Decisão Arbitral
Os Árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro presidente), o Dr. José Rodrigo de Castro e a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro (árbitros adjuntos), acordam o seguinte:
I – RELATÓRIO
1. A…, contribuinte n.º…, com domicílio fiscal na Rua …, n.º … –…, em …, apresentou pedido de constituição do tribunal colectivo, no dia 17/09/2015, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante abreviadamente designado por “RJAT”), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
2. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2015… do IRS do ano de 2010, no montante de € 5.459.714,96, e condenação da AT a pagar à Requerente uma indemnização pelos custos suportados com a garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal n.º …2015… .
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01/10/2015.
3.1. No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea g), do RJAT, a Requerente manifestou a intenção de designar árbitro nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do referido RJAT.
3.2.Em consequência, a constituição do tribunal arbitral processou-se de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 6.º e nos n.ºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, tendo as partes procedido à designação do respectivo árbitro, o Dr. José Rodrigo de Castro, indicado pela Requerente, e a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, indicada pela Requerida, os quais, por seu turno, com observância do estatuído no artigo 3.º, n.º 2, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, designaram o árbitro Presidente, a Conselheira Fernanda Maçãs.
3.3.Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 26/11/2015.
3.4.Em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, foi comunicado que o Tribunal Arbitral colectivo ficava constituído em 14/12/2015.
3.5. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4.No pedido de pronúncia arbitral, por si oferecido, a Requerente invoca, em síntese, que:
a) Foi objecto de uma acção de inspecção aos seus rendimentos de IRS de 2010, iniciada em 2014.10.08 como interna mas alterada para externa em 2014.11.18, que conduziu a Relatório final notificado pela Direcção de Finanças de …, em 2015.04.02.
b) Aí se concluiu pelo apuramento de uma mais-valia de € 23.688.788,62, resultando numa liquidação correctiva de IRS no valor de 4.754.485,46, que, com juros compensatórios, atingiu o montante de € 5.476.701,45.
c) Conforme Nota de Demonstração de Acerto de Contas, a este valor foi abatida a importância de € 16.986,49, respeitante à 1.ª liquidação de IRS de 2010, de que resultou a Notificação para pagamento da importância de € 5.459.714,96.
d) As correcções efectuadas tiveram por fundamento que as partes representativas do capital das sociedades B…, C… e D…, alienadas pela Requerente em 2010.11.30, pelo preço total de € 28 991 386,96, à sociedade E…, SGPS, de que é accionista e administradora, haviam sido adquiridas por valores correspondentes aos preços médios indicados em mapas de posição/extractos bancários fornecidos pela Requerente, em que se incluem valores de preço de custo "0,00" no caso de 6.082.340 ações recebidas da C…, em consequência de processo de cisão da B… e de 1.670.472 ações da D…, em razão de idêntico processo da C… (Q. V do R.I.).
e) Suspendendo-se o prazo de 4 anos, previsto no art. 45.º da LGT para exercício do direito à liquidação, apenas com a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, no presente caso, verifica-se que a qualificação do procedimento de inspecção como externo constituiu um manifesto “expediente” porque os actos de inspecção foram efectuados exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos mencionados no Relatório de inspecção e que serviram de base às conclusões nele formuladas.
f) Não tendo sido suspenso o prazo de caducidade, por inexistência de um procedimento externo de inspecção, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS relativo ao ano de 2010 terminou em 31 de Dezembro de 2014 e a liquidação adicional notificada em 2015.04.28 é inválida por caducidade, nos termos do art. 45.º, n.º 1 da LGT, o que consubstancia vício de violação de lei e uma excepção peremptória.
g) Ainda que se entendesse que o prazo se tinha suspendido em 18 de Novembro de 2014 com a notificação à requerente da Ordem de Serviço, ficaram a faltar 43 dias para o termo do prazo da caducidade (contagem do período entre 19 de Novembro e 31 de Dezembro de 2014) pelo que, tendo-se reiniciado a contagem do prazo da caducidade no dia 12 de Fevereiro de 2015, dia seguinte ao da assinatura da nota de diligência - data em que se concluiu o procedimento de inspecção externo - o mesmo terminou no dia 26 de marco de 2015, data em que a liquidação contestada ainda nem sequer tinha sido efectuada e, por maioria de razão, notificada.
h) Por outro lado, tendo em conta a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (arts. 74.º e 75.º da LGT), a administração tributária não logrou provar a existência do facto tributário gerador de uma mais-valia, sujeita a IRS nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, porque, de acordo com os elementos carreados para o Relatório de inspecção, não fundamentou, em particular, o aspecto quantitativo do elemento objectivo da incidência, isto é “se fundamentadamente comprovou a que título, oneroso ou gratuito, as acções foram adquiridas pela requerente” nem, “admitindo a sua aquisição a título oneroso, se foi utilizado para apuramento da mais-valia o custo documentalmente provado das acções ou, não sendo possível apurar este, se foi utilizado o critério supletivo para a determinação do valor de aquisição legalmente previsto”.
i) No Relatório de Inspecção, não é feita prova “da forma de aquisição (a título oneroso ou gratuito) das acções por parte de A… e, muito menos é demonstrado qual foi o valor e a data de aquisição”, partindo-se de factos avulsos, a partir dos quais se presume a titularidade das acções, como é o caso de comunicações à CMVM de acordo com o n.º 1 do artigo 17.º do CVM, informação relativa à estrutura accionista das referidas sociedades constantes dos respectivos relatórios de Gestão, assim como informação prestada pela entidade depositária das acções (Banco F…) à administração tributária, através das Modelo 13 e Modelo 33 – Registo ou depósito de valores mobiliários (por ex. em 2009).
j) Ora, mesmo que a requerente detivesse a alegada titularidade das acções, a administração tributária não caracterizou o elemento objectivo do facto tributário e, em particular, o seu aspecto quantitativo para cujo apuramento é decisiva a gratuitidade ou onerosidade da aquisição dos valores.
k) Em Novembro de 2003, data que a IT diz ser a da aquisição das acções da B…, tinha 23 anos e reduzidos rendimentos que não lhe permitiam ter adquirido a título oneroso 3 041 170 acções, cotadas em 31.12.2003 a € 2,55, num montante que rondaria 7,7 milhões de euros.
l) O pai da Requerente era, para além de accionista das empresas em causa (B..., C… e D…), administrador de cada uma dessas empresas mas, para obstar à obrigatoriedade que recai sobre os membros dos órgãos de administração de uma sociedade anónima de comunicação à sociedade e ao mercado, do número de acções de que são titulares, e bem assim todas as suas aquisições, onerações ou cessações de titularidade (art. 447.º do Código das Sociedades Comerciais e Código de Valores Mobiliários e Regulamentos da CMVM) deu instruções ao Banco no sentido de ser a filha, ora Requerente, a aparecer como titular das acções depositadas nas contas de títulos no F… e só por isso foi criada uma “aparência de titularidade, de tal modo que a conta de títulos n.º … tinha ambos (pai e filha) como titulares e a conta …, passou a ter a Requerente como única titular e o pai da requerente como procurador, tendo, no entanto, plenos poderes de movimentação da conta.
m) O beneficiário económico da conta de depósitos à ordem associada à conta de títulos sempre foi o pai da Requerente que fez seus os dividendos e os afectou a fins pessoais, através das movimentações que fez dessa conta.
n) O registo em conta individualizada apenas faz presumir que o direito existe e que pertence ao titular da conta nos termos do n.º 1 do artigo 74.º do Código dos Valores Mobiliários (aplicável aos valores titulados em sistema centralizado, por força do artigo 105.º do referido Código), nos precisos termos dos respectivos registos, mas o registo pressupõe um negócio subjacente com conteúdo transmissivo, como é o caso, da compra e venda ou das operações em mercado sobre valores mobiliários, pelo que a transmissão de acções não se circunscreve ao mero registo em conta individualizada.
o) A AT basta-se com o facto de a requerente aparecer como co-titular da conta de títulos n.º … e titular da conta …, mas não referencia qualquer negócio subjacente com conteúdo transmissivo que lhe tenha conferido a propriedade das acções, nem a que título, oneroso ou gratuito, definitivo ou temporário.
p) Assim, estando comprovado que foi o pai da requerente que mobilizou capital para constituir a B…, que movimentou as respectivas contas bancárias e que as acções da B…, C… e D… sempre lhe pertenceram nunca as tendo transmitido onerosamente para a Requerente, conclui-se que a liquidação “é ilegal por vício de forma decorrente de manifesto défice de fundamentação quanto à forma jurídica por que a requerente adquiriu a titularidade das acções”, aspecto “absolutamente indispensável para a determinação de um elemento essencial – o valor de aquisição - sem o qual não é possível apurar o rendimento líquido”, “mais-valias” sujeito a imposto, o que configura inexistência de facto tributário.
q) Mas, mesmo admitindo, por absurdo, que a Requerente teria adquirido as acções a título oneroso, verificar-se-ia errónea quantificação da matéria colectável, em consequência da errada e ilegal determinação do valor de aquisição das acções porque a inspecção tributária não determinou a mais-valia nos termos previstos na alínea a) do artigo 48.º do CIRS quanto ao valor de aquisição dos valores mobiliários (custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação) alegando, sem o provar, que os valores que indica correspondem aos declarados pelo F… nas Modelo 13 e 33 (quando a primeira não tem valores de aquisição e a segunda não tem valores médios de aquisição).
r) É falso que o valor médio de aquisição tenha sido obtido a partir das declarações modelo 13 (isso só passou a ser possível após alteração pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro) e o custo médio de aquisição indicado no extracto bancário pelo Banco depositário constitui mera informação estatística para o cliente, e quando as acções foram inicialmente registadas no Banco, foram colocadas já sob a titularidade da requerente, o que tornaria impossível ao banco determinar o seu valor de aquisição, até porque não são raros os erros detectáveis.
s) A pretender-se, como decorre do Relatório de Inspecção, que a requerente adquiriu as acções, a título oneroso, e a considerar-se o indicado custo médio, como valor de aquisição, então só poderia ter-se constatado que as acções haviam sido adquiridas por € 481 386 799,30 (3 041 170 x €158,29), como decorre do referido extracto bancário e que teve uma enorme menos-valia, já que alienou as acções das três sociedades por um valor global de € 28 991 386,96, valor muitíssimo inferior ao valor de aquisição (€ 481 386 799,30) daquele lote de acções da B…, que decorre da consideração do custo médio constante daquele extracto pelo que, a considerar-se a validade de tal custo médio, sempre deveria ser considerado o valor constante do referido extracto, apurando-se, então, na venda relevante para efeitos de IRS, uma menos-valia.
t) Na falta de custo documentalmente provado com suporte credível, a Inspecção tributária, ao considerar como onerosa a aquisição das acções, deveria ter utilizado como valor de aquisição o correspondente à menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, nos termos da lei, o que não fez, pelo que a quantificação da mais-valia e a consequente liquidação do IRS estão feridas de ilegalidade insanável, por vício de violação de lei e errónea quantificação da matéria colectável.
u) Portanto a ilegalidade decorre de não ter havido nenhuma aquisição onerosa de acções por parte da Requerente, e, ainda que tivesse ocorrido - hipótese que, sem conceder, se coloca para meros efeitos de raciocínio - a determinação do valor de aquisição estaria manifestamente fora dos critérios legais.
v) E também não houve transmissão gratuita porque o pai da requerente continuou a movimentar as contas, a fazer a gestão da carteira e a dispor dos benefícios económicos dela resultantes - os dividendos distribuídos eram depositados nas contas onde se encontravam depositadas as acções, no F…, sendo o pai da Requerente que as movimentava em benefício próprio.
w) No limite, poderia configurar-se uma doação da nua propriedade para a Requerente com reserva de usufruto para o pai, e uma qualquer transmissão gratuita das acções, só poderia ter ocorrido a partir da data em que o pai deixa de ter qualquer poder de disponibilização sobre as acções, isto é, quando dá ordens expressas ao F… para transferir as acções para a E… SGPS (tendo nesta sociedade em 4 de Novembro de 2010, ficado contabilizadas como prestações suplementares de capital da requerente), mas, nesse caso, subsistiria a ilegalidade da liquidação objecto dos autos, por errónea quantificação da matéria colectável, visto que, segundo a lei, o valor de aquisição seria, nesse caso, o que devesse servir de base à liquidação de imposto do selo por transmissão gratuita, se fosse devido.
x) Além disso, o fim da não sujeição de mais-valias de acções prevista no n.º 2 do artigo 10.º do CIRS e mantida durante mais de 20 anos, ocorreu com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26/7, configurando-se como inconstitucional a aplicação retroactiva desta norma.
y) Não parece razoável pensar-se que, em 2010, haveria razões (financeiras) de interesse público que, no tocante exclusivamente às mais-valias, justificassem a não continuidade da não tributação das mais-valias de acções “consolidadas” à data em que a lei da tributação entrou em vigor ou, por razões de praticabilidade, das mais-valias de acções adquiridas até à data da entrada em vigor da lei, porque o legislador outra não fixou.
z) A reversibilidade do regime de tributação sem uma norma transitória violou expectativas jurídicas sem salvaguarda de direitos, verificando-se inconstitucionalidade por retroactividade em concreto ou por violação do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança (n.º 3 do artigo 103.º e artigos 2.º da CRP).
aa) A ATA deve ser condenada a pagar à Requerente uma indemnização pelos custos suportados (nomeadamente a comissão a pagar ao Banco e o imposto do selo), com a prestação de garantia bancária no montante de € 6 913 623,98, para suspender o processo de execução fiscal n.º …2015… .
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta e juntou processo instrutor, invocando, na defesa, por impugnação, em síntese:
a) A acção inspectiva efectuada à ora Requerente foi desencadeada pela acção inspectiva efectuada à sociedade E… SGPS, em que se verificou que a ora Requerente alienou a esta sociedade partes de capital representativas das sociedades B… SGPS, S.A. (B…), C… SGPS, S.A. (C…) e D…, SGPS, S.A. (D…) pelo preço total de € 28.991.386,96, não tendo procedido à entrega do anexo G da Modelo 3 de IRS de 2010 para declarar os ganhos daí resultantes (al.b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS);
b) A inspecção ora em causa, iniciada a 2014/10/08 como acção de natureza interna, foi alterada para acção externa porque nem a Requerente apresentou atempadamente o esclarecimento da sua situação tributária referente a mais-valias decorrentes da transmissão de partes de capital, com a indicação dos aspectos referentes à respectiva aquisição e transmissão (ex. “Data de aquisição das mesmas, preço e quantidade, bem como cópia dos comprovativos das operações translativas de propriedade respectivas, por escritura ou comprovativo bancário”), nem o F… prestou os esclarecimentos solicitados pela AT através de ofício e diversas insistências via fax.
c) A acção inspectiva teve início em 18/11/2014, com a assinatura pela Requerente, no seu domicílio fiscal, da ordem de serviço para apresentar elementos anteriormente solicitados, tendo então prometido fazê-lo em 26/11, na sede da G…, sociedade que presta serviços de contabilidade à E…, mas isso não veio a acontecer, não tendo comparecido o representante que designara para acompanhar a inspecção, pelo que veio a ser efectuada nova visita, na primeira semana de Dezembro de 2014, onde foi dada informação sobre extractos de aviso de lançamento, relativos aos anos de 2004 a 2010, informando-se que “...o banco não conseguiu recolher toda a informação das aquisições reportadas ao período anterior a 2004…” e tendo-se então concluído que se comprovava apenas a aquisição de 132.010 acções da B… SGPS e 224.938 acções da C… SGPS entre os anos 2004 e 2008.
d) Em 2015/02/11, em reunião havida pela IT com a Requerente e advogados foi adiada a entrega de elementos em falta para quarta-feira, 18 de Fevereiro de 2015, o que não se veio a verificar.
e) Assim, com base nos elementos recolhidos junto da E… e junto da Requerente através de diligências externas praticadas (informação do Sujeito Passivo-anexo L, ao relatório final) extractos de aviso de lançamento no período 2004 a 2006 fornecido pelo representante da Requerente e mapas de posição/extractos bancários-anexo 6), concluiu-se que a transmissão de acções foi efectuada pelo preço de € 23.688.788,62, sendo que a transmissão das acções da B… foi efectuada ao preço unitário de € 0,69, a transmissão de acções da C… foi efectuada pelo preço unitário de € 3,40 e que a transmissão de acções da D… foi efectuada pelo preço unitário de € 0,73.
f) Quanto ao valor de aquisição das partes sociais, foi apurado no mapa infra com base nos mapas de posição/extractos bancários fornecidos pela Requerente, tendo em conta que os valores apresentados correspondem aos valores declarados pelo F… nas Modelo 13 (operações com instrumentos financeiros - artigo 124.° do CIRS) e 33 (registo ou depósito de valores mobiliários - artigo 125.° do CIRS), relativamente a operações efectuadas e registo de valores mobiliários referentes a A…, que as sociedades C… e D… resultaram de cisão simples (cisão parcial) prevista na alínea a) do n.° 1 do art. 118.° do Código das Sociedades Comerciais, sendo na cisão sociedades beneficiárias e sendo sociedades cindidas a B… SGPS (para a C…) e C…SGPS (para a D…) que manteve a sua existência.
Sociedade
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Quantidade
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Preço Médio
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C…
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6.423.721
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0,14 €
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308.170
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1,16 €
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B…
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6.252.420
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0,55 €
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125.420
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0,99 €
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D…
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1.605.930
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0,00 €
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64.542
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0,00 €
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Q.II.Valor de aquisição das acções transmitidas
g) De acordo com o regime de neutralidade fiscal consagrado nas normas dos Códigos do IRS e IRC, nas fusões e cisões de sociedades residentes em território português, desde que relativamente aos sócios as participações sejam recebidas pelo valor das antigas, aquando da alienação das participações adquiridas, o valor será o existente na sociedade que lhes deu origem.
h) Os valores de aquisição apresentados, para as sociedades beneficiárias da cisão nos mapas apresentados pelo SP, integram os valores de aquisição da C… e D… como nulos (zero) correspondentes às acções recebidas em resultados dos processos de cisão da B… SGPS e C… SGPS e os valores de aquisição das acções adquiridas posteriormente às cisões, daí resultando o preço médio de aquisição diferente de zero, sendo que, relativamente à D… não houve aquisições posteriores à cisão da C… SGPS.
i) Tendo em conta o número de acções das sociedades cindidas detidas pela Requerente no momento da cisão e o número de acções por ela recebidas, conclui-se que das 6.423.721 acções da C… SGPS adquiridas a um preço médio de 0,14 € (no valor de aquisição total de € 899.320,94) (i) 6.082.340 foram adquiridas a preço 0 (zero) (recebidas na cisão da B…) e (ii) 341.381 acções foram adquiridas posteriormente ao preço médio de € 2,6344.
j) Relativamente às partes de capital adquiridas em resultado da cisão das sociedades B… SGPS e C… SGPS - as sociedades C… SGPS e D… Investimentos SGPS - considera-se como data da sua aquisição a data de aquisição das sociedades cindidas (al.s e) e f) do n.° 6 do artigo 43.° do CIRS).
k) Das comunicações efectuadas pelas participadas nos termos do n.° 1 do artigo 17.° do CMVM, bem como dos Relatório de Contas/Conselho de administração, resulta a seguinte evolução da carteira de acções de A… :……………
Q.IV. Evolução da carteira de acções de A…
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B…
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C…
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D…
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Ano/mês
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CMVM
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com stock split
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CMVM
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com stock split
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CMVM
|
com stock split
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2003/12 ****
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3.041.170
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6.082.340
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2004/12
|
3.041.170
|
6.082.340
|
|
|
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2005/02 *
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3.041.170
|
6.082.340
|
3.041.170
|
6.082.340
|
|
|
|
200512
|
3.128.170
|
6.256.340
|
3.184.170
|
6.368.340
|
|
|
|
2006/06 ***
|
3.128.170
|
6.256.340
|
6.369.340
|
6.369.340
|
|
|
|
2007/12
|
6.256.340
|
6.256.340
|
6.369.340
|
6.369.340
|
|
|
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2008/06 **
|
6.256.340
|
6.256.340
|
6.681.888
|
6.681.888
|
1.670.472
|
1.670.472
|
2008/12
|
6.337.840
|
6.337.840
|
6.731.891
|
6.731.891
|
1.670.472
|
1.670.472
|
2009/12
|
6.377.840
|
6.377.840
|
6.731.891
|
6.731.891
|
1.670.472
|
1.670.472
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2010/11
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6.377.840
|
6.377.840
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6.873.892
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6.873.892
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1.670.472
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1.670.472
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* Cisão da B…** Cisão da C…*** Stock-split
l) Conclui-se da documentação junta aos autos que A… era a efectiva titular das acções em causa, designadamente pelo controlo de titularidade dos valores mobiliários (acções) permitido pelo respectivo registo, nos termos legais e regulamentares, tendo (por exemplo, segundo as modelos 10 entregues em 2002) recebido os respectivos dividendos que declarou para efeitos de tributação em IRS no anexo E da modelo 3 desse imposto.
m) Resulta inequívoco que a acção inspectiva efectuada ao abrigo da OI2014… tem a natureza de acção inspectiva externa, com enquadramento na alínea b) do art. 13.º do RCPITA, atendendo quer à materialidade dos actos praticados (diligências investigatórias praticadas fora dos serviços da AT), quer à sua necessidade, adequação e proporcionalidade em face do objectivo de verificação da situação da Requerente (dada a falta de colaboração com a AT, quanto a mais-valias obtidas em 2010), sendo que a deslocação ao seu domicílio fiscal, à sede da empresa de contabilidade da E… ao escritório de advogados indicado pela Requerente vieram a resultar na efectiva recolha de elementos e de esclarecimentos indispensáveis à correcção ora controvertida.
n) O Relatório Final foi notificado pessoalmente em 17 de Abril de 2015 e a nota de liquidação n.º 2015 …, de 20/04/2015, foi notificada a 28 de Abril de 2015, antes de decorrido o respectivo prazo de caducidade, atenta a suspensão operada por força do n.º 1 do art. 46.º da LGT, pelo que será de julgar improcedente o vício de violação de lei por caducidade do direito à liquidação, mantendo o acto tributário.
o) Quanto ao invocado vício de forma por falta de fundamentação, as razões que estiveram na génese das correcções efectuadas pela AT foram amplamente compreendidas e posteriormente referenciadas e atacadas pela Requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral; de resto, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT, pelo que, não tendo usado daquela faculdade conferida pela lei, o acto sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão, inexistindo o vício em causa.
p) A Requerente não pode retirar o valor probatório das comunicações legais efectuadas à CMVM, dos Relatórios de Gestão das sociedades e do Banco depositário, e que serviram de base ao apuramento pela AT dos valores das acções.
q) Também se reitera o teor do RIT que prova de forma inequívoca que as acções foram adquiridas pela Requerente e que a mesma exerceu, pelo menos desde 2002, todos os direitos inerentes à sua posse, não se podendo admitir que possa ignorar o normal funcionamento do sistema centralizado que integra todos os valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa, como os valores mobiliários em apreço, sendo que o valor pelo qual são registadas as acções em conta de registo individualizado é aquele que resulta da comunicação, efectuada pela instituição autorizada, da informação qualitativa e quantitativa das transacções que envolvem os respectivos valores mobiliários, comunicação essa que identifica preço, titular, correspondendo a qualquer título translativo que lhe sirva de suporte.
r) Não colhe a invocação de errónea quantificação da matéria colectável por errada aplicação da lei - o valor de aquisição das acções ora controvertidas está sobejamente detalhado no ponto 2 do Relatório Final, sob a epígrafe “Do valor de aquisição”.
s) Quanto à aplicação retroactiva do n.º 2 da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, o valor dos rendimentos sujeitos a mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme dispõe o art. 43.º, do Código do IRS, sendo que o facto tributário sujeito a imposto só está completo no último dia do período de tributação; a não ser assim, no limite ocorreriam situações em que, quem tivesse obtido uma menos-valia até 27 de Julho, também não a podia saldar com uma eventual mais-valia obtida posteriormente e dentro do mesmo ano.
t) Mas no caso dos autos, quando se efectiva a transmissão, em 30 de Novembro de 2010, a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, já estava plenamente em vigor, não se frustrando o princípio da protecção da confiança ou, muito menos, o princípio da não retroactividade da lei fiscal.
u) A haver retroactividade, seria uma situação de retroactividade de 3º grau, fraca, inautêntica ou imprópria, ou ainda, retrospectividade.
v) Quanto a indemnização por prestação de garantia, não se encontram reunidos os requisitos previstos no art. 53.º da LGT porque: não se verifica o requisito de manutenção de garantia por um período superior a três anos, previsto n.º 1; não se pode imputar à AT um erro provocado por uma “aparência” criada artificialmente pela Requerente e pelo seu pai com vista a proteger interesses próprios; no decurso da acção inspectiva que serviu de fundamento à correcção controvertida a Requerente não desenvolveu qualquer esforço minimamente susceptível de esclarecer a “aparência” por si criada, uma vez que só em sede de direito de audição prévia referiu, pela primeira vez, a “aparência” de titularidade das participações de capital, limitando-se, ainda assim, a fornecer apenas esclarecimentos vagos e genéricos, sem qualquer documentação de suporte que permitisse corroborá-los e efectuar o correspondente enquadramento para efeitos jurídico-tributários, nem tal situação foi referida nos encontros e reuniões, ou e-mails trocados com a AT, no âmbito das diligências investigatórias efectuadas.
6. Por Despacho Arbitral de 10 de Fevereiro de 2016, o Tribunal designou, nos termos do artigo 18.º do RJAT, o dia 4 de Março de 2016 para realização da audiência de julgamento, solicitando das partes a indicação da preferência por alegações finais orais ou escritas.
7. No dia 4 de Março de 2016 teve lugar a audiência de julgamento, onde se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente e das testemunhas arroladas pela Requerida. O Tribunal fixou o dia 14 de Junho de 2016 como data limite para a prolação da Decisão Arbitral. Por despacho do Tribunal, de 8 de Junho de 2016, este prazo foi prorrogado por mais dois meses, tendo-se fixado como data limite para ser proferida a decisão o dia 14 de Agosto de 2016. Posteriormente, foi o prazo prorrogado por mais dois meses, tendo-se fixado como data limite para a prolação do acórdão a data de 14 de Outubro de 2016.
8. No final da audiência a Requerente e a Requerida foram notificadas para apresentarem alegações escritas em prazos sucessivos.
9.As partes apresentaram alegações, nelas tendo pugnado, no essencial, pela posição sustentada nas peças iniciais.
***
II – SANEAMENTO
a) As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
b) A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
c) O processo não enferma de nulidades.
d) Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de exceção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
***
III. MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
10.1.No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Na realização de uma acção de inspecção, externa (Ordem de Serviço n.º OI2014…), à E… SGPS, SA, a AT verificou, em momento não identificado nos autos, que esta sociedade adquirira à sua acionista e administradora, A… (Requerente nos autos), participações sociais nas sociedades C…, SGPS, S.A., B…, SGPS, S.A., e D…, SGPS, SA. (RIT, PA, fls. 15)
b) Face à verificação do facto referido no número anterior, foi aberto procedimento de ação inspectiva (Ordem de Serviço n.º OI2014…) a A…, acção iniciada em 8 de Outubro de 2014, com cariz interno, tendo sido enviada, em 15 de Outubro de 2014, através do Ofício n.º…, notificação para, no prazo de 10 dias, proceder à substituição da sua declaração mod. 3 de IRS do ano de 2010, incluindo os rendimentos de mais-valias resultantes da alienação de ações efetuada nesse ano, com advertência de que a AT procederia "à alteração dos elementos declarados...nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS e n.º 7 do artigo 59.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário", e lembrando o dever de colaboração previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 9.º do RCPIT (RIT, PA, fls. 15 a 17).
c) A Requerente era intimada a, no prazo de 10 dias, remeter para a Direção de Finanças de …, ao cuidado de Área de Inspeção Tributária os seguintes esclarecimentos e/ou documentos relativamente à ações por si transmitidas à sociedade E…, SGPS. S.A. no ano de 2010, pelo valor de € 28.991.386,96: confirmação dos preços unitários das acções transmitidas (…); explicação da não correspondência entre o número de acções da C… que afirma ter transmitido, de 6.731.891, e o constante da contabilidade da E…, de 6.873.893; cópia dos documentos que titulem a transmissão de todas as acções abaixo referidas; data da aquisição das mesmas, preço e quantidade, bem como a cópia dos comprovativos das operações translativas de propriedade respectivas (e.g. escritura, comprovativo bancário) (RIT, PA, fls. 17).
d) A Requerente respondeu a esta notificação, solicitando a prorrogação do prazo por um período não inferior a 15 dias (PA, fls. 18).
e) Em 15 de Outubro de 2014, através do Ofício n.º…, a AT notificou o F… para, relativamente à Requerente, indicar todos os registos efetuados nas contas do F… relativos a aquisições e alienações de partes de capital das sociedades C…, SGPS, S.A., B…, SGPS, S.A., e D…, SGPS, S.A., identificando data, preço unitário e quantidade das ações por operação (RIT, PA, fls. 18).
f) O F… respondeu à notificação referida no número anterior, informando que, no exercício de 2010, a Requerente "realizou transferências de ações da C…, B… e D… para outra instituição de crédito, no dia 4 de Novembro de 2010" sem alteração de titularidade, pelo que não foram reportadas na Mod. 13 do F… em 2010 (PA, fls.18).
g) Considerando que a resposta referida no número anterior não "teve em conta o solicitado", a AT enviou faxes de insistência (n.º 24, de 10/11/2014 e n.º 26, de 11/10/2014) a que o F… respondeu em 05/12/2014, esclarecendo que não podia enviar a informação solicitada por se encontrar ao abrigo do sigilo bancário. (PA, fls.18).
h) Em novo fax (n.º 27, de 11/12/2014), a AT lembrando que a informação solicitada reproduz a informação constante das Modelo 13 e/ou 33 e, assim, poderia a mesma ter sido fornecida desde a 1.ª notificação, ao que o F… respondeu em 26/12/2014 "não ter sido possível a conversão da informação remetida para a AT via modelo 13 e 33, sugerindo a consulta pela AT das declarações por si enviadas para os anos de 2003, 2004 e 2005". (RIT, p. 9).
i) No dia 18 de Novembro de 2014, pelas 9h 30m, um funcionário da inspecção tributária dirigiu-se ao domicílio fiscal da Requerente, na Rua…, n.º…, …, …-… …, onde na ausência desta deixou o contacto do serviço. (PA, fls. 19).
j) Após contacto telefónico no mesmo dia pelas 11h, o funcionário voltou ao domicílio fiscal da Requerente onde a notificou da passagem da acção inspectiva a externa em 18/11 e a notificou pessoalmente para entregar os elementos já solicitados em 15 de Outubro e ainda em falta (PA, fls. 19).
k) Nesse mesmo dia, 18/11/2014, a Requerente informou por e-mail dirigido aos serviços da IT que os elementos solicitados estariam, no dia 26 de Novembro de 2014, na Rua…, n.º…, …-… …, sede da G…, Lda, sociedade que presta serviços de contabilidade à E…, SGPS, e indicando como seu representante na acção H…, sócio-gerente da referida sociedade. (PA, fls. 19).
l) No dia 26 de Novembro de 2014, pelas 15,00, a AT deslocou-se à sede da G…, mas o representante da Requerente disse desconhecer a data da visita e declarou que os elementos solicitados "não foram fornecidos pelo sujeito passivo" (PA, fls. 19).
m) A AT efectuou nova visita na primeira semana de Dezembro de 2014, tendo sido informado pelo representante da Requerente que tinha na sua posse extratos de avisos de lançamento relativos aos anos de 2004 a 2010 e que "o banco não conseguiu recolher toda a informação das aquisições reportadas ao período anterior a 2004". (PA, fls. 19).
n) Na posse dos elementos que lhe foram entregues nessa data, a AT verificou que “comprovavam apenas a aquisição de 132.010 ações da B…, SGPS e 224.938 ações da C…, SGPS, entre os anos de 2004 a 2008" (PA, fls. 20).
o) A AT veio ainda a registar: "em 11/02/2015 em reunião realizada na sede da sociedade I…, Sociedade de Advogados, R.L., na Rua de…, n.º … -…, …-… …, na qual estiveram presentes A… e J…, sócio da sociedade de advogados acima referida e vogal do conselho de administração da E… SGPS, fomos informados de que não dispunham dos elementos solicitados no decurso da ação inspetiva e que os forneceriam até quarta-feira, 18 de Fevereiro de 2015, o que não se veio a verificar" (RIT, p. 11).
p) O representante da Requerente, H…, forneceu extractos de aviso de lançamento no período de 2004 a 2010 através dos mapas de posição/extractos bancários no anexo 6. (RIT, p. 11).
q) Com base nos elementos recolhidos a Inspecção Tributária elaborou, em 18 de Fevereiro de 2015, um projecto de Relatório de inspecção tributária, propondo correcções à matéria colectável referente a 2010, que foi despachado superiormente em 3 de Março de 2015, (PA, fls 75 a 95).
r) Através do ofício n.º…, de 04/03/2015, a Requerente foi notificada do projecto de RIT e exerceu o direito de audição em 23/03/2015 (PA, fls. 71 a 73).
s) O Relatório Final da Inspecção, datado de 25 de Março de 2015 e despachado em 31 de Março de 2015, confirmou as correcções propostas, vindo a ser objecto de tentativas de notificação pessoal da Requerente em 1 de Abril de 2015, pelas 15h30m e com marcação por hora certa, no domicílio, em 2 de Abril de 2015, sendo nesta última diligência deixado aviso, confirmado por carta enviada em 7 de Abril, para levantamento nas instalações da Inspecção Tributária, na Direcção de Finanças de …, o que acabou por ser feito no dia 17 de Abril de 2015 (PA, fls. 1 a 32).
t) A liquidação adicional, de acordo com as correcções propostas, foi efectuada em 20 de Abril de 2015 e notificada em 28 de Abril de 2015 (Doc. n.º 1 junto com o Pedido e art. 9º, a) do Pedido).
u) A…, Requerente nos autos, é filha única e herdeira universal de K…, falecido em 15 de Março de 2015 (art. 93º do Pedido).
v) O pai da Requerente foi accionista da empresa L… cujas acções vendeu ao grupo americano M… em 1990, investindo o produto da venda na criação da empresa que terá estado na base do actual grupo B…[1].
w) A conta n.º …no F… foi aberta em 13 de Outubro de 1997, com a Requerente como 1.º Titular e seu pai K… como 2.º Titular, vindo aí a ser registadas acções detidas por K… . (Doc. n.º 7 junto com o Pedido e artigo 98º do Pedido).
x) Do Relatório do Conselho de Administração da B…, SGPS, SA, de 31 de Dezembro de 2002, “Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 447 do Código das Sociedades Comerciais, informa-se que durante o exercício de 2002 os administradores da Sociedade não adquiriram nem venderam acções representativas do capital social da B…, S.G.P.S., S.A.”, sendo, nessa data em 31 de Dezembro de 2002, K… titular de 426.250 acções, não correspondente a participação qualificada[2].
y) Em 31 de Outubro de 2003, encontravam-se registadas na conta n.º … do F…, 3.041.170 acções da B… SGPS, SA, sendo indicado o valor médio de aquisição de € 1,044 (doc. n.º 10 junto com o Pedido).
z) Em 6 de Novembro de 2003, as 3.041.170 acções da B… SGPS registadas na conta n.º … do F… foram transferidas para a conta nº … do mesmo Banco, que tinha como única titular a Requerente A…, sendo seu pai procurador com plenos poderes para a respectiva movimentação (artigos 99º e 114º do Pedido).
aa) Em 9 de Janeiro de 2004, a conta referida no número anterior registava as 3.041.170 acções da B… e valor médio de aquisição de € 2,55 (doc. n.º 11 junto com o Pedido).
bb) No Relatório de Gestão do Conselho e Administração da B…, relativo ao exercício de 2003, a Requerente consta como detentora de 3.041.170 acções, accionista com participação superior a 5%, concretamente 5,93%, e K… como detentor de 426.250 acções (anexos 7 e 9 do RIT, fls. 46 e 60 do PA).
cc) Em 14 de Fevereiro de 2005, foi realizada a escritura pública de cisão-simples da B…, SGPS, S.A., no âmbito da qual foi destacada, para constituição de uma nova sociedade comercial, a C…, SGPS, S.A. a participação detida pela B… SGPS na P…, SGPS, S.A., com previsão da admissão da cotação das acções da C…, SGPS, na bolsa de valores para 1 de Março de 2005 (anexo 3 ao RIT, fls. 41 e 42 do PA).
dd) No processo de reestruturação referido no número anterior, foi decidido que a data relevante para a produção de efeitos contabilísticos da referida cisão seria o dia 1 de Março de 2005, sendo atribuídas aos accionistas da B… SGPS, que o fossem às zero horas desse dia, acções representativas da C…, SGPS, SA, na proporção de uma acção representativa do capital social da C…, SGPS, SA, por cada acção detida na B…, SGPS, SA (anexo 3 ao RIT, fls. 43 e 44 do PA). Em anúncio da operação, em Fevereiro de 2005, na informação sobre ganhos realizados na transmissão onerosa de acções (mais-valias), com epígrafe “neutralidade fiscal da cisão-simples”, dizia-se que era aplicável à cisão simples da B… no âmbito na qual foi constituída a C… o regime do artigo 68.º do CIRC (cf. prospecto de admissão à negociação ao mercado de cotações oficiais da Euronex-Lisbon, p. 23, internet, http://www.... /... /pdf/…/… _...pdf).
ee) No Relatório de Gestão relativo ao exercício de 2005, apresentado pelo CA da C… SGPS, o administrador K… consta como detentor de 426.250 acções e a Requerente, primeira secretária do Conselho de Administração, era detentora de 3.184.670 acções (anexo 9 ao RIT, fls. 62 do PA).
ff) Em 2008, no âmbito do processo de reestruturação da C…, SGPS, S.A., foi constituída a D…, SGPS, SA através da cisão da participação social detida na N…, S.A., com o objectivo de autonomizar o exercício da actividade de gestão de participações sociais no sector do aço e sistemas de armazenagem” mantendo a gestão da unidade de negócios de pasta e papel na C… (Anexo 4 ao RIT, fls. 45/46 do PA), prevendo-se que os direitos de cisão seriam destacados no processamento nocturno da Interbolsa no dia 18 de Junho de 2008 e registados nas contas dos respectivos titulares junto do seu intermediário financeiro, no dia 19 de Junho de 2008 (PA, fls. 47).
gg) No processo de reestruturação referido no número anterior, o Conselho de Administração da C… SGPS decidira, em 16 de Abril de 2008, que “no âmbito da operação projectada, que respeita o regime de neutralidade fiscal nos termos previstos na legislação em vigor, prevê-se a atribuição aos accionistas da C… de 0,25 de uma acção da nova sociedade por cada acção detida na C… . A nova sociedade terá um capital social de 25.641.459 euros representado por 25.641.459 acções com o valor unitário de um euro” (anexo 4 ao RIT, PA, fls. 45 a 48), o que permite concluir que “foi atribuída uma ação da D… por cada 4 ações da C…", ficando deste logo as acções cotadas na Bolsa (RIT e fls. 22 v e 23 do PA).
hh) Segundo o Relatório de Gestão da D…, relativo ao exercício de 2008 (ano da cisão da C…) apresentado aos acionistas, o pai da Requerente era detentor de 213.125 acções da sociedade e a Requerente detentora de 1.670.472 (6,51% de votos) sendo imputáveis a esta também as acções detidas através da E…-SGPS e da U…, tudo representando um total de 3.710.972 acções, correspondentes a 14,7% do capital e direitos de voto da D…, SGPS (Q. V do relatório da Inspeção, anexo 9, PA, fls. 64 a 66).
ii) Em cumprimento do previsto no art. 17.º, n.º 1 do CVM, a B… comunicou, em 11 de Dezembro de 2008, ter recebido no dia anterior uma notificação, subscrita por A… enquanto administradora da E… SGPS, SA, de que esta sociedade adquirira fora da bolsa, em 5 de Dezembro de 2008, sete milhões de acções da B…, SGPS, SA, correspondentes a 6,82% do respectivo capital (de montante total de € 25.641.459,00), ao preço de 0,43 por acção, da titularidade de A…. Informava ainda que esta era detentora de 59,6% do capital da sociedade participante, sendo igualmente detentora das seguintes acções da B…: 6.377840 detidas directamente e 1.222.000 detidas através da U…, SA, empresa na qual detém 68% do capital e direitos de voto e de que é também administradora (anexo 8 ao RIT, PA, fls 57).
jj) Entre 1997 e 2006, a Requerente inscreveu nas suas declarações de IRS, 29 distribuições de rendimentos da categoria E, pagos por diversas entidades (números fiscais… , …, …, …, …, …, … e … (Anexo 10 ao RIT, PA, fls. 67 a 69).
kk) O Relatório final da Inspecção Tributária veio a identificar um saldo positivo entre mais-valias e menos-valias, calculadas segundo o seguinte quadro e aplicando a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS e aplicando a taxa especial prevista no n.º 4 do artigo 72.º do CIRS, constante do quadro a seguir reproduzido (ponto I-A- correcções em sede de IRS-ano de 2010, imposto em falta).
|
AQUISIÇÃO
|
|
|
ALIENAÇÃO
|
|
|
|
|
Quantidade
|
Preço médio
unitário
|
Valor €
|
Quantidade
|
Preço médio
unitário
|
Valor €
|
Mais valia/Menos valia
|
C…
…
|
6.082.340
|
0,00 €
|
0,00
|
6.082.340
|
3,40 €
|
20.579.956,00
|
20.679.956
|
|
341.381
|
2,63 €
|
899.320,99
|
341.381
|
3,40 €
|
1.160.695,40
|
61.374,46
|
|
308.170
|
1,16 €
|
357.477,20
|
308.170
|
3,40 €
|
1.047.778,00
|
690.300,80
|
|
142.001
|
3,40 €
|
482.803,40
|
142.001
|
3,40 €
|
482.803,40
|
0,00
|
B…
…
|
6.252.420
|
0,55 €
|
3.438.831,00
|
6.252.420
|
0,69 €
|
4.314.169,80
|
875.338,80
|
|
125.420
|
0,99 €
|
124.165,80
|
125.420
|
0,69 €
|
86.539,80
|
-37.626,00
|
D…
…
|
1.670.472
|
0,00 €
|
0,00
|
1.670.472
|
0,73 €
|
1.219.444,56
|
1.219.444,56
|
TOTAL
|
14.922.204
|
2,814 €
|
5.302.598,34
|
14.922.204
|
1,94 €
|
28.991.386,96
|
23.688.788,62
|
Mais-valia apurada 23.688.788,62
IRS taxa especial (20% x MV) - 4.737.757,72
ll) As correcções do número anterior assentaram em conclusões, constantes do Ponto 2 do Relatório (p. 14) quanto a "2. Da aquisição das partes de capital alienadas:
« Do valor de aquisição
Dos mapas de posição/extractos bancários fornecidos por A… (Anexo 6) verifica-se que as ações objeto de transmissão em 2010/11/30, que tinham como banco depositante o F… (contas n.ºs … e…) foram adquiridas aos seguintes preços médios:
Q. II. Valor de aquisição das ações transmitidas
Sociedade
|
Quantidade
|
Preço médio
|
C…
|
6.423.721
308.170
|
0,14 €
1,16 €
|
B…
|
6.252.420
125.420
|
0,55 €
0,99 €
|
D…
|
1.605.930
64.542
|
0,00 €
0,00 €
|
Nota - Na data da transmissão das ações acima, foram transmitidas simultaneamente 142.001 ações da C… SGPS, creditadas na conta da acionista A… na Sociedade E…, SGPS, por contrapartida da conta do acionista K… .
Os valores apresentados correspondem aos valores declarados pelo F… (como Instituição de Crédito depositária dos títulos) na Modelo 13 (operações com instrumentos financeiros - artigo 124.º do CIRS) e 33 (registo ou depósito de valores mobiliários - artigo 125.º do CIRS) respetivas, relativamente a operações efetuadas e registo de valores mobiliários referentes a A…».
E no Q. III. Ações recebidas após cisões, consta o seguinte:
Sociedade
|
Ações detidas * à data da cisão (atualizado com stock-splits até 2010/12/31)
|
Ações recebidas da C… (1/1)
|
Ações recebidas da D… (1/4)
|
B…
|
6.082.340
|
6.082.340
|
-
|
C…
|
6.681.888
|
-
|
1.670.472
|
" * Quantidade correspondente à resultante dos stock-split respetivos".
"Daqui resulta que das 6.423.721 ações da C…, SGPS (Ver Q. II) adquiridas a um preço médio de 0,14 € (no valor de aquisição total de 899.320,94 €), (i) 6.082.340 foram adquiridas a preço 0 (zero) (recebidas na cisão da B…) e (ii) 341.381 ações foram adquiridas posteriormente ao preço médio de 2.6344 €".
mm) O Relatório da Inspecção Tributária considerou que a evolução da carteira da Requerente foi a seguinte (p. 17 do RIT):
Q.IV. Evolução da carteira de ações de A…
|
B…
|
B…
|
C…
|
C…
|
D…
|
D…
|
Ano/Mês
|
CMVM
|
C/stok/
/split
|
CMVM
|
C/stok/
/split
|
CMVM
|
C/stok/
/split
|
2003/12****
|
3.041.170
|
6.082.340
|
|
|
|
|
2004/12
|
3.041.170
|
6.082.340
|
|
|
|
|
2005/02*
|
3.041.170
|
6.082.340
|
3.041.170
|
6.082.340
|
|
|
2005/12
|
3.128.170
|
6.256.340
|
3.184.170
|
6.368.340
|
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2006/06***
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3.128.170
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6.256.340
|
6.369.340
|
6.369.340
|
|
|
2007/12
|
6.256.340
|
6.256.340
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6.369.340
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6.369.340
|
|
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2008/06**
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6.256.340
|
6.256.340
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6.681.888
|
6.681.888
|
1.670.472
|
1.670.472
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2008/12
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6.337.340
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6.337.840
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6.731.891
|
6.731.891
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1.670.472
|
1.670.472
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2009/12
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6.337.340
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6.337.840
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6.731.891
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6.731.891
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1.670.472
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1.670.472
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2010/11
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6.337.340
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6.337.840
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6.873.892
|
6.873.892
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1.670.472
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1.670.472
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* Cisão da B…** Cisão da C…*** Stock-split **** Comunicação efetuada por ter ultrapassado 5% do capital social da B… (Anexo 7)."
"As quantidades comunicadas à CMVM dizem respeito a comunicações previstas no artigo 16.º do CVM, relativas ao ultrapassar de percentagens de participações qualificadas - 5%, 10%, 15% e 25%. Nos restantes casos, a informação foi extraída dos Relatórios de contas/conselho de administração das participadas. Os valores obtidos coincidem com a informação constante das Modelos 13 e 33 entregues pelo F…".
nn) Em documento enviado à Inspecção Tributária em 25 de Setembro de 2014, a Requerente informou que transmitira para a sociedade E…, SGPS, SA, em 25 de Março de 2009, 30.000 acções que detinha na T…, e, em 30 de Novembro de 2010, 6.731.891 acções que detinha na sociedades C…, SGPS, S.A., estas últimas convertidas em 13.463.782, em virtude de stock split em 2011 (Doc. n.º 2 junto com o Pedido).
oo) Na comunicação referida no número anterior informava-se ainda que a transmissão das acções 6.731.891 da C… não havia sido declarada em sede de IRS por não ter dado origem a qualquer recebimento de preço mas apenas à constituição de prestações suplementares decidida em 20 de Dezembro de 2010, operação que abrangeu conversão de um crédito de suprimentos derivado da transmissão, em 25/03/2009, por 15 milhões de euros de 30 mil acções de cinco euros cada, que detinha na T…, SGPS, SA (doc. n.º 2 e contrato anexo, juntos com Pedido, e RIT, anexo 1, fls. 33 a 35 do PA).
pp) Em 20 de Dezembro de 2010, a Assembleia Geral da E…, SGPS, SA deliberou aceitar a proposta de dotação de prestações suplementares de capital no total de € 46.991.386,96 a efectuar pelos accionistas, A… e K…, por conversão de créditos (acta n.º 8 junta como doc. n.º 2 com o Pedido e anexo 2 ao RIT, fls. 39/40 do PA).
qq) Na contabilidade da E…, SGPS, SA, num registo (n.º 69), datado de 31 de Dezembro de 2010, identificou-se uma compra de acções, inscrevendo os seguintes valores: a débito, os montantes de € 23.371.232,89 (6.873.892 x € 3,40); € 4.400.709,60 (6.377.840 x € 0,69) e € 1.219.444,56 (1.670.472x € 0,73) e, a crédito, (conta 532) de € 28.991.386,96. Contém menção “cotação do Banco a 31.12.2010” (anexo 5 ao RIT, fls. 49 do PA).
rr) Com data de 12 de Abril de 2013, as três empresas – B… SGPS, C… SGPS e D…, SGPS - emitiram comunicados informando, nos termos dos artigos 17.º, n.º 1 e 248.º-B do Código de Valores Mobiliários, assim como de normas do Regulamento da CMVM, que A… transmitira em 31 de Dezembro de 2010, por operações fora da bolsa, a titularidade directa de 6.377.840 acções emitidas pela sociedade aberta B…, SGPS, 13.463.782[3] acções emitidas pela C… e 1.670.472 acções da D…, deixando se ser accionista de qualquer daquelas sociedades (anexo 1 ao RIT, fls. 36 a 38 do PA).
ss) Nos comunicados referidos no número anterior era também informado, nos termos do art. 20.º do CVM que, através das transmissões operadas, a E… SGPS, SA passara a deter um total de: 15.385.276 acções (15,0004% do capital e correspondentes direitos de voto) da B… SGPS, 29.787.782 acções da C… SGPS (14,52% do capital e correspondentes direitos de voto) e 3.710.972 acções da D… (14,47% do capital e correspondentes direitos de voto), detendo a Requerente 59,6% do capital da empresa participante e sendo sua administradora (anexo 1 ao RIT, fls. 36 a 38 do PA).
tt) A liquidação adicional, de acordo com as correcções propostas foi efectuada em Abril de 2015 (Doc. n.º1, junto com o pedido);
uu) A Requerente prestou garantia bancária do montante de € 6.913623,98 no âmbito do processo de execução fiscal n.º…2015… .
§2. Factos que se consideram não provados
Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
10.2. Fundamentação da matéria de facto
O julgamento da matéria de facto tomou por base a análise crítica da posição assumida pelas partes, bem como da prova documental (onde se inclui o processo administrativo) junta aos autos.
III.2 – Matéria de Direito
O objecto do Pedido, atendendo aos vícios imputados ao acto tributário, implica a apreciação das seguintes questões jurídicas:
-
Caducidade do direito à liquidação face ao disposto nos artigos 45.º e 46.º da LGT, tendo em conta a natureza do procedimento de inspecção tributária e, tratando-se a inspecção externa, forma de contagem do prazo de suspensão da caducidade;
-
Falta de fundamentação da liquidação, quanto à natureza do título de aquisição das acções pela requerente e quanto ao custo das mesmas;
-
Inaplicabilidade ao caso da redacção do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, introduzida pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, por inconstitucionalidade atendendo à violação do princípio da confiança.
-
Sendo a liquidação ilegal, se é devida indemnização por prestação de garantia bancária.
Impõe-se, em primeiro lugar, decidir a questão da caducidade da liquidação objecto do processo, porquanto o seu provimento preclude a análise das demais.
III.2.1.Quanto à caducidade do direito à liquidação
2.1.1. Posições das Partes
A Requerente defende que o direito de liquidar o IRS relativo ao ano de 2010 caducou em 31 de Dezembro de 2014 por ter decorrido o prazo de 4 anos contado nos termos do art. 45.º da LGT, já que a suspensão do prazo de caducidade prevista no n.º 1 do art. 46.º da mesma lei, apenas se dá no caso de inspecção externa, situação que não existiu no caso dos autos.
Na situação presente, o procedimento qualificado como acção externa, limitou-se a actos de inspecção efectuados exclusivamente nos serviços da AT através da análise formal e de coerência dos documentos mencionados no Relatório de inspecção, tendo a transformação da inspecção interna em inspecção externa consistido num “expediente” com a exclusiva finalidade de suspender o prazo de caducidade do direito à liquidação.
A Requerida sustenta que a inspecção interna iniciada em 8 de Outubro de 2014 foi alterada para acção externa iniciada em 18 de Novembro de 2014 porque não foram prestados esclarecimentos pedidos atempadamente, nem pelo Sujeito Passivo (sobre o esclarecimento da sua situação tributária referente a mais-valias decorrentes da transmissão de partes de capital, com a indicação dos aspectos referentes à transmissão - por exemplo, data de aquisição das mesmas, preço e quantidade, cópia dos comprovativos das operações translativas de propriedade respectivas, como escritura e comprovativo bancário) nem pelo F…, apesar de notificação e insistências ocorridas.
Defende a Requerida que a acção inspectiva iniciada em 18 de Novembro de 2014, com a assinatura pela Requerente da ordem de serviço no seu domicílio fiscal, para apresentar elementos antes solicitados, e diversas deslocações a empresa de prestação de serviços de contabilidade e reuniões, assim como insistências junto do F…, permitiram obter elementos antes não fornecidos.
2.1.2. Procedimentos verificados
Da factualidade apurada conclui-se que a nova Ordem de Serviço foi pessoalmente notificada à Requerente em 18 de Novembro de 2014 tendo-se-lhe seguido os seguintes procedimentos, com deslocação da AT nas datas e aos locais indicados:
-
Na data da notificação da nova Ordem de Serviço para início da mesma, com cariz dito externo, em 18/11/2014, na sede da Requerente, na Rua…, n.º … -…, …-… em …, pelas 09,30 h e, posteriormente, pelas 11,00h, fazendo nova notificação para entrega dos elementos solicitados anteriormente, no âmbito da acção interna;
-
Deslocação em 26/11/2014, pelas 15,00 h, à sede da G…, Lda., à Rua…, n.º …-… em …, sede da sociedade que presta serviços de contabilidade à Requerente, local indicado pela Requerente para entrega dos elementos previamente solicitados pelo Ofício n.º…, de 15/10/2014 (ainda na acção inspectiva interna) e pela notificação efectuada em 18/11/2014;
-
Deslocação em 26/11/2014, pelas 15,00 h, à sede da referida G…, para recolha dos elementos solicitados, por indicação da Requerente, junto do seu representante, H…, que alegou não ter sido informado da visita, nem do motivo da mesma, pelo que não foram recolhidos quaisquer elementos;
-
Terá sido efectuada nova visita (entende-se que à sede da G…) na "primeira semana de Dezembro de 2014," tendo sido entregues pelo representante da Requerente "extractos de avisos de lançamento, relativos aos anos de 2004 a 2010, informando que "...o banco não conseguiu recolher toda a informação das aquisições reportadas ao período anterior a 2004...". A Requerida diz que "da análise aos elementos fornecidos se verificou que estes comprovavam apenas a aquisição de 132 010 ações da B… SGPS e 224 938 ações da C… SGPS, entre os anos de 2004 a 2008".
-
Em 11/02/2015 a AT deslocou-se à sede da Sociedade I…, Sociedade de Advogados, R.L., sita na Rua …, n.º … -…, …-… …, na qual estiveram presentes a Requerente A… e J…, sócio da sociedade de advogados antes referida e vogal do conselho de administração da E… SGPS, tendo sido informada de que "não dispunham dos elementos solicitados no decurso da ação inspetiva e que os forneceriam até quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015, o que não veio a verificar-se".
2.1.3. Enquadramento jurídico do procedimento inspectivo
O procedimento de inspeção tributária e aduaneira abreviadamente designado procedimento de inspeção tributária ou procedimento de inspeção é regulado pela Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira[4], que define, “sem prejuízo de legislação especial, os princípios e as regras aplicáveis aos atos de inspecção” (cf. artigo 1.º do RCPITA).
Segundo o RCPITA “O procedimento de inspecção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias” (n.º 1 do artigo 2.º), para o que compreende, designadamente “A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” e “A indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º).
“O procedimento de inspecção pode abranger, em simultâneo com os sujeitos passivos e demais obrigados tributários cuja situação tributária se pretenda averiguar, os substitutos e responsáveis solidários ou subsidiários, as sociedades dominadas e integradas no regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os sócios das sociedades transparentes ou quaisquer outras pessoas que tenham colaborado nas infracções fiscais a investigar” (n.º 3 do art. 2.º).
Não constituem procedimento de inspeção tributária “a mera confirmação de dados constantes de declaração entregue: a) Que apenas apresente erros formais, de natureza aritmética ou exija a mera clarificação ou justificação de elementos declarados; b) Cujos dados não coincidam com os constantes de outras declarações do sujeito passivo ou de um terceiro em poder da administração tributária, não relacionados com o exercício de uma atividade económica” (n.º 6 do art. 2.º). O procedimento tributário deve obedecer aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação (artigos 5.º a 10.º).
A classificação do procedimento varia de acordo com os fins, o lugar, o âmbito e a extensão (capítulo III do título I), sendo que os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada (n.º 1 do art. 15.º).
Quanto aos fins, o procedimento classifica-se em: “a) Procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários; b) Procedimento de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspecção tributária seja legalmente incumbida” (n.º 1 do art. 12.º), prevendo-se ainda acompanhamento permanente “sempre que os fins de prevenção tributária ou a assistência no cumprimento das obrigações acessórias ou de pagamento dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários o justifiquem” (n.º 2 do art. 12.º).
Quanto ao lugar da realização, “o procedimento pode classificar-se em: “a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso” (artigo 13.º do RCPITA).
“Quanto ao âmbito, o procedimento de inspecção pode ser: a) Geral ou polivalente, quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários; b) Parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários.” (n.º 2 do artigo 14.º) e “Quanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação”. (n.º 3 do artigo 14.º).
Nos actos de inspecção, os funcionários em serviço de inspecção tributária, têm direito[5], designadamente: “a livre acesso às instalações e dependências da entidade inspeccionada pelo período de tempo necessário ao exercício das suas funções”[6] e “ao exame, requisição e reprodução de documentos, mesmo quando em suporte informático, em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos”; “à troca de correspondência, em serviço, com quaisquer entidades públicas ou privadas sobre questões relacionadas com o desenvolvimento da sua actuação”; “ao esclarecimento, pelos técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, da situação tributária das entidades a quem prestem ou tenham prestado serviço” (cf. alíneas a), c), e) e f) do artigo 28.º do RCPITA).
Os funcionários em serviço de inspecção dispõem de diversas faculdades, elencadas no artigo 29.º, designadamente, “examinar quaisquer elementos dos contribuintes que sejam susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua actividade, ou de terceiros com quem mantenham relações económicas e solicitar ou efectuar, designadamente em suporte magnético, as cópias ou extractos considerados indispensáveis ou úteis” e “tomar declarações dos sujeitos passivos, membros dos corpos sociais, técnicos oficiais de contas, revisores oficiais de contas ou de quaisquer outras pessoas, sempre que o seu depoimento interesse ao apuramento dos factos tributários” (alíneas a) e g) do n.º 1 do art. 29.º do RCPITA)[7].
Quanto ao local da inspecção, podem os atos de inspeção realizar-se nas instalações ou dependências onde estejam ou devam legalmente estar localizados os elementos inspeccionados ou noutro local da actividade da entidade inspeccionada ou no serviço da administração tributária da área de residência ou sede quando a referida entidade não disponha de instalações ou dependências para o exercício da actividade (artigo 34.º, nºs. 1 a 4).
Quanto ao prazo do procedimento, “O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início” (n.º 2 do artigo 36.º do RCPITA), podendo ser ampliado por mais dois períodos de três meses, em circunstâncias enunciadas no n.º 3 do mesmo artigo. O decurso do prazo do procedimento de inspeção determina o fim dos atos externos de inspeção, não afectando, porém, o direito à liquidação dos tributos (n.º 7 do art. 36.º).
Os sujeitos passivos são notificados pela administração tendo em vista a sua colaboração no procedimento (art. 37.º), podendo ser pessoal ou postal (art. 38.º)[8], nos termos do CPPT embora com adaptações (art. 39.º).
O início do procedimento externo depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam, devendo estar munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento ou para a prática do ato de inspeção ou, no caso de não ser necessária ordem de serviço, de cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do ato (art. 46.º, nºs 1 e 2)[9].
As acções de inspecção que visem a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos junto de sujeito passivo, de qualquer área territorial, com quem o sujeito passivo inspeccionado mantenha relações económicas são efectuadas mediante entrega, por parte do funcionário, da nota de diligência que indica a tarefa executada (n.º 7 do art. 46.º).
O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário, com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início, através de carta-aviso contendo Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção e âmbito e extensão da inspecção a realizar (art.º 49.º, nºs 1 e 2).
Com excepção de casos de inspecção dirigidas contra contribuintes não identificados previamente, no início do procedimento de inspecção, é entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário da ordem de serviço ou do despacho que determinou o referido procedimento, devendo ser assinado pelo sujeito passivo, obrigado tributário ou o seu representante, indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção (art. 51.º).
A prática dos actos de inspecção é contínua, só podendo suspender-se em caso de prioridades excepcionais e inadiáveis da administração tributária reconhecidas em despacho fundamentado do dirigente do serviço (art. 53.º) e a recolha de elementos deve obedecer a critérios objectivos e conter: a) A menção e identificação dos documentos e respectivo registo contabilístico, com indicação, quando possível, do número e data do lançamento, classificação contabilística, valor e emitente”; b) A integral transcrição das declarações, com identificação das pessoas que as profiram e as respectivas funções, sendo as referidas declarações, quando prestadas oralmente, reduzidas a termo (art. 55.º).
Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento (art. 61.º, n.º 1)[10].
Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, deve o projecto de conclusões do relatório com a identificação da respectiva fundamentação ser, no prazo de 10 dias, notificado para audição prévia, a realizar entre 15 a 25 dias, e ser elaborado, em dez dias um relatório final (art. 60.º), que, por sua vez, será, nos 10 dias posteriores, notificado ao contribuinte por carta registada, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação (artigo 62.º)
2.1.4. Efeitos das inspecções externas no prazo de caducidade – dúvidas de interpretação na doutrina e na jurisprudência
Atendendo à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto prevista no artigo 46.º da LGT - [11] “com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação” - torna-se fundamental apurar os termos inicial e final do período de suspensão.
O termo inicial deste período de suspensão coincide com o início da acção de inspecção externa e o termo final com o fim da inspecção externa, mas os conceitos utilizados suscitam dúvidas, na relação entre si e com outras normas referentes a procedimento inspectivo, importando esclarecer:
- distinção entre inspecção interna e externa (artigo 13.º RCPITA)
- significado e articulação de diferentes conceitos ou expressões utilizadas na LGT (artigo 46.º) e no RCPITA (designadamente nos arts. 51.º, 53.º, 61.º a 63.º) relativamente à actuação inspectiva externa.
2.1.4.1. Inspecção interna e externa
A doutrina tem levantado a questão de saber se, em certas circunstâncias se está perante uma acção de inspecção externa ou se se trata apenas de uma situação apresentada sob essa forma, mas destinada apenas a alongar o prazo da caducidade.
Seria o caso de deslocação dos serviços de inspecção tributária a estabelecimento do sujeito passivo apenas para obter uma assinatura através da notificação prévia mas sem ocorrer a prática de actos materiais de inspecção, como o exame de elementos do inspeccionado com capacidade de revelar a sua situação tributária (vide art. 29.º do RCPIT) ou recolhas de documentos nos termos dos arts. 55.º e 56.º, ambos do RCPIT.
Analisando o tema, Nuno de Oliveira Garcia e Rita Carvalho Nunes[12], pronunciaram-se no sentido de não admitir que uma simples abertura do procedimento externo de inspecção e com efeitos meramente formais produza a suspensão do prazo da caducidade do direito de liquidação, porque este efeito teria de resultar da prática de actos materiais de inspecção por parte dos serviços da AT.
Como recordado no ponto anterior, o RCPITA regula as “prerrogativas da inspecção tributária” e as “faculdades” dos funcionários da AT, e as “diligências” que os órgãos da inspecção podem desenvolver a fim de se apurar a situação tributária do contribuinte.
Algumas dessas previsões são susceptíveis de levantar dúvidas, como é o caso das que se referem a consulta de documentos e recolha de informações.
Efectivamente, na análise de situações tributárias, a Administração Tributária pode proceder a liquidação correctiva de anterior liquidação ou efectuar uma primeira liquidação relativa a situação tributária omitida, apenas com elementos de que dispõe, declarados pelos sujeitos passivos, ou a que tem acesso por meios próprios (cruzamento de informação, dados fornecidos por entidades públicas, etc.).
Mas surgem casos em que, existindo dúvidas sobre a correcção da situação, a Administração não dispõe dos elementos necessários para uma decisão, tendo que recorrer a uma actuação externa para os conseguir. Neste caso de actuação complementar, a capacidade de controlo do tempo para o exercício do direito de liquidação encontra-se provavelmente diminuída, pelo que a lei lhe terá acrescido um período de seis meses (n.º 1 do artigo 46.º da LGT).
Quanto à classificação do artigo 13.º do RCIPT, com reflexos na suspensão do prazo de caducidade, no “Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal”, de 3 de Outubro de 2009, comentou-se: “A observação da realidade quanto à concreta actuação da Administração Tributária, em sede inspectiva, reclama que o conceito de acção de inspecção externa seja redefinido, de forma a abranger todas as situações em que a acção de inspecção, apesar de exclusivamente desenvolvida nos serviços da Administração Pública, ultrapasse o âmbito de uma mera análise formal e de coerência dos documentos, designadamente através da remessa de documentos que aqueles não estão normalmente obrigados a entregar à Administração Tributária” (Relatório, pp. 797 e 798)[13].
No sentido de a actuação externa incluir todas as situações em que a Administração não dispunha por si dos elementos necessários à apreciação e decisão de uma situação tributária, veja-se por exemplo:
O Acórdão proferido pelo TCAS em 1 de Outubro de 2014, no proc. 04817/11[14], concluiu da seguinte forma: «I - Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso. II - A qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo. III - O procedimento interno é uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividade de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata, portanto, de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo. IV – No caso em análise, houve toda uma actividade da iniciativa da Administração, junto de terceiros, destinada à obtenção de elementos que não estavam obviamente na disponibilidade da AT, realizada com um claro cariz investigatório. Toda esta actividade de investigação ocorreu em momento anterior ao do início do período que corresponde àquele durante o qual, segundo o relatório de inspecção, decorreu a acção inspectiva interna. V - Para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos serviços, instalações ou dependências da Administração, designadamente através da análise formal e de coerência dos documentos. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos) estaremos perante um procedimento externo)».[15]
E no Acórdão proferido pelo STA em 5 de Novembro de 2014, no processo 0914/13[16], concluiu-se: «I - O procedimento de inspecção externa inicia-se com a assinatura, pelo sujeito passivo ou obrigado tributário, da ordem de serviço ou do despacho que a determinou, devendo ser-lhe entregue uma cópia (art. 51.º n.ºs 1 e 2 do RCPIT). II - De acordo com o disposto no art. 44.º do RCPIT o procedimento de inspecção é previamente preparado (a preparação prévia consiste na recolha de toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual arquivado nos termos legais na DGI, as informações prestadas ao abrigo dos deveres de cooperação e indicadores económicos e financeiros da actividade), programado e planeado tendo em vista os objectivos a serem alcançados (a programação e planeamento compreendem a sequência das diligências da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização previsto no presente diploma e a previsível evolução do procedimento). III - Actos materiais do procedimento externo de inspecção são, essencialmente, os que visem e impliquem a directa observação da realidade tributária do sujeito passivo, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias ou a prevenção das infracções tributárias (n.º 2 do art. 2.º do RCPIT), aí se integrando os que se substanciem em exame de documentos, consulta de sistemas informáticos (als. b) e al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RCPIT), recolha de documentos que possa subsumir-se na previsão dos arts. 55.º e 56.º, também do RCPIT), a inventariação de bens ou, ainda, a tomada de declarações (nos preditos termos) a sujeitos passivos e outros intervenientes. Não são de integrar no conceito de acto material do procedimento externo de inspecção, prévios pedidos de elementos a entidades terceiras (com quem o sujeito passivo mantém relações profissionais e económicas) operados ao abrigo do princípio da colaboração (n.º 2 do art. 31.º e n.º 4 do art. 59.º da LGT e al. b), do n.º 3, do art. 29.º do RCPIT), se tais elementos não são directamente objecto de qualquer análise ou apreciação. IV - O n.º 1 do art. 49.º do RCPIT aplica no âmbito tributário o princípio da comunicação previsto no art. 55.º do CPA e à luz deste normativo, a falta de comunicação do início de procedimento oficioso não gera invalidade se, não obstante a mesma, se demonstrar que o interessado teve conhecimento do procedimento (e do respectivo objecto) a tempo de nele poder intervir.»[17]
2.1.4.2. A terminologia utilizada relativamente a actuação externa da inspecção
A jurisprudência transcrita refere-se directamente à exigência de formalidades exigidas na lei do ponto de vista da interpretação do conceito “acção de inspecção externa” utilizado no artigo 46.º da LGT.
A distinção efectuada no artigo 13.º entre procedimento interno e externo, apela aos critérios do lugar da prática dos actos e do tipo de análise efectuada. No procedimento interno os actos de inspecção efectuam-se exclusivamente nos serviços da administração tributária e apenas através da análise formal e de coerência de documentos. No procedimento externo, os actos de inspecção efectuam-se, total ou parcialmente, fora das instalações da administração, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
Conjugando esta norma com outras do RCPITA, designadamente com o disposto no artigo 29.º (por exemplo, o exame de elementos dos contribuintes susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua actividade, ou de terceiros com quem mantenham relações económicas e solicitar ou efectuar, designadamente em suporte magnético, as cópias ou extractos considerados indispensáveis ou úteis e a tomada de declarações dos sujeitos passivos, membros dos corpos sociais, técnicos oficiais de contas, revisores oficiais de contas ou de quaisquer outras pessoas, sempre que o seu depoimento interesse ao apuramento dos factos tributários), e com o artigo 34.º, n.ºs 1 a 4, que prevê a possibilidade de actos externos poderem ser realizados no serviço da administração tributária da área de residência ou sede, parece curial entender-se que, no caso de se revelar necessário a recolha de depoimento pessoal do sujeito passivo (nomeadamente em casos em que o mesmo não responde a interpelação por escrito) ou de terceiros (com possibilidade, tratando-se de empresas relacionadas com o sujeito passivo, de acesso a elementos documentais localizados nas respectivas instalações) que se está perante prática de actos materiais de inspecção externa.
Em caso de procedimento externo (art. 13.º do RCIPTA), a actuação externa, visível, em instalações e o contacto directo com SP ou terceiros a ele ligados devem ser a indispensável, não demasiado intrusiva. Mas este tipo de actuação pode ser mais ou menos complexa devido a dados a reunir (cuja obtenção pode até ser demorada após a interpelação externa, como no caso de realidades transnacionais, dados difíceis de recuperar, etc.).
A assinatura de fim de diligência externa parece ter como objectivo a disciplina dessa fase mais intrusiva para que os funcionários da inspecção não estejam, sem limites previsíveis, a entrar e sair de instalações ou a interpelar declarantes, mas não marca o fim do procedimento externo tornado necessário por falta de elementos e/ou por dificuldade em si do processo e da dificuldade em obtenção de elementos para conhecer a verdade material. O resto do procedimento encontra-se disciplinado pelos prazos previstos nos artigos 60.º e 62.º do RCPITA.
Quanto à oscilação terminológica detectada nas diferentes normas do RCPITA e da LGT, não parece que legitime, em si, conclusões quanto à suspensão do prazo de caducidade (art. 46.º da LGT).[18]
Quer “procedimento externo” quer “acção externa” aparecem utilizados em diversas normas como actuação da inspecção, conjunto de acções, incluindo actos inspectivos externos, junto do sujeito passivo e terceiros. Para marcar a diferença relativamente a situações em que a administração utiliza apenas dados que possui, internamente, torna-se necessário marcar o início desse conjunto de actos, até porque tem efeito suspensivo da caducidade.
O prolongamento de prazo de caducidade, derivado da necessidade de a AT procurar elementos que não consegue obter sem colaboração externa, é no máximo de seis meses. Ainda que se revele existir uma complexidade acrescida permite-se a prorrogação do procedimento externo, mas fazendo perder a suspensão do prazo de caducidade.
Justifica-se que os seis meses previstos para a acção externa ou procedimento externo englobem todo o procedimento ou actuação causada pela falta de elementos pela AT porque a necessidade da sua procura externa levanta dificuldades que se prolongam, na maior parte dos casos, para além dos actos externos em instalações ou junto de SP ou terceiros – a recolha de documentos pedidos pode demorar, e há que reunir e interpretar todos os dados assim como fundamentar a decisão daí decorrente que, na generalidade dos casos, se configurará como mais complexa do que as situações que não exigem essa actuação.
Como tem sido repetido pela jurisprudência “procedendo o relatório final à identificação e sistematização dos factos detectados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, a AT está impedida, antes da elaboração desse relatório final, de exercer o direito de liquidação por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear (art. 62.° n.ºs. 1/2 al. i) RCPIT)”.
O facto dos seis meses de dilação englobarem todos os actos do procedimento (incluindo elaboração do projecto de relatório, audiência prévia, relatório final) podendo diminuir o tempo de actos exteriores, terá sido mesmo um objectivo da lei porque a intervenção nas instalações deve ser o menos invasiva possível, bem estudada e preparada, incisiva e rápida, podendo deixar mais tempo para as restantes tarefas (os prazos respectivos serão ordenadores) se houver ainda elementos a receber e/ou se o estudo da questão apresentar grande complexidade. Em qualquer caso, há sempre a possibilidade de prorrogação do período de procedimento, embora com perda da suspensão de prazo de caducidade. Em última análise, trata-se de uma questão de gestão de tempo e objectivos pela Administração, de acordo com o interesse público.
Quanto a invocadas desigualdades para contribuintes, poderão sempre existir mas, na verdade, as próprias situações são diferentes – numas a AT tem elementos ao seu dispor, noutras não, e umas situações serão mais complexas que outras assim como variará a cooperação dos sujeitos passivos.
No sentido acima exposto, é preponderante a jurisprudência. Assim, o Acórdão de 21/11/ 2012 no proc. 0594/12, na linha dos anteriores Acórdãos de 16/9/2009, no rec. n.º 473/09, 20/10/2010, rec. n.º 112/10 e 30/11/2010, rec. n.º 669/10, e citando até decisões anteriores, salienta que «procedendo o relatório final à identificação e sistematização dos factos detectados e à sua qualificação jurídico-tributária, designadamente descrevendo os factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, a AT está impedida, antes da elaboração desse relatório final, de exercer o direito de liquidação, por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear (art. 62.° n.ºs. 1/2 al. i) RCPIT)» e que atentando no disposto nos arts. 45.º e 46.º da LGT e 60.º e 61.º do RCPIT, «nada da letra nem do espírito daqueles normativos permite distinguir, com relevo para a contagem do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar, actos internos de inspecção e actos externos de inspecção e muito menos permite se confira apenas a estes últimos a eficácia suspensiva.
Da interpretação conjugada dos referidos preceitos legais decorre apenas e só (…) que o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos, que é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário – artigo 45.º da LGT –, se suspende com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação. Nos demais casos, isto é, quando a acção inspectiva se conclua antes daqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final, notificação que, assim, o legislador elegeu como termo do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo, tudo conforme dispõe o artigo 60.º n.º 1 e 2 do RCPIT.»
2.1.5 Qualificação da acção inspectiva nos autos e seus efeitos quanto à caducidade
Face à factualidade fixada e às considerações acima feitas sobre os conceitos de acção inspectiva interna ou externa, importa qualificar a situação dos autos.
O conhecimento de uma situação tributária não declarada – transmissão em 2010 de participações sociais pela Requerente à Sociedade E… SGPS – foi, numa acção inspectiva àquela sociedade, identificada apenas em 2014, portanto perto do final do prazo de caducidade do direito de liquidação. Em Outubro de 2014, a AT, sob a forma de acção inspectiva interna, notificou a Requerente para apresentar declaração de IRS em falta e prestar esclarecimentos sobre a determinação do valor das acções, ao mesmo tempo que pediu ao F… elementos referentes às transacções dos títulos.
Como a Entidade Requerida não obteve os dados requeridos e pelos elementos constantes dos autos, poderia estar-se perante indícios de dilações intencionais na apresentação dos elementos solicitados.
Prevendo a lei a possibilidade de interpelação dos sujeitos passivos para efectuarem declarações e/ou entrega de documentação, parece justificada a notificação pessoal da Requerente em Novembro de 2014, como forma de conseguir obstar à passividade na realização de actos de cooperação, a Requerente reagiu indicando o contacto com uma sociedade de contabilidade, o que a AT fez de imediato embora infrutiferamente. Apenas em nova visita em Dezembro de 2014 conseguiu extractos de avisos de lançamento, relativos aos anos de 2004 a 2010, elementos ainda insuficientes. Em 11 de Fevereiro de 2015, em deslocação à sociedade de advogados indicada pela requerente, foi-lhe dito que afinal não tinha sido possível obter os elementos solicitados, sendo estes prometidos para 18 de fevereiro, embora isso não tenha vindo a acontecer.
Por tudo o que antecede, forçoso é concluir que se está perante uma acção externa de inspecção tributária.
As acções no exterior – interpelação da requerente para prestar esclarecimentos, através de contacto pessoal, visitas ao gabinete de contabilidade e a escritório de advogados – ocorreram no período entre 18 de Novembro de 2014 e 11 de Fevereiro de 2015. O projecto de relatório datado de 18 de Fevereiro de 2015 foi enviado em 4 de Março de 2015, a audição prévia ocorreu em 23 de Março de 2015 e o relatório final de 25 de Março de 2015 foi notificado em 17 de Abril de 2015.
De acordo com a interpretação acima acolhida, o prazo de caducidade esteve suspenso durante o período decorrido entre 18 de Novembro de 2014 e 17 de Abril de 2015, não ultrapassando o prazo de seis meses previsto no artigo 46.º da LGT.
A liquidação datada de 20 de Abril de 2015 foi notificada em 28 de Abril, para pagamento até 22 de Junho de 2015.
Assim se conclui que o prazo para liquidação de IRS referente a 2014 que terminaria em 31 de Dezembro de 2014, como esteve suspenso entre 18/11/2014 e 17/04/2015, não se encontrava esgotado em 28 de Abril de 2015.
III.2.2. Quanto à alegada falta de fundamentação da liquidação, quanto ao título, data e preço de aquisição das acções pela requerente
Nesta sede, alega a Requerente, entre o mais, que existe vício de forma por falta de fundamentação porque a AT não fundamentou o aspecto quantitativo do elemento objectivo da incidência, dizendo que não foi feita prova sobre a forma de aquisição, valor e data da aquisição. E, admitindo a sua aquisição a título oneroso, se foi utilizado para apuramento da mais-valia o custo documentalmente provado das ações ou, não sendo possível apurar este, se foi ou não utilizado o critério supletivo para a determinação do valor de aquisição legalmente previsto.
Acontece que as razões que estiveram na génese das correcções efectuadas pela AT foram amplamente compreendidas e posteriormente referenciadas e atacadas pela Requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral, e, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT, pelo que não tendo usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o acto sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que inexiste o apregoado vício de que alegadamente padecia.
De qualquer modo, no sentido de que a liquidação impugnada preenche as exigências legais referentes à fundamentação vai a exaustiva defesa apresentada pela Requerente o que por si só demonstra não apenas que a liquidação está fundamentada como também que a Requerente compreendeu essa fundamentação.
Os argumentos invocados não consubstanciam falta ou insuficiência de fundamentação, poderiam, como veremos, consubstanciar erro na apreciação das normas de direito aplicáveis.
Vejamos.
III. 2.3.Quanto à ilegalidade da liquidação
III.2.3.1. A transmissão das acções e sua natureza
Como ficou dito, e em termos sintéticos, as correcções efectuadas pela AT tiveram por fundamento as partes representativas do capital das sociedades B…, C… e D…, alienadas pela Requerente em 2010.11.30, pelo preço total de €28.991.3786,96, à sociedade E…, SGPS, de que é accionista e administradora, haviam sido adquiridas por valores correspondentes aos preços médios indicados nos mapas de posição/extractos bancários fornecidos pela Requerente, nos quais se incluem valores de preço de custo "0,00" no caso de 6.082.340 ações recebidas da C…, em consequência de processo de cisão da B… e de 1.670.472 ações da D…, em razão de idêntico processo da C… (Q. V do R.I.).
Decorre dos arts. 42.º a 50.º do CIRS que a mais-valia é determinada, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, o que significa que importante para a determinação da matéria colectável é, desde logo, a determinação do título de aquisição das acções (gratuito ou oneroso), do respectivo valor e data de aquisição.
i) A transmissão
A correcção da liquidação de IRS a que a AT procedeu tomou por pressuposto a aquisição onerosa das acções em causa pela Requerente (Ponto 2 do RIT e 42 da Resposta da AT).
O tratamento fiscal da aquisição dos títulos em causa será, na verdade, diferente consoante a natureza da aquisição.
Com efeito, quando a aquisição ocorra a título oneroso, a base de cálculo para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a IRS é determinada nos termos dos arts. 10.º, n.º 1, b) e 48.º, a) CIRS. Quando a aquisição assuma natureza gratuita, rege o art. 45.º do CIRS, que, para efeitos de determinação do valor da aquisição, remete para o regime do imposto de selo (cf. 15.º, n.º 3 CIS).
Regula o art. 48.º, a), do CIRS que:
“Tratando-se de valores mobiliários cotados em bolsa de valores, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado”.
Por sua vez, nos termos do art. 45.º do CIRS:
"Para determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto de imposto do selo;
b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido".
Prevê-se, ainda, no art. 15.º, n.º 3, do CIS, o seguinte:
“O valor das ações, títulos e certificados da dívida pública e outros papéis de crédito é o da cotação na data da transmissão e, não a havendo nesta data, o da última mais próxima dentro dos seis meses anteriores, observando-se o seguinte, na falta de cotação oficial: a)....".
A aquisição das ações pelo sujeito passivo, bem como a natureza (gratuita ou onerosa) dessa aquisição constituem, assim, pressupostos constitutivos do acto de tributação, cujo apuramento é, assim, absolutamente indispensável no caso em presença.
Para que haja aquisição das acções escriturais em causa, é necessária a verificação de duas condições – a celebração de um contrato (negócio causal subjacente) e a realização de um acto de modo que, neste tipo de acções, corresponde ao registo em conta (vd. acórdão do S.T.J., de 15.05.2008, no Proc. 08B153).
De ambas as condições foi feita prova, na medida em que, quanto ao modo, ficou demonstrado o registo das acções em nome da Requerente. No que diz respeito ao contrato, retira-se do registo a presunção de titularidade (art. 74.º Código dos Valores Mobiliários, nos termos do qual o registo em conta individualizada de valores mobiliários escriturais gera a presunção de que o direito existe e de que pertence ao titular da conta), sendo certo que o negócio transmissivo deste tipo de bens está subordinado ao princípio geral da liberdade de forma (art. 219.º do Código Civil), pelo que a prova da celebração de negócio jurídico não tem de ocorrer por via documental.
No Relatório do C.A. da B… relativo ao exercício de 2003, consta, de facto, que, à data de 31/12/2003, A… detinha 3.041.170 acções (Ponto bb da Parte III.1 - § 1. Dos factos provados).
Por sua vez consta também do probatório que em 31 de Outubro de 2003, encontravam-se registadas na conta n.º… do F…, 3.041.170 acções da B… SGPS, SA, (…), sendo que, em 6 de Novembro de 2003, aquelas acções foram transferidas para a conta n.º … do mesmo Banco, que tinha como única titular a Requerente A…” (respectivamente pontos y) e z)).
Estes factos, constantes do probatório, constituem prova de que as acções pertenciam à Requerente. Dito por outras palavras por força do disposto no n.º 1 do artigo 74.º do CMV, constituem presunção bastante da sua titularidade e esta não foi destruída.
Assim sendo, no caso dos autos, resulta do probatório que a Requerente é titular das acções em causa, pelo menos desde 2003 (conforme já referido, Ponto 10.1, alínea z-).
Questão diferente é a que se relaciona com a natureza da aquisição em presença, ou seja, com o carácter gratuito ou oneroso da transmissão dos títulos.
Vejamos.
ii) A natureza da transmissão
Como referido, a AT efectua a liquidação adicional invocando a natureza onerosa da aquisição, assim fazendo assentar tal acto tributário na norma contida no art. 10.º, n.º 1, b) e 48.º, a) do C.I.R.S - normativo este respeitante à aquisição a título oneroso de partes sociais e de outros valores mobiliários (Ponto 3, págs. 17 do RIT).
Como ficou dito, dos autos não resulta provada a existência de qualquer contrato, designadamente de compra e venda de transmissão das acções do pai para a Requerente. Por outro lado, dos elementos colhidos nos autos, resultam, pelo contrário, indícios de que a aquisição não assumiu natureza onerosa. Nesse sentido aponta, por exemplo, a circunstância de a Requerente ter começado a ser titular de acções em contas conjuntas com o pai, desde muito jovem, bem como o facto de ser filha única.
Tanto não é, porém, suficiente para que o tribunal possa fundar, com carácter seguro, como se impõe, que a aquisição tenha ocorrido a título gratuito.
Com efeito, nem a tal juízo basta o facto de algumas testemunhas terem deposto no sentido de que a Requerente não dispunha de meios próprios para adquirir, por si, as referidas acções. Na verdade, sendo a Requerente titular de acções, poderia auferir rendimentos daí provenientes.
Perante a prova produzida, o tribunal ficou, assim, numa situação de dúvida inultrapassável, relativamente à natureza da aquisição a que houve lugar.
A dúvida insanável não constitui, contudo, fundamento para omissão de decisão, sob pena de denegação de justiça (cf. art. 8.º Código Civil).
A decisão do tribunal quanto a este ponto pressuporá, nesta medida, o recurso aos critérios do ónus da prova.
As regras de distribuição do ónus da prova em matéria fiscal constam do art. 74.º, n.º 1, da L.G.T. e do art. 100.º do CPPT.
De acordo com o primeiro:
“O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
De acordo com o segundo:
“Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
Assim, retira-se, de ambas as normas, que a prova dos factos constitutivos do direito a liquidar o imposto em análise, recai sobre a Administração Tributária.
No mesmo sentido, se pronuncia a jurisprudência, designadamente o TCAN (Processo 00946/09.0BEPRT, 15 de Janeiro de 2015), que refere:
“Como determina o art. 74.º/1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Esta é a redação vigente do n.º 1 que também era a redação inicial. O preceito foi alterado pela Lei n.º 55-B/2004 de 30/12 para o seguinte teor: O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, excepto nas situações de não sujeição, em que recai sempre sobre os contribuintes. Porém, a Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto repôs a redação inicial, que se manteve até ao presente".
Explica, ainda, o referido Tribunal:
“Muito simplesmente, como tem sido pacificamente entendido, significa que na «falta de regras especiais, ou seja, salvo presunção legalmente consagrada, é assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua actuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo que não tenham sido declarados pelo contribuinte» (António Lima Guerreiro, "LGT Anotada", Rei dos Livros, 2001, pp. 329). Ou, dito de outro modo, cabe à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos. (ac. do TCAN n.º 00624/05.0BEPRT de 12-01-2012, Relator: Catarina Almeida e Sousa)
Esta norma embora integre o conjunto de regras atinentes ao procedimento também se aplica ao processo judicial, não sendo aliás, o seu conteúdo distinto do critério geral da repartição do ónus da prova previsto no art. 342.º do Código Civil”.
Este regime de repartição do ónus da prova no procedimento tributário é complementado, no processo judicial, pelo n.º 1 do art. 100.º do CPPT que, repete-se, estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado». O que significa que no processo judicial as dúvidas probatórias são valoradas a favor do contribuinte, regras que deveriam ter sido tidas em conta pela AT ao valorar a prova no procedimento Tributário (cfr. Diogo Leite Campos e Outros, Lei Geral Tributária, 4ª.ed. 2012, p. 659).
Neste contexto, da aplicação de tais normas ao caso resulta, sob o ponto de vista jurídico, que, não tendo sido produzida prova sobre a natureza onerosa da aquisição das acções e sendo este facto constitutivo do direito à liquidação ora impugnada, é sobre a AT que recai o ónus da prova da verificação desse pressuposto. Não tendo esta cumprido o ónus de provar o referido requisito, decorre, para o Tribunal, das mencionadas regras do ónus da prova, o dever de, na situação de dúvida em que foi colocado, decidir contra a parte a quem incumbia o ónus da prova, não considerando provada a natureza onerosa da aquisição alegada.
Em suma, tendo sido provada a aquisição das acções pela Requerente, mas não que tal aquisição tenha ocorrido a título oneroso, falha um facto constitutivo do direito a liquidar o imposto, nos termos em que a AT o fez; circunstância que determina, por si, a anulação do acto de liquidação objecto da presente ação.
III.2.3.2. Outros vícios
Não ignora o Tribunal que o acto de liquidação padece, igualmente, de outros vícios que identicamente determinariam a sua ilegalidade e consequente anulação.
A título de exemplo, realce-se que, ainda que se houvesse provado a natureza onerosa da aquisição, haveria igualmente erro na determinação da matéria colectável das mais-valias.
Com efeito, nesse caso, o valor das acções a considerar teria de ser, nos termos da alínea a) do art. 48.º do CIRS, dado que estamos a falar de acções cotadas na bolsa, o custo de aquisição documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificados nos dois anos anteriores à data da alienação.
O valor considerado pela AT fundamenta-se em “valores médios de aquisição”, que não têm qualquer apoio legal como valores de aquisição para efeitos do apuramento das mais–valias na alienação das acções da B… em Novembro de 2010. Na verdade, não se tendo provado o custo de aquisição, isso implicaria que na sua falta fosse utilizado o valor correspondente à menor cotação verificada nos últimos dois anos anteriores à data da alienação [alínea a) do art. 48.º do CIRS)].
Acresce que a AT não fundamenta sequer como chegou a esses “valores médios” e nem tão pouco fixou a data precisa da transmissão das acções da B… do pai para a Requerente.
Fundamenta a AT que o valor médio de aquisição de € 0,55 e € 0,99 para as ações da B… adquiridas pela Requerente, constante do referido Q.II supra, resulta tão simplesmente do valor médio constante dos extratos bancários da entidade depositária dos títulos em causa - O F…- e das comunicações efetuadas por esta Instituição de Crédito à AT através das declarações modelos 13 e 33.
Ora, nos extractos do F…, de onde foram retirados os "valores médios de aquisição" das acções da B…, de € 0,99 para as 125.420 acções e de € 0,55 para as 6.252.420 acções, antes referidas e que constam do aludido Q.II do Relatório, estes valores constituem uma mera informação estatística para o accionista, não tendo a inspecção logrado obter qualquer prova documental do custo de aquisição dos diversos lotes de acções.
De realçar, ainda, que nesses mesmos extractos bancários constam também, para além dos ditos valores médios - informativos para o acionista - os valores da última cotação (na Bolsa), respectivamente, € 0,85 (em vez do dito valor de custo médio de € 0,99) para as 125.420 acções e € 0,85 (em vez do dito valor de custo médio de € 0,55), para as 6.252.420 acções, todas da B…, valores esses de Bolsa, realça-se, que a IT desprezou.
Diz a AT que utilizou o custo médio por ser essa a formação do custo das mesmas ao longo do seu tempo de vigência e por constar dos referidos extractos bancários e das declarações mod. 13 e 33, a que se referem os arts. 124.º e 125.º do CIRS, envidas à AT pelo F… .
Esclarece-se que a declaração mod. 33, a que se refere o art. 125.º do CIRS, não contém, nem jamais conteve valores de aquisição e que a declaração modelo 13 a que se refere o art. 124.º inclui um Quadro para indicação do valor efectivo da operação (aquisição, alienação, resgate, etc.), mas nunca o valor de um custo médio.
Podemos mesmo concluir que o critério utilizado pela AT não tem qualquer suporte legal para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a IRS, quer a transmissão se considerasse gratuita quer onerosa, o que sempre conduziria à existência de erro de direito na determinação da matéria colectável.
De qualquer modo, relativamente às transmissões gratuitas, o CIRS tem uma regra muito clara relativamente ao apuramento do valor de aquisição das acções cotadas, o que é o caso, como consta dos autos.
Por tudo o quanto vai exposto, improcede a argumentação da AT, dando-se razão à Requerente.
Termos em que se julga procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2015… do IRS, referente ao ano de 2010, no valor de € 5.459,714,96 e, nesta sequência, se anula a liquidação impugnada, com todas as consequências legais.
2.4. Indemnização por prestação de garantia indevida.
Por entender que, no caso concreto, houve erro imputável à AT, a Requerente formula um pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, a fim de ser ressarcida pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária no montante de € 6 913 623,98 para suspender o processo de execução fiscal n.º …2015… .
Cumpre apreciar.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objecto um acto em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de actos de liquidação ou de actos de fixação da matéria tributável e actos de segundo grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, actos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.
Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de actos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
«Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.»
No caso em apreço, o acto de liquidação n.º 2015… de IRS relativo ao ano de 2010 é ilegal.
Ademais, o referido acto de liquidação de imposto foi da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, sendo que a Requerente em nada contribuiu para que ele fosse efectuado e, muito menos, nos termos em que o foi.
Neste enquadramento, a prestação da aludida garantia bancária, por parte da Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão do mencionado processo de execução fiscal, afigura-se indevida, pelo que a Requerente tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que efectivamente sofreu com a prestação daquela garantia bancária, os quais, como a própria Requerente refere, «só poderão, evidentemente, ser apurados no momento em que venha a ser possível levantar a garantia, uma vez que o seu montante está na dependência do prazo de duração da garantia»; ou seja, será em sede de execução de sentença que serão apurados tais prejuízos e fixada a indemnização devida à Requerente.
Termos em que procede o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária, pela Requerente, no montante de € 6 913 623,98.
***
IV. Decisão
Em face de tudo quanto antecede, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2015… do IRS referente ao ano de 2010, no valor de € 5.459,714,96 e, nesta sequência, anular a liquidação impugnada, com todas as consequências legais;
b) Condenar a Requerida no pagamento de indemnização derivada da prestação de garantia indevida, no montante € 6 913 623,98.
V. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 5.459,714,96, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Notifique.
Lisboa, 30 de Setembro de 2016
Os Árbitros
Fernanda Maçãs (com a declaração de voto anexa)
(Presidente)
Manuela Roseiro
(Vogal)
José Rodrigo de Castro
(Vogal)
Declaração de Voto
Acompanho a decisão proferida no sentido da procedência da presente acção, bem como os fundamentos em que tal decisão se suporta.
Salvaguardo, no entanto, diferente perspectiva no que diz respeito à excepção de caducidade da liquidação arguida pela Requerente, por entender, em suma, que o art. 46.º, n.º 1 da LGT, ao falar em “acção de inspecção externa” pretende que o prazo de caducidade só se suspenda durante o período de duração dos actos de inspecção externa, período durante o qual a AT está impedida de realizar o relatório, não podendo, assim, o decurso desse tempo, correr contra ela. Entendimento que, com maior desenvolvimento, consta da Declaração de Voto que proferi no Proc. N.º 0594/12, de 21.11.2012, do STA.
[1] A evolução da B… é muito mais complexa do que a descrita no Pedido, só em 2000 no relatório CA da B… SGPS tinha participações financeiras em: N…, S.A. O…, S.A., Grupo P…, S.A., Q… , SGPS, S.A., R… , SGPS, S.A., S…, S.A., registando-se que: “Na sua actividade de gestora de um conjunto vasto e diversificado de negócios, a B… definiu como estratégia a criação de valor através de um equilíbrio entre negócios maduros com forte geração de resultados (…, N…, O…e P…) e negócios de grande potencial de crescimento (media e tecnologias de informação).
[2] Note-se que uma das participações qualificadas pertencia à T…, S.G.P.S.,S.A., que detinha, directamente, 10.500.000 acções correspondentes a 21% dos votos.
[3] Este valor corresponde ao valor pós stock split de 2011.
[4] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, com alterações posteriores, designadamente as introduzidas pelo artigo 26.º da Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, vigentes a partir do dia 01/10/2014, de acordo com o art. 31.º da mesma lei) e designado sinteticamente por RCPITA.
[5] Cf. Título IV (atos de inspecção), Capítulo I (garantias do exercício da função inspectiva).
[6] O n.º 1 do artigo 63.º da LGT prevê que “Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais; (…). Mas além de o procedimento da inspecção e os deveres de cooperação deverem ser os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir (n.º 4 do mesmo artigo), é legítima a falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 será legítima em circunstâncias enumeradas no n.º 5 do mesmo artigo, designadamente quando as mesmas impliquem “o acesso à habitação do contribuinte” (alínea) do n.º 5).
[7]O n.º 3 do artigo 29.º do RCPITA prevê que “A inspecção tributária pode ainda, atendendo à sua necessidade e ao princípio da proporcionalidade, proceder às seguintes diligências prospectivas ou de informação: a) Enviar aos contribuintes, bem como a quaisquer outras entidades públicas ou privadas, questionários quanto a dados e factos de carácter específico relevantes para a definição e controlo da sua situação tributária ou de terceiros, os quais deverão ser devolvidos depois de devidamente preenchidos e assinados; b) Solicitar às entidades referidas na alínea anterior o envio de cópia de documentos e informações relevantes para o apuramento e controlo da sua situação ou de terceiro, designadamente facturas, documentos de transporte, registos contabilísticos e cópias ou extractos de actos e documentos de cartórios notariais, conservatórias e outros serviços oficiais.
[8] No procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal (n.º 2 do art. 38.º).
[9] Os nºs 3 e 5 do art. 46.º enunciam os elementos de cada um desses instrumentos, ordem de serviço ou despacho.
[10] Nos casos referidos nas alíneas a) (consulta, recolha e cruzamento de elementos) e c) (controlo de sujeitos não registados) do n.º 4 do artigo 46.º, a nota de diligência indicará obrigatoriamente as tarefas realizadas,
[11] Direito que em regra “caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro” (art. 45.º, n.º 1, da LGT), contando-se o prazo, nos impostos periódicos, como é o caso do imposto em causa nos autos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (n.º 3 do mesmo preceito).
[12] Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, Março de 2011.
[13] A Requerida cita nestes autos uma referência, anterior ao próprio RCIPTA, contida no Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, de 30 de Abril de 1966, no sentido de haver, muitas vezes, necessidade de conjugar os dois tipos de ações, uma interna que pode determinar pedido de esclarecimentos ou elementos adicionais ao contribuinte e outra externa que é normalmente precedida de uma análise interna.
[14] Neste caso o contribuinte defendia que dada a relevância de actos praticados junto de terceiros como o adquirente da moradia, da Câmara Municipal e de acções externas dos funcionários da DGCI, se tratava de um procedimento inspectivo externo que teria exigido da AT a observância de exigências formais (quanto ao início, ao prazo e credenciação) que não tinham sido tomadas, enquanto a AT defendia que” se estava perante uma inspecção interna porque os actos de inspecção se efectuaram exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos - não sendo a circunstância de serem pedidos elementos e esclarecimentos quer aos compradores da moradia em causa, quer aos vendedores, ora impugnantes, - no âmbito dos princípios da cooperação e da colaboração, cf. artigos 55.º e 59.º, da LGT e 5.° do RCPIT- em conjugação com os demais elementos obtidos através da comunicação legal do Notário, bem como da Câmara municipal, não tem a virtualidade de mudar a natureza interna da referida inspecção.
[15] O tribunal veio a considerar que segundo o artigo 13.º do RCPIT o procedimento interno, cujos actos de inspecção são efectuados exclusivamente nos serviços da administração tributária, tem na sua base uma análise formal e de coerência dos documentos. Ou seja, trata-se de um procedimento de análise de conformidade entre documentos/ elementos que estão na disponibilidade da Administração. Daí que os respectivos actos, neste caso, possam ser exclusivamente praticados nos serviços da AT. No caso em julgamento ressaltava do relatório de inspecção que a correcção efectuada (e a liquidação de imposto que lhe seguiu) não resultou, nem podia resultar, de uma mera análise formal e de coerência de documentos dado que tinham sido elementos obtidos, por iniciativa da AT, junto de terceiros – Câmara Municipal e adquirente da fracção – que tinham permitido à AT fundamentar a correcção efectuada e que deu origem à liquidação impugnada. Admitindo que de acordo com os artigos 46.º, n.º 4, alínea a) e 50.º, n.°1, alínea a) do RCPIT o procedimento de inspecção que tenha por objectivo a consulta, recolha e cruzamento de documentos destinados à confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário não carece de ordem de serviço nem de notificação prévia, neste caso sem as diligências investigatórias, da iniciativa da AT, dirigidas a terceiros, não teria sido possível chegar-se às conclusões do Relatório, pelo que tinham sido omitidas exigências previstas nos artigos 49.º, n.º 1 e 50.º/1,a) e 36.º, n.ºs 2, 3 e 4 do RCPIT (como notificação prévia, ordem de serviço, período do procedimento, de seis meses, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação).
[16] Tendo o contribuinte assinado em 20/10/2009 a ordem de serviço, mas os Serviços de Inspecção Tributária haviam encetado diligências nos dias 13/9/2009 e 14/9/2009. Neste processo o contribuinte invocava violação de lei por prática de verdadeiros actos de inspecção externa - consistentes na solicitação de diversas informações a terceiros - antes de decorridos cinco dias sobre a carta-aviso recebida a 12/10/2009, informando da acção de inspecção, enquanto a AT defendia que os pedidos a sociedades com as quais o impugnante mantinha relações económicas, nomeadamente extractos de conta corrente com movimentos efectuados entre essas sociedades e o impugnante ou uma Farmácia, substanciava meros actos preparatórios do procedimento de inspecção, à luz do disposto no n.º 1 do art.º 44.º do RCPIT, enquadrando-se no âmbito de «preparação prévia» do procedimento de inspecção (solicitação a terceiros de informações e documentação, ao abrigo do princípio da colaboração previsto para estas situações, nomeadamente, nos arts. 31.º, n.º 2, e 59.º, n.º 4, da LGT e no art. 29.º, n.º 3, al. b), do RCPIT).
[17] Na fundamentação da decisão foi considerado que, distinguindo a lei (art.º 44.º do RCPIT) entre preparação prévia (recolha de toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual arquivado nos termos legais na DGI, as informações prestadas ao abrigo dos deveres de cooperação e indicadores económicos e financeiros da actividade), e programação e planeamento (estes compreendem a sequência das diligências da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização e a previsível evolução do procedimento), no caso vertente, como bem refere a sentença recorrida, as questionadas diligências traduzem-se em meros actos preparatórios do procedimento de inspecção, porque com as solicitações efectuadas pela AT não fez mais do que recolher preparatoriamente elementos e informação, (elementos que podem, até, não ser obtidos, por eventual não colaboração dos solicitados) não procedendo, ainda, a qualquer análise ou apreciação desses elementos pedidos. Elementos que, de todo o modo, posteriormente foram dados a conhecer ao sujeito passivo. A decisão concluiu assim, que, “Não estão, portanto, em face de actos materiais do procedimento externo de inspecção (que visem e impliquem, desde logo, a directa observação da realidade tributária do sujeito passivo, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias ou a prevenção das infracções tributárias – cf. o n.º 2 do art. 2.º do RCPIT) ou que se substanciem em exame de documentos, consulta de sistemas informáticos (cf. as alas. b) e al. c) do n.º 1 do art. 29.º do mesmo diploma), recolha de documentos que possa subsumir-se na previsão dos art. 55.º e 56.º, também do RCPIT), a inventariação de bens ou, ainda, a tomada de declarações (nos preditos termos) a sujeitos passivos e outros intervenientes”. E que “ainda que possa aceitar-se que o conceito de «procedimento de inspecção» seja mais amplo do que o conceito de «actos» ou «acção de inspecção», (aquele pode exigir os aqui questionados actos preparatórios internos da acção de inspecção externa propriamente dita, como exige actos subsequentes a esta), é o próprio procedimento que há-de classificar-se como interno ou externo - art. 13.º do RCPIT (consoante os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da AT ou em instalações e dependências do sujeito passivo) e, no caso, tratando-se de actos praticados pela AT como preliminar e actos preparatórios do procedimento externo de inspecção, devem ser apreciados como tal e não como parte desse procedimento externo de inspecção (…) ”.
[18] Num mesmo número - 4 do art. 36.º do RCPITA - dizia-se: “A prorrogação da acção de inspecção é notificada à entidade inspeccionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento, fazendo incidir a relevância dos efeitos da acção no fim do procedimento. Talvez como reflexo de controvérsias surgidas, na redacção dada pela Lei n.º 75-A/2014, de 30/09, diz-se “A prorrogação do prazo do procedimento de inspeção deve ocorrer até ao seu termo, antes da emissão da nota de diligência, e é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento”. (sublinhados nossos). De realçar ainda quanto a falta total de sintonia na terminologia entre a LGT, aprovada pelo DL 398/98, de 17/12 e o RCIPIT, aprovado pelo DL 413/98, de 31/12, também se explica pela diversidade de processos legislativos e pela diferença de tónica quanto ao âmbito e detalhes.