Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 30/2016-T
Data da decisão: 2016-10-04  IRS  
Valor do pedido: € 215.658,27
Tema: IRS - Mais-valias, IRS e aplicação da lei no tempo.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Luís M. S. Oliveira e Prof. Francisco Nicolau Domingos (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06/04/2016, acordam no seguinte:  

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A… e B…, contribuinte n.º … e n.º…, respectivamente, residentes na …, n.º…, …, Funchal, doravante designados por Requerentes, apresentaram em 22/01/2016 pedido de pronúncia arbitral, no qual solicitam que seja declarado ilegal e anulado o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2011…, praticado pelo Excelentíssimo Senhor Director-Geral da (então assim denominada) Direcção-Geral dos Impostos, por referência ao ano 2010, no valor de  € 215.658,27 e, bem assim, a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o mesmo, com as necessárias consequências legais, designadamente, o reembolso do imposto pago indevidamente em excesso pelos Requerentes, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios à taxa legal.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 21/03/2016 como árbitro-presidente a Senhora Conselheira Maria Fernanda Maçãs e como co-árbitros o Dr. Luís M. S. Oliveira e o Prof. Francisco Nicolau Domingos, que declararam aceitar, nos termos legalmente previstos.

 

1.3.No dia 06/04/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), citada para contestar (despacho de 06/04/2016), veio a Requerida requerer a revogação do mesmo, invocando que os Requerentes não haviam feito a junção ao processo de documento que, no Requerimento inicial, tinha protestado vir, posteriormente, a anexar aos autos, ausência que a Requerida havia referido em requerimento por si junto em momento anterior. Formulou, para tanto, pedido de revogação do despacho de 6/4/2016 e que a entidade Requerida fosse notificada de novo despacho quando todos os elementos em falta se encontrassem juntos ao processo. Este pedido veio a ser indeferido, por despacho do tribunal de 20/4/2016, por, entre o mais, ao implicar a suspensão do processo, o mesmo carecer de base legal.

 

1.5.Em 05/05/2016, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defende por excepção, invocando a incompetência absoluta do tribunal arbitral e a sua ilegitimidade passiva, sustentando, nomeadamente, que deve ser julgado improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação em crise.

 

1.6.O tribunal, perante a resposta da Requerida, determinou em 08/05/2016 que se notificassem os Requerentes para, querendo, exercerem o contraditório e concretizarem os pontos de facto do seu pedido de pronúncia arbitral sobre os quais pretendiam produzir prova testemunhal.

 

1.7.Em 20/05/2016 os Requerentes apresentaram requerimento a solicitar a alteração do rol de testemunhas e indicaram os factos sobre os quais pretendiam produzir prova testemunhal.

 

1.8.Os Requerentes, em 23/05/2016, apresentaram a sua resposta às excepções dilatórias invocadas, na qual defendem, nomeadamente, que o tribunal arbitral é competente para conhecer o pedido e concluem pela improcedência da excepção de ilegitimidade passiva.

 

1.9.O tribunal, em 31/05/2016, dispensou a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, fixou dia para a realização da audiência de julgamento e deferiu o pedido de alteração do rol de testemunhas formulado pelos Requerentes.

 

1.10.        Os Requerentes, em 14/06/2016, apresentaram requerimento, no qual solicitam o aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo arbitral n.º 26/2016-T.

 

1.11.        Por despacho de 16/06/2016, o tribunal decidiu, designadamente, dar prazo aos Requerentes para fazerem prova da identidade das partes, da testemunha em causa e de que o facto cuja prova os Requerentes pretendiam produzir ser coincidente com aquele outro cuja prova pretendiam aproveitar, tudo em relação ao supra referenciado processo arbitral.

 

1.12.          A Requerida, por requerimento apresentado em 16/06/2016, deu o seu consentimento ao aproveitamento da prova.

 

1.13.        Os Requerentes, no dia 17/06/2016, apresentaram requerimento e juntaram documentos para dar cumprimento ao despacho do tribunal referido em 1.11. da presente.

 

1.14.        O tribunal, por despacho de 19/06/2016, obtida a concordância da Requerida, deferiu o pedido de aproveitamento de prova, decidiu dispensar a audiência que se encontrava agendada e concedeu prazo às partes para, querendo, apresentarem alegações escritas com natureza sucessiva. Mais foi designado o dia 06/10/2016 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

1.15.        As partes apresentaram alegações finais escritas reiterando os argumentos já invocados nos outros articulados.

 

2. POSIÇÕES DAS PARTES

Os Requerentes começam previamente por referir que o acto de liquidação de IRS com o n.º 2011 … de 25/06/2011 não se encontra fundamentado, quer de facto, quer de direito, visto que há uma total omissão de fundamentos, pelo que imputam ao acto de liquidação o vício de falta de fundamentação.

Em segundo lugar, acrescentam que o acto em crise deve ser anulado por preterição de formalidade legal, mais concretamente o direito de audição, ficando de tal modo vedada a sua participação na decisão da Administração Tributária e Aduaneira (AT) que se corporiza no acto de liquidação.

Em terceiro lugar, alegam que as mais-valias mobiliárias apuradas pelos Requerentes no decurso de 2010 resultam de uma única operação de alineação de acções detidas há mais de 12 meses, realizada antes da entrada em vigor da Lei 15/2010, de 26 de Julho e que, de acordo com a lei que se encontrava em vigor à data da alienação das referidas acções, as mais-valias resultantes da mesma encontravam-se excluídas de tributação. Razão pela qual o acto seria ilegal.

Em abono de tal conclusão, referem que, no caso concreto, não é possível submeter a tributação as mais-valias decorrentes da alienação das acções ao abrigo do regime jurídico instituído pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, que entrou em vigor no dia 27 de Julho e que prevê: i) um agravamento da taxa de tributação especial aplicável ao saldo positivo entre as mais e as menos-valias mobiliárias, a qual passou de 10% para 20% e ii) a eliminação da exclusão de tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas há mais de 12 meses e de obrigações e outros títulos de dívida, que passam a estar sujeitas a uma tributação à referida taxa de 20%.

Na verdade, sustentam que, não tendo sido determinada na Lei 15/2010, de 26 de Julho, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (art. 5.º), uma data de referência para o início da produção de efeitos das alterações por ela introduzidas, há que aplicar o art. 12.º da Lei Geral Tributária (LGT) para aferir o regime jurídico aplicável às alienações de acções verificadas antes da entrada em vigor do novo regime de tributação das mais-valias mobiliárias. Pelo que, tal alteração legislativa apenas será aplicável aos factos tributários ocorridos após a sua entrada em vigor.

Acrescentam ainda que o momento relevante para efeitos de tributação das mais-valias mobiliárias é aquele em que se realiza a mais-valia e, assim, em que ocorre a alineação. Ou, dito de outro modo, se o facto tributário que dá origem ao imposto se esgota na realização da mais-valia, no caso concreto, as mais-valias apuradas encontram-se excluídas de tributação.

Alegam ainda os Requerentes que, a liquidação viola o princípio da proibição da retroactividade fiscal, previsto no art. 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que o acto tributário em crise resulta da aplicação da Lei 15/2010, de 26 de Julho, quando o facto gerador do imposto ocorreu em momento anterior à data da entrada em vigor de tal diploma.

A Requerida, na sua resposta, começa por defender-se por excepção invocando:

A incompetência do tribunal arbitral.

Com efeito, sustenta que a competência fiscal para a liquidação de IRS relativamente a pessoas singulares ou colectivas com domicílio, sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira (RAM) pertence ao seu Governo Regional, pelo que, se a vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD se circunscreve aos serviços que compõem a AT, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais (DRAF) não estaria vinculada a tal jurisdição.

            A ilegitimidade passiva.

 Em tal linha, acrescenta que, em resultado da incompetência do tribunal arbitral verifica-se que a entidade Requerida não tem legitimidade passiva no âmbito deste processo, visto que a legitimidade processual advém da qualidade de parte na relação material, resultando no interesse em agir em juízo, bem como o interesse em exercer o contraditório à pretensão deduzida. Assim, sustenta que se os Requerentes têm o seu domicílio na RAM, não é a AT sujeito activo do imposto.

            Intempestividade do pedido arbitral.

No âmbito da sua defesa sustenta que o pedido de revisão oficiosa é intempestivo, porquanto se o acto de liquidação de IRS foi notificado aos Requerentes em 25/06/2011 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 25/06/2015 já teriam decorrido os prazos de 3 e de 4 anos consignados no n.º 4 e 1 do art. 78.º da LGT.

            Segundo a Requerida, por inexistir erro imputável os serviços, o prazo do pedido de revisão seria de 3 anos e não de 4.

Para a Requerida, o erro na declaração não é imputável aos serviços, mas aos próprios Requerentes, que não preencheram o anexo G1 na declaração modelo 3 de IRS, como estavam obrigados e, se assim o é, não só não se encontram reunidos os pressupostos processuais para a revisão oficiosa, como também tal pedido de revisão, ao contrariar um comportamento anterior – declaração no anexo G, quadro 8, de alineação das acções não excluídas de tributação, configura um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Omissão da formalidade prevista no n.º 3 do artigo 59.º do CPPT.

Alega, ainda, que a ser viável a revisão oficiosa do acto tributário seria necessária a apresentação de uma declaração de substituição, nos prazos e nos limites consignados no n.º 3 do artigo 59.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) por parte dos Requerentes. Preterida que ficou a formalidade do artigo 59.º do CPPT, não podia o pedido de revisão oficiosa servir para reabrir o prazo que os Requerentes deixaram precludir, no âmbito daquele preceito, como, aliás, peremptoriamente refere o n.º 6 daquela norma. 

Nesta linha, pugna que nunca poderá existir erro imputável aos serviços, pelo que, não se encontram reunidos os pressupostos de que depende o pedido de revisão oficiosa a interpor no prazo de 4 anos, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 78.º da LGT.

            Na defesa por impugnação, alega a Requerida, quanto aos vícios de falta de fundamentação e de preterição de audição prévia imputados pelos Requerentes ao acto tributário em crise, que a liquidação objecto dos presentes autos foi efectuada com base nos elementos declarados pelos próprios Requerentes e, como tal, a liquidação apenas espelha os valores que foram declarados e apresentados na declaração de rendimentos modelo 3. Em abono desta conclusão, refere que a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto assim que os argumentos utilizados por estes no seu pedido de pronúncia arbitral demonstram que compreenderam cabalmente o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida e que esta se encontrava dispensada de proceder à audição prévia dos Requerentes, como o art. 60.º, n.º 2, al. b), da LGT assim o dispõe.

            Finalmente observa a Requerida que não tem qualquer base normativa a ilegalidade da liquidação alegada pelos Requerentes, ao defenderem que o facto de a lei referir que entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação legal permite a exclusão da sua aplicação à situação de facto gizada nos autos. Para formular esta conclusão refere que: i) o legislador, ao não consagrar na lei qualquer norma de direito transitório que salvaguardasse eventuais factos tributários em formação, pretendeu, de facto, que as situações de realização de mais-valias durante o ano 2010 – das quais resultasse um saldo positivo – fossem sujeitas a tributação efectiva, independentemente da data da sua realização; ii) o próprio legislador pretendeu clara e expressamente que o novo regime fosse aplicável ao resultado das mais-valias apuradas ao longo do ano 2010; iii) é pacífico que o facto gerador do imposto se verifica à data de 31 de Dezembro de cada ano, assim se compreendendo o carácter unitário e global da tributação do rendimento; iv) o facto gerador não é o ganho resultante da alienação, mas sim, o saldo positivo, apurado em determinado período de tributação, entre mais-valias e menos-valias, por isso, advoga que não faz qualquer sentido afirmar que existe na presente hipótese uma situação de retroactividade de 1.º grau relativamente à alteração preconizada pela Lei 15/2010, de 26 de Julho, quando a solução legal respeita a factualidade ainda em formação e v) se a regra da anualidade do IRS conduz à aglutinação de todos os factos geradores e dos rendimentos que se verifiquem até 31 de Dezembro do período em causa, não faz, no seu juízo, sentido aplicar ao caso concreto o art. 12.º da LGT para efeitos da fixação da aplicação temporal da Lei 15/2010, de 26 de Julho. Deste modo, a liquidação não viola o princípio da proibição da retroactividade fiscal ou o princípio constitucional da confiança.

            Termina afirmando que se o acto tributário em crise não é ilegal e corresponde aos próprios elementos que foram declarados pelos Requerentes, não há erro imputável aos serviços e, assim, não se encontram preenchidos os requisitos para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

            Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:

i)                    Se o tribunal arbitral tem competência para apreciar o pedido de pronúncia arbitral;

ii)                  Se a entidade Requerida é parte ilegítima nestes autos;

iii)                Se o pedido de revisão oficiosa é tempestivo;

iv)                Se o acto de liquidação padece de erro sobre os pressupostos de direito, por violação do artigo 103.º da CRP.

v)                  Se há abuso de direito por parte dos Requerentes;

vi)                Se o acto de liquidação padece do vício de falta de fundamentação por ausência absoluta de quaisquer elementos de facto e de direito e se o acto de liquidação preteriu formalidade essencial;

vii)              Se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

3. QUESTÕES PRÉVIAS E SANEAMENTO

 

3.1. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

A Requerida, na sua resposta, invocou a incompetência absoluta deste tribunal, na medida em que, no seu juízo, o imposto em causa não é liquidado pela AT, mas pela Direcção Regional dos Assuntos Fiscais (DRAF) e que os Requerentes têm domicílio fiscal no Funchal, ou seja, na RAM. Consequentemente, o único organismo do Ministério das Finanças que está vinculado à jurisdição dos tribunais constituídos sob a égide do CAAD é a AT.

Em resposta a tal matéria de excepção, os Requerentes defenderam que, nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 1 do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro, se dispõe que a AT continuará, através dos seus departamentos e serviços, a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM. Bem como, em defesa da sua posição, observam que o documento que titula o acto de liquidação: i) foi emitido pela Direcção-Geral dos Impostos; ii) foi assinado pelo Director-Geral dos Impostos; iii) o logótipo nele aposto é da Direcção-Geral dos Impostos; iv) é feita a indicação de «Imposto sobre o Rendimento» e v) a morada inscrita neste é «…, …, …-… Lisboa…».

Em primeiro lugar, importa referir que a questão suscitada pela Requerida não é nova, tendo sido já objecto de análise pela doutrina e jurisprudência. A tal respeito, defende alguma doutrina que: «…os impostos cobrados na Região Autónoma da Madeira estão fora do âmbito material da arbitragem porquanto a Portaria de Vinculação impõe como limite os impostos geridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira. (…) A Região Autónoma da Madeira não tem consagradas num único diploma as suas medidas de adaptação do sistema fiscal nacional, sendo esta adaptação concretizada através de vários diplomas avulsos. Em boa verdade, no tocante à Madeira foi levado a cabo um processo de regionalização da administração fiscal através do DL n.º 18/2005, de 18/1, e dos Decretos Regulamentares Regionais n.os 1/A/2001/M, de 13/3, 29-A/2005/M, de 31/8, 5/2007/M, de 23/7, 27/2008/M, de 3/7, 8/2011/M, de 14/11, 4/2012/M, de 9/4, e 2/2013/M, de 1/2. Assim, tendo em consideração que o art. 1.º do DL n.º 18/2005, de 18/1, consagra a transferência para a Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências fiscais que no âmbito da Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os serviços dela dependentes vinham sendo exercidas no território da Região pelo Governo da República, os impostos cobrados na Região Autónoma da Madeira estão fora do âmbito material da arbitragem porquanto a Portaria de Vinculação impõe como limite os impostos geridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira»[1].

Nesta linha doutrinal também já se pronunciou a jurisprudência[2], utilizando nos seus alicerces argumentativos os seguintes: i) a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais não se encontra explicitamente elencada na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ou implicitamente, porquanto a Região Autónoma não se confunde com outra realidade jurídica, o Estado e ii) a lista de serviços vinculados à jurisdição do CAAD na portaria de vinculação tem natureza taxativa e, consequentemente, desta não consta a DRAF.

Em sentido oposto já se pronunciou igualmente a jurisprudência arbitral, no âmbito dos processos 260/2013-T, de 06/05/2014 e 90/2014-T, de 26/09/2014. Na primeira decisão arbitral concluiu-se deste modo: i) a competência dos tribunais arbitrais tributários exige, em primeira linha, que o tribunal aprecie a legalidade do acto, cfr. art. 2.º do RJAT e art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; ii) dever-se-á apurar se a AT enquanto, sucessora das entidades descritas no art. 1.º da Portaria, tem interesse em contradizer a pretensão do Requerente do pedido de pronúncia arbitral e se o caso julgado que se forme a final tem efeito útil e iii) o art. 1.º do Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de Janeiro, apenas comporta a transferência para a RAM das atribuições e competências fiscais próprias da Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os serviços dela dependentes e, assim, excluem-se as competências exercidas por delegação ou por qualquer outra forma de representação de outros órgãos[3]. No mesmo sentido adita a jurisprudência: «…resulta do itinerário legislativo acima exposto que a AT nunca deixou de “assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM”, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM, incluindo ao abrigo do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013, em vigor à data das liquidações sub judice, pelo que a Requerida dispunha dos necessários poderes para a prática das liquidações em causa, podendo ainda considerar-se que, inequivocamente, o imposto estava sujeito à sua administração»[4].

Deste modo, impõe-se questionar, desde logo, se este tribunal tem competência para apreciar o pedido de pronúncia arbitral.

Para dirimir tal questão é necessário mobilizar o enquadramento normativo pertinente, isto é, o RJAT e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que estabeleceu os termos da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD. Mais concretamente o art. 2.º, n.º 1 do RJAT dispõe que: «A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;…».

Contudo, a vinculação à jurisdição dos tribunais constituídos sob a égide do CAAD engloba como dispõe o art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março: «…os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública: a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)». Sucede que, por intermédio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, tais serviços foram fundidos na Administração Tributária e Aduaneira. Mais, acrescenta o art. 2.º, n.º 1 da supramencionada portaria que: «Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (nosso sublinhado) referidas no n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro…».

A Lei Orgânica da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais (Decreto- Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro), no art. 2.º, n.º 3 determina que: «Incumbe em especial à DRAF e relativamente às receitas fiscais próprias: a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas da Região ou de pessoas colectivas de direito público;…». Contudo o art. 12.º, n.º 1 do mesmo diploma dispõe que: «Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM».

Ora, no caso concreto, existem normativos que demonstram que a administração do IRS é da responsabilidade da AT. Com efeito, o art. 75.º (na redacção em vigor à data do facto tributário) do CIRS dispõe que: «A liquidação do IRS compete à Direcção-Geral dos Impostos». Bem como o art. 90.º do CIRS estatui que: «Sempre que, relativamente às entidades a que se aplique o regime definido no art. 20.º, haja lugar a correcções que determinem alteração dos montantes imputados aos respectivos sócios ou membros, a Direcção-Geral dos Impostos procede à reforma da liquidação efectuada àqueles, cobrando-se ou anulando-se em consequência as diferenças apuradas».

Assim, na liquidação em crise consta o logótipo da AT e não da DRAF, o que demonstra igualmente que a administração do imposto em causa encontra-se cometida à AT, o que é bastante para concluir pela competência material deste tribunal para apreciar os vícios imputados pelos Requerentes à liquidação controvertida.

Crê-se ainda que tal sentido interpretativo sai reforçado quando se constata o cuidado do legislador regional no citado art. 12.º, n.º 1 do Decreto–Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro, quando afirma que a AT continuará a realizar os procedimentos em matéria administrativa, até que a DRAF tenha todos os meios necessários ao exercício da totalidade das atribuições e competências previstas no art. 2.º do mesmo diploma e no qual constam a «liquidação e cobrança dos impostos…sobre o rendimento…».

Em suma, não se verifica a incompetência imputada, o que se declara, julgando-se improcedente a alegada excepção.

 

3.2. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA REQUERIDA

 

            Invoca a Requerida que é parte ilegítima nos presentes autos, porquanto entende que não é o sujeito activo do imposto, na medida em que os Requerentes têm o seu domicílio fiscal na RAM.

Diversamente os Requerentes defendem, em resumo que, a RAM não tem a prerrogativa de autoridade na administração do imposto, encontrando-se essa tarefa a ser exercida, em exclusivo, pela AT, enquanto sua representante e interlocutora com o contribuinte.

            O art. 30.º, n.º 1 e 2 Código de Processo Civil (CPC) dispõe que: «1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. 2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha…».

            A legitimidade processual afere-se assim pela relação e interesse da parte com o objecto da acção.

O art. 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT, aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT prevê que a AT, a qual compreende as extintas Direcção-Geral dos Impostos e Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, tem legitimidade para intervir no procedimento tributário e no processo judicial tributário.

            Na verdade, como sustenta a doutrina: «…todas as pessoas que têm legitimidade para intervir no procedimento tributário têm também legitimidade para intervir no processo judicial tributário»[5].

            Ora, no caso sub judice estamos na presença de um acto de liquidação praticado pela Requerida, para o qual tem competência, sendo também responsável pela administração do imposto como já se explanou nesta decisão. Na verdade, se foi a Requerida a praticar o acto será a entidade que melhor conseguirá proceder à sustentação judicial da sua legalidade.

            Deste modo, se é titular de legitimidade para o procedimento tributário, tendo praticado o acto de liquidação, não pode deixar de se admitir que tem legitimidade para o processo arbitral tributário.

            Por tal somatório de razões, declara-se que a Requerida tem legitimidade passiva nos presentes autos, julgando-se assim improcedente a excepção invocada.

Quanto à excepção da intempestividade do pedido arbitral, com fundamento, quer na não verificação dos pressupostos dos n.ºs 1 e 4 do art. 78.º da LGT, por não ter havido erro imputável aos serviços, quer por não verificação da formalidade prevista no n.º 3 do art.º 59.º do CPPT, será a mesma apreciada após análise do mérito, uma vez que a procedência desta excepção depende dessa apreciação.  

 

3.3. SANEAMENTO

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

4.1.1. No dia 25/06/2011 a AT emitiu a liquidação n.º 2011 … no montante de € 215.658,27 respeitante aos Requerentes, a título de IRS e relativamente ao ano 2010.

4.1.2. Os Requerentes apresentaram pedido de revisão de tal liquidação em 25/06/2015.

4.1.3. Até ao dia 22/01/2016 não foi proferida decisão relativa a tal pedido de revisão oficiosa do acto tributário.

4.1.4. No dia 19/05/2011 os Requerentes, no campo 8 do Anexo G da declaração modelo 3 de IRS, declararam como valor de venda das acções que a Requerente A… detinha na sociedade C…– ..., S.A., o montante de € 2 333 333,00.

4.1.5. Os Requerentes não apresentaram o anexo G1 com a referida declaração modelo 3.

4.1.6. A AT efectuou a liquidação de acordo com os dados inscritos pelos Requerentes na declaração modelo 3.

4.1.7. Por escritura pública datada de 28/06/1983 foi constituída entre D…, E…, F… e G…, a sociedade por quotas «H…, Lda.».

4.1.8. À data, a referida sociedade tinha um capital social integralmente subscrito e realizado pelo valor de 300 000$00 (trezentos mil escudos), o qual se encontrava dividido em uma quota no valor de 200 000$00 (duzentos mil escudos), pertencente a F… e duas quotas iguais no valor de 50 000$00 (cinquenta mil escudos) cada uma, pertencentes a D… e a E… .

4.1.9. A sócia F… viria a dividir a sua quota em três novas quotas, reservando para si uma quota de € 50 000$00 (cinquenta mil escudos) e cedendo uma quota de 100 000$00 (cem mil escudos) à ora Requerente, A… e uma quota de 50 000$00 (cinquenta mil escudos) a I… .

4.1.10. Por escritura pública de 20/12/1988, foi aumentado o capital social da H…, Lda. de 300 000$00 (trezentos mil escudos) para 40 000 000$00 (quarenta milhões de escudos), mediante o reforço de 39 700 000$ 00 (trinta e nove milhões e setecentos mil escudos), integralmente realizado em dinheiro e subscrito em partes iguais, ou seja, cada um com a importância de 19 850 000$00 (dezanove milhões oitocentos e cinquenta mil escudos), por D… e por E…, os quais são admitidos como novos sócios.

4.1.11. Em 29/05/1996, a sociedade H…, Lda. foi transformada em sociedade anónima, passando a designar-se «C…– ..., S.A.», com o capital social de 40 000 000$00 (quarenta milhões de escudos) e dividido em 40 000 acções de valor nominal de 1 000$00 (mil escudos) cada uma.

4.1.12. Na mesma data foi promovido o aumento do capital social da C…– ..., S.A. de 40 000 000$00 (quarenta milhões de escudos) para 200 000 000$00 (duzentos milhões de escudos), mediante o reforço de 160 000 000$00 (cento e sessenta milhões de escudos), efectuado da seguinte forma:

i) incorporação de reservas de reavaliação do activo imobilizado no montante de 70 470 000$00 (setenta milhões quatrocentos e setenta mil escudos), a subscrever por cada um dos accionistas atrás mencionados, na proporção do capital de que cada um é titular;

ii) novas entradas em espécie de bens móveis, no valor de 18 130 000$00 (dezoito milhões cento e trinta mil escudos), correspondendo a 18 130 novas acções ordinárias, no valor nominal de 1 000$00 (mil escudos) cada uma, subscrito e realizado, em partes iguais, pelo accionista D… e E…;

iii) nova entrada em dinheiro da sociedade J…– ..., S.A., no montante de 150 000 000$00 (cento e cinquenta milhões de escudos), para subscrição e realização de 71 400 acções ordinárias do valor nominal de 1 000$00 (mil escudos) cada.

4.1.13. Em 27/06/2000, os accionistas D… e E… venderam, pelo respectivo valor nominal, a totalidade das acções que detinham sobre a sociedade C…– ..., S.A. – 127 772 acções, na proporção de 50% para cada um, com o valor nominal de 1 000$00 (mil escudos) por acção.

4.1.14. Com a redenominação do capital social e das acções para euros, o capital social da sociedade C…– ..., S.A. passou para € 1 000 000 (um milhão de euros), representado por 200 000 acções, com o valor nominal de € 5 (cinco euros) cada uma e assim os valores das participações sociais na sociedade C…– ..., S.A. passaram a ser os seguintes:

i) D…– 21 434 acções, com o valor nominal de € 107 170 (cento e sete mil cento e setenta euros), correspondentes a 10,717% do capital social;

ii) A…– 21 434 acções, com o valor nominal de € 107 170 (cento e sete mil cento e setenta euros), correspondentes a 10,717% do capital social;

iii) F…– 21 433 acções, com o valor nominal de € 107 165 (cento e sete mil cento e sessenta e cinco euros), correspondentes a 10,7165% do capital social;

iv) I…– 21 433 acções, com o valor nominal de € 107 165 (cento e sete mil cento e sessenta e cinco euros), correspondentes a 10,7165% do capital social;

v) K…– 21 433 acções, com o valor nominal de € 107 165 (cento e sete mil cento e sessenta e cinco euros), correspondentes a 10,7165% do capital social;

vi) J…– ..., S.A. – 71 400 acções, com o valor nominal de € 357 000 (trezentos e cinquenta e sete mil euros), correspondentes a 35,7% do capital social.

4.1.15. Por contrato de compra e venda celebrado em 13/05/2003, o acionista J…– ..., S.A. vendeu à sociedade C…– ..., S.A. as suas 71 400 acções, correspondentes a 35,7% do capital social e, em consequência, a distribuição de participações sociais passou a ser a seguinte:

i) D…– 21 434 acções, com o valor nominal de € 107 170 (cento e sete mil cento e setenta euros), correspondentes a 10,717% do capital social;

ii) A…– 21 434 acções, com o valor nominal de € 107 170 (cento e sete mil cento e setenta euros), correspondentes a 10,717% do capital social;

iii) F…– 21 433 acções, com o valor nominal de € 107 165 (cento e sete mil cento e sessenta e cinco euros), correspondentes a 10,7165% do capital social;

iv) I…– 21 433 acções, com o valor nominal de € 107 165 (cento e sete mil cento e sessenta e cinco euros), correspondentes a 10,7165% do capital social;

v) K…– 21 433 acções, com o valor nominal de € 107 165 (cento e sete mil cento e sessenta e cinco euros), correspondentes a 10,7165% do capital social;

vi) C…– ..., S.A. – 71 400 acções, com o valor nominal de € 357 000 (trezentos e cinquenta e sete mil euros), correspondentes a 35,7% do capital social.

4.1.16. Posteriormente, a sociedade C…– ..., S.A. deliberou:

i) Reduzir o capital social da sociedade em montante correspondente a € 357 000 (trezentos e cinquenta e sete mil euros), através da extinção das 71 400 acções próprias por esta detidas;

ii) Anular o desconto de aquisição de acções próprias extintas através da afectação do montante de € 892 500 (oitocentos e noventa e dois mil e quinhentos euros) de reservas livres para essa compensação;

iii) Aumentar o capital social, no montante de € 357 000 (trezentos e cinquenta e sete mil euros), por incorporação de reservas livres, através da emissão de 71 400 acções, atribuídas aos accionistas na proporção das respectivas participações sociais.

4.1.17. Deste modo, a distribuição de participações sociais, na sociedade C…– ..., S.A., passou a ser a seguinte:

i) D…– 33 334 acções, com o valor nominal de € 166 670 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e setenta euros), correspondentes a 16,667% do capital social;

ii) A…– 33 334 acções, com o valor nominal de de € 166 670 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e setenta euros), correspondentes a 16,667% do capital social;

iii) F…– 33 333 acções, com o valor nominal de € 166 665 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e cinco euros), correspondentes a 16,665% do capital social;

iv) E…– 33 333 acções, com o valor nominal de € 166 665 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e cinco euros), correspondentes a 16,665% do capital social;

v) K…– 33 333 acções, com o valor nominal de € 166 665 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e cinco euros), correspondentes a 16,665% do capital social;

vi) I…– 33 333 acções, com o valor nominal de € 166 665 (cento e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e cinco euros), correspondentes a 16,665% do capital social.

4.1.18. Em 24/05/2010 os accionistas da C…– ..., S.A. alienaram a totalidade das acções que detinham sobre esta sociedade – 200 000 acções com o valor nominal de € 5,00 cada, representativas de 100% do respectivo capital social, pelo preço global de € 14 000 000.

4.1.19. A participação da Requerente A… no capital social da C…– ..., S.A – 33 334 acções, com o valor nominal de € 166 670 foi vendida por um preço correspondente a € 2 333 380,00 (€ 14 000 000 x 16,667%).

4.1.20. O preço pela compra das acções (€ 14 000 000) da C…– ..., S.A. foi integralmente pago aos accionistas.

4.1.21. A alienação inscrita no anexo G da declaração modelo 3 de IRS respeita a acções detidas há mais de 12 meses, tendo a mais-valia decorrente da operação (€ 2 333 380,00 - € 166 670,00 = € 2 166 710,00 : 2 = € 1 083 355,00) sido considerada em 50% do seu valor, visto estar-se na presença de uma pequena empresa não cotada.

4.1.22. O saldo entre as mais e as menos-valias realizadas até ao dia 27/07/2010 respeitantes a acções detidas há mais de 12 de meses ascende a € 1 083 355,00.

4.1.23. Na liquidação que efectuou a AT aplicou a taxa de tributação de 20% ao saldo das mais-valias e menos-valias apuradas pelos Requerentes no ano 2010, tendo calculado um imposto de € 215.658,27.

4.1.24. Os Requerentes efectuaram em 30/09/2011 o pagamento do valor apurado na liquidação n.º 2011… .

4.1.25. Os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que conduziu ao presente processo em 22/01/2016.

 

4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA

 A matéria de facto dada como provada tem fonte nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

5. DO DIREITO

5.1. Quanto ao alegado erro nos pressupostos de direito, por violação do artigo 103.º da CRP

Na interpretação dos Requerentes, a lei aplicável para se aferir da sujeição a imposto das mais-valias realizadas é a que se encontrava em vigor à data da alienação das acções, ou seja, a al. a), do n.º 2, do artigo 10.º do CIRS, na redação em que excluía de tributação as mais-valias decorrentes da alienação de ações detidas há mais de doze meses.

O artigo 5.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de julho – que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação – alterou o regime de tributação das mais-valias mobiliárias, agravando a taxa especial aplicável ao saldo positivo entre mais e menos-valias mobiliárias, de 10% para 20%, e eliminando a exclusão de tributação das mais-valias provenientes da alienação de ações detidas há mais de 12 meses. A Lei n.º 15/2010 não fixou a data de referência para o início da produção de efeitos desta alteração.

Assim – propugnam os Requerentes –, não tendo sido estabelecida disposição legal a aplicar os preceitos do CIRS modificados a um período tributário anterior à data da alteração, deve-se entender que a Lei n.º 15/2010 remeteu inteiramente para a regra geral de aplicação da lei tributária no tempo, inscrita no artigo 12.º da Lei Geral Tributária: “as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados impostos retroativos”.

Concretamente, defendem que o momento relevante para efeitos de apuramento e tributação das mais-valias mobiliárias é o momento em que se realiza a mais-valia, em que ocorre a alienação, bem como que a este entendimento não obsta a circunstância de ser tributado o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, pois que o que está em causa no n.º 1 do artigo 43.º do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria coletável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias. Não se trata, pois, de uma norma de incidência, essa tem assento no artigo 10.º do CIRS, onde no n.º 3 se estabelece que os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos no n.º 1 do mesmo preceito legal. Assim, nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais e outros valores mobiliários, o imposto incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, ainda que exista uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria colectável, sobre a qual vai incidir a taxa especial ou que vai ser englobada aos rendimentos das demais categorias.

Na versão dos Requerentes, somente esta interpretação não colide com o art.º 103.º, n.º 3, da CRP.

Mais sustentam os Requerentes esta posição na doutrina de vários arestos, em sentido uniforme, do Supremo Tribunal Administrativo: os Acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 1078/12, de 8 de Janeiro de 2014, 013/15, de 20 de Maio de 2015, 1292/14, de 16 de Setembro de 2015, 1504/14, de 16 de Setembro de 2015, e sobretudo o Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, no Processo 734/15, de 2 de Dezembro de 2015. Tal como a sustentam em várias decisões do CAAD, proferidas nos Processos n.ºs 223/2014-T, 338/2014-T, 402/2014-T, 509/2014-T e 770/2014-T, a que, em requerimento ulterior, vieram aditar a exarada no Processo n.º 27/2016-T.

Entende a Requerida que o facto gerador não é o ganho resultante da alienação, mas sim o saldo (positivo) apurado, em determinado período de tributação, entre as mais e as menos-valias, pelo que pretender, no caso dos autos, que o facto gerador seja a alienação das ações que originaram as mais-valias tributadas, além de desvirtuar o carácter anual do imposto, atenta contra o seu carácter unitário, entendido como princípio básico e estruturante da reforma levada a cabo em 1989.

Vejamos.

 

Os Requerentes alienaram, em 24 de Maio de 2010, ações que detinham há mais de doze meses.

A essa data vigorava, no que agora releva, a seguinte redação do artigo 10.º do CIRS:

«1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;

2 - Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:

a) Ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses;»

A Lei n.º 15/2010 revogou o n.º 2, tendo entrado em vigor em 27 de julho de 2010.

A AT entendeu que os ganhos resultantes de todas as alienações de ações – mesmo se detidas há mais de 12 meses – ocorridas no ano 2010, estão sujeitos a tributação em IRS. Isto é, que a sujeição ocorre ainda que as mais-valias sejam provenientes de alienações ocorridas antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, e aplicou a taxa de 20% prevista no n.º 4 do artigo 72.º do CIRS (na redação da mesma Lei), à totalidade do saldo das mais-valias e menos-valias resultantes daquelas alienações.

O Supremo Tribunal Administrativo proferiu várias decisões em sentido contrário a este entendimento da AT.

Em particular, no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, no Processo 734/15, de 2 de Dezembro de 2015, o Supremo Tribunal Administrativo veio recordar que: «…em Pleno da Secção e por unanimidade, já exprimiu o seu entendimento sobre a questão controvertida também no caso dos autos, sendo esta posição de reafirmar aqui. Daí que, pelos fundamentos expressos nos Acórdãos deste STA de 16 de Setembro de 2015, proferidos nos recursos n.º 1292/14 e 1504/14, para cuja fundamentação se remete e aqui também se acolhe, impõe-se, sem mais delongas e no provimento do recurso, anular a decisão arbitral recorrida (artigo 152.º, n.º 6 do CPTA) e, em substituição, julgar procedentes os pedidos, anulando as liquidações sindicadas.»

Ora, no Acórdão no Processo n.º 1292/14, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu – posição que acompanhamos – o seguinte: “(…) consideramos que o facto tributário se reporta ao momento em que se realizam as mais-valias, ou, por outras palavras, o facto tributário que as origina e conforma nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano.

É certo que as mais-valias, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, são declaradas anualmente (artigo 57.º do CIRS) e que o rendimento coletável anual do sujeito passivo corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (artigo 43.º n.º 1 do CIRS). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos--valias não tem a virtualidade de alterar ou transmutar a natureza dos factos tributários subjacentes. O que daí pode concluir-se é, apenas, que as mais-valias e as menos-valias alcançadas durante o mesmo ano são declaradas num único momento — na declaração anual de IRS — e que ambas concorrem para o apuramento do saldo final que vai servir para determinar e quantificar o rendimento anual sujeito a tributação em IRS.

Por outras palavras, a norma que prevê a agregação necessária ao apuro do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias em face de todos os actos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento colectável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS, onde a referência a esse saldo se encontra inserida no capítulo que trata da determinação do rendimento coletável e não no capítulo que trata da incidência do imposto. E, como é óbvio, o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respectiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento colectável.

Em suma, o saldo positivo que será tributado não se confunde com o facto tributário em si. Tal saldo tem relevo apenas para o acerto do rendimento colectável e determinação da obrigação de pagamento de imposto que emerge (ou não) para o sujeito passivo em sede de IRS, carecendo de relevo para a formação do facto tributário em si, já que este, como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito da obtenção do ganho no momento de cada acto de alienação dos bens mobiliários em questão.

E o facto de o IRS ser um imposto de natureza periódica não inviabiliza que seja composto por rendimentos de formação instantânea e por rendimentos de formação sucessiva. Com efeito, enquanto alguns rendimentos são, pela natureza do seu facto gerador, de formação sucessiva no tempo, já outros, como os acréscimos patrimoniais que a lei fiscal considera como mais-valias tributáveis na Categoria G, provêm de operações isoladamente realizadas ou instantâneas, em que cada facto gerador se apresenta como autónomo e completo, isto é, sem exigência de qualquer facto ou ocorrência posterior.”

E mais adiante:

“Esta Lei n.º 15/2010 é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo (…), limitando-se a prescrever que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”. O que não pode deixar de representar uma opção silente do legislador no que toca a essa matéria, até porque essa problemática, da aplicação no tempo das alterações legislativas que o diploma veio introduzir na tributação das mais-valias, foi colocada e discutida no quadro do debate parlamentar que precedeu a aprovação desta Lei.

Ora, tendo o legislador optado por não disciplinar essa matéria, limitando-se a determinar a data da entrada em vigor do diploma no dia seguinte ao da sua publicação, sem estabelecer qualquer norma que permitisse a sua aplicação a um período tributário anterior, impõe-se, necessariamente, aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12.º da LGT, sendo insustentável afastar tal regra ou princípio geral com o argumento de que existirão elementos históricos e genéticos que permitem inferir que o legislador terá pretendido que a lei nova se aplicasse a todas as transmissões realizadas no ano de 2010. É que ainda que fosse essa a vontade inicial do legislador, o certo é que acabou por não a expressar e conformar no texto legislativo, e tal conduz, necessariamente, à aplicação do princípio geral sobre a aplicação da lei tributária no tempo, segundo o qual as normas tributárias se aplicam apenas aos factos posteriores à sua entrada em vigor.

Razão por que consideramos que a lei aplicável é a vigente na data da ocorrência do facto tributário instantâneo gerador. E não há, no caso, qualquer dificuldade em situar esse facto no tempo, dado que a alienação é datada (…), nem há qualquer questão que se coloque quanto ao princípio da progressividade do imposto, já que a consequência da aplicação do artigo 12.º n.º 1 da LGT é a não consideração das mais-valias em questão para efeitos de liquidação do imposto.

(…) E por todo o exposto julgamos ser claro que, no caso, ocorreu a aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea já completamente formados em momento anterior à data da sua entrada em vigor, o que envolve uma retroactividade autêntica, porquanto o que para esse efeito releva não é o momento da liquidação ou do apuramento do imposto, mas o momento em que ocorre o facto tributário que determina uma eventual liquidação e pagamento de imposto, pois é nessa altura que se exige que se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento do tributo (em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança), de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.”

Assim, acompanhando-se a jurisprudência citada ou transcrita do Supremo Tribunal Administrativo, anula-se a liquidação impugnada, por errada interpretação e aplicação dos mencionados preceitos legais do CIRS, da Lei n.º 15/2010 e da LGT.

Sendo a liquidação impugnada ilegal, esta ilegalidade acarreta, consequentemente, a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa. 

Por outro lado, é à face destes pressupostos que há que apreciar as demais questões suscitadas pela AT como obstáculo à apreciação do pedido.

 

5.2. A questão da intempestividade do pedido

5.2.1. Não verificação dos pressupostos do art. 78.º da LGT

Como ficou dito, a AT sustenta a intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado, quer na não verificação dos pressupostos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 78.º da LGT, por não ter havido erro imputável aos serviços, quer na omissão da formalidade prevista no n.º 3 do artigo 59.º do CPPT.

            Ora, o art. 78.º, n.º 1, da LGT legitima a apresentação do pedido de revisão do acto tributário por impulso da AT no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo, se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

            Assim, é este o prazo que respeita a ilegalidades advenientes do regime jurídico aplicável e não o de três anos, vertido no n.º 4 do art. 78.º da LGT, que se refere à revisão da matéria tributável.

 No caso concreto, a liquidação foi efectuada em 25/06/2011 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 25/06/2015, ou seja, antes do decurso do prazo de quatro anos.

            Por outro lado, a apresentação do pedido de revisão oficiosa teve aptidão a provocar a interrupção do prazo para realizar a revisão, art. 78.º, n.º 7, da LGT.

            Em suma, a existir erro imputável aos serviços tem de se concluir que o pedido de revisão oficiosa foi tempestivamente apresentado.

            Como ficou consignado no Acórdão Arbitral n.º 27/2016-T “O erro na declaração será imputável ao contribuinte quando este, nomeadamente, sonegar informações sobre os factos em que se alicerça a tributação ou quando não cumpra quaisquer exigências declarativas pelos meios adequados”.

            No caso concreto, os Requerentes declararam a alienação de acções ocorridas cronologicamente antes de 27/07/2010 no anexo G, quadro 8, relativo à «Alienação Onerosa de Partes Sociais e outros Valores Mobiliários», pelo que o fizeram da forma adequada.

            Com efeito, a Portaria n.º 1303/2010, de 22 de Dezembro que aprovou os modelos anexos à declaração modelo 3 a utilizar relativamente ao ano 2010, refere expressa e concretamente que devem ser indicadas no anexo G1 a alienação onerosa, em 2009 ou anos anteriores, de acções detidas por mais de 12 meses. O seu teor é o seguinte: «Este anexo destina-se a declarar a alienação onerosa de imóveis não sujeita a tributação, nos termos do n.º 4 do art. 4.º e do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, bem como a alienação de imóveis a fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIAH) e a sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) abrangidos pelo regime especial aprovado pelo art. 102.º e seguintes da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e ainda a alienação onerosa, efectuada nos anos de 2009 e anteriores, de acções detidas por mais de 12 meses».

            Razão pela qual tem de se concluir que, com a referência à alienação em causa no anexo G, quadro 8, os Requerentes não omitiram ou sonegaram qualquer dever de declaração resultante das regras aplicáveis à declaração modelo 3, pelo que não ocorreu erro que lhes seja imputável.

            Por isso, não pode a AT sustentar que não dispunha de todos os elementos necessários para aplicar o regime jurídico decorrente da alienação onerosa de acções detidas há mais de 12 meses.

Pelo contrário, o erro consubstanciado na aplicação de um regime que é considerado ilegal, à face da referida jurisprudência uniformizada, é imputável à AT que dispunha dos elementos relevantes para aplicar o regime nela adoptado.      

Improcede, desta forma, a argumentação da Requerida.

 

5.2.2. Falta de cumprimento do art. 59.º, n.º 3, do CPPT

A Requerida entende que, a este respeito, para ser viável a revisão oficiosa exigir-se-á, desde logo, a apresentação de uma declaração de substituição à luz do n.º 3 do art. 59.º do CPPT.

Sucede que, nos termos do disposto no art. 78.º, n.º 1, da LGT, a revisão dos actos tributários não depende da iniciativa dos contribuintes, admitindo-se que seja efectuada «…por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».

Na verdade, apesar da designação da revisão como «oficiosa», a doutrina observa que o contribuinte pode desencadear a revisão pela AT, através de um pedido para a sua realização, o que é confirmado pelo n.º 1 do artigo 49.º da LGT ao fazer referência ao «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo»[6].

Razão pela qual não há fundamento jurídico para fazer depender a revisão oficiosa da prévia apresentação de declaração de substituição, pelo que improcede a defesa da Requerida quanto à questão em análise.

            Termos em que, pelas razões expostas, improcede a excepção da intempestividade do pedido arbitral.

 

5.3. ABUSO DE DIREITO

            A Requerida defende na sua resposta que o facto de terem sido os Requerentes que declararam na modelo 3 de IRS, anexo G, quadro 8, as mais-valias e virem posteriormente impugnar a liquidação efectuada com base na sua declaração configura um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

            Sucede que o sobredito quadro era o único adequado para tal fim, à luz da Portaria n.º 1303/2010, de 22 de Dezembro, pelo que, não existia qualquer outro para o efeito e, assim, os Requerentes não induziram a AT em nenhum erro.

Consequentemente, não sendo imputável aos Requerentes o erro de que padece a liquidação, é imperativo concluir que não se está perante uma conduta que plasme esse venire contra factum proprium.

 

5.4. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO

O art. 78.º, n.º 1, da LGT apenas legitima a revisão oficiosa naquelas hipóteses em que há erro imputável aos serviços, solução que preclude a relevância de vícios de forma e procedimento, que não se subsumem no conceito de erro, cujo conteúdo apenas abrange o erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Em tal sentido sustenta a jurisprudência[7] que: «I – A expressão “erro imputável aos serviços” refere-se a “erro” e não a “vício”, o que inculca que quer relevar os erros sobre os pressupostos de facto ou de direito que levaram a Administração a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não considerando os vícios formais ou procedimentais que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não implicam, necessariamente, uma errónea definição daquela relação. II – Os vícios de violação do direito de audição prévia e de falta de fundamentação, na medida em que integram os invocados vícios formais ou procedimentais, não são abrangidos pelo “erro imputável aos serviços”».

            Opção legislativa essa que impede a revisão da liquidação com génese em vícios de natureza formal e procedimental.

            Deste modo, tem de improceder o pedido de pronúncia arbitral relativamente ao pedido de declaração de ilegalidade com fonte em tais vícios.

 

5.5. QUANTO AO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

No dia 30 de Setembro de 2011, e ainda que não concordando com o cálculo do imposto resultante do acto tributário ora contestado, nomeadamente com a aplicação de uma taxa de 20% à totalidade do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias mobiliárias apuradas no decurso do ano 2010, os Requerentes promoveram o pagamento integral do imposto liquidado, pelo que vêm peticionar o reembolso do mesmo, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

Como consequência da anulação da liquidação há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga a título de imposto.

Relativamente aos juros indemnizatórios, dispõe o preceito invocado pelos Requerentes que o contribuinte tem direito a ser indemnizado pela administração tributária, através do pagamento de juros indemnizatórios, sempre que exista o pagamento indevido de dívida tributária, por culpa imputável aos serviços.

Sobre este pedido, a Requerida limita-se a arguir que o acto tributário em crise é válido e legal, quer porque conforme ao regime legal, quer porque corresponde exclusivamente aos elementos que foram declarados pelos próprios Requerentes, na declaração de rendimentos; logo resulta de forma clara e evidente que inexiste erro imputável aos serviços.

Uma vez que é oposta a aplicação que este tribunal faz do Direito, é claro que não subsiste a ténue defesa apresentada, quanto a esta matéria, pela Requerida. Porém, tal não basta para que o tribunal possa condenar no pagamento de juros indemnizatórios, pois sempre se mostra incontornável aferir se estão preenchidos todos os pressupostos legais para que os Requerentes tenham direito aos mesmos.

Dispõem os artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT que o direito a juros indemnizatórios depende da verificação de três pressupostos: i) estar pago o imposto; ii) ter a respectiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial; iii) determinar-se, em processo gracioso ou judicial, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços.

Ora, foram os próprios Requerentes que inscreveram na declaração de IRS relativa ao ano 2010 o valor das mais-valias apuradas, o que pode induzir a tese de sibi imputet, com exclusão, portanto, do erro imputável aos Serviços.

Não se julga, porém, que seja assim, como ficou demonstrado.

A declaração modelo n.º 3 (com o respetivo anexo G1, para mais-valias não tributadas), foi alterada para se adequar à modificação legislativa resultante da Lei n.º 15/2010. Deixou o referido anexo G1 de contemplar a exclusão de tributação das mais-valias decorrentes da alienação de acções detidas há mais de 12 meses, excepto para alienações ocorridas nos anos 2009 e anteriores. As instruções de preenchimento do referido anexo G1 assim o clarificam também: o respectivo quadro 4 destina-se a declarar as alienações efetuadas nos anos 2009 e anteriores relativamente a acções detidas pelos sujeitos passivos durante mais de 12 meses.

Assim, só à Requerida é imputável a impossibilidade de qualquer sujeito passivo de IRS – como os Requerentes – declararem em 2011 as alienações de acções detidas há mais de 12 meses que realizaram em 2010, antes da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010. Mostram-se, pois, preenchidos todos os pressupostos legais para o direito a juros indemnizatórios, nos termos peticionados pelos Requerentes. Resta ver a partir de quando se contam tais juros.

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito aos mesmos quando se determina em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão oficiosa do acto tributário apenas é equiparável a reclamação graciosa, para este efeito, quando apresentado dentro do prazo desta, como estatui o n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/7/2006, proferido no processo n.º 402/06: «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Nestes casos, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da al. c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT.

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a al. c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT, que estabelece que são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 25/06/2015, pelo que, apenas a partir de 26/06/2016, mais de um ano após a formulação do pedido, há direito a juros indemnizatórios.

 

 

 

6. DECISÃO

Termos em que se acorda neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedentes as excepções de incompetência, intempestividade e de ilegitimidade suscitadas pela AT;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar ilegal a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2011…, praticada pelo Excelentíssimo Senhor Director-Geral da (então assim denominada) Direcção-Geral dos Impostos, por referência ao ano 2010, no valor de € 215.658,27 e, bem assim,
  3. Anular a referida liquidação e, em consequência,
  4. Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra a mesma;
  5. Julgar procedentes os pedidos de reembolso da quantia paga indevidamente e de pagamento de juros indemnizatórios, a partir de 26/06/2016, à taxa legal supletiva, sobre o valor a reembolsar e condenar a AT a efectuar estes pagamentos. 

 

7.VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 215. 658,27 (duzentos e quinze mil, seiscentos e cinquenta e oito euros e vinte e sete cêntimos).

 

8.CUSTAS

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas no Processo de Arbitragem Tributária, a cargo da AT.

Notifique.

Lisboa, 4 de Outubro de 2016

 

Os Árbitros

 

(Fernanda Maçãs)

 

(Luis M. S. Oliveira)

 

(Francisco José Nicolau Domingos)

 

 



[1]SÉRGIO VASQUES/ TRINDADE, O âmbito material da arbitragem tributária, in Cadernos de Justiça Tributária n.º 00, Abril/Junho 2013, pág. 26 e 27.

[2]Decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 89/2012-T, de 18/02/2013, no qual assumiu a função de árbitro o Professor Doutor JORGE BACELAR GOUVEIA.

[3]Para uma análise exaustiva de toda a argumentação consulte-se o acórdão arbitral proferido em tal processo, de 06/05/2014 no qual assumiu as funções de árbitro-presidente o Mestre JOSÉ PEDRO CARVALHO.

[4] Decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 90/2014-T, de 26/09/2014 e em que assumiu a função de árbitro o Mestre MARCOLINO PISÃO PEDREIRO.

[5] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado, 4.ª edição, Vislis Editores, 2003, pág. 84.

[6] DIOGO LEITE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, pág. 705.

[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do recurso n.º 080/07, de 27/06/2007 e em que foi relator o Conselheiro PIMENTA DO VALE.