mas interligada, é a de saber se o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado dentro do prazo. Aqui parece-me que o legislador arbitral foi, ao que se crê, claro ao compartimentar questões de competência e questões de prazos.

      Assim é que quanto à competência ou âmbito material o objecto da arbitragem é, como se concluiu, a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação.  Quanto ao prazo, o contribuinte pode recorrer à arbitragem logo aquando da notificação dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou, tendo recorrido à via administrativa, após a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso ou ainda da formação do indeferimento tácito.

      Esta resposta encontra-se, por seu turno, no citado artigo 10.º, do RJAT.

      Desta norma não se pode ou deve nunca retirar a competência para apreciação directa dos actos de segundo grau, pois se trata de norma que respeita única e exclusivamente ao dies a quo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. É uma norma que respeita portanto ao momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo para solicitar o pedido de constituição do tribunal arbitral.

      Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Não há, pois, qualquer referência aos actos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.

      Entende-se a este propósito que os actos de segundo ou terceiro graus poderão sempre, reafirma-se,  ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa. Na base deste entendimento estará uma interpretação teleológica, designadamente por a alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º referir expressamente a “decisão de recurso hierárquico”  e o facto de o acto de segundo ou de terceiro grau estar a apreciar o acto de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objecto da arbitragem. 

      Defende-se aqui, por conseguinte, uma interpretação segundo a qual não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses actos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral.

      Neste sentido, veja-se, v. g., a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 272/2014-T, de que se transcrevem os seguintes extractos:

      “(…) 65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os actos de indeferimento de reclamações graciosas.

      66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efectivo conhecimento que tais actos tiveram da legalidade dos actos de liquidação com que estão relacionados.

      67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do acto de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.

      68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (…)”

      Subsumindo:

      Da matéria de facto provada resulta que (cfr supra, elenco de factos provados):

      “ (...)

      j)A Impugnante foi notificada da Liquidação em 30 de Dezembro de 2010, a qual originou um valor a pagar de € 155.138,80, com data limite de pagamento de 31 de Janeiro de 2011;

      k) Na mesma data, foi notificada a “Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios”, Compensação n.º 2012 …, com a referência ao cálculo dos juros compensatórios;

      l) Em 10 de Fevereiro de 2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da Liquidação;

      m) Nessa sequência, não tendo procedido ao pagamento da Liquidação, a Impugnante prestou, em 27 de Abril de 2011, garantia bancária no valor de € 197.029,05 (cento e noventa e sete mil e vinte e nove Euros e cinco cêntimos), para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º …2011… 0, instaurado pelo Serviço de Finanças de …;

      n) A Impugnante foi notificada pela AT, em 27 de Dezembro de 2011, do projecto de indeferimento da reclamação apresentada, tendo exercido o seu direito de resposta em audição prévia, o qual foi remetido à AT em 6 de Janeiro de 2012;

      o) A AT manteve o entendimento vertido no Relatório Final, tendo notificado a Impugnante, através de Ofício recebido em 20 de Fevereiro de 2012, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;

      p) Não se conformando, nem com a Liquidação, nem com os argumentos em que a AT fundamentou a decisão de indeferimento, a Impugnante apresentou, em 28 de Março de 2012, recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, recurso esse que foi indeferido, conforme Oficio notificado à Impugnante em 17 de Junho de 2015;

      q) O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 15-9-2015

 

      Ou seja: a Requerente foi notificada em 30-12-2010 da liquidação  para pagamento até 31-1-2011.

      Reclamou graciosamente em 10-1-2011, portanto em prazo, segundo o artigo 70º do CPPT.

      Do indeferimento da reclamação graciosa, notificado a 20-2-2012, interpôs recurso hierárquico para o Ministro das Finanças, em 28-3-2012, portanto tempestivamente.

      Cumpridas as respetivas formalidades, a decisão, desfavorável à Requerente, foi-lhe notificada em 17-6-2015 e o presento pedido de pronúncia arbitral (impugnação judicial) deu entrada no CAAD em 15-9-2015.

      À luz do exposto supra é clara a tempestividade do pedido arbitral.

      Improcede assim a exceção.

 

      3.3 Do mérito do pedido

      A questão essencial objeto dos autos é apurar se, tal como alega ou justifica a AT, a Requerente “(...)não procedeu à retenção na fonte nem entregou nos cofres do Estado imposto no montante de €142.561,50, o qual é devido, a título definitivo, nos temos da alínea a) do nº1 e do nº 3 do art. 88º,  do CIRC,  em virtude de os rendimentos relativos a “royalties” terem sido obtidos em território português, de acordo com a subalínea 1) da alínea c), do nº 3 do artigo 4º, do CIRC e dado que não se encontram na exclusão da tributação prevista no nº 4, do artº 4º, do CIRC” .

      No entendimento da Requerente, trata-se aqui de pagamentos que correspondem a prestação de serviços pela F…, enquanto, no entendimento da AT, eles, pelo contrário, corresponderão à contrapartida paga pela cedência de propriedade industrial da F… para a Impugnante ou, conforme refere a AT (pg. 12 do Relatório Final da Inspeção), pela “(…) cedência do direito ao uso e exploração do produto (…)”.

      Esta querela relativamente à qualificação do contrato, essencial para efeitos de tributação, em face da prova produzida, não oferece dúvidas: as partes celebraram não um contrato de transmissão de know how mas antes um contrato de assistência técnica, envolvendo prestação de serviços.

      Alberto Xavier (in Direito Tributário Internacional, 2014, 2ª edição, pgs 687e sgs) baseando-se em vasta literatura e nos comentários ao artº 12º da convenção modelo, reconhecendo tratar-se de contratos complexos que muitas vezes se confundem, refere que “(...)o  contrato de know-how, tem por objecto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmo consideradas, na forma da cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria, sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado” e que “ao invés, o contrato de prestação de serviços tem por objeto a execução de serviços que pressupõem, por parte do prestador, uma tecnologia, a qual porém, não se destina a ser transmitida, mas meramente aplicada ao caso concreto mediante ideias, concepções e conselhos baseados num estudo pormenorizado de um projecto”.

            Quanto à contraprestação, esclarece ainda Alberto Xavier (Ob. citada) que nos contratos de know-how “ (...)reveste a forma de um lump sum ou de uma percentagem da facturação, da produção ou do lucro” e nos contratos de prestação de serviços  “é fixada essencialmente com base no custo demonstrado por critérios relativos ao trabalho desenvolvido, como o número de horas despendidas”.

      E, nesta  mesma linha se encontra a Jurisprudência como se vê do eluciativo sumário do acórdão do TCAS proferido no processo nº 04075/10, de 18-6-2013, publicado em www.dgsi.pt, que conclui, citando, “(…) o  “contrato de Know-how” tem por objecto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma de cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria e sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado. Ao invés, o contrato de prestação de serviços técnicos (engineering) tem por objecto a execução de serviços que pressupõem, por parte do prestador, uma tecnologia, a qual, porém, não se destina a ser transmitida, mas antes a ser meramente aplicada ao caso concreto mediante ideias, concepções e conselhos baseados num estudo pormenorizado de um projecto. Por outras palavras, no contrato de Know-how transfere-se tecnologia, enquanto no contrato de prestação de serviços técnicos (engineering) se aplica tecnologia. Para efeitos fiscais, a remuneração do “Know how” (royalties) constitui um rendimento de capital, uma vez que visa retribuir um capital tecnológico previamente acumulado que é posto à disposição do beneficiário, enquanto a remuneração da prestação de serviços técnicos deve considerar-se um preço de venda do serviço em si mesmo considerado e não a retribuição de um factor de produção ou de uma tecnologia cuja transmissão não é, em si, objecto do contrato.

 Por seu lado, a prestação de serviços que é objecto do contrato de assistência técnica não tem carácter autónomo e independente, antes sendo complementar ou acessória de outra operação prevista no mesmo contrato ou em contrato separado. Com efeito, em certos casos a transmissão de informação (Know how) não se esgota na simples cessão de direitos, antes exigindo complementarmente uma actividade continuada de prestação de serviços, permanentes ou periódicos, pela qual a informação tecnológica seja plenamente colocada à disposição do cessionário. Ora, é precisamente nestes casos que ocorre a figura da “assistência técnica”. A “assistência técnica” distingue-se da prestação de serviços técnicos (engineering), pois enquanto neste último caso a prestação de serviços constitui-se como objecto principal do contrato em causa, no primeiro a prestação de serviços é meramente instrumental relativamente ao objecto principal do contrato que consiste na transmissão de uma informação tecnológica (Know how). No contrato de prestação de serviços técnicos as partes querem a própria execução de um determinado serviço e não uma “assistência” na aquisição de informação tecnológica; no contrato de “assistência técnica” as partes querem uma informação tecnológica, a qual é conjugada com a prestação de um serviço complementar ou instrumental (…)”.

 

            Subsunção

            Resulta do elenco de factos provados que, adjudicado o Projecto G… à Requerente, coube à F…  desenvolver  as  especificações a serem utilizadas no fabrico das novas ferramentas e equipamentos necessários à instalação das linhas  de montagem  que produziram  os encostos  e assentos da frente dos diferentes automóveis do Grupo H…, sendo a  a tecnologia necessária para desenvolver essas especificações pertencente à F…, não se tendo transferido para a Requerente; pelo contrário, tal tecnologia transferiu-se directamente da F… para fornecedores terceiros,  que  as  incorporaram  nessas  ferramentas  e  equipamentos  e os venderam  à Requerente, tendo a Requerente pago o preço dessas ferramentas e equipamentos directamente a esses fornecedores e não tendo tido acesso à tecnologia que foi utilizada na sua construção.

            Por outro lado, os pagamentos efetuados pela Requerente em execução do sobredito contrato corresponderam à contrapartida paga por serviços que lhe foram prestados pela F… [não sendo a contrapartida paga pela cedência de propriedade industrial da F… para a Impugnante ou, conforme refere a AT na pg. 12 do Relatório Final, contrapartida pela “(…) cedência do direito ao uso e exploração do produto (…)”], sendo a F… quem lidava directamente com os fornecedores, transmitindo-lhes as especificações necessárias, sendo eles (fornecedores) quem vendia depois as ferramentas e equipamentos, em estado acabado, à Requerente, que os pagava directamente a esses fornecedores;

            Para além disso, as ferramentas e equipamentos adquiridos pela Requerente aos fornecedores eram específicos para o Projecto G…, não servindo para qualquer outro.

            Ou seja: in casu, a F… não se limitou a transferir tecnologia para que a A… a aplicasse como bem entendesse, sobre a responsabilidade desta. Usou sim, conhecimentos tecnológicos que detinha, para os aplicar a um projeto concreto, desenvolvendo os trabalhos necessários á implementação de novas linhas de fabrico de assentos auto e assumindo a responsabilidade por quaisquer defeitos, como resulta do contrato.

            A remuneração não foi fixada com base nos benefícios – faturação, lucros… -  da A… mas sim com  base nos custos incorridos pela F…, mais 5% e mais custos financeiros (cfr contrato). Ora os custos incorridos são o resultado do número de horas de trabalho, das taxas horárias, dos recursos materiais utilizados, das deslocações efetuadas, entre outros; o que se enquadra perfeitamente na noção de “custo demonstrado por critérios relativos ao trabalho desenvolvido”.

            De notar que não faz sentido dizer que não foi com base nas horas de trabalho pois, ao usar a expressão”  ..  como o número de horas despendidas” mais não se está a enfatizar uma das componentes principais do trabalho desenvolvido nos contratos de prestação de serviços. Também não faz sentido dizer-se que no contrato em apreço a remuneração é uma lump sum pois o que o contrato faz é fixar uma quantia preliminar que será objeto de um montante final em função dos custos incorridos mais margem.

            Assinale-se ainda que não se estranha – bem pelo contrário -, que, num grupo empresarial, operando num setor de alta tecnologia como é o automóvel, com várias unidades em vários países, é prática haver recursos técnicos, nomeadamente ao nível da engenharia, que pertencendo a uma empresa do grupo são disponibilizados para prestar serviços a outras empresas do grupo. Trata-se de aproveitar da melhor forma recursos técnicos altamente especializados e com custos elevados. Haverá, nesta matéria, que ter em conta que a indústria automóvel é, notoriamente, muito exigente em termos de normas de qualidade, pois qualquer falha do equipamento tem custos elevados de imagem e traduz-me, muitas vezes em elevadíssimas indemnizações compensatórias em caso de acidente.

            A esta luz, afigura-se bastante razoável e de acordo com as práticas da indústria, que num projeto de fabrico de novos modelos de assentos auto a A… tenha recorrido a outra empresa do grupo K…, neste caso a F…, para lhe prestar serviços técnicos de engenharia.

            Tanto basta para concluir pela ausência de fundamento da AT na requalificação do contrato como de cedência ou transferência de know how por ausência dos sobreditos e necessários elementos típicos respectivos.

Ou seja: revelando o contrato os elementos típicos de um contrato de assistência técnica com prestação de serviços associada, quer a Convenção para evitar a dupla tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Alemanha (Lei nº 12/82, de 3 de junho) [que só permite a tributação de royalties, que não caso não existem, em Portugal - cfr artigo 12º, da CDT], quer o não preenchimento dos pressupostos previstos no CIRC (alínea a) do nº1 e do nº 3 do art. 88º,  do CIRC subalínea 1) da alínea c), do nº 3 e artigo 4º, do CIRC, redação de 2010), a liquidação adicional revela-se ilegal por falta dos respetivos pressupostos de facto e de direito.

Procede assim o pedido de declaração de ilegalidade e de consequente anulação do acto tributário de liquidação adicional de Retenções na Fonte de IRC (e respectivos juros compensatórios), identificado com o n.º 2010…, referente ao período de tributação de 2008, o qual deu origem a imposto a pagar no valor de € 155.138,80.

 

            4. Prestação de garantia indevida – Indemnização

            A requerente prestou garantia bancárias destinada a assegurar o pagamento e suspender a execução na parte ora impugnada, da liquidação adicional, ora objeto de impugnação arbitral.

            Dispôe a LGT:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

            Entende o Tribunal que a liquidação enferma, nesta parte, de erro imputável aos Serviços na medida em que o sujeito passivo vai obter vencimento na impugnação e o fundamento da anulação não lhe é imputável.

            É assim inaplicável, in casu, o prazo de 3 anos a que alude o nº 1, do citado artigo 53º, da LGT.

            Sendo público e notório que pelo serviço de prestação de garantia bancária são pagos encargos/comissões aos Bancos em função, designadamente do risco, valor e prazo da garantia, há que concluir que a Requerente suportou [e certamente continua a suportar] encargos pela manutenção das garantias.

            Tendo prestado as garantias pelo valor das liquidações objeto desta impugnação, juros, custas e demais acréscimos (Cfr artigo 199º-6, do CPPT) e tendo obtido vencimento nesta ação, tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos causadas por garantia que não seria devida.

            Ou seja: reconhecem-se reunidos os pressupostos que conferem à Requerente direito a indemnização nos termos do citado artigo 53º, da LGT.

            Certo que não foi concretizado o quantum indemnizatório.

            Tal, porém, não teria obrigatoriamente de ser alegado porquanto quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata dos danos – Cfr artigo 569º, do C. Civil.

            A liquidação da indemnização terá assim de se processar em sede de execução de julgado e tendo presente as limitações do seu quantum previstas no artigo 53º-3, da LGT.

 

 

            5. Decisão

 

            Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)         Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar ilegal o ato tributário de liquidação de Retenções na Fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e respetivos juros compensatórios, identificado com o n.º 2010…, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “AT”), referente ao período de tributação de 2008;

b)         Anular a sobredita liquidação;

c)         Julgar procedente o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária prestada pela Requerente para obter, nos termos legais,  a suspensão da execução da liquidação e juros;

d)        Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização à Requerente, nos termos e com os limites previstos no artigo 53º, da LGT e a liquidar em execução de julgado, decorrente da procedência do pedido a que alude a alínea anterior e

e)         Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 155.138,00.

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €3.672,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 18-10-2016

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)

 

 

                                                

 

 

(José Carreira)

 



[1] O Contrato integra um aditamento assinado em 27 de Maio de 2009, pelo qual a F… se comprometeu a prestar à Impugnante serviços adicionais referentes ao equipamento e, bem assim, serviços complementares de design e desenvolvimento de projecto, todos relacionados com a plataforma… .

[2] O Contrato integra um aditamento assinado em 27 de Maio de 2009, pelo qual a F… se comprometeu a prestar à Impugnante serviços adicionais referentes ao equipamento e, bem assim, serviços complementares de design e desenvolvimento de projecto, todos relacionados com a plataforma … .

[3] O Contrato integra um aditamento assinado em 27 de Maio de 2009, pelo qual a F… se comprometeu a prestar à Impugnante serviços adicionais referentes ao equipamento e, bem assim, serviços complementares de design e desenvolvimento de projecto, todos relacionados com a plataforma G… .