Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 676/2015-T
Data da decisão: 2016-09-21  Selo  
Valor do pedido: € 14.179,99
Tema: IS - Verba 1.1 da TGIS; renúncia à Isenção IVA; compra e venda de imóveis
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Decisão Arbitral

 

 

                                 1.         Relatório

 

O Fundo de Investimento Imobiliários Fechado Turístico, S.A., com sede na Rua…, n.º…, … Dt.º, …-… …, inscrita na competente Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva…, com o capital social de € 375.000,00 (doravante “A…”), entidade gestora do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B…, …, registado junto da CMVM sob o código … (doravante “B….”), veio, nos termos do artigo 95.º da Lei Geral Tributária, do artigo 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do artigo 43.º do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis aplicável ex vi artigo 49.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo e dos artigos 2.º, 3.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e alterado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), requerer a Constituição de Tribunal Arbitral e apresentar o seguinte pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das decisões de indeferimento proferidas pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças … – …, nos seguintes processos de reclamação graciosa:

 

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O Requerente termina o pedido requerendo a anulação da liquidação de Imposto do Selo n.º…, datada de 26 de Novembro de 2014, no montante de € 14.179,99 (catorze mil cento e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), incidente sobre a aquisição pelo B… de sessenta e duas frações autónomas, designadas pelas letras “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “X”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC”, “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI”, “AJ”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AQ”, “AR”, “AS”, “AT”, “AU”, “AV”, “AX”, “AZ”, “BA”, “BB”, “BC”, “BD”, “BE”, “BF”, “BG”, “BH”, “BI”, “BJ”, “BL”, “BM”, “BN”, “BO”, “BP”, “BQ” e “BR”, todas do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, números…, … e … e …, números … e …, no …, União das Freguesias de … e …, descrito na … Conservatória do Registo Predial de … sob o número … da extinta freguesia do … e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de … e … sob o artigo provisório … (doravante conjuntamente designadas por “Frações Autónomas”) e bem assim, a condenação da AT ao reembolso das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos competentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13 de Novembro de 2015.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra singular a signatária, Mariana Gouveia de Oliveira, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

A 7 de Janeiro de 2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro singular, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 22 de Janeiro de 2016.

A AT respondeu, defendendo que deve improceder o pedido de pronúncia arbitral, solicitando desde logo a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e bem assim da produção de alegações.

A 18 de Março de 2016 foi notificada a Requerente para se pronunciar sobre a dispensa da reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT e produção de alegações, a qual manifestou nada ter a opor a 1 de Abril de 2016.

Assim, a 16 de Junho de 2016 foi fixado como prazo limite para a prolação do acórdão a data de 22 de julho de 2016, prazo esse que veio a ser prorrogado para 22 de setembro de 2016. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

  2.                Matéria de facto

2.1              Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

A)               Em Outubro de 2014, a C…, S.A., anteproprietária das Frações Autónomas, requereu, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA e do Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas Operações Relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, a renúncia à isenção do IVA incidente sobre a venda das Frações Autónomas a favor do Fundo, requerimento esse aceite pelo B… .

B)                A 31 de Outubro de 2014, a AT emitiu 62 certificados de renúncia à isenção do IVA na transmissão de bem imóvel, relativos a cada uma das Frações Autónomas a transmitir a favor do B… (cfr. documentos juntos com pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 1 a 62).

C)                Em 26 de Novembro de 2014, após a apresentação pelo B… da declaração para liquidação do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) referente à aquisição das Frações Autónomas, o Serviço de Finanças … … procedeu à emissão do documento de pagamento do Imposto do Selo n.º…, no montante de € 14.179,99 (catorze mil cento e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos) (Doc. n.º 63.junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

D)               Nesse mesmo dia, ou seja, em 26 de Novembro de 2014, o B… procedeu ao pagamento da importância de € 14.179,99 (catorze mil cento e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos) a título de Imposto do Selo relativo à aquisição das Frações Autónomas (Doc. n.º 64 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

E)                O B… adquiriu as Frações Autónomas, com renúncia à isenção do IVA, por escritura pública de compra e venda outorgada a 4 de Dezembro de 2014 (Doc. n.º 65 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

F)                 As Frações Autónomas foram adquiridas pelo preço global de € 9.200.000,00 acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), à taxa legal de 23%.

G)               Em 12 de Março de 2015, a A…, em representação do B…, apresentou reclamação graciosa da liquidação do Imposto do Selo n.º … junto do Serviço de Finanças … … (Doc. n.º 66 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

H)               O Serviço de Finanças … … instaurou um processo de reclamação graciosa por cada liquidação individual de imposto do selo relativa a cada uma das Frações Autónomas transmitidas.

I)                  Entre os dias 20 e 29 de Julho de 2015, a A…, em representação do B…, foi notificada de 62 projetos de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

J)                  No dia 4 de Agosto de 2015, o B… exerceu, por 62 vezes, o direito de audição prévia no âmbito dos processos de reclamação graciosa acima identificados, pugnando pela revogação dos projectos de decisão de indeferimento da reclamação apresentada e pelo provimento do(s) pedido(s) de anulação(ões) da(s) liquidação(ões) do Imposto do Selo incidente(s) sobre a aquisição das Frações  Autónomas.

K)               Nos dias 18, 19 e 20 de Agosto de 2015, a A…, em representação do B…, foi notificada de 62 decisões de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, (Docs. n.º 67 a 128 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), em que se refere, além do mais, o seguinte:

“Como fundamento do pedido de anulação da liquidação reclamada, o contribuinte afirma que "tratando-se de uma situação sujeita a IVA, embora dele isento, e verificando-se renúncia à isenção, há tributação em sede de IVA, o que face à disposição do n.º 2 do artigo 1.° do Código do lmposto de Selo, implicará que não poderá também haver sujeição a Imposto de  Selo, sob pena de existir uma  dupla tributação sobre a mesma realidade" (petição. artigo 11.º e 13.°).

Na opinião do reclamante, aplica-se, pois, ao caso a norma do artigo 1.°, n.º 2 do CIS, de acordo com a qual não são “sujeitas” a imposto de selo "as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas".

Há, porém, que atender que, enquanto o imposto sobre o valor acrescentado incide sobre a operação, o imposto de selo da verba 1.1 incide sobre o contrato, conforme se tem argumentado na administração tributária a propósito da distinção entre estes dois impostos ao nível da incidência, uma distinção com relevância para a questão a decidir.

Ora, tendo presente essa distinção, deve considerar-se legal a liquidação de imposto do selo reclamado e o pagamento cuja restituição se requer.”

L)                A 13 de Novembro de 2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral, que deu origem ao presente processo, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD.

 

2.2              Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3              Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

3         Matéria de direito

 

Preliminarmente, saliente-se que o Tribunal não se encontra vinculado à ordem pela qual os alegados vícios, ou os seus fundamentos, são apresentados pelas partes (cfr. art. 124.º do CPPT, ex vi do art. 29.º do RJAT), podendo analisar preliminarmente aqueles que melhor tutelem os interesses em causa.

Coloca-se a questão de saber se é devido imposto do selo (da verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo) sobre a transmissão de imóveis quanto à qual tenha havido renúncia à isenção de IVA.

Em síntese, alega a Requerente que:

«15. A aquisição das Frações Autónomas corresponde a uma transmissão onerosa de bens efetuada em território nacional por um sujeito passivo agindo como tal e, por força da mencionada renúncia à isenção de IVA, encontra-se sujeita a IVA nos termos do art. 1.º, n.º 1 do Código do IVA.

16. Ora, face à norma constante do n.º 2 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), tal implica que esta mesma transmissão não poderá estar também sujeita a Imposto do Selo, sob pena de existir uma dupla tributação sobre a mesma realidade.

17. De facto, o citado n.º 2 do artigo 1.º do CIS dispõe que “Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.”

18. Assim, não pode a verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ser aplicada à transmissão de um bem imóvel sujeita a IVA por renúncia à respetiva isenção, nos termos do artigo 12.º do CIVA.

19. Acresce que o Imposto do Selo previsto na verba 1.1. Tabela Geral não incide sobre contratos mas antes sobre operações.

20. O Código do Imposto do Selo estabelece no n.º 2 do artigo 1.º que “Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.”»

Já a Requerida contrapõe que “enquanto o imposto sobre o valor acrescentado incide sobre a operação, o imposto de selo da verba 1.1 incide sobre o contrato, conforme se tem argumentado na administração tributária a propósito da distinção entre estes dois impostos ao nível da incidência, uma distinção com relevância para a questão a decidir.

Ora, tendo presente essa distinção, deve considerar-se legal a liquidação de imposto do selo reclamado e o pagamento cuja restituição se requer.”

Vejamos

Em termos de incidência objetiva, os n.ºs 1 e 2, do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo dispõem que:

«1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.»

Prevê a verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) a incidência de imposto do selo sobre

Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou 0,8% extinção, por mútuo consenso, dos respetivos contratos - sobre o valor

Nos termos dos artigos 1.º e 3.º do Código do IVA, estão sujeitas a imposto as transmissões de bens localizadas em território nacional. Contudo, em regra, as transmissões de imóveis estão isentas de IVA nos termos do n.º 30 do artigo 9.º do referido dispositivo legal. Todavia, nos termos do artigo 12.º do Código do IVA é possível, em determinadas circunstâncias a renúncia à isenção do IVA, caso em que o regime regra de sujeição é inteiramente aplicável, como sucedeu no caso em apreço.

Alega, contudo, a Requerida que, enquanto o IVA incide sobre a operação – i.e. a transmissão do imóvel –, o imposto do selo incidiria antes sobre o contrato.

Tem razão a Requerida quando alega que o imposto do selo não incide necessariamente sobre as operações, podendo ainda incidir sobre os documentos que titulam as referidas operações. Contudo, essa realidade encontra-se hoje reduzida apenas à tributação incidente sobre a emissão de cheques, nos termos da verba 4 da TGIS, nos termos da qual é imposto o pagamento de um montante fixado na lei, independentemente do valor da operação subjacente.

Diferentemente, a verba 1.1 TGIS impõe uma tributação ad valorem, procurando claramente atingir a capacidade contributiva revelada pelo negócio jurídico. Inclusivamente, na versão do Código do Imposto do Selo introduzida com a Reforma da Tributação do Património (Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro) previa-se a incidência cumulativa de imposto do selo sobre a transmissão do imóvel (verba 1.1) e sobre a escritura que titulasse tal transmissão (verba 15.1), evidenciando claramente a diferente natureza de uma e outra verba.

Neste sentido, há que ter em conta o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), no douto Ac. n.º 790/10 de 24 de fevereiro de 2011[1], em que se escreve: “De todo o modo, retornando ao âmbito do imposto de selo, como, em outro local, salienta, igualmente, o Prof. Saldanha Sanches, (Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., 2007, pág. 436.) este imposto é regulado por dois códigos interdependentes: o Código do Imposto do Selo e a Tabela Geral do Imposto do Selo, a qual contém as respectivas taxas e concretiza, por ordem alfabética, os factos tributários. Neste sentido, o artigo 1.º do CISelo determina que ele incide «sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».

Ora, incidindo o imposto sobre o conjunto das realidades constantes da Tabela Geral e considerando que nesta se especificam realidades distintas, há que ter em conta que, dada a natureza de cada uma delas, o imposto pode ser devido pelos documentos que titulam negócios (selo do documento - fixando a lei, neste caso e em regra, o respectivo valor tributável) ou pode ser devido pela celebração do próprio negócio, como acto jurídico (selo da operação - variando, neste caso, o imposto em função do valor do negócio), independentemente de existir, ou não, documento escrito.

E é esta distinção que releva para efeitos do disposto no citado n.º 2 do art. 1.º do CISelo, sem esquecer, ainda, que, por um lado, apesar de este n.º 2 excluir da tributação em imposto do selo as operações que, embora previstas na tabela, estejam sujeitas a IVA, tal exclusão não abrange o selo do documento que eventualmente as titule e que, por outro lado, este normativo afasta da tributação do selo não os operadores mas, antes, as operações em concreto.”

Ora, na situação em análise, a sobreposição da incidência do IVA e do imposto do selo é ainda mais clara, porquanto ambos os impostos incidem sobre uma realidade de execução instantânea – a transmissão / aquisição do imóvel, não se colocando desse modo a questão de saber se a celebração do contrato deverá ter autonomia fiscal face às prestações de serviços continuadas, como sucede no caso do arrendamento.

Termos em que se deve julgar procedente o pedido da Requerente e anular a liquidação de imposto do selo impugnada.

 

4         Juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que a AT seja condenada a reembolsá-la das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos competentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

Esta mesma questão já foi suscitada em diversos processos anteriores em que se analisa matéria em tudo idêntica à dos autos, entre os quais o processo 303/2015-T do CAAD, onde se escreveu o que ora, com a devida vénia, se transcreve:

“De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é pressuposto da existência daqueles juros.”

Face ao supra exposto, há que apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago de € 14.179,99 (catorze mil cento e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da ilegalidade do ato de liquidação objeto do presente processo, dúvidas não subsistem que a AT deverá proceder à restituição dos montantes indevidamente pagos, dando cumprimento ao imperativo do artigo 100.º da LGT supra citado.

Também no que respeita ao direito a juros indemnizatórios, dúvidas não subsistem de que houve erro imputável aos serviços, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O conceito de “erro imputável aos serviços” tem sido amplamente analisado pelo STA que de modo uniforme tem defendido que “(…) como se refere no douto Ac. do STA de 05.05.99 — Rec. nº 5557-A, “a utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir a factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (cfr. Apêndice ao Diário da República de 19.6.2002, a fls. 1724).

Tal significa que o erro a que aludem os preceitos citados não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em errada apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação da norma jurídica. De fora ficam, como tem sido jurisprudência repetida deste Supremo Tribunal, os casos de anulação de atos tributários com base em vícios de forma ou vícios de procedimento”[2].

No caso em apreço, a ilegalidade das liquidações de imposto controvertidas decorre exatamente de erro sobre pressupostos de direito, praticado pela AT e consequentemente a ela imputado.

Assim, deverá a Requerida dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

5         Decisão

 

          Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, e consequentemente, ilegais as sessenta e duas decisões de indeferimento proferidas pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças … …, acima melhor identificadas, com fundamento na ilegalidade da sujeição a Imposto do Selo da aquisição das sessenta e duas fracções autónomas designadas pelas letras “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “X”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC”, “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI”, “AJ”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AQ”, “AR”, “AS”, “AT”, “AU”, “AV”, “AX”, “AZ”, “BA”, “BB”, “BC”, “BD”, “BE”, “BF”, “BG”, “BH”, “BI”, “BJ”, “BL”, “BM”, “BN”, “BO”, “BP”, “BQ” e “BR”, todas do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, números…, … e … e …, números … e …, no …, União das Freguesias de … e …, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número … da extinta freguesia do … e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de … e …sob o artigo provisório …, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e no artigo 99.º do CPPT;

b)   Anular o ato de liquidação de Imposto do Selo n.º…, datado de 26 de Novembro de 2014, no montante € 14.179,99 (catorze mil cento e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos);

c)    Julgar procedentes os pedidos de reembolso das quantias pagas, no valor total de € 14.179,99 (catorze mil cento e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos) e de pagamento de juros indemnizatórios sobre esta quantia, calculados à taxa legal supletiva, desde a data do pagamento até integral reembolso daquelas quantias e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar estes pagamentos.

 

6         Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 14.179,99 (catorze mil cento e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos).

 

7                                            Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida AT.

 

Lisboa, 21 de Setembro de 2016

 

A Árbitra

 

(Mariana Gouveia de Oliveira)



[1]Acórdão STA Ac. n.º 790/10 de 24 de Fevereiro de 2011, disponível em http://www.dgsi.pt/ .

[2] Acórdão STA n.º 01610/13 de 12 de fevereiro de 2015, disponível em http://www.dgsi.pt/ .