Decisão Arbitral
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Cristina Aragão Seia e Júlio Tormenta, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 22 de Janeiro de 2016, A…, com sede na …- Rua…, em …-… …, pessoa colectiva n.º…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2014…, no valor total de €320.726,23, do exercício de 2011.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
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Aceita que as actividades de formação não subsidiadas, designadamente os seminários, conferências e eventos análogos, configuram rendimentos equiparados a rendimentos da categoria B;
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Discorda do entendimento da AT no que concerne ao enquadramento fiscal dos subsídios por si obtidos, associados à formação;
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A norma prevista no artigo 55.º do EBF, cuja aplicação foi negada pela AT, não lhe é, efectivamente, aplicável, porque esta não é uma associação patronal ou sindical, nem uma pessoa colectiva criada por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais;
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A não sujeição a IRC dos subsídios por si obtidos, no âmbito dos programas de formação que realiza, em conformidade com o previsto na alínea e) do n.º1, do artigo 2.º dos seus Estatutos, resulta antes da aplicação do n.º 3 do artigo 54.º do Código do IRC;
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Logo, os subsídios em questão são rendimentos não sujeitos a IRC, pelo que o acto tributário de liquidação incorre em erro de qualificação dos rendimentos provenientes de subsídios, devendo ser anulado, com fundamento na alínea a) do artigo 99.º do CPPT;
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No entender da Requerente a AT incorre em erro quanto à qualificação dos custos, porquanto, segundo o artigo 54.º do Código do IRC, os gastos que não estejam especificamente ligados a uma determinada categoria de rendimentos são considerados comuns, pelo que os custos considerados pela AT como específicos de rendimentos de determinados projectos, são inquestionavelmente custos comuns a actividades sujeitas e a actividades não sujeitas, tal como definidos no artigo 54.º, n.º1, alínea b), do Código do IRC;
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Ainda no entender da Requerente a AT incorre também em erro quanto à qualificação dos demais custos que considerou como específicos da categoria B (respeitantes a custos ligados à actividade de formação), uma vez que se a formação subsidiada é, no entendimento da Requerente, um rendimento não sujeito a IRC, pelo que os custos específicos dessa actividade não podem ser considerados, como argumenta a AT, custos afectos a rendimentos da categoria B;
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Tratam-se, ainda no entender da Requerente, de custos comuns a actividades não sujeitas (os subsídios destinados à formação) e a actividades sujeitas a IRC (os proveitos decorrentes de formação não subsidiada, nomeadamente seminários, conferências e eventos análogos), pelo que, segundo o artigo 54.º do Código do IRC, devem ser considerados comuns aos proveitos auferidos no âmbito de actividades de formação;
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Pelo que o acto tributário é, de acordo com a Requerente, ilegal, por violação do artigo 54.º, n.º1, alínea b), conjugado com o n.º 2 do mesmo preceito;
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Alega ainda a Requerente que o acto tributário é também ilegal por falta de fundamentação das correcções aritméticas efectuadas e por violação dos princípios constitucionais da segurança, da proteção jurídica e o da tributação pelo rendimento real.
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No dia 25-01-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 21-03-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-04-2016.
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No dia 11-05-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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Atendendo a que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 dias.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente foi objecto de um procedimento de inspeção externa, sobre os exercícios dos anos de 2007 e 2008, tendo sido notificada, em Outubro de 2011, do respetivo Relatório de inspeção.
2- A Requerente foi também objecto de um outro procedimento de inspeção externa, ao que aqui importa, sobre o exercício de 2009, 2010 e 2011, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças do Porto (SIT), ao abrigo da ordem de serviço identificada como OI 2013… .
3- A abertura da Ordem de Serviço referida teve a sua origem num pedido de reembolso de IVA efectuado pela Requerente.
4- A Requerente foi notificada, em Novembro de 2013, do Relatório de Inspeção referente ao exercício de 2009, e, em Janeiro de 2014, do Relatório de Inspeção referente aos exercícios de 2010 e 2011;
5- Do relatório relativo ao exercício de 2011, a AT consta que “a A… não é uma associação de empregadores”.
6- Do artigo 2.º dos Estatutos da Requerente resulta que:
“1. Para a realização do seu objeto, competirá à A…:
a) Promover o fomento do empreendedorismo junto da sociedade, do tecido económico e dos jovens em particular;
b) Promover instrumentos de facilitação do acesso e do desenvolvimento à atividade empresarial, nomeadamente através de mecanismos de incubação de empresas e de serviços comuns de apoio;
c) Dinamizar projetos de sensibilização empresarial, setorial e outros, através de eventos de promoção de produtos, serviços ou regiões;
d) Defender os interesses dos jovens empresários e empreendedores através da sua aproximação e do apoio à iniciativa privada;
e) Promover a formação profissional dos seus membros e da comunidade em geral e a sua integração e relacionamento com o meio empresarial;
f) Fomentar o intercâmbio de experiências e a troca de informações;
g) Dinamizar novos projetos e relações empresariais e promover a ação dos jovens empresários e das empresas nacionais no mercado internacional, nomeadamente nas comunidades e países lusófonos;
h) Criar uma força dialogante junto dos organismos oficiais, governamentais, económicos, sociais e culturais;
i) Congregar em seu torno grupos ou organizações formais ou informais, com objetivos semelhantes, de modo a incrementar e orientar a sua atividade.».
7- Entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2011 não existiu qualquer alteração estatutária na Requerente, nem existiu qualquer alteração ao nível das atividades desenvolvidas pela Associação, mormente não existiu qualquer alteração no «modus operandi» da formação realizada pela Requerente.
8- No relatório de inspeção ao exercício de 2011 (que fundamenta o acto tributário de liquidação impugnado), a AT consta que “a A… é um sujeito passivo de IRC de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, cujo imposto incide sobre o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS (…) atendendo a não exercer, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola…”;
9- Este mesmo enquadramento tributário foi expresso pela AT nos relatórios de inspeção tributária referentes aos exercícios de 2007, 2008 e de 2009;
10- Na referida ação de inspeção, e com relevância para os presentes autos, verificaram os SIT que, no exercício de 2011, a ora Requerente não dispunha da sua contabilidade organizada de acordo com as várias categorias de IRS, não estando o registo dos custos efectuado de modo a distinguir os encargos específicos de cada categoria de rendimentos dos demais encargos não específicos;
11- No mencionado relatório de inspeção tributária referente ao exercício de 2011 a AT fez constar que a A… não cumpriu com a obrigação assessória prevista no artigo 116.º do Código do IRC, nele afirmando que “Atendendo aos balancetes disponibilizados, verifica-se que a contabilidade geral, considerando o Plano de Contas utilizado, não se encontra estruturada para que sejam identificados os diferentes tipos de rendimentos obtidos: isentos, não sujeitos e sujeitos (por categoria de IRS). Relativamente aos rendimentos salienta-se que as prestações de serviços se encontram subdivididas em isentas de IVA e sujeitas a IVA, que por sua vez se encontram subdivididas em sede e núcleos regionais - Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo (LVT), Alentejo (ATO) e Algarve (ALG). No que respeita aos gastos, as diferentes rubricas encontram-se subdivididas em sede e núcleos regionais”;
12- Deste modo, entendeu a Administração Tributária que o Plano de Contas utilizado não se encontrava estruturado nem organizado, de modo a evidenciar:
a. As várias categorias de rendimentos consideradas para efeitos de IRS;
b. Os registos de encargos, organizados de modo a que se distingam os encargos específicos de cada categoria de rendimentos sujeitos a imposto;
c. Os demais encargos que, no todo ou em parte, são dedutíveis ao rendimento global.
13- O referido Plano de Contas estava organizado nos termos expressos no seguinte quadro:
14- Consta, ainda do RIT, que: “Os factos descritos evidenciam que o sujeito passivo, utilizou o enquadramento em IVA, a que sujeitou os rendimentos obtidos, para proceder ao seu enquadramento em sede de IRC. Entre o conjunto de rendimentos, considerados não sujeitos pelo sujeito passivo estão os rendimentos obtidos com formação, conferências, seminários e eventos similares, os quais não se encontram referenciados no n.º 3 (não sujeitos) e no n.º 4 (isentos) do art. 54.º do CIRC.”.
15- Para o ano de 2011, a Requerente efetuou o apuramento por categorias de rendimentos conforme o quadro seguinte:
16- A AT entendeu que não se encontrava a contabilidade da Requerente estruturada segundo as várias categorias de rendimentos (tal como definidas no IRS) e que não estava, o registo dos encargos, efectuado de modo a distinguir os encargos específicos de cada categoria de rendimentos dos demais encargos não específicos, pelo que procedeu à requalificação dos rendimentos por categorias (de IRS) e separou os encargos que entendeu estarem associados a certo tipo de rendimentos dos outros encargos gerais.
17- Na acção inspectiva efectuada aos exercícios de 2007 e 2008 a AT entendeu que os rendimentos auferidos pela Requerente, nos anos de 2007 e de 2008 provenientes de subsídios para realizar ações de formação eram rendimentos não sujeitos a IRC, e por esse motivo a AT, na inspeção efetuada aos exercícios de 2007 e 2008, não efetuou qualquer correção (requalificação) no que concerne a este tipo de rendimentos.
18- Para o ano de 2011, a AT corrigiu o apuramento efectuado pela Requerente no que concerne aos rendimentos não sujeitos a imposto num montante de 1.520.493,89€, conforme resulta do quadro seguinte:
19- Em sede de fundamentação para tal requalificação, a AT fez constar que “estes proveitos resultam fundamentalmente das seguintes operações económicas: realização de seminários, conferências e eventos análogos, prestação de serviços de formação (subsídios), cedência de espaço e outras prestações de serviço”.
20- Os rendimentos requalificados pela AT correspondem aos discriminados no quadro seguinte:
21- No âmbito do procedimento inspectivo, a Administração Tributária procedeu também a diferente imputação dos gastos.
22- A diferença no apuramento dos gastos específicos de determinadas categorias de rendimentos, realizada pela Requerente e pela AT resulta evidenciada no quadro seguinte:
23- Em sede de fundamentação quanto às correcções realizadas pela AT no que diz respeito aos custos, no RIT fez-se constar que: “atendendo à informação disponibilizada pela A…, dos respectivos centros de custo, considera-se existir informação suficiente para efectuar uma distribuição do valor total dos custos suportados, pelos rendimentos obtidos (sujeitos e não sujeitos ou isentos). Assim determinam-se os custos específicos dos rendimentos sujeitos auferidos, conforme quadro seguinte:
O mesmo procedimento foi aplicado relativamente ao centro de custo 21213 respeitante à B…, conforme quadro seguinte:
O mesmo procedimento foi aplicado relativamente ao centro de custo 212216 respeitante ao projeto C…, conforme quadro seguinte:
”
24- A AT estabeleceu como critério para apuramento dos custos específicos relativos aos eventos referidos, o que resulta dos quadros seguintes:
25- Nos quadros que antecedem, AT calculou a percentagem dos rendimentos não sujeitos no total dos rendimentos auferidos no âmbito de cada projecto e calculou a percentagem dos rendimentos sujeitos no total dos rendimentos auferidos no âmbito desse projecto, multiplicou o total dos custos relacionados com o projecto pela percentagem que os rendimentos sujeitos a IRC representam no total dos rendimentos do mesmo, e apurou os custos que, no entender da AT, são específicos dos rendimentos sujeitos a IRC. O mesmo raciocínio foi utlizado para apurar os custos que, no entender da AT, são específicos dos rendimentos não sujeitos a IRC.
26- Do relatório de fiscalização aos exercícios de 2007 e 2008 consta que “devido à especificidade e falta de um sistema contabilístico de repartição de custos por categorias de rendimento ou de informação extra - contabilística auxiliar, só foram considerados custos específicos para os rendimentos não sujeitos. Os custos específicos considerados para este tipo de rendimentos, foram os relacionados com as reduções e devoluções dos incentivos de exploração recebidos, bem como o custo proporcional das amortizações dos activos imobilizados que foram sujeitos a subsídios”.
27- Mais consta no referido relatório de inspeção que “os custos proporcionais das amortizações dos bens que receberam subsídios foram considerados como custos específicos dos rendimentos não sujeitos, uma vez que os proporcionais dos subsídios recebidos, contabilizados na conta 79821, foram considerados, nos termos do artigo 49.º n.º 3 do CIRC, como rendimentos não sujeitos”.
28- No relatório da acção inspectiva aos exercícios de 2007 e de 2008, a AT concluiu que os únicos custos especificamente ligados à actividade não sujeita são os relacionados com as reduções e devoluções de subsídios recebidos, bem como o custo proporcional das amortizações dos activos imobilizados que foram adquiridos com fundos provenientes de subsídios auferidos pela Requerente. Mais concluiu, nesse mesmo relatório, pela inexistência de custos específicos relacionados com a actividade sujeita a IRC.
29- A informação de apoio à gestão estava organizada da mesma forma em 2007 em 2008 e em 2011, ou seja, “os centros de custos” em 2007 em 2008 e em 2011 estão organizados exactamente com a mesma nomenclatura e é exactamente o mesmo propósito que está subjacente à alocação (imputação, repartição) dos custos.
30- Na sequência das referidas correcções foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2014…, no valor total de €320.726,23, referente ao exercício de 2011.
31- Em virtude de discordar parcialmente do acto de liquidação, a Requerente apresentou reclamação graciosa e em Agosto de 2015 foi notificada do indeferimento da reclamação.
32- Em 25 de Setembro de 2015 apresentou recurso hierárquico, do qual até à propositura da presente acção arbitral, não foi notificada de qualquer decisão.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
B. DO DIREITO
As questões que se apresentam a decidir no presente processo arbitral tributário, foram já objecto de apreciação no processo 88/2015T[2], com cujas conclusões se concorda, e cuja fundamentação se seguirá de muito perto.
Assim, a primeira questão a enfrentar prende-se com a apreciação da legalidade da requalificação operada pela AT, relativa aos rendimentos da Requerente, no exercício de 2011, provenientes de subsídios à formação.
Com efeito, a Requerente indicou, a título de rendimentos não sujeitos, o valor de €5.299.940,68 e a título de rendimentos da categoria B o valor de €2.893.453,32.
Na sequência do processo inspectivo, a AT veio a considerar como valor de rendimentos não sujeitos o montante de €3.779.446,79 e como valor de rendimentos da categoria B, o montante de € 4.413.947,21, operando, assim, a requalificação de rendimentos correspondentes à quantia de €1.520.493,89, transferindo-os da categoria de rendimentos não sujeitos para a categoria B.
A Requerente concorda com tal requalificação no que diz respeito ao valor de €74.196,37, discordando, porém, quanto à requalificação do valor remanescente, correspondente a €1.446.297,52. É, assim, apenas este o valor relativamente a cuja requalificação existe litígio e quanto ao qual as partes requerem a decisão do tribunal.
No que diz respeito à qualificação do tipo de rendimentos em causa, não existe divergência entre as partes, ambas concordando tratar-se de rendimento correspondente a subsídios associados à formação.
O mesmo se passa quanto à qualificação da pessoa colectiva a que se reconduz a Requerente, concordando ambas as partes que está em causa uma pessoa colectiva de direito privado que, consequentemente, não corresponde a pessoa colectiva de direito público, nem a associação sindical.
Não existe também divergência quanto ao facto de as acções de formação (subsidiadas) prestadas pela Requerente não terem por destinatários exclusivos os respectivos associados, nem quanto ao facto de que a prestação de actividade de “formação profissional dos seus membros e da comunidade em geral” se integra nos fins estatutários da Requerente, em conformidade com o previsto na al. e) do art. 2.º dos seus estatutos.
Posto isto, é incontestável, e a Requerente não o contesta, estando, também nisso, as partes de acordo, que não se pode considerar aplicável, no caso concreto, o benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 55.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que dispõe que:
“Ficam isentos de IRC os rendimentos das associações sindicais e das pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, criadas por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais, derivados de acções de formação prestadas aos respectivos associados no âmbito dos seus fins estatutários.”.
No presente caso, embora a prestação de acções de formação seja realizada no âmbito dos fins estatutários da Requerente, esta não corresponde ao tipo de pessoa colectiva previsto na lei – não é associação sindical, nem pessoa colectiva pública, de tipo associativo, criada por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais, nem se cumpre a segunda condição de aplicação do benefício fiscal prevista no referido artigo, já que as acções de formação não foram prestadas apenas aos associados da Requerente.
Considerando que os rendimentos em questão não se encontravam isentos de IRC de acordo com o art. 55.º, n.º 2 do EBF, a AT enquadrou-os no regime geral de tributação, como “componentes positivas na determinação do rendimento…”, afirmando que “nos termos da alínea g) do n.º 2 do art. 3.º do Código do IRS, tais subsídios consideram-se rendimentos empresariais”.
A Requerente, todavia, sustenta que, não obstante no caso sub judice não se aplicar a causa de isenção de IRC prevista no referido artigo 55.º, n.º 2, do EBF, se aplicará a causa de não sujeição a IRC prevista no artigo 54.º, n.º 3, do CIRC aplicável, que dispõe que relativamente às “pessoas colectivas e outras entidades residentes que não exerçam, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola”, “Consideram-se rendimentos não sujeitos a IRC as quotas pagas pelos associados em conformidade com os estatutos, bem como os subsídios destinados a financiar a realização dos fins estatutários.”.
Compulsada a matéria de facto que se apurou provada, verifica-se que se cumpre, quer o requisito legal na norma em causa relativo ao sujeito passivo (a Requerente é uma pessoa colectiva residente que não exerce, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola), quer o requisito relativo ao tipo de rendimento (estão em causa subsídios destinados a financiar a realização dos fins estatutários).
Reunindo-se assim os pressupostos de aplicação do artigo 54.º, n.º 3, do IRC, esta regra deverá ser aplicada ao caso da Requerente não sendo, em consequência, os rendimentos sobre os quais agora se decide qualificados como rendimentos da categoria B mas sim como rendimentos não sujeitos a IRC.
Ao contrário do que sustenta a AT, não se vislumbra no texto legal sustentação para o entendimento de que “A não sujeição a IRC, prevista pelo art. 54.º, n.º 3 do CIRC será aplicável aos subsídios recebidos sem que a entidade que os atribua imponha aos beneficiários a prática de condutas específicas.”. Efectivamente, ao contrário do que acontece em sede de IVA, por exemplo, onde o legislador definiu que “O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui: (...) c) As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações” (artigo 16.º/5/c) do CIVA), em sede de IRC, e no que diz respeito às entidades que não exercem, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, nenhuma limitação foi desenhada relativamente aos subsídios destinados a financiar a realização de fins estatutários.
Não procede igualmente o entendimento da AT, assente no texto da norma do artigo 3.º, n.ºs 1, al. b) e 2 al. g) do CIRS, segundo o qual os subsídios foram obtidos pela Requerente no âmbito do exercício de uma actividade de prestação de serviços de formação, já que o mesmo é contraditório com a qualificação da Requerente, aceite pela própria AT (sendo, de resto, fundamento para a aplicação da tributação de acordo com a categoria B de IRS), como uma pessoa colectiva que não exerce, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. De facto, se, no caso em apreço os subsídios fossem obtidos pela Requerente no âmbito do exercício de uma actividade de prestação de serviços de formação, ter-se-ia que considerar que aquela se dedica, a título principal, a uma actividade de natureza comercial, já que, conforme os números da sua contabilidade evidenciam, o grosso da sua actividade está, justamente, ligada à formação. Sucede que, a tributação nos termos do CIRS, decorrente do artigo 53.º e ss. do CIRC, apenas é lícita relativamente a sujeitos passivos que não exercem, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
Face a todo o exposto, será de julgar procedente, a invocação, pela Requerente, da ilegalidade da liquidação, com base em errónea qualificação dos rendimentos em apreço.
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Do quanto vem de se concluir, decorre directamente a ilegalidade da requalificação efectuada pela Requerida, dos gastos específicos da actividade, sujeita e não sujeita, uma vez que, de acordo com o artigo 54.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, em conjugação com o n.º 2 do mesmo preceito, os gastos que não estejam ligados àquelas categorias de rendimentos, devem ser considerados como gastos ou custos comuns.
Tendo a Administração Tributária e Aduaneira se limitado, através da aplicação de uma percentagem que reflecte o peso relativo dos rendimentos sujeitos, a converter custos considerados comuns em alegados custos específicos, quando resulta, como vem de se ver, que não se tratam de gastos exclusivamente relacionados com a obtenção de rendimentos da categoria B, como seria legalmente exigível para que a correcção operada fosse admissível, haverá que declarar a correspondente ilegalidade.
Com efeito, no caso de gastos comuns, para determinação da matéria colectável, a sua dedução aos rendimentos sujeitos deve ser feita nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 54.º do CIRC, como sustenta a Requerente.
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Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade resultante do erro na qualificação quer dos rendimentos quer dos custos, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao acto tributário em causa, conforme decorre do artigo 124.º do CPPT.
Assim, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2014…, no valor total de €320.726,23, do exercício de 2011;
b) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €5.508,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €320.726,23, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €5.508,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 8 de Setembro de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Maria Cristina Aragão Seia)
O Árbitro Vogal
(Júlio Tormenta)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.