Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 720/2015-T
Data da decisão: 2016-10-18  IMT Selo  
Valor do pedido: € 1.842,89
Tema: IMT e IS - Extinção das isenções sobre operações dos FIIAH
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Decisão Arbitral[1]

 

O tribunal arbitral em funcionamento com árbitro singular constituído no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa nos termos do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, para o qual foi designado pelo respetivo Conselho Deontológico, o árbitro da lista do Centro Nuno Maldonado Sousa, elabora seguidamente a sua decisão arbitral.

 

1.      Relatório

Identificação das partes e constituição do tribunal arbitral

A…, S.A., com sede na…, n.º…–…, … – …Lisboa, com o capital social de € 1.550.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de identificação fiscal…, na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário «B… – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO…» (também designado nesta peça como “FIIF B…”), registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal … apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 02-12-2015 e foi notificado à AT em 11-12-2015.

Nos termos em que dispõem as normas do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, nº1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 27-01-2015. Em conformidade com a regra constante do artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 11-02-2016.

 Em 06-07-2016 e em 12-10-2016 este tribunal arbitral prorrogou o prazo para emissão e notificação às partes da decisão arbitral em 2 períodos de 2 meses, nos termos do artigo 21º-2 do RJAT.

Identificação dos atos impugnados, síntese da pretensão do Requerente, seus fundamentos e vícios imputados aos atos

No seu Requerimento Inicial o Requerente peticionou:

                               I.            A declaração da nulidade e subsidiariamente a anulação das seguintes liquidações, que tiveram como origem a transmissão do prédio urbano inscrito na matriz pelo artigo …-… da freguesia de … e …:

a.       Liquidação de IMT n.º…, no valor de € 1.052,33;

b.      Liquidação de IS n.º…, no valor de € 790,56.

                            II.            A restituição daqueles impostos indevidamente liquidados e pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

O Requerente fundamenta o seu pedido na concessão ao FIIAH que gere, da isenção ao abrigo de regime vigente em 2012 quando adquiriu o imóvel, época em não existia norma que condicionasse as isenções de IMT e de IS, previstas no RE-FIIAH. Em 2014 o regime tributário constante do RE-FIIAH foi alterado, no sentido de limitar o efeito de isenções análogas àquelas de que o FIIAH gerido pelo Requerente beneficiou mas essa alteração não pode afetar as isenções entretanto concedidas e “cristalizadas na ordem jurídico-tributária do Requerente”. Se assim fosse, da aplicação da norma revista resultaria a sua “inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa” (27º do RI), tanto mais que “os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga” (30º). Considera assim que “as liquidações são ilegais pois entende ser inconstitucional, por violação do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014.

O Requerente entende que as liquidações em causa são nulas por conterem por ofenderem o conteúdo essencial de um direito fundamental (133.º-1 do Código de Procedimento Administrativo em vigor até 06-04-2015), categoria em que enquadra o princípio da não retroatividade da lei fiscal (37º), podendo em consequência esse vício ser fundamento de impugnação dos atos a todo o tempo (41º).

Na perspetiva do processo tributário (99º CPPT) a tese do Requerente assenta afinal na existência de erro sobre os pressupostos de direito, pois considera que não são aplicáveis nas liquidações sob crítica as normas que regulam a extinção dos benefícios fiscais.

Em síntese, o Requerente pretende que as liquidações sejam invalidadas e que lhe sejam restituídos os valores pagos, acrescidos de juros.

Síntese da posição da AT

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta sustentando a legalidade da liquidação e defendeu a improcedência do pedido e da sua fundamentação, entendendo que não foi dado ao imóvel o destino previsto na lei, que é a afetação ao arrendamento (10º). Sustenta que os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das isenções previstas no regime tributário aplicável aos FIIAH, sempre tiveram que destinar os imóveis em causa exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. Foi nessa situação, consubstanciada no facto de ter sido dado ao imóvel um destino diferente daquele que originou a atribuição do benefício fiscal, que as liquidações impugnadas foram feitas (13º). As liquidações não têm subjacente a aplicação do regime aditado em 2014 “mas antes se baseia no facto de ter sido dado ao imóvel um destino diferente” (15º).

Entende ainda a AT que o vício que poderia afetar as liquidações não seria o da nulidade mas a mera anulabilidade, que é o regime regra da invalidade dos atos administrativos e que a questão da não retroatividade da lei fiscal tem relevância no confronto com o princípio da legalidade mas não se situa no campo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, onde se poderia gerar a nulidade. Em consequência o regime de impugnação do ato há de ser aquele que é aplicável aos atos anuláveis (19º).

2.      Saneamento

 Articulados, instrução do processo e alegações

Em 08-06-2016 O tribunal arbitral proferiu despacho pré-saneador convidando o Requerente a precisar aspetos da sua exposição dos factos e a pronunciar-se por escrito sobre a exceção suscitada pela AT; o Requerente apresentou o seu requerimento respetivo em 17-06-2017.

O Requerente e a AT manifestaram-se no sentido de ser dispensável a realização da 1ª reunião do tribunal arbitral com as partes e expressaram interesse na produção de alegações sob forma escrita, o que foi aceite pelo tribunal arbitral.

Em 12-07-2016 e em 09-09-2016 o Requerente e a AT, respetivamente, apresentaram as suas alegações escritas. O Requerente juntou aos autos parecer de dois Ilustres jurisconsultos “sobre a constitucionalidade do artigo 236.º, N.º 2, da Lei n.º 83-/2013, de 31 de dezembro”.

Exceções processuais

Incompetência do tribunal arbitral

A AT na sua Resposta sustentou que este tribunal não tem competência para proceder à apreciação abstrata da constitucionalidade e declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro e que essa incompetência consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conduzindo à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no artigo 576.º/1 e 2 e no artigo 577.º-a) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT. (4º e 7º R-AT).

Não parece a este tribunal que se ponha qualquer problema de competência.

É consensual para o tribunal e certamente para as Partes que não cabe nesta instância a fiscalização abstrata da constitucionalidade de quaisquer normas.

Embora o Requerente possa ter apresentado a questão com uma formulação muito própria no introito do seu Requerimento Inicial, da sua exposição e da formulação da sua pretensão resulta com clareza que pretende que o tribunal declare a nulidade ou anule as liquidações de IMT e de IS e não pede para que seja apreciada a constitucionalidade de qualquer norma. Com exceção da introdução da sua peça, local onde o Requerente refere a necessidade de aferir se a norma transitória do RE-FIIAH introduzida em 2014 revela uma violação inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, não se vê que o Requerente peça a este tribunal para fazer qualquer fiscalização da constitucionalidade de norma.

A tese do Requerente assenta na desconformidade das liquidações face ao artigo 103º-3 da CRP (18º, 37º e 38º do RI). Essa falta de observância da norma (constitucional) na prática do ato gera a sua invalidade, como acontece quando qualquer ato colide com qualquer norma do sistema jurídico. Aliás, já sob a epígrafe “V- Do pedido” o Requerente afirma que são as liquidações - e não a norma - que enfermam de inconstitucionalidade, i.e. padecem de ilegalidade porque na sua ótica não se conformam com a estatuição da norma (constitucional).

Nos termos da norma do artigo 2º-1-a do RJAT, é da competência deste tribunal arbitral a apreciação da conformidade com a lei, mesmo com lei constitucional, de atos de liquidação de tributos, que é afinal o que aqui está em causa.

Não procede nestes termos a alegada exceção da incompetência, suscitada pela AT.

Verificação dos pressupostos processuais

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e tem competência em razão da matéria segundo dispõem as regras do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As Partes são titulares de personalidade e capacidade judiciárias (sendo a da AT nos termos da disciplina constante do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e do artigo 1.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), são legítimas e estão regularmente representadas.

Não há nulidades que inquinem o processo.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa pelo que se impõe decidir.

3.      Decisão

Matéria de facto

Factos que se consideram provados

Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:

Em 21-07-2012 o FIIAH gerido pelo Requerente adquiriu por compra a fração autónoma designada pelas letras “…” do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, do concelho de …, sob o artigo…, pelo preço de 98.820,00 € [2º RA: escritura anexa, p.54]

O artigo matricial urbano U-…-… da freguesia de … e …, teve origem no artigo …-… da freguesia de … (extinta) [2º RA: caderneta predial junta]

Em data anterior a 16-06-2012, o FIIAH gerido pelo Requerente efetuou declaração para liquidação do IMT referente à aquisição da fração identificada em A pelo preço de 98.820,00 €, referenciando que o facto tributário se enquadrava no “código…” para efeitos de benefícios fiscais [3º RA: declaração junta].

 Por declaração de 04-09-2015 o FIIAH gerido pelo Requerente requereu a AT a liquidação do IMT referente à aquisição pelo FIIF B…, “do direito de propriedade plena” da fração … do artigo … da freguesia de … e … (anterior artigo … da freguesia de …), destinada a habitação, pelo valor de 98.820,00 €. [6º RI: doc.1, pp.1-2].

No requerimento do FIIAH gerido pelo Requerente mencionado em D. este declarou também que a aquisição da fração ocorrera anteriormente e que nessa ocasião, fora liquidado em 18-06-2012 o IMT “com o benefício código …-FIIAH/SIIAH (artigo 87º do OE/09)” indo ser celebrada escritura de venda do imóvel em 04-09-2015, sendo dado à fração destino diferente daquele em que assentou o benefício. [6º RI: doc.1, p. 1]

Em 04-09-2015 foi feita a liquidação do IMT referente à transmissão referida em D. no valor de 1.052,33 €. [6º RI; doc. 1, p. 3]

Em 07-09.2015 o FIIAH gerido pelo Requerente efetuou o pagamento do IMT, liquidado pelo valor de 1.052,33 € [7º RI: doc. 1, p. 3 e doc. 2, p. 1]

Por declaração de 04-09-2015 o FIIAH gerido pelo Requerente requereu à AT a liquidação do IS referente à aquisição pelo FIIF B…, “do direito de propriedade plena” da fração … do artigo … da freguesia de … e … (anterior artigo 21.787 da freguesia de …), destinada a habitação, pelo valor de 98.820,00 €. [6º RI: doc.1, p.4].

Em 04-09-2015 foi feita a liquidação do “Imposto do Selo – verba 1.1.” referente à transmissão referida em H. no valor de 790,56 €. [6º RI; doc. 1, p. 5]

Em 07-09.2015 o FIIAH gerido pelo Requerente efetuou o pagamento do IS, liquidado pelo valor de 750,56 € [7º RI: doc. 1, p. 5 e doc. 2, p. 2]

Factos que se consideram não provados

Não se considera provado que “as isenções de IMT e de IS foram reconhecidas a requerimento do Fundo B…”, como se afirma em 21º do RI, pois não foi junto documento que comprove esta afirmação, nem foi produzida qualquer outra prova para a sustentar.

Não foram alegados outros factos com interesse para a decisão da causa

Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do tribunal assentou na prova documental constante dos autos e na posição tomada relativamente a cada facto pelas Partes nos articulados, devidamente identificada.

Matéria de direito

Questão principal – a invalidade das liquidações

A questão a resolver neste processo consiste em saber se a isenção de IMT e de IS de que o Requerente beneficiou em 21-07-2012, quando comprou o imóvel identificado nos autos, se mantém em 04-09-2015 quando este declarou à AT que ia vender o imóvel e ser-lhe dado destino diferente daquele que sustentou os benefícios.

Veja-se qual é a disciplina jurídica aplicável aos FIIAH e à isenção de tributação das operações destas entidades em IMT e em IS.

O Orçamento do Estado para 2009 introduziu na ordem jurídica o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (RE-FIIAH) para vigorar até 31 de Dezembro de 2020, operando-se nessa data a conversão dos FIIAH em fundos de investimento imobiliário sujeitos na íntegra ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (Lei 64-A/2008, de 31  de Dezembro, artigo 102.º).

Em matéria tributária e no que concerne em especial ao IMT e ao IS o RE-FIIAH dispôs no seu artigo 8º:

(…)

7 - Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º

(…)

O RE-FIIAH fixou ainda o seguinte regime transitório no seu artigo 9º:

1 - Nos seis meses seguintes à data de autorização do FIIAH e, no limite, até 31 de Dezembro de 2009, podem as entidades gestoras realizar transações entre fundos de investimento imobiliário sob a sua gestão com a finalidade exclusiva de integrar na carteira do FIIAH imóveis destinados à habitação permanente, desde que observadas todas as garantias legais, nomeadamente, em matéria de proteção dos interesses dos investidores.

2 - As transacções realizadas ao abrigo do disposto no número anterior são comunicadas à CMVM no termo daquele prazo, com a identificação dos elementos essenciais das mesmas.»

Mais tarde, o Orçamento do Estado para 2014 alterou o regime tributário do RE-FIIAH, através do aditamento de 3 novos números ao artigo 8º, com o seguinte teor (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, artigo 235.º):

(…)

14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

 15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

 16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.

Com este novo regime a realização dos fins dos FIIAH – o investimento imobiliário para arrendamento habitacional – passou a estar apoiada pela isenção de IMT e de IS, desonerando a carga fiscal que incide naturalmente sobre as operações de aquisição de imóveis.

Foi, pois, criado o benefício fiscal em IMT e em IS para as aquisições de prédios urbanos ou de suas frações autónomas, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos FIIAH. Apesar da criação do benefício ter assento num diploma próprio, este não fixou inicialmente quaisquer regras procedimentais relativas à constituição, reconhecimento e extinção dos benefícios. Para encontrar a disciplina aplicável a estas questões há que recorrer então às regras gerais.

Como é sabido as isenções de impostos são benefícios fiscais, nos termos da norma do artigo 2º-2 do EBF e a sua disciplina encontra por isso assento quer neste Estatuto, quer nas disposições gerais do código do respetivo imposto – no caso dos autos o CIMT e o CIS – e na regulamentação específica do benefício fiscal em causa.

Em termos procedimentais o regime aplicável ao reconhecimento das isenções de IMT não parece oferecer dúvidas: este deve ser requerido antes da operação de transmissão que o FIIAH pretenda realizar, como regula o CIMT:

Artigo 10.º Reconhecimento das isenções

1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do ato ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efetuar.

(…)

Veja-se agora o tema mais sensível da questão sub judicio que é o apuramento do regime da extinção da isenção. O regime constante do EBF regula a extinção dos benefícios em geral nos seguintes termos:

Artigo 14.º Extinção dos benefícios fiscais

(…)

3 - Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.

A previsão da norma que estatui a extinção dos benefícios (14º-3 do EBF) coloca sobre a sua incidência (i) os benefícios concedidos para aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes; (ii) quando ocorra a sua alienação. Dito de outro modo: Os FIIAH são entidades que realizam os seus fins através do arrendamento para habitação de imóveis adquiridos para esse objetivo e beneficiam de isenção de IMT e de IS nestas aquisições; a alienação desses imóveis pelos FIIAH implicará a extinção desses benefícios.

Aliás, quando os FIIAH se coloquem nessa situação de extinção das isenções de IMT e de IS, têm mesmo de participar essa situação à AT. A este propósito o artigo 9º do EBF é bem claro, dispondo que:

(…)

Artigo 9.º Declaração pelos interessados da cessação dos pressupostos dos benefícios fiscais.

As pessoas titulares do direito aos benefícios fiscais são obrigadas a declarar, no prazo de 30 dias, que cessou a situação de facto ou de direito em que se baseava o benefício, salvo quando essa cessação for de conhecimento oficioso.

Note-se que as alterações introduzidas ao regime fiscal das aquisições de imóveis pelos FIIAH não trouxeram alterações nas situações de alienação de imóveis. As situações em que as condições subjacentes à concessão das isenções podem deixar de se verificar são fundamentalmente duas: (i) a não celebração do arrendamento pretendido; (ii) a alienação do imóvel, que não poderá mais ser arrendado pelo FIIAH.

A alteração do regime introduzida em 2014 não alterou a disciplina aplicável nos casos gerais de alienação dos imóveis adquiridos pelos FIIAH no âmbito da sua atividade, que continuou a implicar a extinção do benefício. A alteração legislativa debruçou-se sobretudo sobre questões relacionadas com o arrendamento, impondo que este passe a ser celebrado no prazo de 3 anos (artigo 8º-14 do RE-FIIAH).

Não se vislumbra que nas situações de alienação de imóveis adquiridos pelos FIIAH se coloque qualquer questão de aplicação retroativa de normas pois nenhumas regras foram introduzidas nesta matéria específica. Aliás, este ponto em particular tem sido reiteradamente afirmado nos tribunais arbitrais constituídos no CAAD[2].

Veja-se agora como se enquadra nesta disciplina a situação de facto já assente nesta decisão.

Em 21-07-2012 o FIIAH gerido pelo Requerente adquiriu por compra o imóvel identificado nestes autos e beneficiou então de isenção de IMT e de IS por aquele se destinar a arrendamento para habitação permanente, no âmbito da atividade do FIIAH, nos termos da norma do artigo 8º, n.º 7-a e n.º 8 do RE-FIIAH. Nos termos da regra do artigo 14º-3 do EBF esse benefício extingue-se se o imóvel em causa for alienado.

Em 04-09-2015 o próprio FIIF B…, declarou que ia vender a fração no mesmo dia 04-09-2015, pelo que ia ser dado ao imóvel destino diferente daquele em que assentou a isenção. Foi neste contexto que requereu à AT a liquidação do IS e do IMT, como lhe é imposto pelo artigo 9º do EBF.

Foi nesta sequência de factos e efeitos jurídicos – as declarações do próprio FIIF B… que afirmaram a intenção de venda do imóvel e a extinção dos benefícios, prevista na norma do artigo 14º-3 do EBF - que a AT fez as liquidações impugnadas. Fê-lo em obediência à lei, pelo que aqueles atos não merecem qualquer censura.

Outros pedidos

A obrigação de restituição pela AT dos impostos pagos está subordinada ao próprio âmbito da procedência (100º LGT) e sendo improcedente o pedido do Requerente ficam prejudicados os seus pedidos de devolução de quantias pagas e de juros.

 

4.      Decisão

Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos, este tribunal arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral. Em consequência absolve-se a AT do pedido.

Pela decisão proferida fica prejudicada a apreciação dos pedidos de restituição dos impostos pagos e de juros.

Condena-se o Requerente no pagamento das custas, que se apuram no local próprio.

 

5.      Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306º- 2, do CPC, ex-vi 29º-1-e) do RJAT e 97º-A, n.º 1-a) do CPPT ex-vi 3º-2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 1.842,89 €.

 

6.      Custas

As custas ficam a cargo da parte que a elas tiver dado causa, entendendo-se que lhes dá causa a parte vencida (527º-1 e 2 CPC). Nestes autos e considerando a citada regra, a responsabilidade pelas custas é do Requerente, enquanto parte vencida.

Nos termos do artigo 22º-4 do RJAT e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas que ficam a cargo do Requerente em 306.00 €.

 

Lisboa, 18 de outubro de 2016

O árbitro,

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 



[1] Nesta peça são utilizados os seguintes acrónimos, siglas e abreviaturas, com o significado indicado:

- AT: Autoridade Tributária e Aduaneira

- CIMT: Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis

- CIS: Código do Imposto do Selo

- CRP: Constituição da República Portuguesa

- EBF: Estatuto dos Benefícios Fiscais

- IS: Imposto do Selo

- IMT: Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis

- LGT: Lei Geral Tributária

- R-AT: Resposta da AT

- RJAT: Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária instituído pelo DL n.º 10/2011 de 20 de janeiro

- RA: Requerimento de aperfeiçoamento do Requerente

- RE-FIIAH: Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional

- RI: Requerimento inicial do Requerente

 

[2] Vejam-se, entre outras, as decisões de 14-03-2016 no processo nº 398/2015-T (Maria Antónia Torres), de 11-04-2016 no processo nº 688/2015-T (Sílvia Oliveira), de 22-04-2016 no processo nº 691/2015-T (Hélder Filipe Faustino), de 02-05-2016 no processo nº 689/2015-T (Eva Dias Costa), de 19-05-2016 no processo nº 709/2015-T (Rui Ferreira Rodrigues), de 07-06-2016 no processo nº 684/2015-T (Miguel Patrício), de 15-06-2016 no processo nº 706/2015-T (Miguel Patrício), de 17-06-2016 no processo nº 717/2015-T (Henrique Nogueira Nunes), de 09-07-2016 no processo nº 707/2015-T (Nuno Pombo), de 14-07-2016 no processo nº 690/2015-T (Francisco Nicolau Domingos), de 01-08-2016 no processo nº 694/2015-T (Maria Manuela Roseiro), de 01-08-2016 no processo nº 708/2015-T (Luís Ricardo Farinha Sequeira), de 15-07-2016 no processo nº 165/2016-T (Magda Feliciano) e de 08-07-2016 no processo nº 128/2016-T (Magda Feliciano).