Decisão Arbitral
Os árbitros Drª. Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Drª. Suzana Fernandes da Costa e Drª. Ana Pedrosa Augusto, (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído 27/5/2016, acordam o seguinte:
1. Relatório
Em 15-03-2016, a sociedade A…– SOCIEDADE GESTORA DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na …, n.º…, …, …-…, na qualidade de sociedade gestora e em representação do B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, pessoa coletiva n.º…, do C…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, pessoa coletiva n.º…, e do D…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, pessoa coletiva n.º…, todos com sede na…, n.º…, … …-…, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral, no qual solicita que seja desaplicada a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), por erro nos pressupostos de facto e de direito que determinaram a sua aplicação e, subsidiariamente, por violação do princípio constitucional da igualdade, e a consequente declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo no valor total de 378.189,24 €, referentes ao ano de 2014. Ditas liquidações são relativas aos seguintes terrenos para construção:
a) prédio urbano inscrito sob o artigo matricial …, da união das freguesias de … e …, concelho de ...;
b) prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais … e …, ambos da freguesia de …, concelho de ...;
c) prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, todos da freguesia de …, concelho de ....
O Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 10-05-2016, como árbitro presidente, a Senhora Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, e como co-árbitros as Dras. Ana Pedrosa Augusto e Suzana Fernandes da Costa.
No dia 27-05-2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
A “tributação em análise apenas será aplicável nas situações em que tenha sido autorizada ou prevista a edificação dos “terrenos para construção” e que tal edificação se destine a “habitação””. E refere que nenhum dos prédios em questão dispunha, em 2014, «de uma efetiva potencialidade de edificação para habitação, não tendo os mesmos uma “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”».
Dada a situação dos prédios, não pode ter aplicação no presente caso a verba 28 da TGIS, sendo as liquidações de Imposto do Selo manifestamente ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo as mesmas ser anuladas. A Requerente refere o acórdão do CAAD do processo n.º 467/2015-T.
Subsidiariamente, a Requerente alega ainda que o normativo que está na origem dos atos de liquidação em causa, «ao sujeitar a Imposto de Selo os prédios inscritos como “terrenos para construção”, contraria de forma manifesta e intolerável os princípios basilares do Direito, atentando contra a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente contra o princípio da legalidade, ali expressamente consagrado» e refere, por outro lado, que a verba 28 da TGIS viola o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13º da CRP.
Segundo a Requerente, o princípio da igualdade, basilar num Estado de direito, traduz a proibição de quaisquer discriminações no tratamento de situações iguais (dimensão igualizadora) e a admissão da desigualdade de tratamento de situações desiguais (dimensão diferenciadora).
Segundo a Requerente, em matéria de igualdade fiscal, a capacidade contributiva assumir-se-ia assim como um elemento essencial a ponderar, porquanto a efetiva igualdade de tratamento fiscal dos contribuintes dependeria da existência de uma tributação idêntica para capacidades contributivas idênticas. Este princípio da capacidade contributiva assentaria assim, segundo a Requerente, diretamente, no princípio material da igualdade, constitucionalmente consagrado, tendo apoio nas restantes normas fiscais da CRP e na legislação tributária.
Em matéria de tributação do património, a CRP prevê uma regra essencial: “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos” – cf. artigo 104.º, n.º 3 da CRP.
Está constitucionalmente vedada ao legislador ordinário a criação de normas de modo arbitrário, devendo as mesmas ser submetidas aos ditames de igualação e de discriminação positiva, conforme os casos.
Entende a Requerente que “a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo e a tributação especial resultante da mesma promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.”
Para a Requerente, “a violação do princípio constitucional da igualdade decorre, desde logo, de o facto tributário relevante restringir-se apenas a uma parcela do património imobiliário de valor superior a € 1.000.000,00 – i.e. sobre o património imobiliário afeto ou destinado à habitação –, estando excluído do âmbito da tributação todo o restante património de elevado (ou muito elevado) valor que se encontre afeto ou destinado a outros fins.” E entende que ao abrigo do princípio da igualdade fiscal, alicerçado no princípio da capacidade contributiva, não poderá o legislador selecionar, arbitrariamente, determinados prédios que devam ser objeto de tributação e deixar de tributar outros.
A Requerente alega ainda que a tributação especial da verba 28 da TGIS, nos moldes em que foi implementada – ao incidir sobre prédios urbanos, isoladamente considerados – não logra “penalizar” ou “agravar” de forma efetiva todos os proprietários que têm um património imobiliário de elevado valor e que, como tal, demonstram uma “capacidade contributiva” superior.
E conclui afirmando que a tributação pela verba 28.1 gera assim uma manifesta iniquidade, não sendo a mesma aplicada, inexplicavelmente, a bens imóveis – propriedade de um único sujeito passivo – afetos a fins habitacionais que, apesar de isoladamente considerados terem um valor patrimonial tributário inferior a 1.000.000, no seu conjunto perfazem um valor patrimonial tributário superior (e, por vezes, até bastante superior) a €1.000.000.
A Requerente alega também que a verba 28 da TGIS colide ainda com o princípio constitucional da igualdade tributária ao determinar uma manifesta situação de dupla tributação, uma vez que “a verba 28 veio determinar a dupla tributação de um mesmo facto tributário – titularidade de um direito real.” A Requerente refere que a titularidade de um direito real é simultaneamente tributada em Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) – cf. artigo 1.º do Código do IMI – e em Imposto do Selo.
A Requerente acrescenta ainda que os Fundos aqui representados pela Requerente, enquanto fundos de investimento imobiliário, desenvolvem, a título principal, a atividade a compra e venda de bens imóveis, pelo que, a titularidade do direito de propriedade sobre imóveis – nomeadamente, “terrenos para construção” –, os quais se destinam a realizar o seu objeto social, não poderão jamais representar uma capacidade contributiva superior.
Alega que os terrenos para construção não podem ser considerados bens de luxo, consubstanciando antes bens de investimento, os quais se encontram afetos a operações imobiliárias, habitualmente desenvolvidas pelos Fundos no âmbito das suas atividades.
E conclui que o Imposto do Selo previsto na verba 28 não poderá incidir sobre a propriedade de imóveis que se constituem “bens de investimento” de uma sociedade, cuja atividade consiste, exatamente, na compra e venda de imóveis, conquanto nestas situações de facto não se encontram verificados os princípios base subjacentes à tributação aqui em análise.
Por fim, a Requerente afirma que os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 590/205 e 692/2015 não se aplicam ao caso concreto, uma vez que estes respeitam à apreciação da (in)constitucionalidade da norma quando aplicada a “prédios habitacionais”, e não quando aplicada a “terrenos para construção”, como os prédios aqui em análise.
No final, a Requerente refere que procedeu ao pagamento de todas as liquidações de Imposto de Selo em causa nestes autos, e requer que a AT seja condenada a proceder ao pagamento de juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Na Resposta, a Requerida alega que os terrenos para construção em causa estão sujeitos a Imposto do Selo, porque “os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo”.
De acordo com a Requerida, o facto de na norma de incidência se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento de prédio habitacional faz apelo ao coeficiente de afetação, constante do artigo 41º do CIMI, que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.
Logo, fiscalmente, os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exatamente prédios urbanos com vocação habitacional. Assim, a Requerente não poderia desconhecer que as cadernetas são claríssimas ao definir para os lotes de terreno para construção em causa, a respetiva área de implantação do edifício e de construção, sendo patente a afetação habitacional dos edifícios. Afetação essa que é possível apurar e determinar muito antes da efetiva edificação do prédio.
A Requerida afirma ainda que os atos tributários em causa nestes autos, não violam qualquer princípio legal, uma vez que a verba 28 da TGIS é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a 1.000.000,00 €.
Relativamente à violação do princípio constitucional da igualdade alegada pela Requerente, a Requerida refere que, por um lado, os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade, e por outro lado, os Tribunais estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, nos termos do artigo 204º da CRP, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional.
Conclui a Requerida afirmando que “a AT não pode/podia recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos arts. 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT”.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida refere que a Requerente não tem direito aos mesmos, uma vez que não se verificou qualquer erro imputável aos serviços nos termos do artigo 43º da LGT, designadamente por força do facto de a ATA, vinculada que está ao princípio da legalidade, não poder deixar de aplicar qualquer norma em vigor. Consequentemente, como a Requerida fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços.
Em 07-07-2016, o tribunal arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade. No mesmo despacho, o tribunal designou o dia 27-11-2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
Em 08-07-2016, a Requerente veio informar que não pretendia apresentar alegações orais ou escritas. A Requerida não apresentou alegações.
2. Saneamento
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, relativos a vários terrenos para construção, em cumulação de pedidos por se encontrarem preenchidos os requisitos constantes do artigo 3º n.º 1 do RJAT. A Requerente refere que o pedido de pronúncia depende da aplicação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, pelo que também se encontram reunidos os pressupostos de que depende a coligação de autores prevista no artigo 3º n.º 1 do RJAT.
O artigo 3º n.º 1 do RJAT determina que “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
No presente caso, a cumulação de pedidos e a coligação de autores são admissíveis, uma vez que o pedido arbitral tem por objeto atos de liquidação do mesmo imposto, existe identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito.
O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido.
3. Questões a decidir
Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a resposta da Requerida, a questão controvertida a decidir pelo Tribunal Arbitral é de saber se as liquidações de Imposto do Selo em crise foram ou não corretamente emitidas para os prédios propriedade dos Fundos geridos e representados pela Requerente, terrenos para construção, cumprindo os respetivos pressupostos de facto e de direito.
Subsidiariamente, caso se entenda estarem tais pressupostos de facto e de direito cumpridos, requer-se ao Tribunal Arbitral a desaplicação da verba 28 da TGIS ao caso, por inconstitucionalidade, com base em violação do princípio constitucional da igualdade, com a consequente anulação das mesmas liquidações de imposto.
4. Matéria de Facto
4.1. Factos que se consideram provados
Com relevância para a apreciação do pedido da Requerente, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base no alegado pelas Partes e não contestado, e nos documentos juntos ao processo:
i. O C…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado é proprietário do prédio inscrito na matriz sob o artigo…, da união de freguesias de … e …, concelho de ..., matricialmente inscrito como terreno para construção, com valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00;
ii. Sobre o prédio referido no ponto anterior, o C…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado foi notificado dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2014, com os n.ºs 2015…, 2015… e 2015…;
iii. O B…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado é proprietário dos prédios inscritos na matriz sob os artigos … e …, da freguesia de …, concelho de ..., matricialmente inscritos como terrenos para construção, cada um com valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00;
iv. Sobre os prédios referidos no ponto anterior, o B…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado foi notificado dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2014, com os n.ºs 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015… e n.º 2015…;
v. O D…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado é proprietário dos prédios inscritos na matriz sob os artigos …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, todos da freguesia de …, concelho de ..., matricialmente inscritos como terrenos para construção, cada um com valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00;
vi. Sobre os prédios referidos no ponto anterior, o D…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado foi notificado dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2014, com os n.ºs 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015… e n.º 2015…;
vii. O Imposto do Selo assim liquidado foi pago pela Requerente, no valor total de €378.189,24;
viii. A Requerente apresentou reclamações graciosas daquelas liquidações, as quais foram indeferidas.
Não existem outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.2. Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos aos autos e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
4.3. Factos que não se consideram provados
Não se encontra junto aos autos qualquer suporte documental que ateste que os atos em crise foram praticados tendo por objeto prédios com projetos aprovados para a construção ou quaisquer outros títulos constitutivos do direito de construir para habitação.
5. Matéria de Direito
A. Erro nos pressupostos de facto ou de direito
Na sequência do exposto, impõe-se, antes de mais, averiguar se os atos tributários de liquidação objeto do presente Pedido Arbitral estão, ou não, em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a Administração Tributária, no caso dos autos: a verba 28.1 da TGIS, segundo a redação dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro.
Como indicado, a ora Requerente alega em primeiro lugar, e em síntese, que as liquidações de Imposto do Selo em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Cumpre apreciar.
Para o efeito, cumpre citar a douta decisão arbitral proferida no âmbito do processo arbitral n.º 467/2015-T, que se acompanha na íntegra, por se pronunciar sobre caso em tudo idêntico ao presente, com justificação completa e sustentada que não merece, em função da sua qualidade, qualquer acrescento:
“Para a resolução da questão acima identificada, importa ter presente, antes do mais, a evolução e o enquadramento da referida verba 28, quer antes, quer depois da alteração que foi determinada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro (que é, como se disse, a redacção aplicável ao presente caso).
Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14), Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14), Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28, ora em análise:
“O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete, a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”. (Fim de citação.)
Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, mostrava-se necessário averiguar, fazendo uso dos diversos elementos interpretativos, se, na ausência daquela referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objectiva da verba 28. É por essa razão que se compreende que o referido aresto tenha prosseguido, dizendo:
“[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu «espírito», apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza «mais poupadas» no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de «prédios (urbanos) com afectação habitacional», porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros» (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, «os prédios (urbanos) habitacionais», em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades.
[...]. [...] referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados como «prédios com afectação habitacional» para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” (Fim de citação.)
Em síntese, depreende-se da jurisprudência do Venerando STA que, com a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12 (e aplicável aos presentes autos), foi alargado, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir-se, de uma forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.
Feito o imprescindível enquadramento histórico-legal, importa, agora, num segundo momento, analisar os termos do referido alargamento do âmbito de incidência objectiva da norma em causa e aferir da legalidade da sua aplicação ao caso dos presentes autos.
Diz a nova redacção da verba 28.1 da TGIS (dada, como se disse, pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12) o seguinte: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
A questão essencial que, neste contexto, se coloca, é a saber se, fazendo uso das palavras da ora Requerente, “sem [...] aquela previsão ou expectativa de «edificação para habitação» [...] concretizada”, se poderá aceitar a aplicação do imposto do Selo aqui em análise (vd. artigos 83.º a 86.º do Pedido).
Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte:
“No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44]”.
Em face dos requisitos acima citados – com os quais aqui se concorda, por traduzirem e explicitarem quais as exigências legais e administrativas necessárias à consideração de quaisquer terrenos para construção como terrenos abrangidos pela verba 28.1 da TGIS – verifica-se que, no caso ora em análise, os terrenos em causa não preenchem nenhum deles.
Com efeito, e como se disse em sede de prova, não foi junto aos presentes autos qualquer suporte documental que ateste que os atos em crise foram praticados tendo por objeto prédios com projetos aprovados para a construção (ainda sem ou já com as referidas licenças e autorizações de construção), ou prédios que se localizem em zona onde esteja prevista a construção para a habitação (com as mencionadas comunicações prévias ou informações prévias em vigor favoráveis à realização de operações de loteamento ou de construção). Não tendo sido feita essa demonstração, não se poderá considerar que os terrenos ora em causa têm edificação, autorizada ou prevista, para habitação, nos termos do CIMI.
Regressando ao acórdão que vimos seguindo, “Importa, ainda, salientar que, embora os prédios aqui em causa estejam matricialmente inscritos como sendo “terrenos para construção”, tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação prevista.
Prova do que acabou de se dizer é o facto de, como também referem ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (ob. cit., p. 46), “os imóveis situados em zonas urbanizadas ou incluídas em áreas abrangidas por planos de urbanização já aprovados [...] apenas deve[re]m ser considerados como terrenos para construção quando, por acção desencadeada pelo respectivo proprietário, se verifiquem, em alternativa, a emissão de qualquer daqueles documentos [«concessão de licenças, autorizações de construção ou loteamento, comunicações ou informações prévias favoráveis para o mesmo desiderato»]”.
“Acrescentam os mesmos autores (vd. ibidem) – reforçando o entendimento, já aqui expresso, segundo o qual, sem licenças ou autorizações de construção, a mera inscrição dos imóveis como terrenos para construção não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS –, em abono da sua posição, o seguinte:
“Os imóveis já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção, e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior”.
“No mesmo sentido, veja-se, igualmente, JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção. Sendo esse ato constitutivo praticado pela entidade pública a requerimento do proprietário, então a classificação de um prédio como terreno para construção depende sempre da vontade do proprietário.”
“Em síntese, afigura-se claro, no caso que se vem tratando, que a incidência do imposto aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efectiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507).
“Sem essa demonstração da efectiva potencialidade de edificação – que, como se disse, não ocorreu no caso aqui em análise –, não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redacção do texto legal da verba 28.1 da TGIS, razão pela qual se conclui que as liquidações em causa incorrem no erro invocado pela Requerente (vd. artigo 92.º da Petição).”
Acompanhando este Tribunal Arbitral, integralmente e sem reservas, tal entendimento, não resta se não mostrar-se procedente o entendimento da Requerente quanto à questão referida, e ficar prejudicado, em face do disposto no artigo 124.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações da Requerente (não havendo, em face desta decisão, qualquer prejuízo para a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da mesma).
B. Juros Indemnizatórios
De acordo com o artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Conforme decorre de quanto se concluiu anteriormente, houve, no caso, erro imputável aos serviços, na medida em que as liquidações em crise, ao contrário do alegado pela Requerida, não foram emitidas em simples aplicação da lei. De facto, a Requerida não cuidou de verificar e comprovar se, no caso em apreço, havia elementos que permitissem, nos termos legais, determinar a afetação habitacional efetiva dos prédios em questão. Consequentemente, não sustentando e justificando a sua atuação, não poderia ter emitido as liquidações de imposto que, como se concluiu, são ilegais.
Existindo, manifestamente, erro imputável aos serviços é também, e sem mais, procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em montante a liquidar em execução de sentença.
6. Decisão
Em face do supra exposto, decide-se:
a. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular as liquidações de Imposto do Selo em causa, determinando-se a devolução dos montantes indevidamente cobrados;
b. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.
Valor do processo: €378.189,24 (trezentos e setenta e oito mil cento e oitenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos)
Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €6.426,00 (seis mil quatrocentos e vinte e seis euros), a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 7 de setembro de 2016.
Os Árbitros,
(Fernanda Maçãs)
(Ana Pedrosa Augusto)
(Suzana Fernandes da Costa)