Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Diogo Feio e Prof.ª Doutora Eva Dias Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25-05-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A… UNIPESSOAL, LDA, NIPC…, sociedade com sede na Rua…, n.º…, ..., …-…, …, …, …, veio nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…e do acto de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2015…, todos praticados por referência ao ano de 2013, dos quais resulta um valor total a pagar de € 79.870,11.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 24-03-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10-05-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 25-05-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 22-06-2016 foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
· A Requerente é uma sociedade que tem como objecto social o comércio, importação, exportação e representação de produtos para aplicação nas áreas médico-odontológica, médico-ortopédica, cirúrgico-odontológica, protético-dentária e laboratorial, implantes, instrumentos e ferramentas de precisão, bem como formação nas referidas áreas;
· A atividade desenvolvida Requerente consiste na importação e posterior comercialização de materiais e componentes destinados a implantologia dentária exclusivamente da marca X…:
· A implantologia repõe dentes perdidos através de implantes dentários em titânio e coroas estéticas em porcelana;
· Os clientes da Requerente são médicos dentistas ou clínicas especializadas na área da medicina dentária, que trabalham em implantologia;
· Os produtos vendidos abrangem um grande número de referências, que vão, por exemplo, desde pinças de titânio, brocas, parafusos e implantes em titânio de diferentes dimensões, a kit's cirúrgicos;
· A Requerente comercializa tudo o que é necessário para a implantação no osso (parte não visível) de um implante dentário. Estes materiais não são mais do que raízes artificiais de dentes, de forma a proporcionar uma base fixa sólida sobre a qual as coroas ou próteses serão fixadas;
· Para que o implante seja finalizado, é necessária a intervenção de um protésico para a confeção e colocação das coroas ou próteses (parte visível), consistindo, este último ato, na finalização do implante de um dente artificial;
· A Requerente aplicou a taxa reduzida à maioria dos materiais comercializados;
· A coberto da ordem de serviço para inspecção interna n.º OI2014…, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções em sede de IVA, referentes ao ano de 2013, no montante global de € 79.870,11, referentes a IVA que considerou em falta por ter sido aplicada a taxa reduzida, relativamente aos produtos referidos, que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu estarem sujeitos à taxa normal.
· No Relatório da Inspecção Tributária que foi elaborado no âmbito dessa inspecção, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se além do mais o seguinte:
3.1 TAXA DE IVA APLICÁVEL ÀS TRANSMISSÕES DE IMPLANTES DENTÁRIOS E DEMAIS PEÇAS DE LIGAÇÃO OU FIXAÇÃO DE PRÓTESE DENTÁRIA
A sociedade A…- UNIPESSOAL, LDA, NIPC…, efetuou um enquadramento errado dos materiais que comercializa destinados a implante dentário, dado que:
- os implantes aplicados em medicina dentária, não são mais do que meras raízes metálicas osteointegráveis no maxilar (parte superior da boca) ou na mandíbula (parte inferior e móvel da boca), destinados a servir de suporte ou ancoradouro de uma estrutura de um ou mais dentes artificiais (coroa, ponte, etc.);
- os restantes componentes, partes, peças e acessórios (designadamente pilares, abutments, etc.), objeto de transação isolada, autónoma ou avulsa, para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou a função do órgão dentário (função mastigatória, de verbalização e estética), de onde se conclui que a transmissão das citadas peças (de ligação ou implantação da prótese) são tributadas à taxa normal, por não terem cabimento na verba 2.6 da lista 1 anexa ao CIVA.
Atente-se na definição de «prótese dentária» enquanto «estrutura fixa ou móvel constituída por um dente ou conjunto de dentes artificiais, que substitui dentes em falta)> (cfr. Dicionário da Língua Portuguesa - com Acordo Ortográfica, Porto Editora, disponível para consulta no endereço da internei: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/protese) para não se compreender a razão pela qual os implantes dentários, quando transacionados isoladamente ou de modo autónomo, possam ser considerados como material de prótese e, consequentemente, sejam subsumíveis à previsão normativa da verba 2.6 da Lista 1 anexa ao CIVA.
No contexto da interpretação das taxas é igualmente importante referir o princípio da neutralidade que deverá levar a que situações materialmente idênticas estejam sujeitas à mesma taxa, sob pena de se criar distorções no normal funcionamento do mercado (vd. informação n.°…, pontos 18, 19 e 20).
Esta situação será retificada no presente procedimento inspetivo com a sujeição a todos os materiais que integram o conjunto das próteses, a IVA à taxa normal, prevista na alínea c) do n.° 1 do art. 18.° do CIVA, ou seja 23%, relativamente aos anos em análise.
3.2 APURAMENTO DOS VALORES DE IVA LIQUIDADO EM FALTA
Para apuramento do imposto em falta, nos anos objeto de análise, foi extraído um ficheiro do SAFT-PT daqueles anos, de toda a faturação emitida pelo SP, incluindo notas de crédito.
Da análise efetuada à faturação da A…, LDA, respetivamente, aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, verificámos que todas as faturas sobre as quais foi liquidado IVA à taxa reduzida se referiam a componentes, partes, peças e acessórios, designadamente, pilares, abutments, etc., logo, produtos cuja venda deveria ter sido sujeita à taxa normal (ANEXO V - lista de produtos a 6%).
Assim, a partir desta conclusão, recorremos à elaboração dos quadros que se seguem, construídos a partir dos valores mensais constantes nos extratos da conta … - IVA Liquidado Op. Gerais —taxa 6%, em cada um dos anos aqui em análise (2011, 2012 e 2013). (ANEXO VI)
Após este levantamento mensal, calculámos os valores liquidados por trimestre e procedemos à confirmação da correspondência desses valores com aqueles inscritos pelo SP nos respetivos "campos 2" (Imposto liquidado à taxa reduzida) das declarações periódicas de IVA que o SP submeteu, trimestralmente, em cada um dos três anos objeto desta ação de inspeção, bem como a correspondência com os valores que apurámos, a partir daqueles, para as respetivas Bases Tributáveis ('campo 1").
De seguida, aplicámos a essas bases tributáveis a taxa normal de IVA que deveria ter sido aplicada. Esse resultado, foi levado a uma coluna do quadro criada para esse efeito, ao qual subtraímos o valor de imposto já liquidado à taxa reduzida, resultando o valor a pagar constante na coluna "Correção - Campo 2". Assim, através destes quadros, o IVA em falta foi calculado pela diferença entre o imposto que, relativamente aquelas faturas, deveria ter sido liquidado à taxa normal, e aquele que foi liquidado à taxa reduzida.
De salientar que no apuramento que efetuámos do imposto em falta, considerámos, obviamente, as devoluções de vendas, traduzidas nas respetivas notas de crédito emitidas, das quais resultou imposto a favor do SP. Fizemo-lo após a confirmação, por amostragem, da necessária evidência da tomada de conhecimento das mesmas, por parte dos respetivos clientes.
Nesta matéria, aliás, é de referir que o SP, contabilisticamente, não considerou estes valores na respetiva conta … — Regularizações de IVA a favor do SP, antes levando estes valores a débito da conta … — IVA Liquidado, pelo que esses valores aparecem logo a influenciar os valores a entregar ao Estado constantes nos respetivos "Campos 2", das declarações periódicas apresentadas, por subtração ao valor do IVA liquidado.
No nosso apuramento não procedemos, obviamente, da mesma forma, pelo que os valores a corrigir de IVA, resultantes das regularizações a favor do SP, surgem devidamente diferenciados em quadros próprios, contudo, calculados da mesma forma, ou seja, considerámos a favor do sujeito passivo a diferença entre a taxa normal aplicada ao valor das devoluções e o valor da taxa reduzida que o SP já havia considerado a seu favor.
Em suma, o procedimento adotado para cálculo do valor final das correções a efetuar, retira-se da diferença trimestral apurada entre os dois mapas resumo elaborados para cada ano:
• Mapa resumo dos totais trimestrais da faturação;
• Mapa resumo dos totais trimestrais das notas de crédito.
(...)
(...)
VIII - DIREITO DE AUDIÇÃO
Nos termos do n.° 5 do art.° 38° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433199, de 26110, o sujeito passivo foi notificado no dia 29/11/2014, para exercer, querendo, no prazo de quinze dias, o direito de audição sobre o projeto de conclusões do relatório que lhe foi notificado através do N/Oficio n°…, de 28/11/2014, nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária e do artigo 60° do RCPIT — Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária — ANEXO VII.
Consequentemente, o prazo concedido para o exercício do direito de audição terminou no passado dia 16 de dezembro de 2014. Nesse mesmo dia, o direito de audição deu entrada nestes serviços da inspeção Tributária desta Direção de Finanças (ANEXO Vil).
Da respetiva leitura e análise, salienta-se a contestação do sujeito passivo face à alegada intenção da Administração Tributária de, e citamos: "proceder à correção do IVA liquidado nos anos de 2011 a 2013 (...) por considerarem esses Serviços de Inspeção que esta procedeu incorretamente à aplicação da taxa de 6% na venda de materiais de implante dentário, por se tratar de bens sujeitos à taxa geral de 23%". Acrescentam, e continuamos a citar, que: "na base desta decisão está a afirmação, alicerçada em recentes entendimentos da Administração Tributária, de que os implantes e restantes componentes vendidos (...) para efeitos de substituição de dentes no âmbito da atividade de medicina dentária, não são subsumíveis ao tipo de bens cuja transmissão beneficia de taxa reduzida ao abrigo da verba 2.6 da Lista 1 anexa ao Código do IVA, designadamente por não consubstanciarem "materiais de prótese ou compensação destinados a substituir no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano" ". E que, "sendo esse o único fundamento para a projetada correção, não pode a Exponente manifestamente conformar-se com o mesmo (...) desde logo, porque o entendimento agora abraçado pela Administração Tributária no que respeita ao enquadramento da atividade desenvolvida pela Exponente denota um manifesto e total desconhecimento quer da atividade em si, quer do espírito da norma vertida na indicada verba da Lista anexa ao Código do IVA." (sublinhado nosso)
Ora tal como o sujeito passivo alega, a correção por nós proposta incide, efetivamente, nas faturas relativas à venda de artigos cujas características não são subsumíveis àquelas expressas na referida verba 2.6 da Lista 1 anexa ao CIVA mas não por "manifesto e total desconhecimento quer da atividade em si, quer do espírito da norma até porque a nossa correção tem por base o entendimento da administração fiscal vertido em diversas informações vinculativas, sendo que, a mais recente, (Informação n.° … de 04/08/2014 de aclaração da taxa de IVA aplicável às transmissões de implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação da prótese dentária - ANEXO Ill foi, inclusivamente, solicitada por nós, Direção de Finanças de Lisboa, à DSIVA, em 06/06/2014 e que esta solicitação surgiu na sequência de um trabalho de recolha de diversos elementos e muita informação junto de uma amostra selecionada de entre os agentes económicos que operam neste setor, por forma a que a DSIVA se pudesse pronunciar, mais uma vez, sobre esta matéria, revelando, por parte da Administração Tributária, uma preocupação com a constante adequação das normas à evolução resultante do inevitável e desejável progresso científico e tecnológico.
Ora o sujeito passivo teve conhecimento deste nosso trabalho, desde logo porque, ao mesmo, fez parte uma visita às suas instalações, em 09/04/2014, no âmbito do Despacho n° D12014… . Esta visita teve, pois, como objetivo, a recolha de toda a informação que julgámos importante para o pedido de nova pronúncia sobre esta matéria, que iríamos efetuar à DSIVA.
Assim, solicitámos ao SP diversos elementos, entre os quais o catálogo dos produtos vendidos e estabelecemos uma longa conversa com os responsáveis da A…, LDA, no sentido da obtenção de toda a informação possível sobre os produtos vendidos, o processo de aplicação dos mesmos, assim como o objetivo final da aplicação. Tivemos, igualmente, oportunidade de recolher o ficheiro SAF-T da faturação para que nos pudéssemos inteirar dos moldes em que a mesma se processa, designadamente, ao nível dos produtos vendidos e das taxas que lhes são aplicadas. Solicitámos, ainda, através de notificação, que nos informassem sobre eventuais pedidos efetuados à Administração Fiscal, respeitantes ao enquadramento da sociedade em sede de IVA. Recolhemos, ainda, cópias de cinco faturas, previamente selecionadas, para análise.
Assim, do exposto, não nos parece sério o argumento apresentado pelo sujeito passivo de que a Administração Fiscal agiu com "manifesto e total desconhecimento quer da atividade em si, quer do espírito da norma."
Por outro lado, o sujeito passivo, em resposta à notificação que lhe deixámos aquando daquela nossa visita (ANEXO III), afirmou não ter efetuado, à Administração Fiscal, qualquer pedido de informação relativa ao enquadramento da sua atividade. Referiu, contudo, que no âmbito de uma notificação da Alfândega, recebeu uma informação vinculativa, datada de 11-05-2007, relativamente à taxa de IVA a aplicar na transmissão de produtos e equipamentos dentários (ANEXO 111 — f1.4) na qual se pode ler, designadamente:
"3 - Tem sido entendimento destes Serviços que, no que se refere aos implantes dentários, aquela verba apenas abrange as transmissões de próteses constituídas numa unidade única de implante, isto é, implante + peças de ligação + dente, pelo que as partes, peças e acessórios, quando transacionadas em separado, por falta de enquadramento na citada verba 2.5 da Lista 1 anexa ao CIVA, são tributados à taxa de 21%."
Observação nossa: A referida verba 2.5 é. atualmente, a verba 2.6. A taxa do 21 % era, à época, a taxa normal.
Justifica, por outro lado, que "O critério de aplicação das taxas de IVA (reduzida ou normal) nas transmissões de bens efetuadas pela sociedade baseia-se no que está descrito (naquela) informação vinculativa" ou seja:
• "Quando se trata de componentes dentários como um componente único (com todas as pecas de limão e demais elementos incluídos) destinados a substituir um membro a substituir uni membro do corpo humano é sempre aplicada a taxa reduzida 6%, indicada na verba 2.6 da Lista 1, anexa ao Código do IVA;"
"Quanto aos restantes artigos, tais como aparelhos, peças avulso, etc., quando faturados à parte dos implantes, são sempre faturados à taxa normal de 23% conforme artigo 18.° do Código do IVA, uma vez que não se enquadram na verba acima".
Do conteúdo desta resposta, retiramos que o sujeito passivo demonstra, afinal, total acordo com o entendimento de sempre (e não 'recente" - como o SP alega), da DSIVA, nesta matéria, já que afirma agir em consonância com o mesmo.
Ora, ao contrário do que o sujeito passivo assim expressa, duas das cinco faturas sobre as quais solicitámos esclarecimentos na notificação referida (faturas n.°s … e…), não contém implantes completos (implante + peças de ligação + dente), mas apenas mencionam parafuso-implante, contudo, o sujeito passivo liquidou, sobre esses bens, IVA à taxa reduzida.
Este é, pois, um exemplo claro da prática adotada e que apenas demonstra que o sujeito passivo não aplica, afinal, a taxa de IVA de acordo com as regras que explicita na resposta à nossa notificação.
Assim, face a tudo o que foi dito, concluímos que no exercício do direito de audição não foram apresentados elementos novos que contrariem ou invalidem as conclusões anteriormente retiradas, pelo que propomos que se mantenham as correções que constam no nosso Projeto de Relatório, de acordo com os fundamentos expostos.
· Após a inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA relativas ao ano de 2013 n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e a liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, que constam dos documentos n.ºs 1 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
· A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas, que foi indeferida por despacho de 30-12-2015 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
· Posteriormente, e para cobrança dos montantes liquidados a titulo de Imposto e de Juros Compensatórios, dos períodos objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral e igualmente de outros períodos, foram instaurados os Processos de Execução Fiscal n.°s …2015…, …2015…, …2015…, …2015…, …2015…, …2015…, …2015…, …2015…, …2015… e …2015… (documentos n.ºs 13 a 22 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
· Em 18-06-2015, a Requerente efectuou pagamento das quantias indicadas nas liquidações referidas (documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
· Em 14-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
2.3. Factos não provados
A Requerente defende que «tendo a AT, por sua iniciativa, procedido à compensação parcial dos valores liquidados adicionalmente a titulo de imposto - privando assim a Requerente dos montantes que lhe eram devidos pelo Estado -, compete-lhe agora rectificar essa situação, impondo-se o pagamento dos valores compensados e, bem assim, dos montantes entretanto pagos nos processos executivos instaurados, acrescidos de juros indemnizatórios calculados sobre este montante, desde a data da compensação».
A Requerente indica com prova do que afirma o documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, bem como os documentos n.ºs 1 a 5.
Pelo documento referido n.º 29, constata-se que, em 18-06-2015, foram pagas as quantias liquidadas que estão em causa no presente processo, no valor total de € 79.870,11.
No que concerne a eventuais compensações, não é claro pelo referido documento nem pelos documentos n.ºs 1 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral (parcialmente ilegíveis), se ocorreram e em que datas, nem a Requerente indica quais e quando terão ocorrido as compensações a que alude, nem o seu montante foi incluído no valor que indicou para o presente processo.
Pelo exposto, não se considera provado que tenham sido efectuadas compensações relativas às liquidações que são impugnadas no presente processo.
3. Matéria de direito
A questão que é objecto do presente processo é a de saber qual a taxa de IVA aplicável a material utilizado em próteses dentárias.
A Lista I anexa ao IVA inclui entre os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, a seguinte verba:
«2.6 - Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, accionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fracturas e as lentes para correcção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos a regulamentar pelo Governo no prazo de 30 dias».
A questão de legalidade que é colocada relativamente às liquidações de IVA referentes ao ano de 2013, é a de saber se a taxa reduzida prevista nesta verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) só é aplicável, quanto a implantes dentários, quando se transacionem implantes completos ou se essa taxa é aplicável também às transacções dos componentes dos implantes (coroa, implante e pilares) quando são objecto de transacções em separado.
Esta questão foi proficientemente apreciada no acórdão do CAAD proferido no processo arbitral n.º 429/2014-T, de que foi Relatora, quanto à questão em apreço, a Senhora Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, pelo que, não havendo argumentos novos a ponderar, se adopta a posição aí assumida:
«(...) A interpretação das normas fiscais
Como é sabido, o artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), prescreve que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. Ora, o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil é claro quando determina que a interpretação não deve apenas cingir-se à letra da lei (elemento literal ou gramatical), mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (ratio legis), tendo em conta a unidade do sistema (elemento sistemático), as circunstâncias em que a lei foi elaborada (elemento teleológico) e as condições específicas do tempo em que é aplicada (elemento histórico).
O primeiro factor hermenêutico a que o intérprete pode lançar mão para alcançar o verdadeiro sentido e âmbito de aplicação dos textos legais é, pois, o que corresponde ao elemento literal ou gramatical.
Quanto ao elemento sistemático, determina a interpretação da norma de forma integrada considerando as demais disposições que formam o complexo normativo em que se integra a norma interpretanda.
No tocante ao elemento teleológico, “Consiste este elemento na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma.
Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela opção que a norma exprime”.
Por último, de acordo com o elemento histórico há que apurar quanto ao contexto histórico da elaboração da norma.
A interpretação do normativo em causa deverá, pois, atender a estes elementos de interpretação.
(...) O princípio da neutralidade do IVA
Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo), sendo-lhe apontada como característica principal a respectiva neutralidade.
É habitual distinguir-se a neutralidade dos impostos de transacções relativamente aos efeitos sobre o consumo e sobre a produção. Existirá neutralidade relativamente ao consumo, quando o imposto não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores. Um imposto será neutro na perspectiva da produção, se não induz os produtores a alterações na forma de organização do seu processo produtivo.
Conforme nota Xavier de Basto, “A neutralidade relativamente ao consumo depende exclusivamente do grau de cobertura objectiva do imposto e da estrutura das taxas, estando fora de questão delinear um imposto de consumo totalmente neutro. Sempre terão de ser concedidas algumas isenções (.....) e, provavelmente, existirão diferenciações na taxa aplicável às diferentes transacções de bens e prestações de serviços”.
Em termos gerais, de acordo com o princípio da neutralidade, a tributação não deverá interferir nas decisões económicas nem na formação dos preços, implicando a extensão do âmbito de aplicação deste imposto a todas as fases da produção e da distribuição e ao sector das prestações de serviços.
Como salienta Teresa Lemos, a neutralidade pode ser encarada sob vários aspectos: neutralidade em relação aos circuitos de produção – a carga fiscal não depende da maior ou menor integração dos circuitos económicos, neutralidade face à incidência do imposto sobre os diferentes produtos e sectores, na medida em que a taxa seja uniforme, neutralidade no que se reporta à escolha dos factores de produção-capital e trabalho, e neutralidade face às preferências dos consumidores – igualdade de tributação dos diferentes produtos.
O princípio da neutralidade encontra-se vertido nas Directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros, tendo sido, inúmeras vezes, aplicado pelo TJUE.
A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida deste tributo, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução. Poderemos afirmar que este tem sido o princípio mais invocado pelo Tribunal para fundamentar os seus arestos, aparecendo-nos muitas vezes aliado ao princípio da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência.
Assim, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados (que, como salienta, se consegue através do mecanismo das deduções que liberta o empresário da carga do IVA que pagou nas suas aquisições), em assegurar aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação.
Desde logo, o TJUE procurou retirar as devidas consequências da igualdade de tratamento em IVA de actividades similares e da ausência do impacto da extensão das cadeias de produção e de distribuição no montante do imposto recebido pelas administrações fiscais.
É à luz deste princípio basilar que o imposto deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta uma sã concorrência no espaço da União Europeia.
(...) A aplicação das taxas reduzidas do IVA
(...) As regras da Directiva IVA
De acordo com as regras da Directiva n.º 2006/112/CE, de 28 de Novembro, à qual passamos a chamar Directiva IVA ou DIVA, as operações tributáveis estão sujeitas ao imposto às taxas e condições do Estado membro em que se localizam. A taxa normal do IVA é fixada, nos termos do disposto nos artigos 96.º e 97.º da DIVA, numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 15% até 31 de Dezembro de 2015.
De acordo com o disposto no artigo 98.º da DIVA, os Estados membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas a uma percentagem que não pode ser inferior a 5%. As taxas reduzidas podem apenas ser aplicadas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III da Directiva IVA, ex. Anexo H da Sexta Directiva (com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 2009/47/CE). Por sua vez, em conformidade com o previsto no n.º 3 do artigo 98.º, “Ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no n.º 1 às categorias relativas a bens, os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria” (a ênfase é nossa). Ou seja, a utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria é uma mera possibilidade que, enquanto tal, pode ou não vir a ser utilizada para o efeito pelos Estados membros.
A determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida ao abrigo destas disposições da Directiva IVA são da competência dos Estados membros.
Foi com a Directiva 92/77/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, que se procedeu à harmonização comunitária das taxas de IVA, tendo em vista a entrada em funcionamento do mercado interno, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2003. Até essa data, cada Estado membro dispunha de plena autonomia para fixar o número de taxas e o seu nível.
Como referimos, o Anexo III da Directiva IVA contém o elenco das transmissões de bens e prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no artigo 98.º, e contempla, no respectivo ponto 4, para os efeitos que ora nos interessam, as seguintes realidades: “Equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças”.
Esta redacção é similar à do anterior Anexo H da Sexta Directiva aditado pela aludida Directiva 92/77/CEE (entretanto revogada), que abrangia as seguintes operações: “Equipamento médico e outros aparelhos, normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação e assentos de automóvel para crianças”, sendo a principal diferença o alargamento posterior do seu escopo que passou a conter “material auxiliar”.
Resulta do exposto que a possibilidade de aplicação de uma taxa reduzida do imposto é apenas isso mesmo: uma faculdade que os Estados membros poderão ou não utilizar. Todavia, caso façam utilização de tal possibilidade deverão fazê-lo de acordo com as normas do Direito da UE. Por outro lado, interessa salientar que os diferentes bens e serviços aos quais os Estados membros podem aplicar taxas reduzidas do imposto circunscrevem-se a situações pontuais, resultantes de uma posição consensual entre si, em que se reconhece serem bens ou serviços cujo carácter social, educativo, ou cultural os leva a considerar como de primeira necessidade, como é o caso, para os efeitos que ora nos ocupam, da saúde.
De salientar que nos seus considerandos a Directiva IVA refere que, “um sistema de IVA atinge o maior grau de simplicidade e de neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível” (considerando 5) e que “deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição” (considerando 7).
(...) As regras do CIVA
O Código do IVA prevê no n.º 1 do seu artigo 18.º as seguintes taxas de imposto:
“a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6 %;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13 %;
c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%.”
Relativamente à aplicabilidade das taxas, de acordo com o disposto no artigo 18.º do CIVA, a taxa normal do IVA aplica-se sempre que ao bem ou serviço em causa não couber uma das duas taxas reduzidas previstas nas Listas I e II anexas ao Código.
Caso se esteja em presença de agrupamentos de várias mercadorias formando um produto comercial distinto, dever-se-á ter em consideração que, quando não sofram alterações de natureza nem percam a sua individualidade, aplica-se a taxa que lhe corresponder, ou, se couberem taxas diferentes, a mais elevada (artigo 18.º, n.º 4, do CIVA).
Na situação em análise está em causa a verba 2.6. da Lista I, que representa a transposição ao nível do direito interno do referido ponto 4 do Anexo III da DIVA, nos termos da qual se determina a aplicação da taxa reduzida do IVA aos seguintes bens: “2.6. Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, accionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fracturas e as lentes para correcção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos a regulamentar pelo Governo no prazo de 30 dias.” (a ênfase é nossa).
Como é sabido, a taxa geral do imposto só se aplica caso não haja lugar à aplicação de taxas reduzidas. Por outro lado, para efeitos de aplicação da taxa do imposto importa aferir se estamos perante uma única operação ou perante operações principais e acessórias.
Com efeito, quando uma operação compreende várias transmissões de bens e/ou prestações de serviços, suscita-se a questão de saber se deve ser considerada como uma operação única ou como várias prestações distintas e independentes que devem ser apreciadas separadamente.
Esta questão reveste especial importância, na perspectiva do IVA, designadamente para efeitos da aplicação da taxa do imposto e das disposições relativas às isenções.
(...) A jurisprudência do TJUE
A jurisprudência comunitária sobre a aplicação das taxas reduzidas do IVA não é muito abundante. Todavia, podemos destacar algumas ideias fundamentais que a norteiam, afigurando-se-nos suficientemente elucidativas para o efeito.
Em conformidade com o entendimento do TJUE, o princípio da neutralidade fiscal inclui igualmente dois outros princípios frequentemente invocados pela Comissão: o da uniformidade do IVA e da eliminação das distorções da concorrência.
O TJUE tem vindo a salientar que o princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira. O mesmo sucede quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações.
Prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA.
Como nota a Advogada Geral Juliane Kokott nas suas conclusões apresentadas no Caso TNT, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (n.º 43). Neste contexto, nota que “O princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do imposto e deve ser tido em conta na interpretação das normas de isenção, não permite que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado. (...) Nele se inclui o princípio da eliminação das distorções da concorrência resultantes de um tratamento diferenciado do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (...) ” (n.º 59).
O TJUE já esclareceu igualmente que a delimitação dos bens e dos serviços que podem beneficiar de taxas reduzidas deve ser efectuada em função de características objectivas. Assim, no seu Acórdão de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão contra a Alemanha, o TJUE veio reforçar o carácter objectivo das situações em que se permite a aplicação das taxas reduzidas de IVA, concluindo que, tratando-se de bens ou serviços similares e que estejam em concorrência entre si, não é admissível que sejam tratados de forma discriminatória.
Isto é, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, a instituição e a manutenção de taxas de IVA distintas para bens ou serviços semelhantes só são admissíveis se não violarem o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, no respeito do qual os Estados membros devem transpor as regras comunitárias.
Tal como o TJUE faz questão de salientar, resulta das regras comunitárias que a determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida são da competência dos Estados membros. Como a Comissão tem vindo a salientar nos seus relatórios sobre as taxas reduzidas, um dos maiores problemas da aplicação das taxas consiste precisamente no carácter facultativo de tal aplicação e na inexistência de definições comuns para as categorias de bens e ou serviços abrangidos.
Todavia, apesar disso, no exercício desta competência os Estados membros devem respeitar o princípio da neutralidade fiscal. Ora, como vimos, este princípio opõe-se, nomeadamente, a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, de modo que os referidos produtos devem ser submetidos a uma taxa uniforme.
Uma vez que a taxa reduzida é a excepção, o facto de se limitar a sua aplicação a aspectos concretos e específicos, é coerente com o princípio segundo o qual as isenções ou derrogações devem ser interpretadas em termos estritos, desde que não se viole o princípio da neutralidade do imposto.
Com efeito, a aplicação de uma ou de duas taxas reduzidas é uma possibilidade reconhecida aos Estados membros por derrogação do princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal. Ora, resulta de jurisprudência assente que as disposições que têm o carácter de derrogação de um princípio devem ser objecto de interpretação estrita, não deixando, porém, de garantir que a derrogação não fique sem efeito útil.
Os Estados membros não poderão, designadamente, interpretar os conceitos utilizados no Anexo III da Directiva de forma selectiva de modo a que, sem atender a critérios objectivos, se conceda diferente tratamento a idênticas realidades. Com efeito, sendo certo que a determinação das operações sujeitas a taxa reduzida do IVA compete aos Estados membros, não existindo definições abstractas a este propósito na legislação comunitária, impõe-se que seja respeitado o princípio da neutralidade. Assim, será contrária aos princípios do Direito da UE uma tributação a taxas reduzidas do imposto que, sendo selectiva, viole as características fundamentais da neutralidade fiscal, objectividade e taxa de tributação uniforme, não permitindo que sejam instituídos subgrupos no interior de uma actividade tributável, com o intuito de lhes aplicar diferentes taxas de tributação, não existindo qualquer razão objectiva que justifique tal diferença de tratamento.
Em especial, o princípio da objectividade exige a aplicação de uma só e mesma regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Directiva IVA.
Importa ainda notar neste contexto que a questão das prestações compostas versus prestações independentes foi objecto de apreciação do TJUE em alguns arestos.
A este respeito, decorre do artigo 2.º da Directiva IVA que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente.
Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.
Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal.
Neste contexto, é jurisprudência firmada pelo TJUE que “…se está perante uma prestação única designadamente no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal. Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”.
Pode igualmente considerar-se que se está em presença de uma única operação quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única operação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial.
Assim, o TJUE salienta que “… quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para se determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única, e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de prestação de serviços”; e que “O mesmo se passa [ou seja, está-se na presença de uma prestação única] quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor … estão tão estreitamente conexionados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial”.
Mas a posição do TJUE sobre a questão do fraccionamento da prestação principal em vários elementos não fica por aqui, tendo continuado, ao longo dos anos, a ser objecto de pedidos de decisão prejudicial, designadamente no âmbito do Caso Part Service.
Com efeito, foi entendimento do TJUE no referido processo que
“51…decorre do artigo 2º da Sexta Directiva que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente.
52. Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.
53. Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal (…) .
Ora, em face da jurisprudência do TJUE vinda de enunciar e que, ao longo dos anos, tem vindo a ser firmada, existindo prestações principais e acessórias, economicamente indissociáveis, será de aplicar um regime de IVA único, correspondente ao da prestação principal, nomeadamente para efeitos de aplicação das taxas do imposto.
Assim sucedeu no Caso Comissão/França, em que esteve em análise a aplicação da taxa reduzida do IVA à electricidade, concretamente à subscrição de electricidade.
Para a Comissão, caso se considerasse que a subscrição era um fornecimento, a aplicação de uma taxa reduzida do IVA à subscrição dos serviços das redes de energia e de uma taxa normal a qualquer outro fornecimento de energia violaria o princípio da neutralidade inerente à Sexta Directiva. Com efeito, de acordo com o seu entendimento, ainda que se tratasse de um fornecimento, deveria aplicar-se a mesma taxa à subscrição e a qualquer outro consumo de electricidade, de acordo com o princípio da neutralidade.
De acordo com as conclusões do Advogado-Geral Siegbert Alber apresentadas em 10 de Outubro de 2002, a subscrição só podia ser considerada uma prestação autónoma caso se tratasse de uma prestação que se devesse distinguir do efectivo fornecimento de gás natural e de electricidade.
O TJUE, no tocante à acusação suscitada a título subsidiário relativa à violação do princípio da uniformidade da taxa de imposto, veio invocar o seguinte:
“ 88.
O princípio da neutralidade fiscal seria violado se a legislação fiscal francesa fosse de molde a que prestações iguais, que se encontram numa relação de concorrência, fossem tratadas de forma diferente em sede de imposto sobre o valor acrescentado.
89.
Tal como já se expôs, a subscrição e o fornecimento de gás natural e/ou de electricidade consubstanciam, para a grande maioria dos consumidores finais, uma prestação integrada que abrange a prestação de serviços e o fornecimento de bens (27), e não prestações distintas. É apenas o preço da prestação que é dividido em duas partes, que são o montante da subscrição e o valor variável a pagar em função da quantidade do consumo.
(…)
92.
Para além disso, este regime fiscal pode atentar contra o princípio da neutralidade fiscal. Com efeito, aplicam-se a prestações iguais taxas de imposto diferentes.”
É pois neste contexto que o TJUE decidiu a favor da República francesa.
O mesmo raciocínio foi adoptado pelo TJUE no seu Acórdão de 3 de Abril de 2008, Caso Finanzamt Oschatz, tendo-se concluído que um ramal de ligação não era distinto da distribuição de água, devendo ser-lhe aplicada a mesma taxa reduzida de IVA da electricidade. Como se salientou,
“40. Embora a Sexta Directiva não contenha a definição de distribuição/abastecimento de água, também não resulta das suas disposições que este conceito deva ser objecto de interpretações diferentes consoante o anexo em que vem mencionado. Sendo o ramal de ligação individual indispensável para a colocação da água à disposição ao público, como resulta do n.º 34 do presente acórdão, deve considerar-se que está abrangido igualmente pelo conceito de abastecimento de água mencionado na categoria 2 do anexo H da Sexta Directiva.”
Ainda no mesmo sentido, cite-se o Acórdão do TJUE de 10 de Março de 2011, Proc.s apensos C 497/09, C 499/09, C 501/09 e C 502/09, onde esteve em causa o alcance da expressão «produtos alimentares» que figurava no seu anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva, novamente para efeitos de aplicação da taxa reduzida do IVA. Como o Tribunal começou por salientar haveria que aferir “… se, do ponto de vista do IVA, as diversas actividades em causa em cada um dos processos principais devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas de vários elementos” (n. 51).
Salientou ainda que, “Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços”(n. 52).
(...)
(...)
Aplicação ao caso concreto
(...)
Importa salientar que o sentido e alcance da taxa reduzida aplicada neste domínio deverá ter consideração as boas regras da hermenêutica, tendo em conta não só o elemento gramatical, como o respectivo contexto, razão de ser e finalidades prosseguidas pela verba 2.6, devendo resultar numa interpretação declarativa (...).
Ora, desde logo, a letra do preceito parece indicar que os implantes dentários se enquadram na referida lista, estando nós perante material de prótese destinado a substituir um órgão do corpo humano, no caso, o aparelho dentário.
Com efeito, nada na letra da lei nos leva a restringir a sua aplicação às situações de transmissões de “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular.
Acresce que resulta dos factos dados como provados que tal conceito não existe enquanto tal, existindo sim implantes constituídos pelas três peças de que ora tratamos – coroa, implante e pilar, que, de acordo com a técnica cirúrgica, são introduzidas por fases na boca do paciente, dando então origem, no seu conjunto, a um implante. Na realidade, estas três peças são incindíveis e inutilizáveis salvo para a composição de um implante enquanto prótese composta.
Não existindo tais “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular, o entendimento da Administração Fiscal acaba por negar o benefício da taxa reduzida a este tipo de próteses, pondo assim em causa, sem um motivo racional atendível, a ratio legis que presidiu ao acolhimento desta verba nos termos em que se encontra redigida – a protecção da saúde pública. Com efeito, a acolher-se tal entendimento introduzir-se-ia um tratamento discriminatório arbitrário entre as diferentes próteses dentárias. Por um lado, as próteses compostas por uma única peça beneficiariam da taxa reduzida de 6%, por outro lado, as próteses “compostas” seriam tributadas à taxa normal. Tal facto é discriminatório, atentando, desde logo, nomeadamente, contra o disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º, n.º 3 da LGT. Com efeito, de acordo com o previsto no primeiro normativo, de epígrafe, “Fins da tributação”, a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º3, “A tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade nem prejudica a prática de actos legítimos de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras”.
Mas estaríamos essencialmente perante uma intolerável ofensa ao princípio da neutralidade que rege este imposto ao nível do Direito da União Europeia, tratando-se bens iguais de forma distinta sem qualquer motivo racional atendível, facto que viola as regras que regem este imposto bem como toda a jurisprudência do TJUE a que aludimos.
Como é sabido, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. Por sua vez, no n.º 3 do referido normativo determina-se que, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. Ora, o que o legislador comunitário, a Comissão europeia e a jurisprudência do TJUE determinam é que, na utilização dos conceitos empregues para efeitos de aplicação das taxas reduzidas, os Estados membros deverão atender aos efeitos económicos em causa de forma a não se pôr em causa o princípio essencial da neutralidade do imposto.
Ou seja, a acolher-se o entendimento veiculado pela AT no caso concreto teríamos uma diferença de tratamento para realidades idênticas resultantes não da Directiva IVA mas sim de uma deficiente aplicação da mesma por parte da Administração Fiscal.
É certo que as normas de derrogação, como é o caso da norma que possibilita aos Estados membros a aplicação de taxas reduzidas do imposto, devem ser aplicadas restritivamente, mas não devemos confundir tal facto com uma aplicação selectiva, realidade completamente distinta que põe em causa as mais básicas características do imposto.
Neste contexto, importa ainda salientar que a invocação, por parte da AT, do argumento da Nomenclatura Combinada não procede, porquanto esta Nomenclatura foi criada para efeitos estatísticos e de aplicação da pauta aduaneira comum e não tem qualquer relevo em matéria de classificação de bens e serviços para efeitos de IVA em Portugal.
O único caso em que no CIVA se recorre à Nomenclatura Combinada para definir o alcance do regime tributário dos bens vem previsto no respectivo artigo 14.º, n.º 1, alínea i), para efeitos de determinação do regime de isenção (completa ou taxa zero), de acordo com o qual são isentas as “transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações de guerra classificadas pelo código 8906 00 10 da Nomenclatura Combinada, quando deixem o país com destino a um porto ou ancoradouro situado no estrangeiro”, dispositivo este não aplicável na situação em apreço.
Sendo certo que, de acordo com o estatuído no artigo 98.º, n.º 3, da DIVA, os Estados membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria sujeita à taxa reduzida, igualmente certo é que o legislador português não acolheu esta opção.
Ou seja, para efeitos de IVA é irrelevante a classificação que os implantes, as coroas e os pilares mereçam na Nomenclatura Combinada.
Ora, neste contexto, importa uma vez mais salientar que, como ficou provado, as três “peças” ora em apreço – implante, coroa e pilar – não podem ser utilizados separadamente, sendo especialmente concebidos e fabricados para a produção de uma peça que se designa por implante. Com efeito, contrariamente ao que a AT alega, não existe a peça única implante no sentido fáctico que lhe quer conceder, mas apenas o implante constituído, enquanto tal, por implante, coroa e pilar, peças incindíveis tendo em vista esta realidade.
É por demais evidente que o facto de tais peças serem comercializadas separadamente, tal como no caso citado, o simples facto de ocorrer facturação segregada (com códigos separados) ou autónoma (em facturas separadas) não pode afectar o enquadramento e qualificação para efeitos de IVA, fazendo-se prevalecer a forma sobre a substância.
Na realidade, o que está em causa nos presentes autos e ficou provado subsume-se na previsão legal da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, consubstanciando-se como um “… aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano”.
E, volte-se a salientar, a ratio legis que leva o legislador a acolher a aplicação da taxa reduzida do IVA em tais situações – a protecção da saúde – é exactamente a mesma que nos leva a esta interpretação.
De notar, por último que, da jurisprudência vinda de citar, ainda que supostamente existissem, tal como a AT pretende, “bens completos” de implante, na acepção que pretende veicular, sempre teríamos que reconhecer que a coroa, o pilar e o implante se configurariam como uma peça única ou, em último caso, ainda que erroneamente assim não se entendesse, como peças acessórias, e como tal, deveriam ser tributadas à taxa reduzida, seguindo o tratamento da operação principal.
Isto é: quer apenas por recurso às regras comunitárias quer por aplicação simples das boas regras da hermenêutica, o resultado é o mesmo – só poderá concluir-se que na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA se incluem quer os implantes constituídos por uma peça única quer os implantes compostos.
Com efeito, todos os elementos de interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, bem como as características do IVA e a interpretação que das mesmas o TJUE tem vindo a fazer, nos levam a concluir que, no caso presente, se deverá aplicar a taxa reduzida do IVA prevista na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA à transmissão dos implantes, coroas e pilares ora sob análise, termos em que se dá razão à Requerente».
Pelo que se referiu, é de concluir que as liquidações de IVA impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação desta verba 2.6 da Lista I ao CIVA.
A liquidação de juros compensatórios enferma do mesmo vício de violação de lei, já que têm como pressupostos as correspondentes liquidações de IVA.
4. Pedido de pagamento dos valores compensados, quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente defende que «tendo a AT, por sua iniciativa, procedido à compensação parcial dos valores liquidados adicionalmente a título de imposto - privando assim a Requerente dos montantes que lhe eram devidos pelo Estado -, compete-lhe agora rectificar essa situação, impondo-se o pagamento dos valores compensados e, bem assim, dos montantes entretanto pagos nos processos executivos instaurados, acrescidos de juros indemnizatórios calculados sobre este montante, desde a data da compensação».
Como se refere na alínea N) da matéria de facto fixada e no ponto 2.3 deste acórdão, provou-se que, em 18-06-2015, foram pagas as quantias liquidadas, mas não que tivessem sido efectuadas compensações com elas relacionadas.
4.1. Possibilidade de apreciação em processos arbitrais tributários de pedidos de pedidos de reembolso de imposto pago e juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
4.2. Direito a reembolso e juros indemnizatórios
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
No que concerne aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, foi a Autoridade Tributária e Aduaneira quem efectuou as liquidações impugnadas, por sua iniciativa, pelo que os vícios que as afectam lhe são imputáveis.
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva contados desde 18-06-2015 calculados sobre a quantia de € 79.870,11, até integral reembolso, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do CPPT, e art. 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações de IVA e juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015… .
c) Julgar procedente o pedido de restituição das quantias pagas, no montante global de € 79.870,11 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento à Requerente;
d) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre essa quantia, desde 18-06-2015 até integral pagamento, nos termos referidos no ponto 4 do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 79.870,11.
7. Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 01-09-2016
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Diogo Feio)
(Eva Dias Costa)